A culpabilidade como juízo de
imputação |
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INTRODUÇÃO O
Estudo da imputação subjetiva passa pela necessidade do estudo da
culpabilidade e em quais circunstâncias aparecera na aplicação do Direito
Penal alemão, através da jurisprudência daquele país e com espetaculares
decisões da Corte Constitucional germânica. Enquanto
a imputação objetiva nascera no finalismo e agora é adotada pelo
funcionalismo penal, encontrando-se para a grande maioria dos autores no tipo
penal(funcionalistas) e para outros na antijuridicidade(finalistas) e para
alguns apenas circunda o tipo e ainda para alguns, veio para solucionar o
problema do nexo de causalidade, não há dúvidas de que a imputação subjetiva
encontra-se na culpabilidade, vista como um juízo de imputação e não como
mero pressuposto para aplicação da pena. Nossos
autores tradicionais, geralmente influenciados pelo neokantismo, afirmam que
a culpabilidade é um pressuposto para a aplicação da pena, tratando-se,
portanto, de um juízo de reprovação da conduta típica e antijurídica. Outros,
separam a culpabilidade do "juízo de culpabilidade", incluindo-a no
conceito de crime, mas sempre sendo uma reprovação do fato típico e
antijurídico. No
sistema da culpabilidade como um juízo de imputação subjetiva, o juiz não
somente irá verificar se o autor do fato típico e antijurídico é imputável,
etc., mas se a pena é necessária, isto é, trata-se de um sistema onde o que
se verifica é a presença dos fins preventivos da pena e não uma reprovação
moral, ou seja, se a aplicação da pena não causará para a sociedade um dano
social maior do que deixar de aplicá-la! Trata-se
da quebra dos dogmas do direito tradicional de que necessariamente havendo um
fato típico e antijurídico e culpável, a conseqüência será a aplicação de
pena, sem a análise de suas conseqüências sociais. Libertou-se
a dogmática alemã das escolas correicionalistas que apregoam a
"recuperação" ou a "reeducação" do delinqüente através da
prisão, percebendo que a prevenção especial possui uma falsidade, diante do
estigma que causa à pessoa, pelo fato de ser o egresso do sistema
penitenciário, discriminado, rotulado, não conseguindo emprego, sendo,
portanto, excluído do processo produtivo e alijado da interação social. I – DAS INSTITUIÇÕES TOTALIZADORAS A
Alemanha percebera que a prisão como uma instituição totalizadora que é,
introjecta no indivíduo os valores da subcultura delinqüente, fazendo-o
acreditar-se realmente um marginal, um irrecuperável. A
psicologia forense, de fato, demonstra que todas instituições
totalizadoras(manicômios, conventos e prisões) possuem regras e valores
absolutos, os quais são incontestáveis. E todas essas instituições necessitam
para sobreviverem, da destruição do "eu", pois se cada interno
continuasse a manter a sua individualidade, o caos reinaria em tais
instituições. Na
prisão, por sua feita, a regra é a violência! Os mais fortes dominam o
presídio: sua cozinha, a faxina, destruindo outros grupos rivais. Traficam e
corrompem funcionários, além de provocarem rebeliões, formando grupos
delinqüentes e associações criminosas, de caráter estável, com hierarquia e
regras de comportamento. Portanto,
injustificável mandar um cidadão para um local desses por fatos penalmente
irrelevantes, ou, por fatos que foram criminalizados por vontade e influência
de grupos culturais, religiosos e econômicos dominantes. A prisão deverá ser
reservada para fatos socialmente relevantes, que atinjam a pessoa humana ou a
sociedade como um todo. A
corte constitucional alemã, certa feita, absolvera um cidadão que praticara
omissão de socorro, sendo vítima a sua própria esposa, que falecera por falta
de transfusão de sangue, diante do fato de ambos serem membros de uma
religião que não admitia tal transfusão. O cônjuge varão acatou a última
vontade de sua mulher, antes que a mesma falecesse. A
Suprema Corte Germânica decidira que os grupos sociais são distintos e
conflitivos em seus valores e, que neste caso, a mulher religiosa, caso
acontecesse a transfusão de sangue, com autorização marital, mas sem sua
concordância, sofreria um drama de consciência, de tal forma, que sua vida
perderia o sentido, tendo inclusive solicitado ao marido que não
desrespeitasse as regras religiosas de sua crença, comum entre os cônjuges. O
fato era típico, antijurídico e culpável, mas aplicar uma pena ao marido,
que igualmente vivia sob os mesmos preceitos religiosos, era
desnecessário(imputação subjetiva), pois o Estado estaria violando seu
drama de consciência e interferindo em seus valores. II - PAPEL DO DIREITO PENAL EM UMA SOCIEDADE CONFLITIVA No
Brasil, a sociedade é ainda mais heterogênea do que a alemã. Enquanto alguns
realizam palestras sobre prevenção do uso de drogas, outros pais fumam
maconha juntamente com seus filhos(Revista Veja, ano 34, nº 45, pg. 98). Qual
será o papel do Direito Penal em uma sociedade conflitiva, sendo o Brasil um
Estado Democrático de Direito? Será impor valores morais? Os valores são
comuns em todas as "bolhas sociais"? Ou são conflitivos? Quando
pleiteamos uma condenação penal para que uma pessoa freqüente nosso sistema
penitenciário e seja chamado de "reeducando" durante a execução da
pena, por subtrair uma bicicleta ou um CD de um grande supermercado,
estaremos pretendendo puni-lo realmente pelo que ele fez(violação do bem
jurídico patrimônio) ou pelo que ele é(um ladrão da classe pobre, que um dia
poderá nos atingir como membros da classe média)? Se houve a violação da lei,
basta lembrar que o Direito Penal não veio para proteger a lei, mas a lei é
que veio para proteger bens jurídicos relevantes. III - O FUNCIONALISMO PENAL E A IDENTIDADE NORMATIVA O
Direito Penal visa proteger muito mais a dignidade do homem. É a defesa do
bem jurídico. Não
se deve sacrificar a dignidade humana para defender pseudos bens jurídicos,
visto que não há como haver aglomerado humano sem que haja crime. Este é uma
construção lingüística elaborada pelo Estado, é uma comunicação entre o Poder
estatal e a sociedade. Diante
da complexidade social, há a prevenção geral positiva, que consiste em chamar
a sociedade à valoração do comportamento e das normas penais. Na
vida social há o risco e este é permitido. É a sociedade de confiança, onde
não se espera ser vítima de crime. Mas se a pessoa ultrapassar os limites do
risco permitido, poderá ser vítima, não podendo socorrer-se do
Estado(imputação objetiva). Jakobs
vai tratar o funcionalismo de maneira diferenciada, dizendo que não há como
saber qual é o bem jurídico, por não ser palpável. O
que nos motiva a cumprir o Direito Penal, segundo o funcionalismo, é a
identidade normativa no grupo social e esta identidade normativa possui para
aquele agrupamento humano um valor. Sendo assim, o crime é um desvalor de
acordo com o grupo social. Portanto,
mesmo que uma conduta esteja formalmente descrita como típica em lei, não
deverá ser o autor punido, caso haja consenso social da inutilidade da norma,
como nos casos de sedução, adultério e bigamia, além de tantas contravenções
penais. Para
GÜNTHER JAKOBS, o crime é uma conduta defeituosa do autor, onde este não
observa a norma, violando o seu papel social, aquilo que se espera
dele(JAKOBS, Günther, A Imputação Objetiva no Direito Penal. Tradução
de André Luís Callegari. Ed. Revista dos Tribunais). A
sociedade se nega a admitir que este crime ocorreu por problemas na vida ou
no contexto social(defeito da sociedade). Jakobs
quer que a pena represente a realidade do sistema jurídico. O
Direito Penal funcional tira a máscara da sociedade. Demonstra que o Estado
não possui o dever de proteger a sociedade, mas sim, garantir a identidade
normativa. Esta é a característica do Estado de Direito. O
homem sendo livre, pode praticar um crime, como por exemplo, um pai estuprar
a própria filha no interior de sua casa. O Estado não pode dar segurança à
vítima e evitar que isto aconteça. O
Estado entende que a sociedade poderá e deverá agir dentro dos limites da
identidade normativa. O
Direito Penal quer preocupar-se apenas com aqueles que ingressam na
culpabilidade, tendo por base uma comunicação que vai estabelecer o
comportamento que esteja de acordo com a identidade normativa, tendo-se o
mesmo código de comunicação. A
pena é necessária para manter uma ordem social, mas não o único instrumento,
podendo outros ramos do Direito intervir com maior eficácia, sem causar
estigmas, além do controle primário da criminalidade(reformas urbana e
agrária, distribuição de renda, educação, acesso à saúde, ao transporte,
lazer e esportes). Tornar-se
o Direito Penal mais restrito possível e comunicar-se com a sociedade, é um
objetivo a ser alcançado pelo Estado Democrático de Direito, pois sendo
conflitiva, dificilmente o excesso de criminalização de condutas alcançará
todos os membros da sociedade, caindo no descrédito, selecionando sempre os
mais pobres, havendo inclusive falta de comunicação do Estado com a
população, perdendo-se a identidade normativa. Existem
casos em que ocorre a integração do fato defeituoso com a identidade
normativa. Por exemplo: o marido agride fisicamente sua mulher. No dia
seguinte, o casal faz as pazes, tendo a mulher perdoado o marido agressor. A sociedade
e o Estado não têm que interferir na agressão ocorrida anteriormente, pois
tal interferência nenhum benefício trará ao casal, ao contrário, poderá
desestabilizar a vida conjugal. O Direito de Família poderá, perfeitamente,
regulamentar o conflito. IV – EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE BEM JURÍDICO Para
o positivismo de Ferri e Lombroso, o bem jurídico era o Direito Natural; Von
Liszt, entende que o bem jurídico é social; Binding, afirma ser a lei o
próprio bem jurídico. No
entanto, se o Direito Penal for funcional, ou seja, querer de fato ser
útil à sociedade, respeitará que a sociedade possui valores diferenciados,
por ser extremamente conflitiva e heterogênea, notoriamente a sociedade
industrial moderna. Neste
sentido, Jüngen Habermas sempre quis saber qual a razão do ser humano receber
valores e agir de forma diversa, eticamente, dos valores que recebera. Klaus
Günter afirma que a culpabilidade baseada no sistema da exigência do autor de
agir de maneira diversa é ilegítima, pois este é o direito penal do
autor-totalitário, vinculando-se a postura moral. V – CULPABILIDADE E APLICAÇÃO DE PENA A
culpabilidade não traz consigo a questão da pena. Não há ligação entre a pena
e a culpabilidade, como pensam os clássicos e positivistas. Só pode ser
culpável o autor que tiver a oportunidade de participar da formação da lei
penal(cidadania), em amplo processo democrático, ocorrendo um liame entre o
cidadão e a legitimidade da norma jurídica. Desta forma, não há porque punir
toda conduta típica e antijurídica, mas somente aquelas que possuem
relevância social, cujas normas recebem o apoio quanto a sua validade,
consensualmente ou majoritariamente na sociedade(como por ex. arts. 121, 157,
159, 213, 214, 312, etc.). Ora,
a sociedade exclui milhares de pessoas da participação do processo de
formação das leis, através da miséria social, sequer como eleitores possuem
tal participação. Famílias inteiras vivem de forma degradante, sequer
recebendo a comunicação social da norma penal e sua legitimidade. O
cidadão, pois, é aquele que faça parte do processo legislativo como eleitor,
por exemplo. Havendo neste caso, um respeito à lei pelo cidadão. Os
que não participam deste processo, têm diversos motivos para não cumprirem a
lei. VI – CULPABILIDADE ATENUADA(CO-CULPABILIDADE) Mesmo
no sistema de reprovabilidade, isto é, no sistema de culpabilidade baseada na
exigibilidade de conduta diversa, fruto do Direito Penal Clássico e
neokantista, ilegítimo em um verdadeiro sistema democrático, os penalistas
Zaffaroni e Pierangelli, reconheceram que a desinformação normativa, diante
da exclusão social, através da violação do contrato social(pacto social)
estabelecido entre o Estado e o povo, mediante a não concretização das
políticas sociais previstas nos artigos 6º a 11 da Constituição Federal,
atenua a culpabilidade.Deveriam dizer que exclui a culpabilidade, pois
cidadão excluído deixa de ser cidadão. No capitalismo, quem perde totalmente
a capacidade de produzir e consumir, perde a cidadania, bastando olhar os
andarilhos, os mendigos e as crianças de rua. Surge o conceito de CO-CULPABILIDADE(atenuante
inominada - art. 66 do CPB), reconhecendo-se que há sujeitos que têm um menor
âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas
sociais(baixa escolaridade, miséria, etc.). Não será possível atribuir estas
causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação
de culpabilidade. Costuma-se dizer que há aqui uma
"co-culpabilidade", com a qual a própria sociedade deve arcar. A
co-culpabilidade faz parte da ordem jurídica de todo Estado social de
direito, que reconhece direitos econômicos e sociais(arts. 6º a 11 da CF), e,
portanto, tem cabimento no Código Penal mediante a disposição genérica do
art. 66(ZAFFARONI, Eugênio Raúl & José Henrique Pierangeli, Manual de
Direito Penal Brasileiro, RT, 1999, pgs. 610/611). CONCLUSÃO O
sistema de culpabilidade vigente em nosso direito(da exigibilidade de conduta
diversa) é ilegítimo, trazendo em sua ideologia, a defesa de uma postura
moral e a exigência de condutas homogêneas para grupos sociais extremamente
heterogêneos, com o claro objetivo de impor valores éticos e morais de um
grupo dominante sobre as demais camadas sociais, através de um arcaico
Direito Penal do autor do fato e não do fato praticado pelo autor. Objetiva
o Estado exercer um controle social dos mais pobres e dos excluídos através
do Direito Penal, banalizando-o, militarizando-o, mas com as tristes
conseqüências de presídios superlotados, com diversas pessoas em regime
fechado, as quais poderiam estar cumprindo penas alternativas ou em regimes
mais brandos que não o fechado. Sendo a culpabilidade, no sistema de
exigibilidade de conduta diversa, uma reprovação da conduta típica e
antijurídica, com elementos normativos e não um juízo de imputação subjetiva,
todo autor que pratique um injusto penal, cujos elementos normativos da
culpabilidade encontrarem-se presentes, fatalmente receberá uma pena, isto é,
milhares de pessoas são e serão rotuladas como criminosas e excluídas de
novas oportunidades sociais, causando assim, um mal social maior e
inaceitável para os dias modernos em que vivemos. Já
o sistema de culpabilidade através dos fins da pena(imputação subjetiva), o
Juiz garantirá que ninguém será apenado, mesmo que cometa um fato típico e
antijurídico, caso os fins preventivos da sanção(geral e específico) não
encontrem-se presentes. Saberá o Magistrado, que a prisão não reeduca, ao
contrário, é um fator de aumento da criminalidade, inclusive a organizada e,
portanto, somente fatos socialmente relevantes necessitam desse mal, pois aí
sim, será um mal menor. O
Magistrado impedirá, mediante o seu juízo de imputação(subjetiva), que o
Estado interfira na vida do cidadão, quando o fato for socialmente
irrelevante, ou quando a vítima aderir ao discurso do autor(consenso
comunicativo entre autor e vítima – como por exemplo, arts. 217 e 220 do CP),
ou ainda, condutas que visam impor valores éticos e morais(art. 240 do CP). Reconhecerá
que vivemos "em sociedade" e esta possui "bolhas
sociais", cujos valores são conflitivos e respeitará cada uma delas.
Estará ciente que não existe "a sociedade", pois este é um termo
ideológico monista, onde o grupo dominante quer fazer acreditar que todos
possuímos valores homogêneos e que o crime é algo que deve ser
"combatido", como se estivéssemos em guerra e esta guerra há que
ser vencida a todo custo, mesmo que se viole os direitos individuais
indisponíveis do cidadão, arduamente conquistados por nós brasileiros,
vítimas de ditaduras que perduraram por longos anos e que cometeram
atrocidades inesquecíveis. BIBLIOGRAFIA BECCARIA,
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Eugenio Raúl, Em Busca das Penas Perdidas, Editora Revan. |