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Breve comentário sobre o tratamento jurídico da eutanásia no direito
Dyanndra
Lisita Célico
"Acreditai que nenhum mundo, que nada nem
ninguém... Vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la." JorgeSena
Com os avanços das ciências médicas, aliados à concepção da vida humana como um
bem intangível, ou seja, intocável e absoluto, a eutanásia ganhou novos espaços
frente a euforia do Homem diante as grandes descobertas, ocorridas no século
XX.
Entretanto, provêm os primeiros estudos envolvendo a ética, dos filósofos
gregos, cerca de 500 e 300 a.C. período em que surgiram muitas idéias,
definições e teorias que nos acompanham até os dias de hoje, tratada por
ilustres filósofos como Hipócrates - por seu juramento, principal pilar de
sustentação da dignidade da profissão médica até hoje; Thomas More e Francis
Bacon, que advogavam a prática da eutanásia passiva, onde a morte surge, pela
não-iniciação ou da interrupção de processos terapêuticos; Kant que visava a
universalização da ética, cujos princípios desejava-se que valessem para todos,
sob a ótica da eutanásia, tal dogma, por exemplo, teria sua aplicação ou não,
válida a todos; Binding e Hoche, que após a 2º Guerra mundial tornaram-se
profetas da eugenia, a eliminação da vida por razões médicas ligadas à
purificação da raça humana; Aristóteles, que era discípulo de Platão,
entretanto apoiava-se mais na teoria que na prática, e advogavam a "morte
serena", dentro outros, entretanto há de se atentar tão logo, que a
eutanásia não é prática recente, nem tampouco aparece com a Idade Moderna, e em
alguns países atualmente encontramos previsões legais quanto a viabilidade da
eutanásia.
Destarte, oportuniza-se que a eutanásia encontra-se em constante e atual
discussão nas esferas da sociedade. Questionando-se princípios éticos, morais e
religiosos, sempre atualizados e reclassificados a cada novo cenário mundial.
O presente trabalho visa tão logo, elencar noções gerais sobre a eutanásia,
procedendo-se à sua classificação e noticiando sua evolução histórica, trazendo
a lume conceitos e posicionamentos essenciais para uma adequada análise do
tratamento jurídico no ordenamento pátrio.
1. CONCEITO - no vernáculo correto - e também na pronúncia - o termo correto é
euthanasía, mas o costume e a prática têm ditado o contrário, ou seja,
eutanásia, usaremos o costumeiro, portanto eutanásia.
O termo deriva do grego, euthanasía, empregado pela primeira vez por
Francis Bacon, em 1623, em sua obra "História da Vida e da Morte",
designando a ciência que visa tornar a morte suave e sem dor. É neste teor que
em uma definição etimológica temos seu sentido como uma boa ou bela morte
(prefixo eu = beleza + sufixo thanatos = morte), assim sendo em
seu sentido mais amplo, eutanásia significaria "ajuda para morrer". O
termo em questão não deve ser entendido como simplesmente morrer bem, ou da
melhor maneira possível, mas morrer com dignidade, nobreza, ou por alguma causa
pela qual esteja lutando, combatendo ou apoiando. Desta forma, o sacrifício da
vida, o suicídio, como bem expressa o ato eutanásico, vai em desacordo com o
agir ético, agir de acordo com o bem, pois lutar, não significa desistir.
2. QTO. AO MODO DE EXECUÇÃO - A eutanásia pode ser ATIVA, podendo ser direta,
quando visa primariamente causar a morte do enfermo, e por conseqüência aliviar
suas dores, ou indireta, em que o objetivo de suprimir o padecimento se
sobrepõe ao fim de matar; e poderá ser PASSIVA, conforme dito anteriormente,
consistente no deixar morrer, através da não iniciação ou da interrupção de
tratamento terapêutico.
De outro lado, a DISTANÁSIA (dis = afastamento + thanatos = morte)
compreendendo a obstinação, na persistência terapêutica ou por aparelhos, com
vistas a prolongar a vida a qualquer preço, através de avançadas tecnologias
médicas diante de casos irreversíveis. Opõem-se a esta a ORTOTANASIA (orthos =
correto + thanatos = morte), que significa a morte em seu tempo, sem uso de
recursos extraordinários de manutenção de vida. Não se identifica com eutanásia
passiva, porquanto não estão sendo retirados do paciente meios ordinários,
comuns à sustentação de sua vitalidade. Medidas ordinárias são, geralmente,
aquelas de baixo custo, pouco invasivas, convencionais e tecnologicamente
simples. As extraordinárias costumam ser caras, invasivas, heróicas e de
tecnologia complexa. Mas estas definições certamente simplificam uma questão
muito complexa.
3. RELIGIÃO - O aspecto cultural também é importante e estreitamente ligado ao
religioso, já que a uma primeira pergunta qualquer do povo poderia até ser a
favor da eutanásia, mas, com certeza, se perguntado da prática da mesma em
algum familiar em estado terminal e com muito sofrimento diría-nos que
"preferiria esperar que chegasse o momento certo de morrer. Que só Deus
sabe o momento".
Tais aspectos, associados à circunstância de não haver norma legal a respeito,
levam as pessoas a dizerem que preferem deixar para analisar o assunto diante
da circunstância concreta, depois de ter certeza de que não há meios médicos de
cura. Aliás, ainda contestam essa não possibilidade de cura.
4. MORTE - Não se pode aplaudir a idéia de que o corpo só pode estar em dois
estados - de vida ou de morte - pois é sabido que a morte se produz em várias
etapas sucessivas, em determinado espaço de tempo, e por, isso não é ela
simplesmente um momento ou um instante, como defendem alguns, mais um
verdadeiro processo.
Convém então, esboçar dentre as citações, Peter Singer , um filósofo que muito
se destaca no tratamento dos assuntos relacionados com a morte, ele enumera
cinco mandamentos daquela que chama "ética tradicional", a qual todo
ser humano deveria fundar-se:
1°. antigo mandamento: Considerar que toda vida humana tem o mesmo valor;
2°. antigo mandamento: Nunca pôr fim intencionalmente a uma vida humana
inocente;
3°. antigo mandamento: Nunca tires tua própria vida e tenta evitar que outros
tirem as suas;
4°. antigo mandamento: Crescei e multiplicai-vos;
5°. antigo mandamento: Considera qualquer vida humana sempre mais valiosa que
qualquer vida não humana.
5. BIOÉTICA E DIREITO - as relações de Bioética e Direito são dinâmicas e
interpenetradas, uma em face do outro. Esta temática é bem antiga, cabendo ao
Biodireito, se embasar nos valores e princípios aceitos pela sociedade e na
consciência ética da humanidade, buscando soluções adequadas para o avanço da
Biotecnologia.
De fato, o Direito não pode absolutamente se isolar das transformações sociais
e científicas que permanentemente ocorrem ao seu redor.
Sob a ótica de Jimenez de Ásua, são 04 as hipóteses de tratamento que a
eutanásia poderia receber:
a) permitir ao juiz a concessão de perdão - deixa de aplicar a pena,
reconhecendo circunstâncias que o justifiquem. Em nosso direito, é causa de
extinção de punibilidade;
b) pode-se elencar o móvel compassivo dentre as causas de exclusão de
antijuridicidade - nesse caso, a conduta é típica, mas abrangida por norma
geral permissiva, que a torna lícita;
c) considerada como delito ordinário ou privilegiado;
d) como forma de "ação socialmente adequada".
Nossa lei penal vigente preferiu cuidar do tema como delito privilegiado.
No Brasil, o legislador não se referiu diretamente à eutanásia, não criou tipo
autônomo, mas uma hipótese atenuada do tipo básico de homicídio. Está no artigo
121, parágrafo 1º, do CP, que faculta a redução de pena ( de um sexto a um
terço) imposta a quem matou impelido por motivo de relevante valor social ou
moral.
A diferença com relação à atenuante genérica do artigo 65, III, a, está no fato
de que aquela especial redução de pena não encontra obstáculo sequer no mínimo
cominado pelo artigo 121.
A partir do sentimento que cerca o direito moderno, a eutanásia tomou caráter
criminoso, como proteção ao mais valioso dos bens: a vida, não passando de
autêntico homicídio, que nada tem de piedoso ou misericordioso, apesar das
insistentes tentativas atuais da humanidade em consagrá-lo no ordenamento
jurídico. Apressar o fim seria privar o Homem duma parcela da sua vida que
constitui o seu bem supremo, frustá-lo do que possui de mais valioso, não deve
encurtar-se sejam quais forem as suas razões e justificações a sua vida.
Sem desmerecer os argumentos de grandes filósofos e doutrinadores, discordo da
prática do homicídio eutanásico. Premiar tal conduta com a licitude seria, a
meu ver, uma temeridade. Isto porque, em virtude da crescente criminalidade, a
eutanásia viria a se transformar em mais um pretexto para a prática de crime; a
"morte boa" funcionaria como máscara, encobrindo talvez crimes
hediondos, como ocorreu com a propalada legítima defesa da honra, disfarce sob o
qual se valeram muitos criminosos, na década passada e ainda nesta.
Por outro lado, acho que a questão do consentimento assenta-se em bases não
muito sólidas, pois entendo que a pessoa que sofre dores atrozes não possui
plenamente capacidade de entender e de querer, sendo a morte um desejo
momentâneo.
Quanto à questão da incurabilidade, não deveríamos crer que exista males
incuráveis e possivelmente muitos também não, uma vez que se acreditassem a
ciência e tecnologia (principalmente no campo da Medicina) não estariam nos
degraus que hoje se encontram.
No que concerne à lei, sendo a atenuação da pena uma faculdade do juiz, permite
a este só se valer dela quando assim achar necessário. Logo, o juiz pode,
diante do caso concreto, distinguir a verdadeira compaixão (móvel do homicídio
eutanásico) do egoísmo, interesse ou outro qualquer motivo torpe.
Permitir a supressão da vida de um ser humano, mesmo doente
"irremediável" e a pedido do próprio, é um ato de risco altíssimo num
país como o nosso.
É certo que essa discussão não vai se encerrar por aqui e, com muita
satisfação, espero ter contribuído para o engrandecimento do conhecimento
acerca do tema.
Nota
do texto:
I - Peter Singer, publicou em 1994 um livro que, traduzido aos espanhol há
cinco anos, intitulou-se "Repensar la vida y la muerte. El derrumbe de
nuestra ética tradicional" (Paidós, Barcelona, Buenos Aires, México). E
CULTURA - A prática da eutanásia contraria a teoria moral, natural, ou melhor:
da morte. Deveria ser o dever de cada ser humano preservar a vida, é por esta e
outras razões que a maior combatente da eutanásia em todos os tempos foi a
igreja, por ser o ato, prática que repugna a Deus.
Retirado: http://www.jusvi.com/site/p_detalhe_artigo.asp?codigo=2291