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A
responsabilidade penal da pessoa jurídica
Gianpaolo Poggio Smanio promotor de Justiça da
Cidadania de São Paulo (SP), professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus e
da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus
A presença
dos crimes econômicos e ambientais em nossa sociedade, com a participação cada
vez maior das empresas para sua efetivação, o crescimento econômico, a
globalização, que acarreta uma verdadeira desnacionalização, e, principalmente,
a despersonalização dos fenômenos relativos às pessoas jurídicas provocaram a
discussão mundial sobre a necessidade de sua responsabilização penal.
Esse tema
é um dos mais relevantes e polêmicos da atualidade do Direito Penal, sendo
abordado de diversas formas pela doutrina. Dividimos as posições doutrinárias
em três: a daqueles que não aceitam a responsabilização penal das pessoas
jurídicas, a dos que apenas concordam com a aplicação de medidas especiais e a
daqueles que admitem a responsabilização penal.
1.
O PRINCÍPIO SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST (1)
O Direito
romano não admitia a responsabilização penal da pessoa jurídica, cunhando a
expressão supra-referida, um dos alicerces do Direito Penal clássico.
No final
do século XVIII, foi imposta a Teoria da Ficção de Feuerbach e Friedrich
Karl von Savigny, segundo a qual a pessoa jurídica é uma criação artificial da
lei e, como tal, não pode ser objeto de autêntica responsabilidade penal, que
somente pode recair sobre os reais responsáveis pelo delito, os homens por trás
das pessoas jurídicas. Esse pensamento ainda é adotado nos dias de hoje por
ampla doutrina.
Os dois
principais fundamentos para não reconhecer a possibilidade de responsabilização
penal da pessoa jurídica são a falta de capacidade de ação e de
culpabilidade.
A
doutrina contrária à responsabilização penal desdobra os principais argumentos,
apontando o princípio da personalidade das penas, ou seja,
somente é punível quem executou materialmente o ato criminoso, ou o princípio
da individualidade da responsabilidade criminal, para o qual a
responsabilidade criminal recai exclusiva e individualmente sobre os autores
das infrações, ou, ainda, o princípio da intransmissibilidade da
pena e da culpa, para o qual as penas não deverão ultrapassar, em nenhum
caso, da pessoa que praticou a conduta, como barreiras insuperáveis para a
criminalização dos entes coletivos.
Na
doutrina alemã, HANS-HEINRICH JESCHECK entende, nesse sentido:
(...) las personas jurídicas y las asociaciones sin
personalidad únicamente pueden actuar a través de sus órganos, por lo que ellas
mismas no pueden ser penadas. Además, respecto a ellas carece de sentido la
desaprobación éticosocial que subyace em la pena, pues sólo contra personas
individuales responsables cabe formular um reproche de culpabilidad, y no
contra los miembros del grupo no participantes, o contra uma masa patrimonial
(2).
Igualmente,
CLAUS ROXIN declara:
Tampoco son acciones conforme al Derecho Penal alemán
los actos de personas jurídicas, pues, dado que les falta una sustancia psíquico-espiritual,
no pueden manifestarse a sí mismas. Sólo "órganos" humanos pueden
actuar com eficacia para ellas, pero entonces hay que penar a aquéllos y no a
la persona jurídica (3).
Na
doutrina italiana, ANTONIO PAGLIARO:
Anziché parlare di condotta della
persona giuridica, basta considerare la condotta della persona fisica che funge
da suo organo (es.: amministratore di società). È sempre una persona fisica,
anche se qualificata da uno certo rapporto com lénte, a porre la condotta
illecita.
In questo senso può dirsi che le persone
giuridiche non sono idonee a compiere una condotta penalmente illecita (4).
No
Direito brasileiro, RENÉ ARIEL DOTTI afirma:
No sistema jurídico positivo brasileiro,
a responsabilidade penal é atribuída, exclusivamente, às pessoas físicas. Os
crimes ou delitos e as contravenções não podem ser praticados pelas pessoas
jurídicas, posto que a imputabilidade jurídico-penal é uma qualidade inerente
aos seres humanos (5).
No mesmo
sentido, OSWALDO HENRIQUE DUEK MARQUES:
As sanções impostas aos entes coletivos,
previstas na nova legislação, não podem ter outra natureza senão a civil ou a
administrativa, porquanto a responsabilidade desses entes decorre da
manifestação de vontade de seus representantes legais ou contratuais. Somente a
estes poderá ser imputada a prática de infrações penais (6).
2.
A RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA POR MEIO DE MEDIDAS ESPECIAIS
A
irresponsabilidade penal da pessoa jurídica encontra outra vertente doutrinária
que entende ser necessária uma criação intermediária entre a responsabilidade
civil e a responsabilidade penal, para neutralizar a periculosidade que
determinadas pessoas jurídicas podem trazer para o sistema social.
Essa
posição defende a adoção de medidas preventivas especiais
integrantes de um:
Direito
de Intervenção, que seria um meio-termo entre Direito Penal e Direito
Administrativo, que não aplique as pesadas sanções de Direito Penal,
especialmente a pena privativa de liberdade, mas que seja eficaz e possa ter,
ao mesmo tempo, garantias menores que as do Direito Penal tradicional, para
combater a criminalidade coletiva (...) (7).
As medidas
especiais aplicadas às pessoas jurídicas diferem das medidas de
segurança, empregadas quando o sujeito manifesta periculosidade criminal,
ou seja, o potencial para cometer fatos considerados delituosos, embora não
tenha a capacidade penal para responder penalmente por eles.
Para os
defensores dessa visão, a pessoa jurídica não tem capacidade para praticar
crime e, portanto, não pode oferecer periculosidade criminal, não sendo cabível
em relação a ela a aplicação de medida de segurança.
O Direito
de Intervenção para as pessoas jurídicas é visto no Direito português como Direito
de mera ordenação social, situado entre o Direito Penal e o Direito Civil,
em que são possíveis as aplicações de sanções como a multa, por exemplo, mas
sem implicar sanção penal.
JOÃO
CASTRO E SOUZA, analisando a questão, defende:
(...) situando-se, porém, o Direito
Civil e o Direito de mera ordenação social no âmbito do eticamente indiferente,
compreende-se que a violação das suas normas possa ser levada a cabo, tanto por
pessoas singulares, como colectivas, pelo que se lhes poderá reconhecer
capacidade de acção nestes domínios e negar-lha no direito criminal (8).
SANTIAGO
MIR PUIG (9), por sua vez, defende que as medidas especiais a serem
aplicadas às pessoas jurídicas podem ser: a dissolução da entidade, a mera
intervenção na empresa, o fechamento desta, a suspensão de suas atividades ou a
proibição de realizá-las no futuro.
Reputamos
que as medidas especiais, de caráter ordenatório, administrativo ou civil,
podem ser utilizadas para a prevenção dos ilícitos praticados pelas pessoas
jurídicas, mas são insuficientes para responder à realidade criminal econômica
e ambiental de nossos dias, devendo ser aplicadas juntamente com medidas de
caráter penal, fazendo parte de um sistema jurídico-penal novo, apto a atuar de
forma eficaz no combate à criminalidade contemporânea, à lavagem de dinheiro, à
criminalidade organizada etc.
Nesse
sentido, a análise de FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:
Por fim, a responsabilidade civil ou
administrativa não pode impedir a responsabilidade penal dos entes coletivos. Em
primeiro lugar, porque esse tipo de responsabilidade possui, respectivamente, o
escopo de reparar o dano causado ou meramente preventivo (no sentido de se
impedirem maiores prejuízos à coletividade), enquanto a responsabilidade penal
possui o de punir os atos que causam perturbação da ordem pública. Em segundo
lugar, não se pode deixar de mencionar a possibilidade de decisões de cunho
administrativo serem objeto de ingerências políticas, o que tem levado ao
descrédito desse tipo de sanção. Acrescente-se que, dotado o ato administrativo
de auto-executoriedade, não é incomum abusos no exercício desse poder (10).
3.
O RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
O Direito
Penal tradicional traz conceitos dogmáticos incompatíveis com a
responsabilização penal da pessoa jurídica. As noções de conduta e de culpabilidade
são formuladas de acordo com a pessoa humana, sendo impróprias para as pessoas
jurídicas. O Direito Penal clássico é feito com a visão individualista, herdada
do Iluminismo, como uma limitação ao poder do Estado.
A
realidade social em relação à criminalidade, entretanto, vem forçando a
superação dos dogmas clássicos, com a adequação do sistema penal para
apresentar soluções em face da nova criminalidade econômica, ambiental e,
enfim, social.
KLAUS
TIEDEMANN analisa a realidade criminal nos diversos países, anotando:
De una parte, la sociología nos enseña
que la agrupación crea um ambiente, um clima que facilita a incita a los
autores físicos (o materiales) a cometer delitos em beneficio de la agrupación.
De ahí la idea de no sancionar solamente a estos autores materiales (que pueden
cambiar y ser reemplazados), sino también, y sobre todo, a la agrupación misma.
De outra parte, nuevas formas de criminalidad como los delitos de los negocios,
en los que quedan comprendidos aquéllos contra el consumidor, los atentados al
medio ambiente y el crimen organizado, se instalan en sistemas y medios
tradicionales del Derecho Penal ante dificultades tan grandes que una nueva
aproximación parece indispensable (11).
Há
necessidade de criarmos um novo sistema teórico, apto a resolver os conflitos
supra-individuais existentes na atualidade e sequer imaginados pela visão
tradicional. Diga-se, de passagem, que a mudança não é exclusiva do Direito
Penal, mas de todo o Direito, diante dos novos desafios do convívio social.
Um dos
principais aspectos da mudança está exatamente no reconhecimento da capacidade
penal da pessoa jurídica. Todas as correntes doutrinárias reconhecem a
importância da pessoa jurídica na criminalidade dos dias atuais. Desde a
efetuação do crime até a sua ocultação, como a lavagem de dinheiro proveniente
do tráfico ilícito de entorpecentes, o que constitui, por si só, crime. As
diferenças ocorrem apenas quanto à forma de atuação do Direito em face desta
realidade.
Historicamente,
a responsabilidade penal da pessoa jurídica foi admitida na Idade Média e por
um período da Idade Moderna, especificamente entre os séculos XIV e XVIII. Depois,
caiu em desuso, voltando a firmar-se na segunda metade do século XIX, com a teoria
da realidade de Gierke, em contraposição à teoria da ficção. Para a teoria
da realidade, a pessoa jurídica é um autêntico organismo, realmente existente,
ainda que de natureza distinta do organismo humano. A vontade da pessoa
jurídica é distinta da vontade de seus membros, que pode não coincidir com a
vontade da pessoa jurídica. Assim, a pessoa jurídica deve responder
criminalmente pelos seus atos, uma vez que é o verdadeiro sujeito do delito.
Na
esteira de DAVID BAIGÚN, apontamos o sistema da dupla imputação como uma das
modificações necessárias ao Direito Penal:
Este sistema, que se cobija ya bajo el
nombre de doble imputación, reside esencialmente em reconocer la coexistencia
de dos vías de imputación cuando se produce un hecho delictivo protagonizado
por el ente colectivo; de uma parte, la que se dirige a la persona jurídica,
como unidad independiente y, de la outra, la atribuición tradicional a las
personas físicas que integran la persona jurídica (12).
A adoção
do sistema de dupla imputação, na hipótese de delitos praticados pelas pessoas
jurídicas, permite que em relação às pessoas físicas não ocorra mudança,
continuando o sistema penal tradicional com os conceitos e garantias
individuais historicamente fixados. Em relação às pessoas jurídicas,
entretanto, poderá ser firmado um novo sistema, rápido e eficaz, conforme exige
a realidade da criminalidade empresarial.
Partimos
do pressuposto de que a pessoa jurídica está apta a praticar ações
independentes das ações das pessoas físicas que a integram. Isso é reconhecido
pelo Direito na atualidade, para a responsabilização civil e administrativa da
pessoa jurídica. O reconhecimento da vontade própria dos entes coletivos,
portanto, já está assentado, restando apenas a discussão da utilização do
Direito Penal para essa realidade.
Conforme
FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:
(...) as pessoas jurídicas possuem
vontade própria e se exprimem pelos seus órgãos. Essa vontade independe da
vontade de seus membros e constitui uma decorrência da atividade orgânica da
empresa.
Conclui-se, portanto, que diante dessa
vontade própria é possível o cometimento de infrações, de forma consciente,
visando à satisfação de seus interesses (13).
Consideramos
também que a ação praticada pela pessoa jurídica, chamada de ação
institucional, tem natureza diversa da ação praticada pelos seres humanos. Desse
modo, o dolo e a tipicidade devem ser analisados de forma diferenciada.
A ação
institucional decorre de um fenômeno de inter-relação, entre cada um dos
participantes e a própria instituição, sendo resultado de uma confluência de
fatores que é independente da vontade dos seus membros ou diretores, ou mesmo
sócios.
Ainda
baseados em DAVID BAIGÚN (14), afirmamos que a formação da conduta
da pessoa jurídica tem um tríplice aspecto: o normativo, o organizacional
e o interesse econômico.
A decisão
institucional é um produto normativo estipulado no estatuto social, de
acordo com a legislação vigente em cada país, em que há divisão de funções
internas, de administração, e externas, de representação, havendo fixação de
atribuições e responsabilidades, ou seja, a decisão institucional deverá ser
conforme os seus estatutos determinem.
A organização
está diretamente relacionada com a ordem normativa, entretanto manifesta-se
autonomamente, posto que engloba a coletividade humana que integra a empresa,
bem como um sistema de comunicação institucionalizado, um sistema de poder e o
conseqüente conflito interno, ou seja, o estabelecimento de um sistema de
controle interno.
O interesse
econômico está na gênese das empresas, ou seja, na própria razão da sua
formação, constituindo ao mesmo tempo seu objetivo. O que precisamos demonstrar
é a sua interação com os componentes normativos e organizacional para a
produção da ação institucional.
O
interesse econômico da empresa é um fator que está presente na conduta de todos
os indivíduos que integram a instituição, como agentes da sua organização,
constituindo o verdadeiro motor da ação institucional. Além disso, o interesse
econômico institucional passa a ser independente dos interesses econômicos
individuais, no sentido de que a empresa passa a ter um interesse econômico
próprio, alienado dos seus integrantes. O denominador comum do funcionamento
dos mecanismos estatutários normativos e organizacionais é o interesse econômico.
Após essa
análise, evidenciamos que a ação institucional existe independentemente da ação
das pessoas físicas e tem formação e características próprias e diferenciadas,
de acordo com as quais deverá ser analisado o elemento subjetivo, ou seja, o
dolo e a culpa, e a conseqüente tipificação da conduta institucional.
JOÃO
MARCELLO DE ARAÚJO JÚNIOR discorre nesse sentido:
A doutrina inglesa, holandesa e
americana, tendo à frente, principalmente, John Vervaele, de Utrecht, sustenta
que, se a pessoa jurídica tem capacidade de ação para contratar, tem também
capacidade para descumprir, por exemplo, criminosamente o contratado, logo tem
capacidade de agir criminosamente. Além do mais, principalmente no que se
refere ao Direito Penal Econômico, ilícitos existem em que a lei prevê,
exclusivamente, a conduta da empresa. É o que acontece, entre outros exemplos,
com os crimes contra a livre concorrência. Quem exerce a concorrência desleal é
a empresa. A ação da pessoa natural que atua por conta e no proveito dela é expressão
do agir da empresa, pois quem pratica a ação é a própria empresa (15).
Firmada a
capacidade de ação da pessoa jurídica, resta estabelecer a possibilidade de
imputação penal ou a culpabilidade institucional.
No
sistema da dupla imputação, a culpabilidade deve ser vista como a culpabilidade
do fato. Não há dúvidas quanto à individualidade da culpa para o Direito
penal, ou seja, cada indivíduo deve ser analisado de acordo com a sua situação
pessoal, as suas circunstâncias pessoais, dentro das suas diferenças. Conforme
SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, entretanto, "não se pode deixar de lembrar que
essa culpa só existe pelo cometimento de um ato em particular. Na realidade, o
ponto de partida da intervenção penal na órbita mais geral do Direito é a
prática de um fato delituoso previamente descrito em um tipo penal"
(16).
A análise
do renomado autor continua:
Não há que se negar que, uma vez
constatada a culpabilidade em face da lesão a certo bem jurídico protegido pela
norma penal, a conseqüência imediata é a intervenção estatal através da pena. Esta
será aplicada – sempre – como uma última instância de controle social,
observados os princípios da subsidiariedade e da intervenção mínima, vigentes
no Estado Democrático de Direito. O parâmetro para a aplicação da pena é, pois,
delimitado pelo próprio princípio da culpabilidade, posto que a pena só há de
ser implementada quando necessária e útil
(17).
De acordo
com essa visão, a culpabilidade da pessoa jurídica surge sem problemas
teóricos, possibilitando ao Direito Penal realizar a imputação aos graves
delitos praticados pelos entes coletivos.
JOÃO
MARCELLO DE ARAÚJO JÚNIOR ressalta:
A admissão da capacidade de agir conduz,
necessariamente, à da capacidade de culpa. Podemos, entretanto, agregar que a
teoria do risco da empresa, conseqüente da culpa na própria organização e
atuação, legitima a responsabilidade penal da pessoa jurídica e justifica a
atribuição a ela, cumulativa ou isoladamente, do crime cometido por seus
representantes em proveito da empresa. É esta a teoria da vantagem econômica,
que fundamenta o juízo de reprovação pelo crime. Trata-se, assim, de uma
categoria nova que a jurisprudência portuguesa e as propostas da Comunidade
Européia chamam de "responsabilidade própria da empresa" (...) (18).
4.
A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO
A
Constituição Federal determinou expressamente a aplicação de sanções penais e
administrativas às pessoas jurídicas que praticarem condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente, no seu art. 225, § 3.º. WALTER CLAUDIUS
ROTHENBURG, ao analisar o referido dispositivo constitucional, entende: "O
art. 222, § 3.º, é até mais incisivo: para os estritos fins de tutela ao
ambiente natural, equiparam-se pessoas jurídicas às físicas, ambas igualmente
sujeitas a sanções quer penais, quer administrativas" (19).
O
legislador ordinário está obrigado a estipular as sanções penais cabíveis às
pessoas jurídicas que praticarem crimes ambientais, por força da norma
constitucional em questão, que adotou importante posicionamento renovador, de
acordo com as orientações da Comunidade Internacional.
A
Organização das Nações Unidas, em seu VI Congresso para Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinqüente, reunido em Nova Iorque em julho de 1979, no tocante
ao tema do delito e do abuso de poder, recomendou aos Estados-membros o
estabelecimento do princípio da responsabilidade penal das sociedades. "Isto
significa que qualquer sociedade ou ente coletivo, privada ou estatal, será
responsável pelas ações delitivas ou danosas, sem prejuízo da responsabilidade
individual de seus diretores" (20).
Em
relação aos demais crimes praticados pela pessoa jurídica, a Constituição
Federal não foi explícita, mas permitiu que a legislação infraconstitucional
estipulasse sanções penais cabíveis para a chamada criminalidade econômica,
conforme a seguinte redação do seu art. 173, § 5.º:
Art. 173 (...)
(...)
§ 5.º A lei, sem prejuízo da
responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a
responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza,
nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia
popular.
As
sanções penais são compatíveis com as pessoas jurídicas, conforme verificamos,
de um modo geral, com exceção evidente da pena privativa de liberdade, devendo
o legislador ordinário adequar as sanções civis, penais e administrativas à
natureza dos entes coletivos, sem que isso prejudique a eventual sanção
individual dos dirigentes.
Novamente
WALTER CLAUDIUS ROTHENBURG, analisando o referido dispositivo constitucional:
Fora de dúvida, entretanto, que a
responsabilidade penal da pessoa jurídica está prevista constitucionalmente e
necessita ser instituída, como forma, inclusive, de fazer ver, ao empresariado,
que a empresa privada também é responsável pelo saneamento da economia, pela
proteção da economia popular e do meio ambiente, pelo objetivo social do bem
comum, que deve estar acima do objetivo individual, do lucro a qualquer preço. Necessita
ser imposta, ainda, como forma de aperfeiçoar-se a perquirida justiça, naqueles
casos em que a legislação mostra-se insuficiente para localizar, na empresa, o
verdadeiro responsável pela conduta ilícita (21).
O
legislador ordinário deu cumprimento à determinação constitucional explícita de
reconhecer a responsabilização criminal da pessoa jurídica no que se refere aos
crimes ambientais, por meio da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que,
em seu art. 3.º, assim dispõe:
Art. 3.º As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta
Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de
sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das
pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou
partícipes do mesmo fato.
A nossa
legislação ambiental, portanto, estipulou a responsabilidade criminal da pessoa
jurídica no âmbito dos crimes ambientais, determinando para tal
responsabilização dois requisitos:
a)Que
a decisão sobre a conduta seja cometida por seu representante legal ou
contratual, ou de seu órgão colegiado. Nesse passo, a nossa lei considerou a ação
institucional de acordo com a sua normatização interna e seu caráter
organizacional, conforme expusemos. A decisão deve ser tomada por quem
estatutariamente poderia fazê-lo em nome da empresa e seguindo sua determinação
organizacional interna.
b)Que
a infração seja cometida no interesse ou benefício da pessoa jurídica. Mais uma vez, a legislação reputou
a ação institucional dentro dos seus caracteres elementares, ao exigir o
interesse econômico da empresa como finalidade da conduta infracional
praticada.
Notas
1 Expressão em latim que significa
"A sociedade não pode delinqüir".
2 Tratado de Derecho Penal:
Parte General. Trad. José Luiz Manzanares Samaniego. 4.ª ed. Granada: Editorial
Comares, 1993. p. 205.
3 Derecho Penal: Parte
General. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier
de Vicente Remesal. Madrid: Editorial Civitas, 1999. p. 258-259.
4 Principi di Diritto Penale:
Parte Generale. 6.ª ed. Milano: Giuffrè Editore, 1994. p. 161.
5 DOTTI, René Ariel. A incapacidade
criminal da pessoa jurídica: uma perspectiva do Direito brasileiro. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 11, jul./set. 1995. p.
201.
6 A responsabilidade da pessoa
jurídica por ofensa ao meio ambiente. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 65,
abr. 1998. p. 7. Edição especial.
7 HASSEMER, Winfried. Apud
BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa
jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coord.). Responsabilidade penal da
pessoa jurídica e medidas provisórias e Direito Penal. São Paulo: RT, 1999.
p. 71.
8 As pessoas colectivas em face do
Direito Criminal e do chamado "Direito de mera ordenação social".
Coimbra: Coimbra Editora, 1985. p. 113.
9 Derecho Penal: Parte
General. 5.ª ed. Barcelona: [s. n.], 1998. p. 174.
10 Responsabilidade penal da pessoa
jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 45.
11 Responsabilidad penal de personas
jurídicas y empresas en el Derecho comparado. In: GOMES, Luiz Flávio
(coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e
Direito Penal. São Paulo: RT, 1999. p. 27.
12 Naturaleza de la acción
institucional en el sistema de la doble imputación. Responsabilidad penal de
las personas jurídicas. In: BAIGÚN, David; ZAFFARONI, Eugenio Raul;
GARCÍA-PABLOS, Antonio e PIERANGELI, José Henrique (coords.). De las penas.
Buenos Aires: Depalma, 1997. p. 25-59.
13 Op. cit. Responsabilidade
penal da pessoa jurídica. p. 40.
14 Naturaleza de la acción
institucional en el sistema de la doble imputación. Responsabilidad penal de
las personas jurídicas. In: BAIGÚ, David; ZAFFARONI, Eugenio Raul;
GARCÍA-PABLOS, Antonio e PIERANGELI, José Henrique (coords.). De las penas.
p. 35.
15 Societas delinquere potest:
revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina. Responsabilidade
penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e Direito Penal. In:
GOMES, Luiz Flávio (coord.). São Paulo: RT, 1999. p. 89.
16 Responsabilidade penal da pessoa
jurídica. São Paulo: RT, 1999. p. 78.
17 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.
cit. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 80.
18 Op. cit. Societas delinquere
potest: revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina. p.
91-92.
19 A pessoa jurídica criminosa.
Curitiba: Juruá, 1997. p. 24.
20 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.
cit. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 45.
21 Op. cit. A pessoa jurídica
criminosa. p. 20.
Retirado: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5713