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A prevenção e solução de litígios internacionais no direito penal
internacional:
fundamentos, histórico e estabelecimento de uma corte penal internacional
(Tratado de Roma, 1998)
Rodrigo Fernandes
More advogado e professor em São
Paulo
Sumário: I-Introdução; II- Jurisdição e competência
internacionais como elementos costitutivos da soberania e dirimentes de
litígios internacionais, 1.Os limites da jurisdição internacional dos Estados-
conceitos gerais, 2.A competência extraterritorial dos Estados, (i) O princípio
da nacionalidade. ii) O princípio da segurança. nacional. iii) O princípio da
universalidade. iv) O princípio da universalidade. v) princípio da
territorialidade subjetiva e objetiva. vi) O princípio da personalidade
passiva.) 3.A busca da efetividade das decisões nacionais criminais em
território estrangeiro.; III- Base para o estabelecimento de uma corte penal
internacional; 1. O problema de um direito penal internacional.2. Terminologia,
distinção, posição e conteúdo do direito penal internacional. 3. Delitos comuns
atentatórios de interesses dos Estados (crimes internacionais).IV- O tratado de
Roma de 1998 e a corte penal internacional, 1. Introdução à história de
estabelecimento de uma corte penal internacional. 2. A Corte Penal Internacional:
Tratado de Roma de 1998, 3. O Estatuto da Corte Penal Internacional de Roma.
3.1. Características gerais da Corte. 3.2. Vítimas e acusados. 3.3. Crimes
internacionais objetos de jurisdição da Corte. 3.4. Jurisdição ratione
temporis. A regra do ne bis in idem e os princípios gerais de direito penal.
3.5. Excludentes de responsabilidade penal. Erro de fato e erro de direito.
Cumprimento de ordens de governo e de superiores. 3.6. Administração. 3.7.
Pré-julgamento, prisão preventiva e julgamento perante a Câmara de Julgamento.
3.8. Penas e execução. 3.9. Solução de controvérsias no âmbito da Corte. 3.10.
Disposições gerais atinentes ao processo de conclusão dos tratados
internacionais.; V- Conclusões.
Capítulo I: Introdução
As questões envolvendo o direito penal internacional estão
se tornando cada vez mais importantes em matéria de prevenção e solução de
litígios internacionais. De uma forma cada vez mais intensa, pesquisadores de
diversas áreas, mesmo aquelas não diretamente afetas ao direito ou ao direito
internacional, vêm percebendo a necessidade de se ponderar sobre antigos
problemas políticos e sociais, tais como segurança pública, sob perspectivas
mais especializadas. A interdisciplinariedade, indipensável para o pensamento
do mundo contemporâneo, exige do pesquisador, do político, do próprio Estado, o
lançar mão de "novos" conceitos de "velhas" disciplinas
para equacionar problemas que afetam não mais o Estado ou o indivíduo de forma
isolada, mas problemas cujos efeitos se projetam além fronteiras e cuja solução
deve, portanto, ser pensada de forma igualmente extraterritorial.
Há algum tempo, as fronteiras físicas entre Estados
deixaram de ser barreiras efetivas contra os efeitos de atos praticados no
Estado vizinho - atos lícitos ou ilícitos, civis ou penais. Nesta perspectiva,
em matéria de direito penal, a solução de litígios entre particulares de um e
outro Estado, com o tempo, passou a integrar a própria política internacional
dos Estados. A jurisdição internacional, limitada pela competência
internacional, passou a ser um instrumento de ampliação da soberania interna do
Estado e, por consequência, também um instrumento de política internacional,
incrementando sensivelmente o número e diversificando a natureza dos litígios
internacionais.
Litígios, nos dizeres de CHIOVENDA, são "conflitos de
interesses"; para HOBBES (1), podem ser também considerados
como litígios a simples ameaça de conflito, ainda que este jamais venha a
ocorrer. Para Francesco CARNELUTTI, citado por Vicente GRECO Filho, "Há
conflito entre dois interesses quando a situação favorável para a satisfação de
uma necessidade exclui a situação favorável para a satisfação de uma
necessidade diversa." (2). De qualquer forma, tem-se o
litígio no "interesse" dos sujeitos, independentemente da resistência
de outrem (3).
No âmbito do direito interno, os sujeitos envolvidos nos
litígios são três: o devedor, o credor e o Estado, ao passo que se têm somente
dois focos de interesses envolvidos - o primeiro na relação credor-devedor,
consubstanciado no interesse de recomposição dos danos causados (interesse
privado); o segundo, na relação Estado-devedor, voltado à defesa do interesse
público de preservação do estado de Direito, da segurança pública e bem-estar
coletivo.
No âmbito do direito internacional, predomina o interesse
público sobre o privado, característica que não exclui da apreciação da lei
internacional relevantes questões atinentes aos direitos dos indivíduos, as
quais recebem tratamento indireto, portanto por via reflexa, através da atuação
dos Estados na ordem internacional, que cuidam de representar diplomaticamente
os mais legítimos interesses do indivíduos enquanto não-sujeitos de direito
internacional. No entanto, em algumas situações especiais definidas no direito
internacional, reconhece-se no indivíduo personalidade e capacidade
internacional e, por conseguinte, exigem-se requisitos para sua atuação como
sujeito de direito internacional. Isto porque o direito internacional foi
criado por Estados e dirigido à regulamentação das relações entre Estados
soberanos, os quais, no exercício desta soberania interna, cuidam de regular as
relações de seus nacionais.
Diz-se, então, que o indivíduo sempre foi concebido como
objeto de tutela do Estado, razão pela qual não pode atuar interna ou
externamente com plena capacidade e personalidade senão nos limites traçados
pelo Estado. Equivocada assertiva! De modo bastante claro, vê-se que o
indivíduo e o Estado são as figuras mais importantes a serem consideradas neste
nossos estudo. O indivíduo como sujeito ativo e passivo de crimes; o Estado
como persecutor e punidor destes atos criminosos.
Diferentemente do direito interno, no direito
internacional Estado e indivíduo podem ser sujeitos de direitos, proposição que
nos obriga a investigar a capacidade e personalidade destes entes, antes de
reconhecer-lhes a legitimidade postulatória de direitos. Na relação de direito
interno, capacidade e personalidade são regras claramente postas pelas leis do
Estado. Se não se adequam os indivíduos às prescrições legais, não lhes é
reconhecida legitimidade postulatória. No direito internacional, os requisitos
da legitimidade postulatória não se reportam ao direito interno dos Estados.
Será sujeito de direitos internacionais todo aquele que for destinatário direto
da norma internacional, não importando se o destinatário é ou não capaz em
relação à lei de seu Estado de origem (4).
Consequência direta desta regra, expressamente reconhecida
no artigo 27 do Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional (5), é
o não reconhecimento dos indivíduos como sujeitos de direito em relação ao
direito penal internacional, contrariamente ao seu amplo reconhecimento no
âmbito do direito internacional penal (6), distinção doutrinária que
nada influi na qualidade e quantidade de litígios cujos efeitos se espraiam da
esfera interna para a internacional. Neste artigo, dirigido à análise da Corte
Penal Internacional, portanto ao tratamento jurídico internacional dos crimes
internacionais e do direito penal internacional, não cuidaremos dos ilícitos
próprios ao direito internacional penal.
Para tanto, cuidamos de dividir este estudo em cinco
capítulos: I - Introdução; II - Jurisdição e competência internacionais como
elementos constitutivos da soberania e dirimentes de litígios internacionais;
III - Bases para o estabelecimento de uma corte penal internacional: o direito
penal internacional; IV - O Tratado de Roma de 1998 e a Corte Penal
Internacional; e V - Conclusões.
No capítulo destinado ao estudo da jurisdição e
competência internacionais como elementos constitutivos da soberania e
dirimentes de litígios internacionais, cuidaremos de analisar as bases sobre as
quais se apóia o direito internacional, com destaque ao direito penal
internacional e seus limites. No capítulo terceiro, socorrendo aos fundamentos
lançados no capítulo anterior, debruçar-nos-emos sobre os fundamentos para o
estabelecimento de uma corte penal internacional, a partir do estudo da
terminologia, distinção, objeto e conteúdo do direito penal internacional.
Finalmente, no último capítulo, faremos um breve exposição sobre a história e
os fundamentos do Tratado de Roma de 1998, com especial atenção ao Estatuto da
Corte Penal Internacional.
Capítulo II: Jurisdição e competência
internacionais como elementos constitutivos da soberania e dirimentes de
litígios internacionais
A jurisdição e a competência internacionais dos Estados
são elementos que compõem o moderno conceito de soberania do Estado, o qual vem
sendo gradativamente erigido sob a perspectiva internacionalista de que os
Estados, na ordem internacional, relacionam-se sob um regime de cooperação, não
de subordinação, razão pela qual se pode afirmar que a soberania de um Estado
não é absoluta, mas limitada na própria soberania dos demais Estados e nas
normas de direito internacional (7).
A despeito da simplicidade do enunciado da regra, muitas
são as divergências quanto à sua aplicação e abrangência, sejam elas
consideradas na esfera internacional (cortes internacionais), seja na interna (tribunais
nacionais).
Se uma decisão é tomada numa corte internacional ou
organização internacional, nenhum esforço requer a percepção de seus efeitos
extraterritoriais para um e outro Estado querelante. Por outro lado, se a
decisão é tomada por um tribunal interno, idêntico efeito extraterritorial pode
aflorar, atingindo pessoas, coisas e fatos situados noutro território.
O poder jurisdicional é do Estado e ligado diretamente ao
exercício de sua soberania. Internamente, pode o Estado dispor de forma absoluta
quanto à organização e administração de seus Poderes. Na ordem internacional,
estes Poderes corporificam-se na forma indivisa de "Estado", que
exerce seu poder jurisdicional através da atuação conjunta de todos os seus
Poderes internos. Assim, são atos de jurisdição internacional do Estado não
somente os atos Judiciários, mas também os Legilativos e Executivos, pois todos
estes, em conjunto, representam um único Estado, uma única soberania. No limite
da jurisdição internacional atua a competência internacional. Portanto, é a
competência internacional que limita a soberania de um Estado.
Pensando o mundo moderno, vê-se que os choques de
interesses nas duas esferas de relacionamento (indivíduo-Estado e
indivíduo-indivíduo) vêm se multiplicando exponencialmente, em total
descompasso com o estabelecimento de instrumentos eficazes para prevenção e
solução destes conflitos de interesse, aos quais se denominou-se de
"litígios". Assim, divergências em matéria de jurisdição e
competência internacionais, atinentes aos efeitos extraterritoriais das
decisões dos Estados ou de órgãos internacionais, tendem a se tornar cada vez
mais frequentes, como também são mais frequentes o socorro às mais variadas
formas de solução de litígios, tal como a arbitragem ou a submissão do caso à
jurisdição de uma corte internacional.
Deste modo, é de se considerar que discorrer sobre
"prevenção" de litígios é mero exercício de retórica. Se existe um
interesse resistido, existe litígio. Se não existe litígio nem ameaça a
interesses (potencial confronto), não há que se falar em prevenção. Daí a
distinção adotada sobre litígio: é conflito ou simples ameaça de
interesses, independentemente de oposição.
Por estas razões, ainda que pensados de forma cartesiana,
nos limites de regras e das formas de solução de controvérsias, os litígios são
inevitáveis. Os conflitos de interesse não se reprimem pela simples existência
de leis ou dos mais eficientes sistemas de solução de controvérsias, pois mesmo
após a decisão jurisdicional permanece uma das partes irresignada, vencida em
sua pretensão.
A competência internacional, limitadora da jurisdição e
soberania internacionais, surge neste panorama de inevitáveis choques de
interesses como indicadores das regras a serem aplicadas para a
"ideal" composição do litígio. O produto do exercício da competência
internacional são decisões (internas ou internacionais) cujos efeitos
extraterritoriais dependem de efetividade para serem eficazes. Sem efetividade,
as decisões sobre litígios perdem-se no vazio, perpetuando-se o litígio.
Para melhor compreensão destas idéias, dividir-se-á este
capítulo em quatro títulos. No primeiro título far-se-á a análise dos limites
da jurisdição internacional dos Estados, permeada por breves notas sobre os
fundamentos políticos (8) que os inspiraram. O segundo título
tratará da competência internacional dos Estados e suas limitações no direito
internacional. No terceiro título, tratar-se-á da busca da efetividade das
decisões penais nacionais em território estrangeiro, título introdutório ao
estudo do direito penal internacional, a ser apresentado no capítulo seguinte.
1. Os limites da jurisdição internacional dos Estados -
conceitos gerais.
Seria de bom alvitre iniciar a exposição com a
determinação de um conceito de "jurisdição internacional". A maioria
dos leitores fixaria o conceito e procuraria adequar neste cada idéia inserta
no texto. Não é isto que se deseja, pois, diferentemente das ciências exatas,
onde os conceitos ou teoremas são verdades absolutas e universais que se
explicam em si mesmas, os conceitos nas ciências humanas são asserções tão
relativas que já nascem fadados à própria extemporaneidade.
Mesmo assim, a técnica exige que se determine um conceito
para justificar a tese defendida. Assim, a primeira advertência que se faz para
elaboração de um conceito em direito internacional, tal como o conceito de
"jurisdição internacional" é deixar de lado o plano e os paradigmas
do direito interno, onde a jurisdição está vinculada a um elemento
essencialmente territorial e competência representa a delimitação do
exercício desta jurisdição, seja em razão do valor e da matéria, da função ou
do território (9). No plano do direito internacional, jurisdição e
competência fundem-se num único conceito.
No plano internacional, os Estados não estão subordinados
num ordenamento horizontal (10), não há hierarquia, portanto não há
"poder". Há, sim, a harmonização natural de poderes, no que se pode
denominar de "pacto de soberanias", onde nenhum Estado deixa de ser
mais ou menos soberano ao permitir que decisões estrangeiras produzam efeitos
em seus territórios, já que o próprio ato permissivo é um exercício de soberania.
Tem-se, portanto, um arranjo horizontal que possibilita ao Estado exercer seu
poder jurisdicional além de suas fronteiras, sem ferir prerrogativas de outros
Estados.
A realização deste "pacto de soberanias" dá-se
através de técnicas que visam delimitar os contornos da competência legal
internacional dos Estados. Estas técnicas, na visão de FALK, denominam-se jurisdição
internacional (11).
Ao nosso ver, jurisdição internacional é uma
prerrogativa estatal atribuída pelo ordenamento internacional que permite aos
Estados estender seu controle sobre pessoas, recursos e eventos ocorridos fora
de seu território. Depreende-se do "conceito" que as regras de
exercício de jurisdição internacional do Estado, embora ditadas pelo seu
ordenamento interno, são limitadas pela ordem internacional (12).
No entanto, a ordem jurídica internacional é
descentralizada, carente de instituições de interpretação imparcial de leis e
de força para impor autoridade quanto aos limites da competência estatal. Fora
do restrito universo das integrações regionais mais complexas, tais como uma
Comunidade Européia ou uma Integração Econômica Total (13), o Estado
ainda é tradicionalmente visto como centro de autoridade, o que faz da reciprocidade
um importante elemento de estabilidade das relações entre os Estados,
especialmente em se tratando de execuções de julgados estrangeiros em matéria
penal.
Neste contexto, a solução de controvérsias internacionais,
através da delimitação da competência legal internacional dos Estados, está nos
arranjos horizontais, ou seja, nos tratados internacionais de direito material
e especialmente de execução de julgados estrangeiros, já que, na essência, o
ordenamento jurídico internacional é resultado de um arranjo horizontal. Um
arranjo coordenativo garante que, dentro dos limites traçados nos tratados, o
Estado conserve sua soberania (o que reforça a idéia de que a soberania
não é um conceito de ordem interna, mas internacional) (14). Isto
significa que é a lei internacional que autoriza o Estado a exercer jurisdição
sobre qualquer ato que não esteja sob expressa proibição da lei internacional
(15).
Embora se fale sobre regras internacionais que limitam a
competência legal internacional do Estado, a princípio, todo Estado é livre
para definir sua competência internacional, na qual se inserem todas e
quaisquer formas ou regras de solução de litígios.
A primeira regra limitadora desta competência é ditada
pelo art. 2º da Carta das Nações Unidas, que reconhece a jurisdição territorial
interna como absoluta. Uma segunda regra expressa a idéia de equipotência dos
Estados: a jurisdição internacional externa é concorrente. Finalmente, uma
terceira regra diz que um Estado não pode exercer sua jurisdição dentro do
território de outro Estado, como consequência da exclusividade da competência
territorial (16)
A partir destas regras verificam-se duas situações
distintas: a primeira do Estado que evoca a competência internacional para
julgar determinado caso; a segunda, do Estado que pretende fazer cumprir sua
decisão em território estrangeiro.
Na primeira situação ocorre o típico conflito de
competência internacional, no qual se discute qual Estado julgará o caso. Na
solução do conflito está intrínseca a resposta sobre a execução do julgado,
seja no território A, seja no B. Esta decisão se faz com base em princípios de
direito internacional.
Já na segunda situação, não é o conflito de competência
internacional o cerne da lide, mas a pretensão de um Estado de fazer executar
sua decisão em território estrangeiro. A solução para a questão, de acordo com
as mencionadas regras internacionais, parte do princípio de que a violação da
jurisdição interna de um Estado somente se dá via consentimento (lei interna)
ou por tratado internacional (17), pois o caráter absoluto da
competência territorial para atos realizados em território nacional é
indiscutível.
2. A competência extraterritorial dos Estados.
No título anterior, verificou-se, em duas situações bem
distintas, os limites internos e externos da jurisdição internacional dos
Estados. Ao lado da jurisdição internacional (18), constatou-se que
a regra de competência internacional é, na verdade, o elemento que traz
a matéria sub judice para a injunção jurisdicional interna do Estado.
Neste título, sob a perspectiva que se vem traçando, cuidaremos da competência
internacional dos estados e dos efeitos extraterritoriais de normas nacionais.
A pesquisa a mais de duas dezenas de julgados da Suprema
Corte dos Estados Unidos, da Corte Permanente de Justiça Internacional e Corte
Internacional de Justiça permitiu concluir que, somente a partir da segunda
década do Século XX, o termo Law of Nations, utilizado como representativo
de um ordenamento internacional costumeiro, foi substituído pelo termo International
Law, que consagra um ordenamento internacional, positivado nas diversas
convenções internacionais que passavam a surgir em maior número e abrangendo um
número mais significativo de matérias.
Historicamente, em 1917 sobreveio a Primeira Guerra
Mundial, cuja influência direta sobre a América e Europa mudaram
definitivamente o pensamento do mundo moderno. Até então, as revoluções ficavam
restritas aos territórios e seus efeitos irradiavam indiretamente através de
pensadores que sempre adicionavam ao contexto e às idéias revolucionárias sua
própria ideologia. Assim ocorreu em todo o mundo moderno com relação aos ideias
liberais preconizados na Independência dos Estados Unidos (1776) e na Revolução
Francesa (1789).
Este pensamento moderno do mundo pós-Primeira Guerra, fez
fixar regras mais concretas de direito internacional (International Law),
especialmente no que se referia a aplicação extraterritorial de leis nacionais,
hoje o centro das controvérsias internacionais no âmbito do direito penal
internacional.
Nos Estados Unidos, a aplicação de leis nacionais com
efeitos extraterritoriais, bem como o reconhecimento da jurisdição
internacional de outros Estados, sempre foi uma questão tratada de forma mais
política e menos jurídica, de firmação de sua independência política (19).
A resposta da Comunidade Internacional (leia-se do Mundo
Europeu) para a instabilidade das decisões americanas veio em 1927, através da
Corte Permanente de Justiça Internacional, no julgamento do caso Lotus
(20), um caso de direito penal internacional no qual se reconheceu como
legítima a ampliação da jurisdição territorial turca, desde que circunscrita às
regras de direito internacional. Fixava-se com maior força, através de um
precedente jurisprudencial, limites legais internacionais para o exercício da
jurisdição e da competência legal internacional.
Para apresentar o que a doutrina internacionalista entende
como regras limitadoras da competência internacional, deve-se ter sempre em
voga o conceito de jurisdição internacional proposto no primeiro título
deste capítulo: jurisdição internacional é uma prerrogativa estatal
atribuída pelo ordenamento internacional, que permite aos Estados estender seu
controle sobre pessoas, recursos e eventos ocorridos fora de seu território).
O ordenamento internacional, através de regras limitadoras da competência
internacional, impõe limites legais à soberania e, consequentemente, à
jurisdição internacional dos Estados.
Portanto, para solução de conflitos de soberanias
equipotentes tornou-se imprescindível lançar-se mão de outros elementos que
justificassem, com razoabilidade (21), a prevalência da jurisdição
de um Estado sobre outro. O elemento territorial, aplicado de modo isolado, tal
como faziam as Cortes norte-americanas, não respondia mais pela solução das
questões que exigiam solução legal extraterritorial, sem descuidar da
efetividade.
Na busca destes outros elementos limitadores da
competência legal internacional, pesquisadores de Harvard Law School
(22), em 1935, demonstraram que alguns princípios de direito
internacional eram universalmente aceitos e até mesmo consagrados no
ordenamento interno de muitos países.
Estes elementos, denominados princípios norteadores dos
limites da jurisdição internacional, foram identificados como princípio
da nacionalidade, princípio da segurança, princípio da
universalidade, princípio da territorialidade objetiva e subjetiva e
princípio da personalidade passiva. A exceção do último destes
princípios, que suscita alguma controvérsia, todos os demais, como asseverado,
experimentavam reconhecimento universal, especialmente em matéria penal.
Vale anotar que estes princípios não devem ser
considerados isoladamente, mas em conjunto. A questão é: dirimido o conflito de
competências, o Estado que a mantiver julgará o caso tal como o teria julgado o
Estado que a renunciou? O objetivo de toda decisão que pretenda produzir
efeitos extraterritoriais é a razoabilidade no convencimento sobre as razões de
prevalecimento de uma jurisdição sobre outra, quesito de elevada importância am
matéria de direito penal. Veja-se, pois, como se enunciam estes princípios.
i) O princípio da nacionalidade.
De acordo com o princípio da nacionalidade, um Estado pode
exercer jurisdição sobre seus nacionais, inclusive sobre atos por praticados
fora do território do Estado, regra que suscita muitos conflitos de jurisdição
internacional entre os Estados. O fundamento deste princípio é a preservação de
regras de direito interno, seja daquelas que garantem direitos fundamentais aos
seus cidadãos, seja daquelas que tipificam condutas antijurídicas indesejáveis
(crimes).
O princípio da nacionalidade sofre algumas restrições
quando se trata de pessoas jurídicas, dada a diversidade de critérios de
fixação de nacionalidade. A solução proposta por alguns ordenamentos, por
exemplo, é buscar na nacionalidade dos controladores da pessoa jurídica o
elemento que permitirá fazer incidir suas leis. Isto é o que ocorre com a aplicação
extraterritorial das leis anti-monopólio dos Estados Unidos (23).
Em matéria penal, o direito brasileiro dispõe sobre a
jurisdição brasileira, sem prejuízo de convenções internacionais, tratados e
regras de direito internacional, ao crime ao crimes cometido em território
nacional. Considera a lei nacional como local do crime o lugar "onde
ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou
deveria produzir-se o resultado" (art. 6º do Código Penal), ficando
sujeito à lei brasileira, embora cometido no estrangeiro, os crimes elencados
no art. 7º do referido Código desde que, respeitadas as exceções previstas na
lei, o agente adentre em território nacional, o fato seja punível também no
local do fato, estar o crime entre aqueles que o Brasil permite a extradição,
não ter sido o agente absolvido ou perdoado no estrangeiro e não estar extinta
a punibilidade segundo a lei mais favorável. No que se refere à extradição, a
Constituição Brasileira de 1988 trata do assunto entre as cláusulas pétreas
(art. 5º , LI; 60, §4º, IV), determinando que "nenhum brasileiro será
extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da
naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecentes e
drogas afins, na forma da lei".
No direito comparado, BASSIOUNI (24) destaca
que também o direito penal francês expressamente estende sua jurisdição sobre
todos os crimes cometidos por nacionais franceses, mesmo aqueles cometidos fora
de seu território. No direito norte-americano, não existe expressa previsão
legal sobre a matéria, mas a Suprema Corte há muito tem reconhecido a
jurisdição dos Estados Unidos sobre crimes cometidos extraterritorialmente por
norte-americanos (25), entendimento que se consolidou no julgamento
do caso Bowman v. United States (26), julgado na
Suprema Corte em 1922, no qual se estatuiu:
"The three defendants who were found in New York
[but who commited the criminal acts while in Brazil] were citizens of the
United States and were cretainly subject to such laws as it might pass to
protect itself and its property. Clearly it is no offense to the dignity or
sovereignty of Brazil to hold them for this crime against the Government to
which they owe allegiance."
ii) O princípio da segurança nacional.
Segundo o princípio da segurança nacional, é lícito ao
Estado agir em defesa de sua independência política, integridade territorial,
segurança externa e interna, ainda que os fatos sejam praticados ou concebidos
no exterior, sob a condição de que não tenham sido praticados no exercício
regular de um direito reconhecido no Estado onde foi praticado. Aplica-se
também esta jurisdição em relação à contrafação ou falsificação de símbolos
nacionais, moeda, documentos que envolvem a credibilidade do Estado (27).
Para os mais atentos que acompanham a política
norte-americana na América Central (exceto em relação à Cuba, que esteve
protegida sob o escudo da Guerra Fria pela ex-URSS) e mais recentemente na
América Andina, diversos exemplos de tentativas dos Estados Unidos de impor os
efeitos de suas leis anti-drogas podem ser lembrados, todos como se legitimados
por fatores de proteção da segurança nacional dos Estados Unidos, especialmente
quanto ao tráfico internacional de drogas (28).
No direito francês, a previsão de aplicação da jurisdição
sobre crimes contra a segurança do Estado, contrafação de selos nacionais,
moedas ou crime contra agentes diplomáticos ou consulares franceses está
inserta no artigo 694 do Code de Procedure Penal (29). No
direito internacional (Corte Internacional de Justiça) o governo turco alegou o
princípio da segurança nacional (protective principle) ao lado do
princípio da personalidade passiva no famoso caso Lotus (30)
(França v. Turquia, CPJI, 1927), mas a Corte firmou a jurisdição da
Turquia pelo princípio da territorialidade objetiva.
iii) O princípio da universalidade.
O princípio da universalidade é um remanescente do direito
internacional clássico, daquele direito a que se referia a Law of Nations,
um direito não positivado, mas que visava a colaboração recíproca dos Estados
em reprimir crimes e atos atentatórios aos mais basilares princípios de
direito, tais como o tráfico de escravos, de mulheres e de crianças, a
pirataria, o genocídio e os crimes de guerra e contra a humanidade (31).
iv) princípio da territorialidade subjetiva e objetiva.
A solução para a questão anteriormente proposta (do
indivíduo que do Estado A atira e mata um outro no Estado B) encontra resposta
no desenvolvimento deste princípio, no qual o Estado passa a considerar o
evento em dois momentos: parte ocorrendo dentro do seu território, parte, fora.
Assim, um crime é cometido inteiramente dentro do território quando todos os
seus elementos constitutivos se consumam dentro deste território; por outro
lado, se o crime é cometido somente "em parte" dentro do território é
porque pelo menos um de seus elementos constitutivos ocorreram fora deste
território.
O princípio subjetivo confere competência ao Estado para
estender sua jurisdição sobre participantes de eventos iniciados no Estado, mas
consumados no exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte não
reconhecia a jurisdição americana sobre crimes ocorridos fora do território
americano, exceção feita a alguns casos extraordinários (32), pois
prevalecia naquele sistema o entendimento de que o Estado tem jurisdição
absoluta sobre todos os eventos ocorridos em seu território em razão de seu
direito de soberania (33).
Já o princípio objetivista permite que o Estado conhecer,
processar e julgar eventos iniciados no exterior, mas consumados dentro de seu
território. No âmbito internacional, este princípio teve abrigo no caso Cutting
(34), comentado por John Basset Moore, que declarou o princípio da
seguinte forma: um homem que, intencionalmente, pratica atos que provocam
efeitos em outro território, é reconhecido como responsável na jurisdição
criminal de todas as nações (35). Este caso representou
uma grande evolução do princípio da territorialidade, pois o fundamento para
firmar a competência mexicana sobre evento ocorrido no exterior, praticado por
estrangeiro, sob as leis de outro país, não foi a extensão da competência
territorial, mas a própria competência territorial (36).
Esta territorialidade objetiva, não aceita de início pelos
Estados Unidos Unidos, que travaram uma batalha diplomática contra a decisão do
caso Cutting, ganhou espaço firme nas cortes americanas, desenvolvendo-se para
a teoria que ficou conhecida por teoria do impacto territorial.
De acordo com esta teoria, o Estado possui competência
para legislar e conhecer de eventos ocorridos ainda que integralmente no
exterior, envolvendo participantes nacionais ou estrangeiros, desde que tais
eventos venham a produzir efeitos no território do próprio Estado. Não é mais
necessário que parte do evento se realize dentro do território. Preponderam os
efeitos e os resultados lesivos dentro do território. Criou-se uma ficção legal
de que o agente deve ser considerado como se tivesse presente no território
onde se propagaram os efeitos de seus atos criminosos. Mais uma vez, não se tem
a extensão do território para justificar a competência legal internacional, mas
o exercício de própria jurisdição interna.
Além do direito penal, foi com base nesta teoria que os
tribunais americanos, e seus juízes, passaram a considerar sob jurisdição
interna as questões envolvendo as leis anti-monopólio americanas, mesmo aquelas
envolvendo empresas americanas no exterior ou empresas estrangeiras em
territórios independentes. Sob o argumento de preservação da livre economia e
dos mercados americanos, os Tribunais nacionais passaram a "legitimar os
interesses" expansionista do país, fortalecendo sua política e economias
internas.
v) O princípio da personalidade passiva.
O princípio da personalidade passiva, como se disse, não
goza de aplicação universal tal como os demais princípios elencados. De acordo
com este princípio, um Estado pode ampliar sua competência para processar e
julgar crimes ou violações cometidas contra seus nacionais. Para os países que
adotam o sistema do Common Law, tal como os Estados Unidos, o elemento
passivo não é justificativa legítima para ampliação da competência (37).
No direito francês, relata BASSIOUNI, após a experiência
do caso Lotus, em 1927, e os eventos em Haia, em 1974 (quando foram feitos
reféns franceses e danificado o prédio do Consulado Geral francês), o artigo
689 do Código de Processo Penal ganhou redação que exprime o máximo do
princípio da personalidade passiva, dispondo que todo estrangeiro que seja
autor ou cúmplice de um crime cometido fora da França contra nacionais
franceses devem ser processados e julgados de acordo com a lei francesa
(38).
3. A busca da efetividade das decisões nacionais penais
em território estrangeiro.
O reconhecimento de algumas daquelas citadas regras
internacionais de limitação da competência internacional, por certo, não é
suficiente para a solução do maior dos problemas em matéria de litígios
internacionais, seja na área penal, seja na civil. A problemática da
concorrência de competências internacionais, cujas bases estão lançadas no
direito interno dos Estados, não pode ser solucionada, mas mitigada por aquelas
regras limitadoras e, de modo mais eficaz, através de tratados internacionais
de cooperação judiciária.
Assim, quando se pretende dirimir litígios internacionais
deve-se pensar, primeiramente, na efetividade da decisão a ser proferida, antes
mesmo de se pensar na criação de instrumentos (órgãos) internacionais de
solução de litígios, a exemplo da recém-criada Corte Penal Internacional (International
Criminal Court). Efetividade e solução de litígios se alcançam através da
compatibilização de sistemas jurídicos, especialmente quanto à execução de
decisões estrangeiras, cujos requisitos extrínsecos (juízo de delibação)
poderia ser realizado diretamente pelo juiz monocrático no exame de
admissibilidade da ação (39).
Os litígios envolvendo o direito penal, que se detém sobre
os efeitos extraterritoriais das decisões penais, devem, pois, ser pensadas na
perspectiva de estabelecimento de um sistema de cooperação internacional,
envolvendo as áreas de execução penal, de política ostensiva e repressiva às
diversas modalidades de crimes internacionalmente relevantes, cujos atos e
efeitos se propagam além fronteiras, transformando um problema de paz,
segurança e bem-estar coletivo interno em preocupações internacionais. Este é o
objeto de estudo do capítulo que segue.
Capítulo III: Bases para o estabelecimento de uma
corte penal internacional:
O direito penal internacional
1. O problema de um direito penal internacional
(40).
De que trata, afinal, o direito penal internacional? Seria
um ramo do direito internacional clássico ou simples aplicação extraterritorial
de direito interno dos Estados? Existe um direito penal internacional?
Segundo SCHWARZENBERGER, o direto penal internacional, que
trata dos chamados crimes internacionais cometidos por particulares,
desenvolveu-se em sua técnica a partir dos conceitos e princípios de direito
internacional clássico (law of nations), entre os quais se destacam o
princípio da soberania, do qual decorrem, por exemplo, os mencionados
princípios limitadores da competência internacional dos Estados (i.e.
segurança, universalidade, nacionalidade, territorialidade e personalidade
passiva).
Para os estudiosos que reconhecem a origem clássica do
direito penal internacional, este pode ser considerado sob seis diferentes
significados: como reflexo do escopo territorial do direito penal interno; como
direito penal interno derivado de normas internacionais; como direito penal
interno autorizado por lei internacional; como direito penal interno comum a
todas as nações civilizadas; como cooperação internacional na administração da
justiça penal interna e como direito penal internacional no sentido material da
palavra.
Se entendermos o direito penal internacional como reflexo
do escopo territorial do direito penal interno, então devemos considerá-lo como
verdadeiro nascedouro de conflitos internacionais. De fato, é regra
universalmente aceita a competência legal internacional do Estado para
conhecer, processar e julgar os crimes cometidos em seu território. Contudo,
tal como já tivemos a oportunidade de verificar, estas mesmas leis podem
estender a competência do Estado sobre crimes cometidos por nacionais ou estrangeiros
situados no exterior. É neste ponto que surgem os conflitos de competência
concorrente, regra reconhecida no direito internacional.
A solução do litígio que então surge está na aplicação de
princípios de direito internacional clássico de limitação da competência legal
internacional dos Estados, bem como na negociação e conclusão de tratados
internacionais onde estejam claramenta previstas os determinantes da
competência legal internacional de cada um dos Estados envolvidos no conflito.
Como direito penal interno derivado de normas
internacionais, o direito penal internacional surge de obrigações acordadas em
tratados internacionais ou de deveres dos Estados decorrentes do direito
internacional consuetudinário. Este é o caso do crime de pirataria, considerado
o mais antigo ato reconhecido internacionalmente como crime, antes pelo direito
consuetudinário e mais tarde por tratados internacionais (41).
Na concepção do direito penal internacional como um
direito interno autorizado internacionalmente, temos duas categorias de crimes:
a pirataria ius gentium e os crimes de guerra. Todo Estado tem o dever
de combater a pitataria em seu território, dever que também se estende aos
altos mares, em razão da aplicação da noção de ius gentium de que o mar
é res comunes. No que se refere aos crimes de guerra, todo Estado deve
punir toda e qualquer infração à regra de manutenção do bem-estar e paz
internacionais. Nestes dois casos, o direito penal interno para persecução e
punição dos violadores destes princípios surge por exigência do direito
internacional, do direito penal internacional.
Em matéria de cooperação internacional na administração da
justiça penal interna dos Estados, o quarto significado atribuído ao direito
penal internacional, o já mencionado conflito de competências que
frequentemente surge entre Estados, torna-se um dos principais fatores de
impunidade e, consequentemente, de conflitos internacionais. Não são incomuns
os casos que se tem a condenação de um indivíduo num Estado e sua absolvição
por outro. Boa parte destes conflitos podem ser minimizados, com a
predeterminação de regras de competência e jurisdição entre Estados, regras que
podem e comumente ganham corpo em tratados de cooperação judicial.
Finalmente, no sentido material da palavra, direito penal
internacional comporta todos os atos criminosos que atingem diretamente a
sociedade internacional. É disciplina que tem origem no direito internacional
clássico costumeiro, do qual se extrai uma clara e universal repulsa por atos
reconhecidamente criminosos.
Em resumo, cada um dos seis significados atribuídos ao
direito penal internacional revelam, de forma clara e objetiva, problemas que
tocam menos ao reconhecimento e mais à efetividade do direito, a qual se traduz
pela persecução e efetiva punição dos criminosos. Enquanto não se resolverem
estas questões sobre efetividade, sobre procedimento penal, jamais se terá um
rígido controle preventivo e dirimente sobre os litígios internacionais
concernentes ao direito penal internacional. Mas, existe um direito penal
internacional? Não há dúvidas quanto à relação direta entre o direito penal
internacional e o direito internacional clássico. Os crimes internacionais já
reconhecidos em tratados - tais como o genocídio, o sequestro de aeronaves,
crimes de guerra, de discriminação racial, terrorismo - nada mais são que a
consolidação de direito internacional costumeiro há muito tempo reconhecido
como obrigatório por todas as nações.
Dispostos em tratados internacionais, os crimes
internacionais ganham especial tratamento da comunidade internacional,
especialmente quanto à prevenção e repressão. A primeira destas ações é
realizada no âmbito do direito interno através da incorporação das regras do
tratado aos ordenamentos nacionais; a segunda, além da atividade interna do
Estado, conta com órgãos intergovernamentais especialmente criados para a
repressão do crime, tal como a Interpol (International Criminal Police
Organization).
Se existem crimes reconhecidamente internacionais, se
existe um aparelhamento para sua prevenção e repressão, não se pode negar a
existência de um direito penal internacional, ainda que este seja concebido,
tal como declinamos há momentos, como um reflexo do direito penal interno dos
Estados.
Evidência maior da existência de um direito penal
internacional podem ser colhidas a partir do histórico das tentativas de
estabelecimento de uma corte penal internacional, as quais serão objeto de
análise em nosso próximo capítulo.
2. Terminologia, distinção, objeto e conteúdo do
direito penal internacional (42).
2.1. Terminologia.
A terminologia usada para determinar o objeto do direito
penal internacional é resultado da convergência de duas diferentes disciplinas
legais que vêm se desenvolvendo de forma distinta e independente, mas atuando
de modo complementar. A primeira destas disciplinas abrange os aspectos de
direito penal do direito internacional (direito penal substantivo); a segunda,
os aspectos internacionais do direito penal interno dos Estados (i.e.
efeitos extraterritoriais das leis, Código Penal Brasileiro, art. 7º). Assim,
um estudo da primeira destas disciplinas revela que esta trata essencialmente
de direito penal internacional substantivo ou de crimes internacionais; a
segunda, de sua vez, dos efeitos extraterritoriais das leis internas dos
Estados.
Da conjunção das duas disciplinas surge o direito penal internacional,
fundado na seguinte perspectiva: há determinada conduta tipificada no direito
internacional como criminosa (crime internacional tipificado por disposição
convencional, consuetudinária ou por princípios gerais de direito abrigados
pelo direito internacional), ao mesmo tempo que, no direito interno, ocorre a
coincidência do tipo internacional com o tipo doméstico e a conseqüente
aplicação da lei interna. Quando a aplicação da lei interna passa a considerar
para fins de conhecimento, processamento e julgamento, direta ou indiretamente,
o crime internacional, afloram seus efeitos extraterritoriais.
Noutra vertente, estabelecendo-se uma distinção entre o direito penal
internacional e o direito internacional penal, pode-se afirmar que a
terminologia atribuída ao direito internacional penal não nega seu vínculo
direto com o direito internacional convencional, de caráter público, cujo
desenvolvimento, principalmente na área de "Direitos Fundamentais do
Homem", proporcionou a construção, com fundamentos teóricos e empíricos,
de dispositivos que possibilitam a responsabilização do Estado por atos de
violação daqueles direitos (43).
A despeito das celeumas acadêmicas sobre os "aspectos penais"
dos Atos de Estado, se existe ou não impropriedade na terminologia adotada por
alguns autores, é correto pensar que os Estados podem ser submetidos a uma
corte internacional para responderem por atos lesivos, omissivos ou comissivos,
atentatórios aos direitos fundamentais do homem, especialmente os de primeira
geração (i.e. direito à vida, à personalidade). Um exemplo é a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, criada pela Convenção de São José da Costa
Rica, e a Corte de Estrasburgo, com semelhante competência no âmbito da
Comunidade Européia.
2.2. Distinção.
Algumas distinções entre direito penal internacional e direito
internacional penal podem ser desde logo extraídas das próprias dintinções
terminológicas apresentadas no tópico anterior, as quais podem se somar outras,
que abrangem a própria aplicação de uma ou outra disciplina.
Em breve resumo, veja-se a tabela prática a seguir sobre as distinções
entre direito penal internacional e direito internacional penal:
|
DIREITO
PENAL INTERNACIONAL |
DIREITO
INTERNACIONAL PENAL |
SUJEITO
ATIVO |
Indivíduo |
Responsabilidade
do Estado |
SUJEITO
PASSIVO |
Indivíduo |
Indivíduo |
TRIBUNAL |
Ad
hoc (i.e. Nuremberg, Tokio, ex-Iugoslávia e Ruanda) e Tribunais
Nacionais. |
Corte
Internacional de Direitos Humanos (Convenção de San José da Costa Rica);
Corte Internacional de Estrasburgo (CE). |
LEGITIMIDADE
ATIVA |
Estados
e outros órgãos com personalidade internacional (exceto indivíduos) |
Estados
(modernamente tem se admitido indivíduos) |
2.3. Objeto (44).
O objeto das prescrições normativas do direito penal internacional é
delimitar as condutas específicas que se consideram atentatórias a um interesse
social que transcende a órbita interna do Estado, cuja proteção necessita a
aplicação de sanções impostas pelos Estados, através de uma atuação não somente
a nível nacional, mas também internacional, coletiva e de cooperação.
Segundo BASSIOUNI (45), existem 22 tipos de crimes
internacionais: agressão, crimes de guerra, uso ilegal de armas, emprego
ilegal de armas, crimes contra a humanidade, genocídio, discriminação racial,
escravidão e crimes conexos, experimentos médico ilegais, pirataria, sequestro
de aeronaves, uso de força contra pessoas internacionais protegidas, tomada de
civis como reféns, tráfico de drogas, destruição ou roubo de tesouros
nacionais, crimes contra o meio ambiente, roubo de material nuclear, uso ilegal
dos correios, tráfico de publicações obscenas, interferência com cabos submarinos,
falsificação ou contrafação de símbolos nacionais e o suborno de oficiais
públicos estrangeiros.
A base legal de alguns destes tipos tem como fonte o direito
consuetudinário e princípios gerais de direito, ao passo que outros
já contam com previsão expressa em tratados internacionais.
A análise destes tipos e das convenções internacionais das quais foram
extraídos (feita por BASSIOUNI) permite concluir que existem dez
características penais que nelas se repetem com maior frequência: 1.
reconhecimento explícito de que o ato é um crime internacional, ou um crime
regulado por direito internacional, ou simplesmente um crime; 2.reconhecimento
implícito da natureza penal de um ato pelo estabelecimento de um dever de
proibir, prevenir, processar e punir; 3. criminalização de determinada conduta;
4. direito ou dever de processar criminosos; 5. dever ou direito de punir
determinada conduta prescrita; 6. dever ou direito de extraditar; 7.
dever ou direito de cooperar no processo e punição (inclusive assistência judicial
em procedimentos penais); 8. estabelecimento de bases jurisdicionais
penais (ou teoria de jurisdição penal ou prioridade em jurisdição penal); 9.
referência à necessidade de estabelecimento de uma corte penal internacional;
10. eliminação da possibilidade de recursos a órgãos superiores;
características presentes, inclusive, no Estatuto da Corte de Roma.
2.3.1. Sistemas de execução no direito penal internacional
(46).
O direito penal internacional tem evoluído através de dois sistemas de
execução: um direto outro indireto. O primeiro detém-se sobre a aplicação
direta do lei internacional sobre o indivíduo, o que somente será possível a
partir de uma corte internacional de controle direto e, conseqüentemente, de um
aparato institucional judiciário. Contudo, a incapacidade da comunidade
internacional para encontrar um consenso político na criação de uma corte
internacional tem sido suprida pelo sistema de execução indireta, onde o
Estado, e não o Direito Internacional, de acordo com normas internacionais,
promove a proibição, prevenção, processamento e punição do criminoso.
De sua vez, o direito internacional penal tem como objeto a preservação
de valores e princípios universalmente reconhecidos pelos Estados de atos
praticados diretamente por Estados. Entre estes valores estão, por exemplo, os
mencionados Direitos Fundamentais do Homem, que se identificam pela
universalidade e pelo caráter absoluto de preservação da própria identidade do
ser humano. Um Estado pode ser chamado a responder por atos atentatórios a
direitos humanos (aniquilação de minorias, a exemplo do relativamente recente
massacre dos curdos no Iraque) ou por omissão na repressão a estes crimes.
2.4. Conteúdo (47).
Como se disse, os aspectos penais do sistema de direito penal
internacional compreende uma série de disposições internacionalmente
estabelecidas por via consuetudinária, por princípios gerais de direito ou por
tratados, incriminadores de determinada conduta. Seu conteúdo pode ser extraído
a partir da regulação internacional de pelo menos, quatro matérias: 1. Controle
de Guerra; 2. Regulamentação de conflitos armados; 3. Persecução de
infrações das leis de guerra de sua iniciação e desenvolvimento; e 4. Delitos
comuns de interesse internacional.
É importante destacar que o desenvolvimento das disposições integrantes
de cada uma destas matérias tem sido progressivo e, de modo geral, tem seguido
um modelo: o surgimento de um conjunto de obras doutrinárias que contituem base
teórica mais específica, as quais, de sua vez, impulsionam a assunção de alguns
compromissos internacionais, seguidos da formulação de proibições normativas
específicas e a articulação de dispositivos sancionadores. Estas normas podem
ser consolidadas em modelos ou projetos de convenções internacionais para estabelecimento
de cortes penais internacionais, responsáveis pela persecução e punição de
criminosos.
Para fins de an;alise no presente artigo, destacam-se entre aquelas
quatro matérias de direito penal internacional os delitos atentatórios aos
interesses comuns dos Estados.
3. Delitos comuns atentatórios de interesses dos Estados (crimes
internacionais).
No âmbito das matérias objeto do direito penal internacional mencionadas
no título anterior, BASSIOUNI (48) considera existirem duas formas
básicas de tipificações penais, que resultam na identificação de crimes
internacionais: tipificações penais destinadas ao Estado e as não destinadas ao
Estado.
As tipificações destinadas aos Estados, geradas no âmbito das Nações
Unidas, como obrigação internacional decorrente da própria Carta da ONU para a
persecução e punição, no direito interno, de crimes universalmente reprováveis,
tais como o genocídio, a segregação racial e a tortura.
Noutra vertente, as tipificações penais não destinadas aos Estados
compreende o resultado da evolução progressiva nas obrigações, por via
convencional entre os Estados, de processar e punir crimes como a pirataria
aérea e apoderamento ilícito de aeronaves, escravidão, tráfico de mulheres e
crianças, terrorismo e sequestro de pessoas internacionais protegidas;
tipificações que também podem ser resultado da evolução progressiva nas
obrigações por via consuetudinária, a exemplo do Convênio Internacional para
Repressão de Circulação de Publicações Obscenas - 1923; do Convênio
Internacional para Repressão de Competência Fraudulenta, abordando o dever de
extradição; e do Convênio de Berna sobre envio de correspondência perigosa.
Capítulo IV: O Tratado de Roma de 1998 e a Corte
Penal Internacional
1. Introdução à história de estabelecimento de uma corte penal
internacional.
Ao final do século XIX, um período coroado de revoluções econômicas,
sociais e políticas, a solução de conflitos internacionais já chamava a atenção
da comunidade internacional.
Dentre os textos oficiais que narram as tentativas de estabelecimento de
uma corte penal internacional, destaca-se a Convenção para Solução Pacífica de
Disputas, assinada na Haia em 19 de julho de 1899, a qual jamais entrou em
vigor, a exemplo dos diversos projetos com idêntico fim elaborados ao longo
deste século, a exemplo da Convenção relativa ao Estabelecimento de uma Corte
Internacional de Presas, assinada na Haia ,em 1907, entre outras que se cuidará
oportunamente de mencionar.
Com a rendição da Alemanha ao final da Primeira Guerra Mundial, em 28 de
junho de 1919, assinou-se o Tratado de Versailles (Tratado de Paz entre os
Aliados e Forças Associadas e Alemanha), o qual entrou em vigor em 10 de
janeiro de 1920 e previu a punição de crimes cometidos no período de guerra.
Ultrapasado o período de guerra, mas não os efeitos da convulsão política
que desta se originou (e que derrocaria na Segunda Guerra anos mais tarde), em
16 de novembro de 1937, às portas da Segunda Grande Guerra, a insípida Liga das
Nações propunha o estabelecimento de uma Convenção para a Criação de uma Corte
Internacional Penal, a qual sequer chegou a vigorar. Em 1939 mais uma Grande
Guerra espoucava na Europa, ganhando em poucos anos proporções mundiais, seja
em termos territoriais, seja em atrocidades, crimes bárbaros, praticados contra
seres humanos.
Em 08 de agosto de 1945 e 19 de janeiro de 1946, terminada a Segunda
Guerra Mundial, assinaram-se e entraram em vigor, respectivamente, o Acordo
para Persecução e Punição dos Principais Criminosos de Guerra do Eixo Europeu
(Carta de Londres), que teve como anexo a carta do Tribunal Militar
Internacional de Nuremberg, e o acordo para instalação do Tribunal Militar
Internacional para o Extremo Oriente, o qual teve como anexo a Carta do
Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (Tóquio) (49),
considerados os dois primeros tribunais especiais da História para
conhecimento, processo e punição a criminosos de Guerra.
Ainda em 1945, a Lei nº 10 do Conselho do Controle Aliado, para dar
efeitos à Declaração de Moscou de 30 de outubro de 1943 e ao Acordo de Londres
de 08 de agosto de 1945, estabeleceu uma base legal uniforme na Alemanha para a
persecução dos criminosos de Guerra. O artigo segundo desta lei expresamente
tipifica os crimes contra a paz, contra a humanidade e de guerra como atrocidades
a serem punidas, independentemente de nacionalidade ou capacidade (50).
Ultrapassado o período de Guerra, teve-se a redação do Modelo de Estatuto
para a Corte Internacional Penal, uma anexo ao relatório do Comitê sobre
Jurisdição Penal Internacional da ONU, de 31 de agosto de 1951 e a Revisão
deste Modelo, em 20 de agosto de 1953, pela mesma Comissão (51). Em
1980, a Assembléia Geral das Nações Unidas propõe um Modelo de Estatuto para a
criação de uma jurisdição penal internacional concernente à implementação de
uma Convenção Internacional sobre Supressão e Punição do Crime de Apartheid
(52). Infelizmente, nenhuma destas Convenções chegou a entrar em vigor.
Anos mais tarde, a Assembléia Geral da ONU retomou esta antiga iniciativa
através da Resolução 44/39, de 04 de dezembro de 1989, requerendo à Comissão de
Direito Internacional a análise da questão sobre o estabelecimento de uma corte
penal internacional. Em 28 de novembro de 1990, A Assembléia Geral, através da
Resolução 45/41 convidou a Comissão de Direito Internacional a considerar as
consequências de fixação de uma jurisdição penal internacional e do
estabelecimento de uma corte penal internacional, pedido renovado através da
Resolução 46/54 de 09 de dezembro de 1991.
Nesta época, ainda no ano de 1991, explodia na Europa, após quase
cinquenta anos sem guerras, os violentos conflitos separatistas na Iugoslávia.
Naquele ano, a Iugoslávia, reconhecida historicamente como um reduto de
resistências políticas e de conflitos étnicos desde a assunção do Marechal Tito
em 1948, iniciava seu violento processo de fragmentação. Eslovênia e Croácia
proclamaram sua independência em 25 de junho de 1991, Bósnia-Herzegovina, em 6
de abril de 1992; e a remanescente República Federal da Iugoslávia (Sérvia e
Montenegro), sua nova constituição em 27 de abril daquele mesmo ano, todos
processos calcados em violentos conflitos armados internos.
Estes conflitos internos, cujos efeitos já se podiam sentir nos Estados
vizinhos, a exemplo da instável Albânia, chamaram a atenção do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, que ainda em setembro de 1991 declarou completo
embargo internacional de armas e equipamentos militares para a Iugoslávia,
seguindo-se uma série de medidas de intervenção até que, finalmente, em 22 de
fevereiro de 1993, o Conselho de Segurança decide estabelecer um tribunal penal
internacional para processar indivíduos responsáveis por sérias violações ao
direito humanitário internacional cometidas no território da Iugoslávia.
Estabelecia-se, então, o primeiro tribunal especial penal não-militar da
história para conhecer, processar e julgar os crimes cometidos no território da
ex-Iugoslávia a partir de 1º de janeiro de 1991 (53).
Ao mesmo tempo que o Conselho de Segurança preocupava-se com a ameaça à
segurança internacional provocada pelos conflitos internos na ex-Iugoslávia e
com o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional, a Assembléia Geral das
Nações Unidas, através das Resoluções 43/33, de 25 de dezembro de 1992 e 48/31,
de 09 de dezembro de 1993, requereu à Comissão de Direito Internacional a
elaboração de uma projeto de estatuto para uma futura corte penal
internacional. . Desde a Segunda Guerra, era a primeira vez que se teria um
tribunal especial da ONU para julgamento de crimes internacionais.
Entre os anos de 1992 e 1994, os estudos sobre o estabelecimento de uma
corte penal internacional desenvolveram-se no âmbito da Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas, mais especificamente entre as 42ª e 46ª
sessões da Comissão, até nesta última sessão se concluiu o projeto de estatuto
para uma corte penal internacional, que foi o último e mais importante projeto
sobre o qual comitês especializados da ONU viriam a trabalhar, discutir e
posteriormente consolidar no Estatuto de Roma.
No entanto, ainda em 1994, o Conselho de Segurança da ONU criava, através
da Resolução 955 de 08 de novembro de 1994 mais um tribunal especial para
conhecer, processar e julgar crime de genocídio e outras graves violações em
conflito internos de um Estado: estabeleceu-se o Tribunal Penal Internacional
para Ruanda (54).
Em resumo, pode-se dizer que a experiência de duas guerras mundiais, as
decepções acerca de convenções internacionais que não passaram de projetos e
modelos, as constatações de que violações às mais elementares regra de direito
internacional positivas (especialmente de direitos humanos e genocídio)
continuaram a ser praticadas, muitas vezes por ação direta dos Estados, todos
elementos considerados diante das experiências relativamente eficazes de
persecução e punição de crimes internacionais (crimes de guerra, contra a paz,
contra a humanidade e genocídio) verificadas nos tribunais especiais criados em
Nuremberg, Tokio, ex-Iugoslávia e Ruanda, levaram à consolidação de um ideal
maior para estabelecimento de uma corte penal internacional permanente para
conhecer, processar e julgar crimes internacionalmente relevantes. Neste
espírito, estabeleceu-se em 1998, através do Tratado de Roma, a Corte Penal
Internacional, objeto de estudo de nosso próximo título.
2. O Tratado de Roma de 1998.
Os violentas conflitos que surgiram desde a independência da Croácia e da
Eslovênia, na ex-Iugoslávia, em 1991 e em Ruanda, em 1994, que tiveram a
intervenção do Conselho de Segurnaça das Nações Unidas, levaram a ONU, através
de seu órgão máximo - a Assembléia Geral - a baixar a Resolução 43/53, de 09 de
dezembro de 1994, a qual constituiu um Comitê ad hoc para o
Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional. O Comitê ad hoc reuniu-se,
então, em abril e agosto de 1995 para examinar o modelo de estatuto para uma
Corte Penal Internacional produzido pela Comissão de Direito Internacional em
1994 (55).
Acompanhando os avanços dos trabalhos do Comitê ad hoc, a
Assembléia Geral, através da Resolução 50/46 de 11 de dezembro de 1995, decidiu
criar um Comitê Preparatório para analisar os resultados e os diferentes pontos
de vista discutidos nas reuniões do Comitê ad hoc. Assim, nesta
resolução decidiu-se que em abril e agosto de 1996 estabelecer-se-ia um Comitê
Preparatório das Nações Unidas sobre o estabelecimento de uma Corte Penal
Internacional, de tal sorte que na mesma oportunidade realizar-se-iam suas duas
primeiras sessões (56).
Na primeira sessão, entre 25 de março e 12 de abril de 1996, foram
consideradas questões de escopo de jurisdição e definição de crimes, princípios
gerais de direito penal, complementariedade (entre a Corte e os Tribunais
nacionais), quais os casos que poderiam ser submetidos à Corte, cooperação
estatal com a Corte. Na segunda sessão, instalada entre 12 e 30 de agosto de
1996, observaram–se as seguintes matérias: questões procedimentais, julgamento
justo e direitos de suspeitos e acusados, penalidades, organização
administrativa da Corte, método de estabelecimento da Corte, e relacionamento
entre a Corte e as Nações Unidas (57).
Após a segunda sessão, em 16 de dezembro de 1996, a Assembléia Geral da
ONU (Resolução 51/207), reafirmando o mandato do Comitê, decidiu que este se
reuniria por mais quatro sessões, sendo que as duas últimas sessões se dariam
entre 01 e 12 de dezembro de 1997 e 16 de março a 03 de abril de 1998, a fim de
completar o projeto de um texto consolidado, apreciável e amplo de uma
convenção para submissão a uma conferência diplomática de plenipotenciários
(58). Também se decidiu que a Conferência Diplomática de
Plenipotenciários para adoção e finalização de uma convenção teria lugar em
Roma, a partir de 15 de julho de 1998 (59), com duração de cinco
semanas. Assim, durante a terceira e quartas sessões (60), o Comitê
avançou sobre a discussão acerca do projeto da Comissão de Direito
Internacional de 1994, retomando os trabalhos de estudo iniciados nas duas
primeiras sessões. Ao final da quarta sessão, a Assembléia Geral baixou a
Resolução 52/160 requerendo ao Comitê o prosseguimento dos trabalhos determinados
na Resolução 51/207, de 17 de dezembro de 1996 e o fim das sessões com a
redação final de um estatuto.
Assim, na quinta sessão (61), cuidou-se da preparação do texto
do Estatuto da Corte a ser remetido à aprovação na Conferência de
Plenipotenciários, bem como dos últimos debates acerca de temas como definição
de crimes de guerra, princípios gerais de direito penal, penalidades, questões
procedimentais e cooperação entre Estados.
Finalmente, em 17 de julho de 1998, em Roma, na sede da FAO (Food and Agriculture
Organization) foi adotada a Conferência Diplomática das Nações Unidas de
Plenipotenciários sobre o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional.
Foram convidados para a Conferência todos os membros das Nações Unidas e
de suas agências especializadas, a Agência Internacional de Energia Atômica,
organizações intergovernamentais credenciadas que participaram como
observadores das sessões do Comitê Preparatório, a o Tribunal Penal
Internacional para a ex-Iugoslávia, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda
e organizações não-govenamentais credenciadas pelo Comitê.
Assinaram o Estatuto, ainda em 1998, setenta e um (71) Estados; até 23 de
abril de 1999, outros onze (11) Estados cuidaram também de assiná-lo (62).
Ratificaram o Estatuto somente o Senegal (02 de fevereiro de 1999) e Trinidad e
Tobago (06 de abril de 1999), restando outros cinquenta e oito (58) depósitos
de instrumento de retificação, aceitação, aprovação ou acessão para que o
Estatuto de Roma, de acordo com seu artigo 126, entre em vigor.
O Brasil participou da Conferência Diplomática das Nações Unidas de
Plenipotenciários para o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional -
Conferência de Roma, mas não assinou o Estatuto alegando flagrante
incompatibilidade entre alguns dispositivos do Estatuto a Constituição Federal
de 1988, a exemplo da previsão estatutária de pena de prisão perpétua (art. 77,
1, b contra o art. 5º, XLVIII, b, da Constituição Federal de 1988) aos
condenados pela Corte. Como o Estatuto não admite reservas (art. 120), o
Brasil, em consonância com o aberto apoio que dispensou à iniciativa do
Estatuto e seu estabelecimento na Conferência, muito provavelmenteo assinará,
mas dificilmente deverá ratificá-lo, pois depende este último ato,
exclusivamente, de decisão do Congresso Nacional (art. 49, I, da Constituição
Federal de 1988), Casa na qual provavelmente se obstará a ratificação de
convenção internacional em flagrante atentado à Constituição Federal vigente,
especialmente em suas disposições pétreas.
3. O Estatuto da Corte Penal Internacional de Roma.
Os debates entre os negociadores dos Estados durante as cinco sessões
preparatórias do Comitê da ONU para o estabelecimento de uma corte penal
internacional, ganharam destaque na redação do Estatuto de Roma: jurisdição;
lei aplicável; admissibilidade; definições de crimes internacionais como
genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão;
elementos do crime; princípios gerais de direito penal; organização
administrativa; procedimentos processuais; penalidades; cooperação e
assistência judicial entre os Estados; e execução.
O Estatuto de Roma comporta 128 artigos divididos em 13 partes: 1.
Estabelecimento da Corte; 2. Jurisdição, admissibilidade e lei aplicável; 3.
Princípios gerais de direito penal; 4. Composição e administração da Corte; 5.
Investigação e persecução; 6. O julgamento; 7. Penalidades; 8. Apelação e
revisão; 9. Cooperação internacional e assistência judicial; 10. Execução;
11.Assembléia dos Estados Parte; 12. Financiamento; e 13. Cláusulas finais.
3.1. Características gerais da Corte.
Diferentemente das experiências anteriores em Nuremberg, Tóquio,
ex-Iugoslávia e Ruanda, conhecidos tribunais internacionais especiais, a Corte
Penal Internacional foi criada como uma instituição permanente, com limites
bastantes claros de jurisdição sobre pessoas que cometam o que se convencionou
denominar no Estatuto de "mais sérios crimes internacionais"
(63), jurisdição que será exercida de forma complementar à jurisdição
penal interna dos Estados Parte, pois, conforme prevê o próprio Estatuto, a
jurisdição da Corte não inibe os Estados de aplicarem ao mesmo caso sua própria
lei interna (64).
De fato, a função principal da Corte é a persecução e punição de crimes
internacionais nos casos em que os Estados, no exercício de sua soberania
interna, falham ou são omissos no devido tratamento de graves e extremas
violações a direitos fundamentais do Homem resguardados pelo direito
internacional (65), tais como o genocídio, os crimes de guerra, os
crimes contra a humanidade, o crime de agressão, tipos penais internacionais
expressamente abrangidos pelo Estatuto de Roma em seu artigo 5º (66),
com a devida ressalva quanto à fixação da definição, aos elementos do crime e
condições de exercício de jurisdição da Corte quanto ao crime de agressão, os
quais serão objeto de proposta de emenda ou de revisão ao texto do Estatuto, a
ser submetidas ao Secretariado Geral das Nações Unidas, nos termos dos artigos
121 e 123 do Estatuto.
Órgão independente, a relação da Corte com as Nações Unidas será objeto
de acordo a ser firmado pela Assembléia de Estados Parte e a ONU, devendo ser
concluído pelo Presidente da Corte. A despeito deste relacionamento formal a
ser estabelecido, o Estatuto remete desde logo à apreciação da Secretaria-Geral
da ONU questões sobre ratificação, aceitação e aprovação dos Estatuto pelos
Estados (67), bem como referentes a solução de controvérsias
(68), reservas (69), emendas (70), revisão
(71) e denúncia (72) do Estatuto.
A princípio, a Corte permanente terá sua sede estabelecida na Haia,
Holanda (73), personalidade legal internacional, além de capacidade
necessária ao exercício de suas funções e cumprimento de seus propósitos. Nos
termos do Estatuto, a jurisdição da Corte será exercida sobre o território dos
Estados Parte e somente por acordo especial sobre territórios de outros Estados
(74).
3.2. Vítimas e acusados.
No que se refere à nacionalidade dos criminosos, das vítimas e da relação
destes com os Estados Parte, o Estatuto de Roma tratou da matéria de forma
indireta. O artigo 1º fala em "jurisdição sobre pessoas em relação aos
mais sérios cimes internacionais previstos no Estatuto" (75),
de forma ampla, sem qualquer indicação sobre qualidades especiais exigidas dos
sujeitos cujos direitos se pretende abrigar sob a jurisdição da Corte. O artigo
13, de sua vez, dispõe sobre as formas de acesso à Corte - comunicação de um
Estado Parte ao Promotor, comunicação do Conselho de Segurança das Nações
Unidas ao Promotor e por iniciativa proprio muto do promotor (76)
, cuja interpretação deixa claro a impossibilidade de acesso direto das vítimas
à Corte. Na declaração da competência internacional - ratione loci (art.
4º), ratione materiae (arts. 5º, 6º, 7º e 8º), ratione temporis
(art. 11º) - não se trata da competência ratione personae. Em resumo, em
momento algum o Estatuto faz qualquer referência à nacionalidade de acusados e
vítimas.
Imagine-se, então, o seguinte problema: num futuro bastante incerto, o
Estatuto de Roma vigora entre seus mais de 100 Estados Parte. Um indivíduo
nacional do Estado A, que não faz parte do Estatuto nem tem qualquer tipo de
acordo com a Corte, passa a cometer uma série de atos criminosos no território
do Estado B, onde já vigora o Estatuto há alguns anos. Fixada a competência da
Corte ratione loci e ratione materiae, o Promotor decide indiciar
o indivíduo do Estado A como um violador dos artigos 5º, 1, b e 7º, 1, b do
Estatuto - crime de extermínio. O Estado A decide intervir no processo
instaurado perante a Corte, em representação de seu nacional, alegando que a
este não se aplica o Estatuto, pois é nacional de Estado que não reconhece a
jurisdição internacional da Corte, tampouco jurisdição de qualquer corte
internacional sob seus nacionais. Do problema surge a pergunta: como a Corte
decidiria esta questão prejudicial?
Se se recorrer a uma interpretação sistemática do Estatuto
verificar-se-á, como já asseverado, que nada se fala sobre exceções de
nacionalidades. Assim, uma vez cometido um ato criminoso em território de
jurisdição da Corte, independentemente da nacionalidade do acusado, será
competente a Corte para conhecer, processar e julgar o caso. O indivíduo do
Estado A, em que pese a representação diplomática de seu Estado nacional,
estaria sujeito à jurisdição, enfim, à lei aplicável pela Corte. Se este
indivíduo foragir-se em território de estranho à jurisdição da Corte, o que
pode se dar, inclusive, em seu próprio Estado nacional, por certo estará à
salvo da ordem de prisão que a Corte eventualmente expedirá contra ele, pois
somente poderá ser processado se comparecer pessoalmente perante a Câmara de
pré-julgamento. Contudo, se adentrar desavisadamente em teritório de jurisdição
da Corte, poderá ser preso e levado a julgamento, sem que seu Estado nacional
possa, de forma direta perante a Corte, obstar seu julgamento e eventual
condenação (77).
Noutra vertente do crime estão as vítimas. Para que se considere a tutela
dos interesses de uma "vítima", basta que a violação ao estatuto (a
um dos tipos penais) tenha se dado em respeito à competência ratione loci e
ratione temporis, independentemente de sua nacionalidade.
Deve-se destacar, contudo, em relação às vítimas a diferença de
tratamento de sua personalidade jurídica na esfera internacional em relação à
de direito interno. No direito interno, a tutela de interesses dá-se de forma
direta, por provocação direta da vítima ou do lesado; no direito penal
internacional, esta tutela dá-se de forma indireta, através da intervenção de
entes distintos da pessoa da vítima. No caso do Estatuto de Roma, tal como
asseverado, a iniciativa, o poder de "representação" de reparação de
direito perante a Corte dá-se somente através de Esrtados Parte, do Promotor ou
do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isto significa, em controvertida
síntese, que o indivíduo para como vítima de um crime previsto no Estatuto de
Roma, não deve ser considerado como sujeito de direito penal internacional,
pois o Estatuto não o considera como destinatário direto da norma
internacional.
Assim, pode-se dizer que os tipos penais previstos no Estatuto de Roma
atingem o interesse do indivíduo, seja no pólo ativo, seja no passivo, de forma
indireta. A satisfação do interesse dos indivíduos no âmbito do direito penal
internacional dá-se através do concurso de terceiros, mesmo porque ao indivíduo
é negado o direito de representação ou queixa diretamente perante a Corte.
Deve-se lembrar, também, que todos os quatro tipos de crime previstos no
Estatuto se referem a crimes coletivos, "em massa", onde a
identificação do sujeito passivo ou do direito individual afetado é
irrelevante. Importa, sim, a preservação e a recomposição de um direito
coletivo, apesar de o Estatuto prever no artigo 75 o direito de reparação às
vítimas, pagamento que será efetuado a partir de um Trust Fund (art.79)
composto de capital dos Estados Parte, das Nações Unidas e de colaboradores
individuais. A tutela de interesses coletivos, difusos, cabe ao Estado (in
casu, à Corte), tocando ao indivíduo somente de forma indireta.
3.3. Crimes internacionais objetos de jurisdição da Corte.
O referido artigo 5º do Estatuto de Roma limita a jurisdição da Corte
sobre quatro tipos penais eleitos entre os mais sérios que acometem a
comunidade internacional: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de
guerra e crimes de agressão, destacando-se, como condição para apreciação pela
Corte do crime, a constatação de um dos elementos subjetivos do tipo: o dolo
direto ou o dolo eventual do agressor, denominado no Estatuto de mental
element (78).
Para efeitos do Estatuto, genocídio é crime caracterizado no artigo 6º,
entre outras disposições ali encerradas, pela intenção de destruir, em todo ou
em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, através de:
assassinato de seus membros, produção de sérios danos corporais e mentais a
seus membros, imposição de condições de vida que provoquem, total ou
parcialmente, sua destruição física; imposição de medidas de controle de
natalidade a estes grupos, transferência forçada de crianças deste grupo a
outros grupos.
Os crimes contra a humanidade, previstos no artigo 7º, caracterizam-se
pelo ataque direto contra qualquer população civil, com intenção de
assassinato, extermínio, escravização, deportação ou transferência forçada;
aprisionamento ou outra severa privação do direito de liberdade em violação a
regras fundamentais de direito internacional; tortura; rapto, escravização
sexual, prostituição forçada, esterilização forçada e demais graves violências
sexuais; perseguição política, racial, étnica, nacional, cultural ou religiosa
contra grupos ou a coletividade; desaparecimento de pessoas; crime de
segregação racial (apartheid) e outros crimes intencionais que causem
grande sofrimento, danos coporais, mentais ou à saúde física das vítimas.
Aos crimes de guerra foi dedicado o mais extenso dos artigos do Estatuto
(art. 8º), cujos fundametos expressamente se encontram na Convencão de Genebra
de 12 de agosto de 1949 e no próprio corpo do Estatuto, distinguindo entre os
conflitos armados de caráter internacional dos não-internacionais (79).
A interpretação e aplicação dos artigos 6º, 7º, e 8º pela Corte, cujas
modificações serão adotadas por votação de dois terços dos Estados Parte
(80), serão auxiliadas pelos elementos dos crimes (81)
referidos nestes artigos.
3.4. Jurisdição ratione temporis. A regra do ne bis in idem
e os princípios gerais de direito penal.
A Corte exercerá sua jurisdição ratione temporis, ou seja, somente
apreciará crimes cometidos após seu estabelecimento e, no caso de Estado que
vier a esta aderir, somente após o decurso de prazo estipulado no instrumento
de ratificação, aceitação, adoção ou acessão (82), em respeito aos
princípios de direito penal reconhecidos nos artigos 22 e 23 do Estatuto,
muitas vezes referidos nos casos das tribunais militares especiais de Nuremberg
e Tóquio, do nullum crime sine lege e da nulla pena sine lege.
A comunicação à Corte sobre atos supostamente criminosos (art. 5º do
Estatuto) cabe somente aos Estados Parte e ao Conselho de Segurança das Nações
Unidas (83), devendo ser dirigidas ao Promotor (84) da
Corte, que cuidará das investigações sobre as pessoas envolvidas e os fatos
criminosos. Se o Promotor concluir que há razoáveis bases para se proseguir na
investigação, submeterá o caso à Câmara de Pré-Julgamento (85).
Na Câmara de Pré-Julgamento analisar-se-ão os requisitos de
admissibilidade do caso (86), entre os quais se destaca a omissão ou
falha do Estado no cumprimento da obrigação de investigação e persecução de
crimes previstos no Estatuto. À Corte, como já se asseverou, cumpre esta função
de realização do direito internacional e das normas previstas no tratado para
prevenção, julgamento e punição dos crimes internacionais. Esta regra se faz necessária,
pois nada impede que os Estados julguem e punam os criminosos que pratiquem
atos previstos no Estatuto.
Para se evitar o Ne bis in idem (87), ou seja, que uma
pessoa seja julgada e condenada duas vezes pelos mesmos crimes, o Estatuto
prevê que: 1. Nenhuma pessoa será processada perante a Corte por crimes
previstos no Estatuto se esta já se pronunciou a respeito deles, absolvendo-a
ou condenando-a; 2. Nenhuma pessoa será processada diante de qualquer outro
tribunal por crimes previstos no Estatuto (art.5º) se já processado diante da
Corte; 3. Nenhuma pessoa que já tenha sido processada por crimes previstos no
Estatuto tornará a ser processada pela Corte pelas mesmas condutas, exceção
feita a julgamento de outro tribunal com o propósito de proteger o criminoso da
responsabilidade por crimes abrangidos pela jurisdição da Corte, ou que tenha
sido conduzido ao arrepio das regras de conduta regidas pela impacialidade e
independência, de acordo com as normas do devido processo legal reconhecidas
pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de maneira inconsistente
com a devida aplicação da justiça.
Analisando cada um destes dispositivos, verifica-se que a regra do ne
bis in idem conflita com o disposto no artigo 80 do Estatuto, o qual prevê
que a execução da decisão da Corte e a aplicação da pena ao condenado não
prejudicará a punição deste pelo Estado Parte, de acordo com seu direito
interno. Esta última regra admite, portanto, que haja dois julgamentos e, por
conseguinte, a possibilidade de dois resultados conflitantes: absolvição e
condenação. Problema que não se resolve nas regras do Estatuto.
Se entendermos as duas esferas como independentes, o conflito torna-se
aparente; contudo, ocorrendo decisões conflitantes entre o Estado e a Corte,
surje a responsabilidade e obrigação do Estado Parte com relação à decisão da
Corte, tornando-se mais uma vez bastante flagrante o conflito, especialmente em
relação ao artigo 80 do Estatuto de Roma.
A solução para este conflito pode ser encontrada nas regras que estabelecem
a lei aplicável (88) nos julgamentos da Corte, se não no Estatuto,
nas normas interpretativas subsidiárias previstas no artigo 21, 1,
"b": tratados internacionais e princípios e regras de direito
internacional.
Diferentemente da "não-hierarquia" atribuída as fontes de
direito internacional elencadas no conhecido artigo 38 do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, as fontes de interpretação e aplicação do Estatuto de
Roma são apresentadas de forma taxativa e hierarquicamente organizada. Em primeiro
lugar devem ser aplicados o Estatuto, os elementos dos crimes e regras de
procedimento e prova; em segundo lugar, se possível, tratados aplicáveis e
princípios e regras de direito internacional, entre os quais se incluem os
princípios gerais de direito sobre conflitos armados; em terceiro lugar, os
princípios gerais de direito derivado da Corte a partir da investigação do
sistema legal de direito interno dos Estados, entre as quais se incluem a lei
interna do Estado que regularmente teria jurisdição sobre o caso. Far-se-á a
aplicação deste princípios desde que não violem o Estatuto, o direito
internacional nem os padrões e normas internacionalmente reconhecidas.
Os princípios gerais de direito penal a que se refere o Estatuto,
exaustivamente estudados e discutidos nas sessões preparatórias da Conferência
para Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional, reconhecidos
universalmente, foram identificados e apresentados em número de nove: 1. Nullun
crime sine lege (89); 2. Nulla pena sine lege
(90); 3. Não retroatividade da lei ratione persona (91);
4. Responsabilidade penal individual (92)(ii) Be made in the
knowledge of the intention of the group to commit the crime; (e) In respect of
the crime of genocide, directly and publicly incites others to commit genocide;
(f) Attempts to commit such a crime by taking action that commences its
execution by means of a substantial step, but the crime does not occur because
of circumstances independent of the person´s intentions. However, a person who
abandons the effort to commit the crime or otherwise prevents the completion of
the crime shall not be liable for punishment under this Statute for the attempt
to commit that crime if that person completely and voluntarily gave up the
criminal purpose. 4. No provision in this Statute relating to individual
criminal responsibility shall affect the responsibility of States under
international law."; 5. Exclusão de jurisdição da Corte sobre menores
de 18 anos (93); 6. Irrelevância de capacidade jurídica oficial para
julgamento perante a Corte (94); 7. Responsabilidade de comandantes
e superiores por ordens à subordinados (95)2. With respect to
superior and subordinate relationships not described in paragraph 1, a superior
shall be criminally responsible for crimes within the jurisdiction of the Court
committed by subordinates under his or her effective authority and control, as
a result of his or her failure to exercise control properly over such
subordinates, where: (a) The superior either knew, or consciously disregarded
information which clearly indicated, that the subordinates were committing or
about to commit such crimes; (b) The crimes concerned activities that were
within the effective responsibility and control of the superior; and (c) The
superior failed to take all necessary and reasonable measures within his or her
power to prevent or repress their commission or to submit the matter to the
competent authorities for investigation and prosecution."; 8. Não
aplicabilidade de estatuto de limitações criados por Estados a crimes sob
jurisdição da Corte (96); 9. Elemento mental (somente se submeterá à
Corte os crimes previstos no art. 5º, intencionalmente praticados ou cujo
resultado criminoso e lesivo se admitia - art. 30) (97).
3.5. Excludentes de responsabilidade penal. Erro de fato e erro de
direito. Cumprimento de ordens de governo e de superiores.
Também cuidou o Estatuto das excludentes de responsabilidade penal
(98), a exemplo da ocorrência doença mental ou doença que diminua a
capacidade de discernimento da pessoa sobre a natureza ilegal de sua conduta;
legítima defesa própria ou de outrem; pessoa em Estado de intoxicação que afete
o discernimento sobre a legalidade e natureza de seus atos; pessoa que pratique
atos necessários e razoáveis a se evitar a morte ou sérios danos físicos a si a
outrem, desde que a pessoa não cause danos maiores que aqueles que pretende
evitar.
Outro dispositivo do Estatuto que merece destaque é o tratamento dado ao
erro de fato e erro de direito (99). O erro de fato pode ser arguído
como excludente da responsabilidade criminal somente se negar o elemento mental
exigido para o crime (dolo direito ou dolo eventual); o erro de direito, assim
como qualquer outra espécie de conduta particular, é crime dentro da Jurisdição
da Corte e não será excludente da responsabilidade criminal senão se negar o
elemento mental exigido para o crime.
No que se refere ao cumprimento de ordens superiores e de prescrições
legais (100), seja por civis, seja por militares, haverá
responsabilidade criminal do agressor, exceto se a pessoa estiver sob obrigação
legal de obediência a ordem de Governo ou de superior hierárquico; ou se a
pessoa não souber que a ordem é ilegal ou se a ordem não for manifestamente
ilegal. Contudo, para efeito do Estatuto, qualquer ordem para se cometer
genocídio ou crimes contra a humanidade são consideradas (iure et de iure)
como manifestamente ilegais e, portanto, não têm o condão de afastar a
responsabilidade criminal do sujeito.
3.6. Administração.
Administrativamente, a Corte se divide em quatro órgãos (art. 44), cada
qual com funções minunciosamente determinadas: Presidência (art. 38); Divisão
de apelação, divisão de julgamento e divisão de pré-julgamento (art. 39);
gabinete do Promotor (art. 41) e Registro (art. 34).
3.7. Pré-julgamento, prisão preventiva e julgamento perante a Câmara
de Julgamento.
Para que o acusado possa ser julgado, o caso deve ser admitido pela Corte
na Câmara de pré-julgamento, segundo as regras estabelecidas nos artigos 62 a
76 do Estatuto, entre as quais se destacam: a presença física do acusado
durante todo o julgamento (art. 63), exigência que afasta a possibilidade de
julgamento à revelia) (101); o dever da Câmara julgadora de exercer
suas funções e poderes de acordo com o Estatuto e as regras de julgamento e
provas (lei aplicável), garantir um justo e rápido julgamento, respeitando os
direitos do acusado e o dever de proteção às vítimas, às testemunhas; a regra de
presunção de inocência até prova em contrário; e o ônus do promotor de provar a
culpa do acusado (presunção de inocência) (102); além de garantias
expressas sobre direitos do acusado, tias como: dever de ser prontamente
informado em detalhes sobre a natureza, causa e conteúdo das acusões que contra
ele pesam, em sua língua de compreensão e fala; tempo adequado para preparação
de sua defesa; direito de ser julgado sem atrasos indevidos; direito a ter um
assistente legal entre outros elencados no artigo 67.
Admitido o caso pela Câmara de Pré-Julgamento, proceder-se-á às
formalidades para detenção do acusado e sua apresentação perante a Câmara de
Julgamento. Neste passo, necessário se faz a renovação de alguns cometários
sobre os sujeitos passíveis de serem julgados pela Corte. Inicialmente disse-se
que, em princípio, o Estatuto de Roma se aplica a toda e qualquer pessoa que
incorra nos crimes ali tipificados, independentemente de sua nacionalidade,
protegendo somente direitos de vítimas de Estados Parte. Mas como se dará a
detenção do acusado para sua necessária apresentação perante a Corte? Dentre as
obrigações assumidas pelos Estados Parte está o dever de cooperação, seja
quanto a informações, seja quanto a atitudes diretas para tornar as decisões da
Corte efetivas. A detenção de acusados insere-se exatamente neste dever de
cooperar, obrigação que se limita aos Estados Parte (103). Para os
demais Estados, há a possibilidade de estabelecimento de acordos de cooperação
judicial para com a Corte, os chamados "acordo ad hoc" (art.
87, 5).
3.8. Penas e execução.
Ao acusado perante a Câmara de Julgamento poderão se aplicadas qualquer
uma das duas penas previstas no Estatuto (104)2. In addition to
imprisonment, the Court may order: (a) A fine under the criteria provided for
in the Rules of Procedure and Evidence; (b) A forfeiture of proceeds, property
and assets derived directly or indirectly from that crime, without prejudice to
the rights of bona fide third parties.": prisão por certo período de
tempo não superior a 30 anos e prisão perpétua, quando justificada pela extrema
gravidade do crime e pelas circunstâncias individuais do condenado; excluída,
portanto, a pena de morte prevista nos tribunais militares de Nuremberg e
Tóquio.
A sentença da Corte, seja na dosimetria da pena de prisão ou na
determinação da prisão perpétua, deverá consignar os fundamentos de uma e outra
pena, considerando expressamente sobre a gravidade do crime e a pessoa do
acusado, conforme prevê o artigo 78. Se a pessoa for condenada por mais de um
crime, a Corte julgará cada um dos crimes especificando o tempo total de
prisão, o qual não poderá exceder a 30 anos ou à prisão perpétua.
No entanto, conforme já destacado, a punição a condenados prevista no
Estatuto não prejudicará a aplicação da lei nacional pelos Estados nem o
direito destes em não aplicar as penalidades impostas pela Corte em razão da
contrariedade à disposições de direito interno (art. 80), tal como ocorre no
Brasil com a pena de prisão perpétua, vedada expressamente no texto Constitucional
(105). A pena será cumprida num Estado a ser designado pela Corte,
escolhido a partir de uma lista de Estados que tenham indicado à Corte sua
disposição em aceitar condenados. O Estado de execução, de sua vez, deverá
informar à Corte qualquer circunstância ou condição de seu direito interno que
possa afetar materialmente a execução da pena.
3.9. Solução de controvérsias no âmbito da Corte.
Se reconhecermos que um dos objetivos da Corte é a solução de
controvérsias internacionais acerca da aplicação do direito penal, também não
podemos negar que sua atividade jurisdicional provoque novos conflitos. Para
solucioná-los, o Estatuto prevê um sistema de solução de disputas sobre função
jurisdicional da Corte, interpretação e aplicação do Estatuto. Assim, qualquer
disputa sobre função jurisdicional da Corte será objeto de apreciação e decisão
pela própria Corte; ainda, qualquer outra disputa entre Estados relativa à
interpretação ou aplicação do Estatuto que não se resolver mediante negociações
a serem concluídas num prazo máximo de três meses, deverá ser apresentada à
Assembléia de Estados Parte. A Assembléia deverá solucionar a disputa ou
indicar os meios alternativos para sua solução, entre os quais expressamente se
inclui a alternativa de submissão do conflito à jurisdição da Corte
Internacional de Justiça (106).
Nas disposições sobre o suporte financeiro da Corte (107),
diz-se que as despesas serão pagas pelo Fundo da Corte, a ser criado a partir
da contribuição de Estados Parte, das Nações Unidas (mediante decisão da
Assembléia Geral) e de voluntários, cuja escala de valores será baseada na
escala de contribuições aplicada no âmbito das Nações Unidas (art. 107).
3.10. Disposições gerais atinentes ao processo de conclusão dos
tratados internacionais.
No que se refere às formalidades intrínsecas às convenções
internacionais, próprias do processo de conclusão de tratados, não são
permitidas reservas ao Estatuto (art. 120); emendas (art. 121), somente poderão
ser oferecidas após sete anos da entrada em vigor do Estatuto, devendo as
mesmas serem submetidas ao Secretário Geral da ONU, que prontamente fará a
circulação do texto proposto a todos os Estados Parte (108).
Como regra geral, a emenda ou revisão entrará em vigor para os Estados
Parte um ano após o depósito dos instrumentos de ratificação ou aceitação junto
à Secretaria Geral da ONU por parte de sete oitavos dos Estados parte. Exceção
feita às emendas ao artigo 5º (que prevê os crimes objeto do Estatuto), as
quais entrarão em vigor para os Estados Parte imediatamente com o depósito do
instrumento de ratificação ou aceitação, proibida a Corte de exercer sua
jurisdição, nos termos da emenda, com relação ao Estado Parte que não a
ratificou ou aprovou.
Após a ratificação ou aceitação da emenda por sete oitavos dos Estados
Parte, aqueles Estados que não o fizeram podem denunciar o tratado, com efeitos
imediatos, notificando os primeiros em prazo que não exceda a um ano da entrada
em vigor da emenda. Para as emendas de natureza institucional (art. 108) que não
puderem ser aprovadas por consenso, estas deverão ser submetidas e aprovadas
por um quorum de dois terços dos Estados Parte e entrarão em vigor após
seis meses de sua adoção pela Assembléia ou, se for o caso, pela Conferência.
Note-se que o processo de revisão do tratado não se confunde com o
processo de emendas. A revisão do Estatuto é imperativo previsto no art. 123.
Para tanto, a Secretaria Geral das Nações Unidas, após sete anos de vigência do
Estatuto, proporá uma Conferência para revisão do Estatuto, de poderá incluir,
além de outras matérias, a revisão do art. 5º. A decisão sobre os textos
revistos a ser tomada nesta Conferência caberá à maioria absoluta dos Estados
Parte.
O Estatuto foi aberto para assinaturas em Roma, na sede da FAO (Food
and Agriculture Organization of the United Nations), em 17 de julho de
1998; permaneceu aberta a assinaturas no Ministério das Relações Exteriores da
Itália até 17 de outubro de 1998. Atualmente, está aberta a assinaturas na sede
das Nações Unidas, em Nova York, até 31 de dezembro de 2000, e entrará em vigor
no primeiro dia do mês subsequente ao depósito do 60º instrumento de
ratificação, aceitação, adoção ou acessão junto à Secretaria Geral das Nações
Unidas (artigos 125 e 126).
Em relação aos Estados, o Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do
mês subsequente ao depósito de seu instrumento ratificação, aceitação, adoção
ou acessão junto à Secretaria Geral das Nações Unidas.
A denúncia deverá por qualquer Estado Parte deverá se dar pela forma
escrita e dirigida ao Secretário Geral da ONU, produzindo efeitos quanto ao
denunciante após um ano do recebimento da notificação, exceto ne desta se
assinar maior prazo. Vale destacar, porém, que o Estado, mesmo com a denúncia
do Estatuto, não se exime das obrigações assumidas enquanto Parte (durante o
prazo após a notificação), obrigação que se estende, expressamente, às
contribuições para financiamento da Corte.
Capítulo V: Conclusões.
Muitas de nossas conclusões sobre o tratamento legal e doutrinário acerca
do direito penal internacional e das controvérsias internacionais que suscita
foram lançadas ao longo de nossa exposição sobre cada um temas estudados, de
sorte que nestas breves palavras finais cabe-nos tão somente a tentativa de
enlace entre aquelas conclusões e tantos outros pensamentos que, diante de tão
controvertido e pouco explorados temas de direito internacional- direito penal
internacional e cortes penais internacionais - nos assaltam e fogem, instigando
a pesquisa, o conhecimento, aprofundamento e renovação de clássicos conceitos
de direito internacional em situações modernas, de uma nova ordem legal
internacional fundada em princípios de competência e jurisdição internacionais
tendentes a ser reconhecidos por todos os Estados.
É de se pensar, também, o novo papel que esta ordem legal internacional
reserva para a Organização das Nações Unidas, especialmente para a Assembléia
Geral e Conselho de Segurança, cujas responsabilidades, atribuições e decisões
muito vêm contribuindo para o reconhecimento de um direito penal internacional,
de princípios elementares e universais de proteção aos direitos humanos, enfim,
para a universalização de princípios de direito internacional de preservação da
própria dignidade e natureza humana. O estabelecimento de uma Corte Penal Internacional
permanente é, sem dúvida, um destes avanços que se pode creditar ao trabalho
das Nações Unidas, de sua Comissão de Direito Internacional, de organizações
intergovernamentais e não- governamentais que colaboraram, discutiram durante
nove (09) anos o que viria a ser consolidado em Roma, em julho de 1998.
Apesar dos esforços para o estabelecimento de uma corte penal
internacional, intenções mais uma vez traduzidas em texto escrito - Tratado de
Roma de 1998, ainda esbarra o direito penal internacional em antigas questões
de direito interno dos Estados que impedem o avanço e a consolidação de
estatutos internacionais atinentes a crimes internacionais, entre estas
questões destacaram-se: jurisdição absoluta sobre pessoas, bens e fatos
presentes dentro do território do Estado em contraposição à teoria do
impacto teritorial, principal causa de conflitos de competência
internacional.
Estes conflitos, no âmbito do direito internacional podem ser resolvidos
de duas maneiras distintas: ou se socorre de acordos internacionais prévios e
aplicáveis à matéria,com possibilidade, inclusive, de se negociar novos acordos
específicos por via diplomática, ou se pactua a submissão do caso à jurisdição
de uma corte internacional ou tribunal arbitral. Se nenhuma destas hipóteses
por termo à querela, cada uma das partes aplicará ao caso seu próprio direito
interno, dependendo a efetividade de uma e outra decisão de fatores que muitas
vezes fogem ao controle dos Estados.
A problemática da efetividade das decisões nacionais de efeitos
extraterritoriais e das decisões de órgãos internacionais não pode
negligenciada em termos de prevenção e solução de litígios internacionais.
Assim, pode-se afirmar que o direito penal internacional e as regras
limitadoras da competência legal internacional ainda funcionam como normas
costumeiras informativas de uma ordem legal internacional, normas reconhecidas
como obrigatórias e que integram o ordenamento jurídico da grande maioria dos
Estados. Por esta razão, a efetividade do direito penal quanto aos crimes
internacionais mais comuns é deslocada do direito internacional para o direito
interno, de instrumentos internacionais para órgãos nacionais com estruturas já
estabelecidas, incentivando-se uma série de pequenos acordos de cooperação
judicial , negociados em pequenos blocos, o que favorece o processo negocial,
reduz os conflitos entre a lei internacional e o direito interno e atende de
forma mais eficaz os problemas que afligem os Estados envolvidos. No entanto,
quanto aos crimes mais complexos, aqueles que atingem uma coletividade de
pessoas (genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade, contra a paz e
agressão) e que contam com a omissão ou ação direta dos governos dos
territórios onde ocorrem, enquanto não se renovar o governo ou a política
governamental, a solução de justiça não pode ser dada de forma isolada pelo
Estado, razão pela qual se legitima a intervenção da comunidade internacional,
conforme o estabelecido no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas.
Vale também um destaque final para as recentes experiências de aplicação
de um direito penal internacional nos Tribunais Penais Internacionais para a
ex-Iugoslávia e Ruanda, onde se processam e julgam criminosos internacionais
pela prática de genocídio, crimes contra a humanidade e outros crimes odiosos
contra a perservação e respeito aos mais elementares direitos do Homem. Sem
dúvida, duas experiências que comprovam a existência de um direito penal
internacional, de respeito às regras de direito internacional clássico, de
solução pacífica de conflitos internacionais e, principalmente, de efetividade,
haja vista os casos já julgados em Arusha, Tanzânia, sede do Tribunal Penal
para Ruanda, e dos vários casos ainda em julgamento na Haia, sede do Tribunal
Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.
No tocante ao Estatuto de Roma, espera-se, mas não se acredita, que num
futuro distante outros cinquenta e oito (58) Estados, à exemplo de Senegal e
Trinidad Tobago, depositem seus intrumentos de ratificação junto à Secretaria
Geral das Nações Unidas, provocando a vigência do Estatuto e fazendo operar,
num largo território, um direito penal internacional que se cuidou de erigir em
atenção aos mais basilares princípios de direito humanitário e de direito
internacional. Até que este futuro incerto se descortine, o Estatuto vigorará
como um repositório de princípios, senão de costumes internacionais
reconhecidos por várias nações, os quais devem ser observados e incorporados
aos sistemas jurídicos dos Estados, tal como os princípios de law of nations,
mesmo por aqueles Estados que ainda não cuidaram de assinar o Estatuto ou de
depositar seu instrumento de ratificação. Existem princípios de direito
internacional, princípios da antiga law of nations, que devem ser
reconhecidos por todas as nações como preceitos de direito universalmente
aceitos.
Os crimes objeto do Estatuto de Roma, independentemente da entrada em
vigor do diploma, devem ser objeto de política dos Estados, seja me sua forma
preventiva, seja na repressiva, esta última representada na atuação imparcial
do poder judiciário no conhecimento, processamento e julgamento de crimes
odiosos como os crimes de guerra, contra a paz, contra a humanidade, de
agressão e genocídio, os quais são favorecidos por instabilidades políticas originadas
de uma política social pobre, de sistemas educacionais e culturais em falência,
de perca de identidade, de religiosidade de coesão social, enfim, por governos
e governados em disputa pela preservação dos mais elementares direitos humanos.
Os recentes exemplos de Ruanda, da ex-Iugoslávia, infelizmente, são o retrato
de uma convulsão política que não acabou em Versailhes em 1919, nem em Londres
e Moscow em 1945, nem em Helsinque e Washington em 1987/1988 no fim da Guerra
Fria.
Notas
1..."Car la GUERRE ne consiste pas seulement dans la bataille et
dans des combats effectifs; mas dansun espace de temps au la volunté de
s’affrouter eu des batailles est suffisament avérée" (HOBBES, Thomas. Leviathan,
Philosophie Politique, tradução de François TRICAUD, Paris, Édition
Sirey, 1971, p. 124)
2...CARNELUTTI, Francesco. Sistema del diritto processuale, Padova,
1936, v. 7,p. 3, citado por GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil
Brasileiro, v. 01., 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1989, p. 12, nota 2.
3...Segundo ensinam CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (Teoria Geral do
Processo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 20) os ... " conflitos
caracterizam-se por situações que uma pessoa, pretendendo para si determinado
bem, não pode obtê-lo - seja porque a) aquele que poderia satisfazer sua
pretensão não a satisfaz, seja porque b) o próprio direito proíbe a satisfação
voluntária da pretensão..."
4.... "Em matéria de crimes internacionais o indivíduo não é
sujeito de direito internacional..." A afirmação, sobre a qual concordamos,
é de autoria do Professor Fausto de QUADROS, da Faculdade de Direito de Lisboa
(QUADROS, Fausto de. PEREIRA, André Gonçalves. Manual de Direito
Internacional Público, 3ª ed., Coimbra, almedina, 1995, p.386). Segundo
QUADROS, as regras de direito penal internacional são "...regras
dirigidas aos Estados, sem projeção em qualquer esfera jurídica individual..."
(Idem, p. 383). De fato, até mesmo na expressão máxima do direito penal
internacional, a Corte Penal Internacional de Roma, a jurisdição de Corte sobre
crimes depende da adesão dos Estados, ou seja, depende da incorporação do texto
do Estatuto ao direito interno.
5...Estatuto da Corte Penal Internacional (International Criminal Court):
devido à considerável extensão do Estatuto de Roma, como é conhecido o Estatuto
da Corte Penal Internacional, não pudemos anexá-lo ao presente artigo, razão
pela qual sugerimos uma pesquisa ao seu conteúdo diretamente no site da
Corte - http://www.un.org/rights.
6...Entre os ilícitos tratados pelo direito internacional penal estão as
violações aos direitos humanos reconhecidos na Carta da Organização dos Estados
Americanos, na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e na
Declaração Universal dos Direitos do Homem, como diretos inerentes à própria
pessoa humana e, portanto, merecedores de uma tutela internacional
convencional, independentemente de sua nacionalidade, cuja jurisdição está a
cargo de tribunais internacionais de direitos humanos, a exemplo da Corte
Interamericana de Direitos Humanos Criada pela Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, a qual foi aprovada na Conferência de São José da Costa Rica
em 22.11.69 e promulgada no Brasil através do Decreto nº 678, de 06 de novembro
de 1992.
7...As técnicas de delimitação da competência internacional dos Estados
foram estudadas por Richard Anderson FALK (in International
jurisdiction: horizontal and vertical conceptions of legal order, Temple
Law Quaterly, 1959, v. 32, p. 295).
8...KAPLAN, Morton A. & KATZENBACH, Nicholas de B. Fundamentos
Políticos do Direito Internacional, Zahar Editores, Rio de Janeiro, p. 188.
9....Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: Código de Processo Civil
Brasileiro em vigor, arts. 91 e ss.
10...O Professor FALK (op. cit, p. 298) apresenta em seu artigo um debate
sobre o conceito horizontal e vertical da ordem legal internacional. No
entender de Falk, a ordem internacional é essencialmente horizontal, de
coordenação entre Estados, diferentemente da ordem interna, onde prevalece a
hierarquia entre instituições, com o poder verticalizado e centralizado na
figura do Estado.
11...FALK, op. cit., p. 295.
12...E assim foi reconhecido, em 1927, pela Corte Permanente de Justiça
Internacional, no julgamento do caso Lotus, no qual foi assinalado que
..."tudo o que pode ser exigido de um Estado é que não ultrapasse os
limites que o direito internacional impõe à sua jurisdição; dentro destes
limites, seu título para exercer sua jurisdição repousa em sua soberania"
(caso Lotus, in BRIGGS, Richard W., "The Law of Nations, Cases
Documents and Notes", F. S. Crofts & Co., NY, 1944, p. 287).
13....cf. Bela BALASSA, "Teoria da Integração
Econômica", Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1962) sugere um gradualismo
e diversidade para os diversos processos de integração econômica: zona de livre
comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e integração
econômica total. Embora muito criticado este gradualismo mecanicista e pouco
flexível, os críticos concordam quanto à instituição de órgãos supranacionais
somente a partir da união econômica, até se atingir a integração econômica
total, tal como preconizado para a União Européia.
14....Ao nosso ver, o moderno conceito de soberania compreende
dois elementos: jurisdição e competência legal internacional. Em
outras palavras, soberania é jurisdição e competência.
15....FALK (op. cit., p. 299) entende que estas regras proibitivas são os
limites da discrição dos juízes para estender a jurisdição dos Estados para
fora de seu território.
16....Art. 2º da Carta das Nações Unidas: "A Organização e seus
membros, para realização de seus proósitos mencionados no art. 1º, agirão de
acordo com os seguintes princípios: 1. A Organização é baseada no princípio da
igualdade soberana de todos os seus membros....3. todos os membros deverão
resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que nõ
sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais....7. Nenhum
dispositivo da presente Carta autorizará às Nações Unidas a intervirem em
assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou
obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da
presente carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação de medidas
coercitivas constantes do capítulo VII." (In RANGEL, Vicente Marotta,
Direito e Relações Internacionais, 5ª ed. Revista e atual., RT, 1997, p. 32).
17.....Na análise dos fundamentos políticos que levam a concretização de
tratados internacionais, KATZENBACH (op. cit.) vislumbrava o efeito de melhor
acomodação de interesses nas comunidades de Estados que emergiam, pois a
competência de um único Estado é um bloqueio para a realização de interesses e
valores comuns.
18....Jurisdição é um exercício de soberania. Jurisdição
internacional é o resultado da composição legal internacional de soberanias.
19....A teoria do impacto territorial, sustentada pelos efeitos negativos
causados em território americano dos fatos ocorridos no exterior, a ser
estudada mais adiante como um dos princípios limitadores da competência legal
internacional, nada mais é que a aplicação da própria jurisdição interna do
Estado, como se considerasse o fato como ocorrido em seu próprio território. A
solução para a recepção negativa da aplicação judicial desta teoria, mas lhe
preservando a essência, foi regular diretamente as relações comerciais externas
das empresas americanas com o restante do mundo.Assim, o bloqueio econômico
imposto à Cuba pelos Estados Unidos (Lei Helms-Burton), comum e equivocadamente
denominado de embargo, proíbe, em linhas gerais, pessoas físicas e jurídicas
americanas de operarem com qualquer um que tenha qualquer tipo de relação com o
Governo de Fidel Castro, exceção feita, recentemente, à Comunidade Européia. Em
outras palavras, se uma empresa da Brasileira exporta seus produtos para Cuba,
fatalmente não comercializará seus produtos para uma empresa americana, ou
seja, estará excluído do maior mercado consumidor do Mundo.
20....O caso Lotus, típico caso de direito penal internacional, cuidou do
julgamento de colisão de embacações em alto-mar, tornou-se um dos mais valiosos
casos da jurisprudência internacional. Em breve resumo dos fatos, um navio
postal francês, o Lotus, albaroou um navio de carga turco em alto-mar,
provocando a morte de cinco dos tripulantes turcos e o afundamento do navio
cargueiro. Socorridos os náufragos, dirigiu-se o navio francês ao porto turco
de Constantinopla, onde o oficial da hora francês, Tenente Demons, foi preso e
denunciado pelas mortes dos tripulantes turcos. Processado pela Justiça Turca,
Demons foi condenado a cumprir pena naquele país. A França, descordando da
condenação de seu nacional e fundamentando, ainda, seu incorformismo no fato do
acidente ter se dado em alto-mar (sob a jurisdição de nenhum Estado), propôs à
Turquia a submissão do caso à Corte Internacional de Justiça, no que obteve a
concordância. Por maioria de votos, a CIJ julgou o caso favoravelmente à
Turquia ao entender que não havia no direito internacional regra alguma que
proibisse este Estado de aplicar sua lei penal sobre o caso. (HUDSON, Manley O.
World Court Report, vol. II - 1927-1932, Washington, 1935, p. 20;
BRIGGS, op. cit., p. 287).
21....Segundo FALK (op. cit. p. 304), esta razoabilidade deve ser buscada
numa composição horizontal entre os Estados, pois nesta perspectiva o Estado
mantém-se como centro de autoridade primária, exatamente por não furtar da
população as noções arraigadas de soberania e nacionalidade.
22...."Research in International Law under the Auspices of the
Harvard Law School. Jurisdiction with respect of Crime", 29 American
Journal of International Law, Supp. Ver também, BASSIOUNI, M. Cherif. International
Criminal Law, obra em três volumes, v. 2 - Procedure, NY, Transnational
Publishers, Inc., 1993, p. 04 ss.
23....MAGALHÃES, José Carlos de. A aplicação extraterritorial de leis
nacionais, Revista Forense 293/89. p. 92: O professor MAGALHÃES
afirma que esta prática de tipificação de condutas de administradores de
pessoas jurídicas faz aflorar um conflito de competências e de qualificações
entre os Estados, pois interfere com pessoas jurídicas de outras nacionalidades
que estão adstritas a seguir os parâmetros de leis nacionais a que estão
sujeitas." Segundo o professor, atualmente no direito norte-americano,
após a decisão no caso Supplied Chemical Industries, tem se considerado
não passíveis de punição os administradores americanos sujeitos às leis
estrangeiras.
24....BASSIOUNI, op. cit., v.2 - procedure, p. 22/27.
25...BASSIOUNI, op. cit., v.2 - procedure, p. 25, nota 75: "Rose
v. Himley, 8 U.S. 143, 166 (4 Cranch) 240, 279 (1808) (dictum)...; Henfield’s
case, 11 F. Cas. 1.099 (C.C.D.Pa 1793 ) (No. 6360). In addition to the
traditional (essential territorial) function of keeeping the peace, one of the
functions of the municipal criminal justice system simply is to control its
citizens’conduct - to prohibit and attempt to the limit conduct deemed to be
social harmful...". Também: idem, p. 23, nota 67: Blackmer
v. United States, 284 U.S. 421 (1932), cuja íntegra encontra-se em BRIGSS,
op. cit., p. 273; prosseguindo, BASSIOUNI anota: "...Oppenheim stated
that the law of nations does not prevent a state from exercising jurisdiction
over its subjects travelling or residing abroad, because they remain under its
personal supremacy. 1. L. Oppenheim, International law § 145, 330 (8th
ed. 1955)...Professor W.E. Hall states: The authority possed by a stated
community over its members being the result of the personal relation between it
and the individuals of which its formed; its laws travel with them wherever
they go, both in places within or without the jurisdiction of other powers. A
state can not enforce its law within the territory of another state; but its
subjects remainunder a obligation not to disregard them, their social relations
for all purposes as within its territory are determined by them, and its
perservs the power of compelling observance by punishment if a person who was
broken them returns within its jurisdiction. W. E. Hall, International Law
56 (8th ed. 1924).
26....BASSIOUNI, op. cit., v. 2 - procedure, p. 27.
27....MAGALHÃES, op. cit., notas 27 e 28: Art. 7º e 8º do Projeto de
Convenção de Harvard, nota 20.
28...Os atos atentatórios a segurança dos Estados inserem-se em outro
tema interessantíssimo - A responsabilidade internacional dos Estados -
cuja discussão foge a matéria objeto deste trabalho. Todo Estado,
independentemente de outros, deve procurar impedir e punir os autores de atos
atentatórios à segurança de outros Estados, como um exercício de
auto-preservação e de preservação do própria ordem internacional. Ao nosso ver,
a possibilidade de um Estado substituir-se a outro no controle e preservação de
sua própria segurança nacional, atuando diretamente no território deste segundo
Estado, é uma solução política engedrada pela doutrina internacionalista, para preservação
do equilíbrio da própria ordem internacional. Não se trata, pois, de extensão
de efeitos de leis nacionais em território estrangeiro, mas de própria
susbtituição da autoridade, de subrogação de um poder que emana da soberania, a
qual, por sua vez, é absoluta em território nacional.
29...Cf. BASSIOUNI, op. cit., v.2 - procedure, p. 20: "Every
alien who, outside the territory of Republic, commits, either as author or as
accomplice, a crime or a delict agaisnt the security of the State or of
counterfeiting the seal of the Sate or national currency in circulation, or a
crime against French diplomatic or consular agents or posts is to be prosecuted
and adjudged according to the disposition of french law, whether he is arrested
in France or the Government obtains his extradiction..."
30...Sobre o caso Lotus, vide nota 21 retro.
31...Os tribunais norte-americanos fornecem farta jurisprudência
relatando a aplicação de muitos destes princípios da Law of Nations,
especialmente quanto ao tráfico negreiro, a exemplo dos casos Schooner La
Jeune Eugéne -1822 (BRIGGS, op. cit., p,07) e The Antelope - 1825
(idem, p. 12). Sobre crimes de guerra, contra paz, contra a humanidade ver
anexo Estatuto da Corte Penal Internacional estabelecida pelo Tratado de Roma
de 17 de julho de 1998 e também: Convenção de Genebra de 1949, Cartas do
Tribunais Militares de Nuremberg e Tóquio (BASSIOUNI, op. cit., v. 3 - enforcement,
p. 121 e 139), Estatuto da Tribunal Penal Internacional para Ruanda
(http:\\www.ictr.org), Estatuto do Tribunal Penal Internacional da
ex-Iugoslávia (http//www.un.org).
32...BASSIOUNI (op. cit., v. 2 - procedure, p. 9 e notas) assevera
que ..." The United States Supreme Court later states declared that
under American Law, jurisdiction in criminal matters rests solely with the
legislative and judicial branches of government of the state ou country in
which the crime is commited". Ver especialmente nota 21 sobre
precedentes jurisprudenciais: Huntington v. Attrill, 146 U.S. 657
(1892)...Brown v. United States, 35, App. D.C. 548 (1910) - BRIGGS, op.
cit., p. 790 - (the court of one state shall note execute the criminal law
of another); Stewart v. Jessup, 61 Ind. 413 (1875) (a person is
not subject to convinction and punishment in this sate for a crime commited
outside the state).
33...Esta foi a política defendida na Suprema Corte desde a independência
dos Estados Unidos, concretizada pelo Chief Justice Marshall no julgamento do
caso Schooner Exchange v. McFaddon (BRIGSS, op. cit, p. 241) e The
Antelope (BRIGGS, op. cit., p. 12), no qual se asseverou:"the
jurisdiction of the nation, within its own territory, is necessarily exclusive
and absolute; it is susceptible of no limitation not imposed by itself. Any
restriction upon it, derived validity from a external source, would imply a
diminution of its sovereignty, to the extend of the restriction...in that power
which could impose such restriction. All exceptions , therefore, to the full
and complete power of a nation, within its own territory, must be traced up to
the consent of the nation itself." ..." courts of no
country execute the penal law of another".
34.....Julgado no México em 1827. Cutting, um cidadão norte-americano,
publicou em um jornal local do México um artigo injurioso contra o médico
mexicano Medina. Em juízo, Cutting comprometeu-se a retratar-se publicamente
também num jornal, o que fez em letras minúsculas, num texto quase
ininteligível. Na mesma data fez publicar num jornal americano em El Paso, no
Texas, novo artigo injurioso. Medina voltou a processar Cutting no México. O
juiz mexicano, ao fixar sua competência para julgar o caso, asseverou..."que
mesmo supondo, sem que aceite o fato, que a ofensa penal da difamação foi
cometida no território do Texas, a circunstância de ter o jornal de El Paso,
Sunday Herald, circulado nesta cidade,..., constituiu a consumação do crime, em
conformidade com o art. 664 do C. Pen" (in BRIGGS, op. cit.,
nota 17, p. 283 e 574).
35....BASSIOUNI, op. cit.,v. 2- procedure, p. 17, nota 39: "The
principal that a man who, outside of a country willfully puts in motion a force
to take effect in it is answerable to the place were the evil is done, is
recognized in the criminal jurisprudence of all countries".
36...MAGALHÃES, op. cit., p. 95; e BASSIOUNI, op. cit., v. 2 - procedure,
p. 18: O enunciado do princípio da territorialidade objetiva foi declarado no
julgamento do caso Strassheim v. Dailey (Suprema Corte, 1911), no qual o
Chief Justice Holmes sentenciou: "Acts done outside a jurisdiction, but
intended to produce and producing detrimental effects within it, justify a
state in punishing a cause of the harm as if he had been present at the effect,
if the state should succeed in getting him within its power".
37....Nos Estados Unidos o princípio da personalidade passiva sempre foi
repudiado, o que se deu em duas oportunidades distintas: no caso Cutting (1887)
e num caso similar em 1940 . Vejam-se alguns cometários do Departamento de
Estado dos Estados Unidos sobre estes julgados: (Cutting)..."[T]he
assumption of the Mexican Tribunal, under the law of Mexico, to punish a
citizen of the United State for a offense wholly commited and consumated in his
own country against its laws was an invasion of the independence oh this
Government...". (1940)..."This Government continues to deny
that, according to the principles of international law, an American citizen can
be justly held in Mexico to answer for an offense commited in the United
States, simply because the object of that offense happens to be a Mexican
citizen, and its remains that according to the principles of international law."
(BASSIOUNI, op. cit., v.2 - procedure, p. 30 e nota 104). Veja-se também
trecho da moção de repúdio do governo dos Estados Unidos à adoção da teoria da
personalidade passiva pelo Supremo Tribunal do México por ocasião do julgamento
do caso Cutting - 1827 (in BRIGGS, op. cit., p. 574, nota 17;
BASSIOUNI, .idem, p. 29): "A State does not have jurisdiction to
prescribe a rule of law attaching a legal consequence to conduct of a alien
outside its territory merely on the ground that the conduct affects one of its
nationals".
38....BASSIOUNI, op., cit., v. 2 - procedure, p. 28: tradução
livre do autor.
39.....Esta seria uma alternativa à maioria dos sistemas jurídicos, tal
como o brasileiro, onde o juízo de delibação sobre decisões estrangeiras
repousa na competência constitucional do Supremo Tribunal Federal (Constituição
Federal de 1988, art. 102, I, "h").
40......Este título foi inteiramente baseado em texto de Georg
Schwarzenberger (SCHWARZENBERGER, Georg. The Problem of an International
Criminal Law, in MUELLER, Gerhard O. W. & WISE Edward M.
International Criminal Law, New York University, NY, Fred B. Rothman &
Co, 1965, p. 03/37). Ver também: DERBY, Daniel H. A Framework for International
Criminal Law, in BASSIOUNI, op. cit., v. 1- crimes, p. 33.
41.....Este direito cristalizou-se na Convenção das Nações Unidas sobre
Direito do Mar, assinada em Montego Bay em 10.12.69, e que entrou em vigor
internacionalmente em 16.11.94. Contudo, foi ratificada e incorporada ao
direito brasileiro somente em 1995, através do Decreto 1.530, de 22.06.95.
(RANGEL, op. cit., p. 337).
42......BASSIOUNI, op. cit, v.1 - crimes, p. 3.
43.......Ver Convenção de São José da Costa Rica (in
RANGEL, op. cit., p. 704 e ss.).
44.......BASSIOUNI, op. cit., v.1- crimes, p. 2.
45......Idem.
46.......BASSIOUNI, op. cit., v. 1 - crimes, p. 6.
47........Idem.
48.........BASSIOUNI, op. cit., v. 1 - crimes, p. 4.
49........."O tribunal foi estabelecido [em virtude de e] para
implementar a Declaração do Cairo de 01 de dezembro de 1943, da Declaração de
Potsdam de 26 de julho de 1945, do Instrumento de Rendição de 02 de setembro de
1945 e da Conferência de Moscow de 26 de dezembro de 1945" (tradução livre
do autor para o primeiro parágrafo do Capítulo I do julgamento -(Tóquio, 1946 -
dos crimes de guerra cometidos por oficiais japoneses - BASSIOUNI, op., cit.,
v. 3 - enforcement, p. 139).
50.....BASSIOUNI, op., cit., v. 3 - enforcement, p. 129.
51.....No âmbito das Nações Unidas: Relatório do Comitê sobre Jurisdição
Penal Internacional - 27 de julho a 20 de agosto de 1953 [Assembléia Geral,
Arquivos oficiais: nona sessão, suplemento nº 12 (A/2645), Nova York, 1954]. Juntamente
com o relatório do Comitê foi elaborada uma proposta de estatuto para a Corte a
ser criada. O propósito desta corte penal internacional, segundo os estudos do
Comitê, era o processo e julgamento de pessoas acusadas de crimes reconhecidos
pelo direito internacional (art.1º), podendo ser aplicado ao caso o direito
internacional, inclusive direito penal internacional ou, quando apropriado,
direito interno (art. 2º). A Corte seria permanente, sendo que suas sessões
ocorreriam somente quando requeridas para julgamento (art. 3º). A jurisdição da
Corte não seria presumida, já que os Estados deveriam conferir-lhe jurisdição
através de convenção, acordo prévio e especial ou declaração unilateral de
vontade (art. 26). As punições aos condenados seriam aquelas previamente
estabelecidas no instrumento que confere jurisdição à corte (art. 32). (in BASSIOUNI,
op. cit., vol. 3 - enforcement, p. 205/256).
52...."Draf Convention on the Establishment of an International
Penal Tribunal for the Suppression and Punishment of the Crime of Apartheid and
other International Crimes", in BASSIOUNI, op. cit., v. 3 -
enforcement, p. 276.
53.....Os apontamentos que se faz sobre o Tribunal Penal Internacional
para a ex-Iugoslávia foram inteiramente baseados no texto de Geraldo Miniucci
FERREIRA JR., O Tribunal Criminal para a Iugoslávia, in "Solução
e Prevenção de Litígios Internacionais", obra organizada por Araminta
de Azevedo MERCADANTE e José Carlos de MAGALHÃES, coordenadores do Núcleo de
Estudos sobre Controvérsias Internacionais - NECIN, projeto CAPES, 1998, p. 93.
O tribunal para a ex-Iugoslávia foi estabelecido por resolução do Conselho de
Segurança da ONU (Resolução 808, de 22 de fevereiro de 1993). A completa
relação das resoluções baixadas pelo Conselho de Segurança com relação à
ex-Iugoslávia e ao Tribunal podem ser conferidas na obra do Prof. FERREIRA JR,
p. 97/98. Estão sendo processados pelo Tribunal Penal Internacional para a
ex-Iugoslávia os seguintes indivíduos (casos/número referência): Tadic
(IT-94-1); Nikolic (IT-94-2); Borovnica
(IT-95-3); Meakic e outros (IT-95-4); Karadzic e Mladic (IT-95-5 e
IT-95-18); Lasva Valley (IT-95-6); Blaskic (IT-95-14); Aleksovski
(IT-95-14/1); Kordic e outros (IT-95-14/2); Marinic (IT-95-15);
Kupreskic e outros (IT-95-16); Furundzija (IT-95-17/1-PT); Sikirica e outros
(IT-95-8); Miljkovic e outros (IT-95-9); Jelisic e Cesic (IT-95-10);
Martic (IT-95-11); Rajic (IT-95-12); Mrksic, Radic, Sljivancanin e
Dokmanovic (IT-95-13a); Djukic e Krsmanovic (IT-96-19); Djukic (IT-96-20);
Delalic e outros (IT-96-21); Erdemovic (IT-96-22); Gagovic e outros (IT-96-23);
Kovacevic (IT-97-24); Krnojelac (IT-97-25); Kvocka e outros(IT-98-30),
Krstic(IT-98-33) - fonte: http:\\www.un.org\rights. Ver também: International
Criminal Court for the Former Yugoslavia: international arrest warrants and
orders for surrender for RADOVAN KARADIZIC and RATKO MLADIC (36 International
Legal Material 92 (1997); International Criminal Court for the Former
Yugoslavia: excerpts from judgment in prosecutor v. DUSKO TADIC and
Dissenting Opinion (36 International Legal Material 908 (1997).
54.....O Tribunal Penal Internacional para Ruanda foi
criada pelo Conselho de Segurança da ONU através da Resolução 955 de
08.11.1994, com o propósito de processar a reconciliação interna em Ruanda e a
manutenção da paz na região, bem como para processar e julgar pessoas
responsáveis por crimes de genocídio e outras sérias violações cometidos no
território de Ruanda, bem como para processar e julgar cidadão ruandeses que
tenha cometido estes mesmos crimes em territórios adjacentes ( Ratione
temporis, considerou-se a competência e jurisdição da corte internacional
somente para os atos e fatos consumados entre 01 de janeiro e 31 de dezembro de
1994. Atualmente 28 processos pesam sobre 45 pessoas. Duas delas foram
condenadas à pena de prisão perpétua e uma a 15 anos de prisão: o
PrimeroMinistro de Ruanda, Jean Kambanda, foi condenado a prisão perpétua em 04
de setembro de 1998, após ter sido considerado culpado por genocídio e crimes
contra a humanidade; ele apelou da sentença. Jean-Paul Akayesu foi também
condenado por crimes de genocídio e contra a humanidade e sentenciado à prisão
perpétua em 02 de outubro de 1998 (Akayesu e o Promotor apelaram da sentença);
Omar Serushago foi condenado a 15 anos de prisão em 05.02.98. Além destas
condenações, outros julgamentos ainda estão em trâmite perante o Tribunal:
Georges Anderson Nderubumwe Rutaganda (iniciado em 18.03.97), Alfred Musema
(iniciado em 25.01.99) e o julgamento de Clement Kayishema e Obed Ruzindana,
iniciado em 11.04.97 e terminado em 17.11.98, cuja sentença se aguarda para
este ano. No que se refere aos demais acusados, no Complexo Penitenciário
de Arusha estão em custódia 36 indivíduos, 35 dos quais em Arusha e 01 no
Estado do Texas, Estados Unidos.
55.....MORIS, Virginia & BOURLOYANNIS-VRAILAS, M.
Christine. The work of the Sisth Committee at the Fiftieth Session of the UN
General Assembly, American Journal of International Law, 1996, vol. 90, nº
03, p. 496.
56.....HALL, Christopher Keith. The First Two Sessions
of the UN Preparatory Committee on the Establishment of an International
Criminal Court, American Journal of International Law, 1997, vol. 91, nº
01, p. 177.
57......Idem, p. 178.
58......Tradução livre do autor: "...in order to
complete the drafting of a widely acceptable consolidated text of a convention,
to be submitted to a diplomatic conference" (HALL, op. cit., p. 124).
59.....Tradução livre do autor: .. "A diplomatic
conference of plenipotentiares will be held in 1998, with a view to finalizing
and adopting a convention on the establishment of an international criminal
court." (Idem).
60......HALL, Christopher Keith. The Third and Fourth
Sessions of the UN Preparatory Committee on the Establishment of an
International Criminal Court, American Journal of International Law, 1998,
vol. 92, nº 01, p. 124.
61....HALL, Christopher Keith. The Fifth Session of the
UN Preparatory Committee on the Establishment of an International Criminal
Court, American Journal of International Law, 1998, vol. 92, nº 02, p. 331.
62....Fonte: statute of international criminal court.
63....Do texto original - art. 1º: "Article 1. The
Court. An International Criminal Court ("the Court") is hereby
established. It shall be a permanent institution and shall have the power to
exercise its jurisdiction over persons for the most serious crimes of
international concern, as referred to in this Statute, and shall be
complementary to national criminal jurisdictions. The jurisdiction and
functioning of the Court shall be governed by the provisions of this Statute.
64....Do texto original: "Article 80.
Non-prejudice to national application of penalties and national laws. Nothing
in this Part of the Statute affects the application by States of penalties
prescribed by their national law, nor the law of States which do not provide
for penalties prescribed in this Part."
65....Do Preâmbulo original do Estatuto: "Conscious
that all peoples are united by common bonds, their cultures pieced together in
a shared heritage, and concerned that this delicate mosaic may be shattered at
any time, Mindful that during this century millions of children, women and men
have been victims of unimaginable atrocities that deeply shock the conscience
of humanity, Recognizing that such grave crimes threaten the peace, security
and well-being of the world, Affirming that the most serious crimes of concern
to the international community as a whole must not go unpunished and that their
effective prosecution must be ensured by taking measures at the national level
and by enhancing international cooperation, Determined to put an end to
impunity for the perpetrators of these crimes and thus to contribute to the
prevention of such crimes, Recalling that it is the duty of every State to
exercise its criminal jurisdiction over those responsible for international
crimes, Reaffirming the Purposes and Principles of the Charter of the United
Nations, and in particular that all States shall refrain from the threat or use
of force against the territorial integrity or political independence of any
State, or in any other manner inconsistent with the Purposes of the United
Nations, Emphasizing in this connection that nothing in this Statute shall be
taken as authorizing any State Party to intervene in an armed conflict in the
internal affairs of any State, Determined to these ends and for the sake of
present and future generations, to establish an independent permanent
International Criminal Court in relationship with the United Nations system,
with jurisdiction over the most serious crimes of concern to the international
community as a whole, Emphasizing that the International Criminal Court
established under this Statute shall be complementary to national criminal
jurisdictions, Resolved to guarantee lasting respect for the enforcement of
international justice, Have agreed as follows:..."
66....Do texto original - art. 5º: Article 5. Crimes
within the jurisdiction of the Court. 1. The jurisdiction of the Court shall be
limited to the most serious crimes of concern to the international community as
a whole. The Court has jurisdiction in accordance with this Statute with
respect to the following crimes: (a) The crime of genocide; (b) Crimes against
humanity; (c) War crimes; (d) The crime of aggression. 2. The Court shall exercise
jurisdiction over the crime of aggression once a provision is adopted in
accordance with articles 121 and 123 defining the crime and setting out the
conditions under which the Court shall exercise jurisdiction with respect to
this crime. Such a provision shall be consistent with the relevant provisions
of the Charter of the United Nations.
67...Do texto original - art. 121, 4: "Article
121.Amendments. ...4. Except as provided in paragraph 5, an amendment shall
enter into force for all States Parties one year after instruments of
ratification or acceptance have been deposited with the Secretary-General of
the United Nations by seven-eighths of them."
68.....Do texto original - art. 119: "Article 119.
Settlement of disputes. 1. Any dispute concerning the judicial functions of the
Court shall be settled by the decision of the Court. 2. Any other dispute
between two or more States Parties relating to the interpretation or
application of this Statute which is not settled through negotiations within
three months of their commencement shall be referred to the Assembly of States
Parties. The Assembly may itself seek to settle the dispute or make
recommendations on further means of settlement of the dispute, including
referral to the International Court of Justice in conformity with the Statute
of that Court."
69....De acordo com o art. 120 do Estatuto, não são
admitidas reservas ao seu texto.
70.....A previsão sobre emendas de caráter geral e emendas
decaráter institucional estão disciplinadas nos artigos 121 e 122 do Estatuto.
71....Cf. art. 123 do Estatuto.
72....Cf. art. 127 do Estatuto.
73....Do texto original - art. 3º: Article 3. Seat of
the Court. 1. The seat of the Court shall be established at The Hague in the
Netherlands ("the host State"). 2. The Court shall enter into a
headquarters agreement with the host State, to be approved by the Assembly of
States Parties and thereafter concluded by the President of the Court on its
behalf. 3. The Court may sit elsewhere, whenever it considers it desirable, as provided
in this Statute."
74.....Do texto original: " Article 4. Legal
status and powers of the Court. 1. The Court shall have international legal
personality. It shall also have such legal capacity as may be necessary for the
exercise of its functions and the fulfillment of its purposes. 2. The Court may
exercise its functions and powers, as provided in this Statute, on the
territory of any State Party and, by special agreement, on the territory of any
other State."
75....Do texto original - art. 1º: "Article 1. The
Court. An International Criminal Court ("the Court") is hereby
established. It shall be a permanent institution and shall have the power to
exercise its jurisdiction over persons for the most serious crimes of
international concern, as referred to in this Statute, and shall be
complementary to national criminal jurisdictions. The jurisdiction and
functioning of the Court shall be governed by the provisions of this
Statute."
76....Do texto original - art. 13: " Article 13.
Exercise of jurisdiction. The Court may exercise its jurisdiction with respect
to a crime referred to in article 5 in accordance with the provisions of this
Statute if: (a) A situation in which one or more of such crimes appears to have
been committed is referred to the Prosecutor by a State Party in accordance
with article 14; (b) A situation in which one or more of such crimes appears to
have been committed is referred to the Prosecutor by the Security Council
acting under Chapter VII of the Charter of the United Nations; or (c) The
Prosecutor has initiated an investigation in respect of such a crime in
accordance with article 15."
77.....Este exemplo deve ser considerado na amplitude das
possibilidades que um caso desta natureza oferece. Se o Estatuto entrar em
vigor por certo haverá muitos conflitos entre a Corte e os Estados não-Partes
cujos nacionais lá são acusados. Os Estados Unidos, por exemplo, que nas
reuniões do comitê Preparatório e na própria Conferência se posicionou
contrário à jurisdição internacional da Corte tal como concebida no Estatuto, é
um Estado que secularmente tem declarado através de sua jurisprudência -
especialmente da Suprema Corte - a competência legal internacional sobre seus
nacionais, mesmo fora de seu território. Um conflito desta natureza - Corte v.
Estado não-Parte, om qual envolve a interpretação e aplicação de regras do
Estatuto, provavelmente acabará por ser resolvido pela Corte Internacional de
Justiça, tal como prevê expresamente o artigo 119 do Estatuto.
78...Do texto original: "Article 30. Mental
element. 1. Unless otherwise provided, a person shall be criminally responsible
and liable for punishment for a crime within the jurisdiction of the Court only
if the material elements are committed with intent and knowledge. 2. For the
purposes of this article, a person has intent where: (a) In relation to
conduct, that person means to engage in the conduct; (b) In relation to a
consequence, that person means to cause that consequence or is aware that it
will occur in the ordinary course of events. 3. For the purposes of this
article, "knowledge" means awareness that a circumstance exists or a
consequence will occur in the ordinary course of events. "Know" and
"knowingly" shall be construed accordingly."
79....De acordo com a letra (d) do artigo 8º do Estatuto
de Roma, os crimes de guerra tipificados no parágrafo 2, (c) deste mesmo artigo
(o qual se refere expressamente ao artigo 3º comum às quatro Convenções de
Genebra de 1949), também se aplicam a conflitos armados de caráter não
internacional, excluídas, contudo, as situações internas de distúrbios e
tensões, tais como atos isolados ou esporádicos de violência ou outros atos de
natureza similar.
80....Do texto original: "Article 9.
Elements of Crimes. 1. Elements of Crimes shall assist the Court in the
interpretation and application of articles 6, 7 and 8. They shall be adopted by
a two-thirds majority of the members of the Assembly of States Parties...."
81...Elementos objetivos - conduta, objeto material... e
subjetivos - dolo, sentimento de injusto e culpa em sentido estrito. (MIRABETE,
Julio Fabrini. Manual de Direito Penal, v. 2, 6ª ed., São Paulo, Atlas, 1991,
p. 27/28)
82...Do texto original - art. 10º: " Article 10.
Nothing in this Part shall be interpreted as limiting or prejudicing in any way
existing or developing rules of international law for purposes other than this
Statute."
83....Cf. Capítulo VII da Carta das Nações Unidas (RANGEL,
op. cit., p. 44).
84.....Promotor (prosecuter), atribuições e
poderes:artigos 09, 13 a 15, 18, 19, 53 a 58, 60, 61, 65 a 68, 72, 76, 81, 83,
84, 93 a 95, 99, 100 e 112, todos do Estatuto.
85......Sobre a Câmara de Pré-Julgamento ver artigos 56 a
61.
86....Sobre os requisitos de admissibilidade de caso
perante a Corte Penal Internacional ver o artigos 17 e 18 do Estatuto.
87....Do texto original - art. 20:"Article 20. Ne
bis in idem. 1. Except as provided in this Statute, no person shall be tried
before the Court with respect to conduct which formed the basis of crimes for
which the person has been convicted or acquitted by the Court. 2. No person
shall be tried before another court for a crime referred to in article 5 for
which that person has already been convicted or acquitted by the Court. 3. No
person who has been tried by another court for conduct also proscribed under
articles 6, 7 or 8 shall be tried by the Court with respect to the same conduct
unless the proceedings in the other court: (a) Were for the purpose of
shielding the person concerned from criminal responsibility for crimes within
the jurisdiction of the Court; or (b) Otherwise were not conducted independently
or impartially in accordance with the norms of due process recognized by
international law and were conducted in a manner which, in the circumstances,
was inconsistent with an intent to bring the person concerned to justice."
88....Do texto original - art. 21:"Article 21.
Applicable law. The Court shall apply: (a) In the first place, this Statute,
Elements of Crimes and its Rules of Procedure and Evidence; (b) In the second
place, where appropriate, applicable treaties and the principles and rules of
international law, including the established principles of the international
law of armed conflict; (c) Failing that, general principles of law derived by
the Court from national laws of legal systems of the world including, as
appropriate, the national laws of States that would normally exercise
jurisdiction over the crime, provided that those principles are not
inconsistent with this Statute and with international law and internationally
recognized norms and standards. 2. The Court may apply principles and rules of
law as interpreted in its previous decisions. 3. The application and
interpretation of law pursuant to this article must be consistent with
internationally recognized human rights, and be without any adverse distinction
founded on grounds such as gender, as defined in article 7, paragraph 3, age,
race, color, language, religion or belief, political or other opinion,
national, ethnic or social origin, wealth, birth or other status."
89.....Do texto original- art. 22: "Article 22.
Nullum crimen sine lege. 1. A person shall not be criminally responsible under
this Statute unless the conduct in question constitutes, at the time it takes
place, a crime within the jurisdiction of the Court. 2. The definition of a
crime shall be strictly construed and shall not be extended by analogy. In case
of ambiguity, the definition shall be interpreted in favor of the person being
investigated, prosecuted or convicted. 3. This article shall not affect the
characterization of any conduct as criminal under international law
independently of this Statute."
90....Do texto original - art. 23: "Article 23.
Nulla poena sine lege. A person convicted by the Court may be punished only in
accordance with this Statute."
91....Do texto original - art. 24: "Article 24.
Non-retroactivity ratione personae. 1. No person shall be criminally
responsible under this Statute for conduct prior to the entry into force of the
Statute. 2. In the event of a change in the law applicable to a given case
prior to a final judgement, the law more favorable to the person being
investigated, prosecuted or convicted shall apply."
92....Do texto original - art. 25: "Article 25.
Individual criminal responsibility. 1. The Court shall have jurisdiction over
natural persons pursuant to this Statute. 2. A person who commits a crime
within the jurisdiction of the Court shall be individually responsible and
liable for punishment in accordance with this Statute. 3. In accordance with
this Statute, a person shall be criminally responsible and liable for punishment
for a crime within the jurisdiction of the Court if that person: (a) Commits
such a crime, whether as an individual, jointly with another or through another
person, regardless of whether that other person is criminally responsible; (b)
Orders, solicits or induces the commission of such a crime which in fact occurs
or is attempted; (c) For the purpose of facilitating the commission of such a
crime, aids, abets or otherwise assists in its commission or its attempted
commission, including providing the means for its commission; (d) In any other
way contributes to the commission or attempted commission of such a crime by a
group of persons acting with a common purpose. Such contribution shall be
intentional and shall either: (i) Be made with the aim of furthering the
criminal activity or criminal purpose of the group, where such activity or
purpose involves the commission of a crime within the jurisdiction of the
Court;
93....Do texto original - art. 26: "Article 26.
Exclusion of jurisdiction over persons under eighteen. The Court shall have no
jurisdiction over any person who was under the age of 18 at the time of the
alleged commission of a crime."
94....Do texto original - art. 27: "Article 27.
Irrelevance of official capacity.1. This Statute shall apply equally to all
persons without any distinction based on official capacity. In particular,
official capacity as a Head of State or Government, a member of a Government or
parliament, an elected representative or a government official shall in no case
exempt a person from criminal responsibility under this Statute, nor shall it,
in and of itself, constitute a ground for reduction of sentence. 2. Immunities
or special procedural rules which may attach to the official capacity of a
person, whether under national or international law, shall not bar the Court
from exercising its jurisdiction over such a person."
95....Do texto original - art. 28: " Article 28.
Responsibility of commanders and other superiors. In addition to other grounds
of criminal responsibility under this Statute for crimes within the
jurisdiction of the Court: 1. A military commander or person effectively acting
as a military commander shall be criminally responsible for crimes within the
jurisdiction of the Court committed by forces under his or her effective
command and control, or effective authority and control as the case may be, as
a result of his or her failure to exercise control properly over such forces,
where: (a) That military commander or person either knew or, owing to the circumstances
at the time, should have known that the forces were committing or about to
commit such crimes; and (b) That military commander or person failed to take
all necessary and reasonable measures within his or her power to prevent or
repress their commission or to submit the matter to the competent authorities
for investigation and prosecution.
96....Do texto original - art. 29: "Article 29.
Non-applicability of statute of limitations. The crimes within the jurisdiction
of the Court shall not be subject to any statute of limitations."
97...Sobre o elemento mental: ver nota 79 retro.
98....Do texto original - art. 31:" Article 31.
Grounds for excluding criminal responsibility. 1. In addition to other grounds
for excluding criminal responsibility provided for in this Statute, a person
shall not be criminally responsible if, at the time of that person´s conduct:
(a) The person suffers from a mental disease or defect that destroys that
person´s capacity to appreciate the unlawfulness or nature of his or her conduct,
or capacity to control his or her conduct to conform to the requirements of
law; (b) The person is in a state of intoxication that destroys that person´s
capacity to appreciate the unlawfulness or nature of his or her conduct, or
capacity to control his or her conduct to conform to the requirements of law,
unless the person has become voluntarily intoxicated under such circumstances
that the person knew, or disregarded the risk, that, as a result of the
intoxication, he or she was likely to engage in conduct constituting a crime
within the jurisdiction of the Court; (c) The person acts reasonably to defend
himself or herself or another person or, in the case of war crimes, property
which is essential for the survival of the person or another person or property
which is essential for accomplishing a military mission, against an imminent
and unlawful use of force in a manner proportionate to the degree of danger to
the person or the other person or property protected. The fact that the person
was involved in a defensive operation conducted by forces shall not in itself
constitute a ground for excluding criminal responsibility under this
subparagraph; (d) The conduct which is alleged to constitute a crime within the
jurisdiction of the Court has been caused by duress resulting from a threat of
imminent death or of continuing or imminent serious bodily harm against that
person or another person, and the person acts necessarily and reasonably to
avoid this threat, provided that the person does not intend to cause a greater
harm than the one sought to be avoided. Such a threat may either be: (i) Made
by other persons; or (ii) Constituted by other circumstances beyond that
person´s control. 2. The Court shall determine the applicability of the grounds
for excluding criminal responsibility provided for in this Statute to the case
before it. 3. At trial, the Court may consider a ground for excluding criminal
responsibility other than those referred to in paragraph 1 where such a ground
is derived from applicable law as set forth in article 21. The procedures
relating to the consideration of such a ground shall be provided for in the
Rules of Procedure and Evidence.
99....Do texto original - art. 32: "Article 32.
Mistake of fact or mistake of law. 1. A mistake of fact shall be a ground for
excluding criminal responsibility only if it negates the mental element
required by the crime. 2. A mistake of law as to whether a particular type of
conduct is a crime within the jurisdiction of the Court shall not be a ground
for excluding criminal responsibility. A mistake of law may, however, be a
ground for excluding criminal responsibility if it negates the mental element
required by such a crime, or as provided for in article 33."
100....Cf. art. 33 do Estatuto.
101.....Do texto original - art. 63, 1: " Article
63. Trial in the presence of the accused. 1. The accused shall be present
during the trial...."
102......Do texto original - art. 66, 1 e 2: "Article
66. Presumption of innocence. 1. Everyone shall be presumed innocent until
proved guilty before the Court in accordance with the applicable law. 2. The
onus is on the Prosecutor to prove the guilt of the accused. 3. In order to
convict the accused, the Court must be convinced of the guilt of the accused
beyond reasonable doubt." Verifica-se, ainda, que o tribunal deverá
absolver o acusado se não totalmente convencido de sua culpa (dúvida razoável).
103...Entendimento expresso nos artigos 59, 87 a 92 do
Estatuto.
104....Do texto original - art. 77: "Article 77. Applicable
penalties. 1. Subject to article 110, the Court may impose one of the following
penalties on a person convicted of a crime under article 5 of this Statute: (a)
Imprisonment for a specified number of years, which may not exceed a maximum of
30 years; or (b) A term of life imprisonment when justified by the extreme
gravity of the crime and the individual circumstances of the convicted person.
105....Vide Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, art. 5º, XLVII: não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra
declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos
forçados; d) de banimento; e) cruéis. (Constituição da República Federativa do
Brasil, Coleção Saraiva de Legislação, 21ª ed., Saraiva, São Paulo, 1999, p.
9).
106....Do texto original - art. 119: "Article 119.
Settlement of disputes. 1. Any dispute concerning the judicial functions of the
Court shall be settled by the decision of the Court. 2. Any other dispute
between two or more States Parties relating to the interpretation or
application of this Statute which is not settled through negotiations within
three months of their commencement shall be referred to the Assembly of States
Parties. The Assembly may itself seek to settle the dispute or make recommendations
on further means of settlement of the dispute, including referral to the
International Court of Justice in conformity with the Statute of that
Court."
107....Vide artigos 113 a 118 do Estatuto.
108....Não antes de três meses após o recebimento da
proposta, a Assembléia Geral de Estados Parte decidirá pela maioria de votos
presentes sobre a pertinência da proposta de emenda. A decisão sobre a
aprovação de emenda ou de revisão do Estatuto será tomada por maioria de dois
terços dos Estados Parte (art. 121, 2).
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