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Absolvição penal que nega a autoria do fato, mas grafa
na parte dispositiva da sentença a falta de prova como fundamento, repercute na
Administração
Mauro Roberto
Gomes de Mattos Advogado no Rio de Janeiro. Vice Presidente do
Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP, Membro da Sociedade
Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, Membro do IFA
–Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade
Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social
I -
INTRODUÇÃO
A
influência do Direito Penal no âmbito do Direito Administrativo tem grande
relevância para toda a sociedade, pois invade o que é de mais precioso para o
indivíduo, que é a sua liberdade, conjugada com o direito de exercer
determinado trabalho ( munus público).
Imbuído
da preocupação com algumas dificuldades que os operadores do direito esbarram
quando da aplicação dos efeitos da absolvição penal ou a sua desconsideração
por parte de alguns juízes, que aferroados na independência das instâncias
abstraem o raio de alcance de uma sobre a outra, resolvemos trazer ao debate a
presente situação.
Essas
situações são comuns nas lides forenses, como também nos procedimentos
disciplinares.
Ora, o
poder-dever de punir encontra limites traçados pelo direito e pelos valores
morais.
Não é
dado ao julgador a faculdade discricionária de ignorar que em um Estado
Democrático de Direito os fatos (primazia da realidade) não poderão serem
alterados para alcançar a dignidade penal do indivíduo, com o intuito de haver
punição, mesmo que não ocorra o delito.
Tanto o
direito penal, como o administrativo, buscam em seus independentes e autônomos
procedimentos a busca da verdade, para que em nome dela possam tipificar a
infração, com o objetivo de uma futura punição, ou que a absolvição surta o
devido efeito legal.
Com
extrema felicidade Miguel Reale Júnior (1) deixou grafado a
administrativização do Direito Penal, para quem, verbis:
"A administrativização do Direito
Penal torna a lei penal um regulamento, sancionando a inobservância a regras de
conveniência da Administração Pública, matérias antes de cunho disciplinar. No
seu substrato está a concepção pela qual a lei penal visa antes a ‘organizar’
do que a proteger, sendo, portanto, destituída da finalidade de consagrar
valores e tutelá-los.
Diversamente, em um Estado de Direito
Democrático, a configuração penal – por se constituir na forma mais gravosa de
interferência, com custos elevados ao infrator e também à sociedade – deve se
ater aos fatos que atinjam valores por via de uma conduta efetivamente lesiva
destes valores.
A intervenção penal deve ser aquela
necessária, como único meio, forte, mas imprescindível, para a afirmação do
valor violado, e para a sua proteção, visando à manutenção da paz social."
Tem-se, pois,
que a punição do agente público que sucumbe ao ilícito criminal deverá ser
exemplar, guardando sintonia com a gradação da pena estipulada pela lei.
Todavia,
se a sua conduta for ilibada, com a mesma intensidade que se pretende punir o
criminoso, o Estado deverá ter o mesmo rigor para que fique nítido o reflexo
positivo para o inocente, que poderia estar no lugar e na hora errada, mas não
sucumbiu ao delito, cometendo conduta proba.
Essa é a
nossa preocupação, qual seja, o inocente que é absolvido na esfera criminal,
onde fica suficientemente provado a negativa de autoria do fato investigado ou
a sua inexistência, não poderá ser punido na esfera administrativa, mesmo que a
parte dispositiva do decisum estipule que a absolvição se deu com lastro
no Art. 386, VI do CPP.
Não pode
o inocente ser molestado com a pena capital na esfera administrativa ou outra
sanção de menor gradação, se não obrou ilícito ou cometeu ato que pudesse
desabonar a sua condição de agente público.
Este não
é o direito que sonhamos para os nossos filhos, porquanto acima de tudo está a
dignidade e o eterno compromisso com a busca da verdade real, onde o inocente
não pode ser alçado a incômoda situação de receber uma punição injusta ou
indevida.
Escrevemos
anteriormente o reflexo da decisão penal no âmbito do direito administrativo,
(2) onde foi discorrida a hipótese da radiação direita do primeiro sobre
o segundo, quando neste o mérito é julgado.
Essa
situação não é extreme de dúvida, decorrendo do mandamento contido no Art. 126,
da Lei 8.112/90, e acompanhado por quase todos os estatutos jurídicos dos
servidores públicos estaduais e municipais.
Em nosso
trabalho anterior, deixamos registrado, logo no início, que é "de crucial
importância que haja uma simetria entre a decisão judicial que absolve o réu,
adentrando o mérito dos ilícitos imputados ao servidor publico, e o
posicionamento adotado pelo órgão administrativo".
Essa
reflexão embrionária se deu pelo fato de nem sempre os advogados observarem que
a absolvição criminal, com base no Art. 386, VI, do CPP, é rechaçada pela
instância administrativa, que em nome da independência das instâncias promove,
em vários casos, a demissão ou outra sanção, mesmo que os fatos sejam idênticos
e tenham sido descaracterizados.
Não resta
dúvida que estes posicionamentos administrativos, quando discutidos sob o frio
e congelado aspecto literal do título judicial, encontram respaldo
jurisprudencial das mais altas Cortes, que respeitam o incontroverso fato de
que a punição das instâncias são desatreladas umas das outras.
Sucede
que, se na parte da fundamentação da decisão judicial ficar consignado de
maneira clara, mesmo que não exaustiva, que houve negativa do fato ou a sua
inexistência, os operadores do direito não poderão se furtar em fazer justiça,
utilizando a carga declaratória da sentença para absolver o acusado também no
processo disciplinar.
Isso é
que o direito espera das Comissões Disciplinares.
II
– INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS E OS SEUS NATURAIS REFLEXOS EM ALGUMAS SITUAÇÕES
JURÍDICAS
Não se
discute a independência das instâncias, visto que este fato é incontroverso e
funciona como uma garantia para a sociedade de que as infrações penais,
administrativas e civis serão averiguadas pelo poder competente, com a devida e
necessária liberdade.
Ocorre,
que o direito como ciência evolui a cada dia, não sendo atualmente absoluto o
dogma da independência das instâncias em determinadas situações jurídicas,
tendo em vista que a autoria e o fato podem estar atrelados a uma outra
instância, refletindo uma delas sobre as demais. Mesmo sendo exceção à regra, o
certo é que esta situação não é inusitada e nem decorre da nossa imaginação.
O
temperamento com que deve ser interpretado o dogma da independência das
instâncias, que estamos defendendo, em determinados casos, se interliga com a
própria peculiaridade do fato investigado, que, dada a sua característica,
influencia diretamente mais de uma instância, sem que com isto haja abalo no
alicerce das respectivas áreas.
Exemplo
do afirmado é extraído no HC nº 81.324/SP, sob a relatoria do Min. Nelson
Jobim, onde a ação penal havia sido instaurada por representação do Banco
Central do Brasil, que não aguardou o julgamento de recurso administrativo de
determinado ente financeiro. Ao ser provido o recurso administrativo, o ilícito
que foi vislumbrado na instância inaugural interna e agasalhado pelo judiciário
quando do recebimento da denúncia penal, já não existia, tornando-se natimorta
a persecução penal. Desaparecendo o crime contra o Sistema Financeiro Nacional
do paciente, o STF acolheu o trancamento da ação sub-oculis, por
inexistir o elemento subjetivo do tipo:
"Hábeas corpus. Penal. Processo
penal. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Representação. Denúncia,
Processo administrativo. Arquivamento. Ação penal. Falta de justa causa.
Denúncia por crime contra o Sistema Financeiro Nacional oferecida com base
exclusiva na representação do Banco Central. Posterior decisão do Banco
determinando o arquivamento do processo administrativo, que motivou a
representação. A instituição bancária constatou que a dívida, caracterizadora
do ilícito, foi objeto de repactuação nos autos da execução judicial. O
Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional referendou essa decisão. O
Ministério Público, antes do oferecimento da denúncia, deveria ter promovido a
adequada investigação criminal. Precisava, no mínimo, apurar a existência do
nexo causal e do elemento subjetivo do tipo. E não basear-se apenas na
representação do Banco Central. Com a decisão do Banco, ocorreu a falta de
justa causa para prosseguir com a ação penal, por evidente atipicidade do fato.
Não é, portanto, a independência das instâncias administrativas e penal que
está em questão. Habeas deferido" (3)
Em outra
robusta passagem, o STF, desta feita pelo HC nº 81.611, que teve o voto
condutor do Min. Sepúlveda Pertence, por maioria, em sessão plenária,
estabeleceu que recurso ao Conselho de Contribuintes poderia reverter uma
situação embrionariamente tida como de sonegação fiscal, além do fato de que o
pagamento do tributo após a apreciação da citada instância recursal extingue a
punibilidade do agente, trancando, por isto, a denúncia:
"Concluído o julgamento de hábeas
corpus no qual se questionava a possibilidade do oferecimento e recebimento de
denúncia pela suposta prática de crime contra a ordem tributária, enquanto
pendente de apreciação a impugnação do lançamento apresentada em sede
administrativa (v. Informativos 286 e 326). O Tribunal, por maioria, acompanhou
o voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence, relator, no sentido do
deferimento do hábeas corpus, por entender que nos crimes do art. 1º da Lei nº
8.137/90, que são materiais ou de resultado, a decisão definitiva do processo
administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, configurando-se
como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja
existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da
decisão final em sede administrativa. Considerou-se, ainda, o fato de que,
consumando-se o crime apenas com a constituição definitiva do lançamento, fica
sem curso o prazo prescricional. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, Joaquim
Barbosa e Carlos Britto, que indeferiam a ordem. Precedente citado: HC 77002/RJ
(DJU de 2.8.2002)." (4)
Mesmo as
instâncias sendo independentes no caso de sonegação fiscal, sem que o crédito
tributário esteja constituído, não há como ultrapassar o que vem descrito no
Art. 142, do CTN, que outorga à autoridade administrativa tal tarefa, através
do lançamento:
"... O Juiz, analisando o caso
concreto deve-se limitar a dizer o direito aplicável. Julgada indevida a
exação, a verificação do fato gerador e da base de cálculo do tributo,m bem
assim do quantum devido, para efeito de levantamento dos valores depositados no
curso da ação, compete exclusivamente às autoridades fiscais, nos termos do
art. 142 do CTN, não cabendo ao Judiciário imiscuir-se nessa área.2. No caso de
haver levantamento a maior, conforme for oportunamente averiguado em
procedimento administrativo, está o fisco autorizado a cobrar a diferença, não
se lhe aplicando, para essa finalidade, o prazo decadencial previsto no § 4º do
art. 150 do CTN..." (5)
Não
obtendo elementos suficientes, o representante do parquet não poderá
propor temerária ação penal, visto que em determinadas situações jurídicas
somente com o encerramento da instância administrativa, com o esgotamento de
todos os recursos, é que estará a instância penal munida de condições legais
para ser instaurada.
Justamente
nessa seara, a 2ª Turma do STF, atenta a evolução do direito, pontificou:
"Recurso extraordinário. Ministério
Público. Inquérito administrativo. Inquérito penal. Legitimidade. O Ministério
Público (1) não tem competência para provar inquérito administrativo em relação
à conduta de servidores públicos; (2) nem competência para produzir inquérito
penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos
procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem o inquérito
policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não
conhecido." (6)
Como
visto, foram declinados importantes precedentes do STF que, apesar de não
desnaturarem a independência das instâncias, adicionaram temperamentos em
determinados casos, para que o livre exercício da esfera penal, quando
necessita, para configuração de tipificação do delito, do término da apuração
da esfera administrativa.
Por outro
flanco, a esfera penal também influencia a administrativa, quando é negada a
autoria do fato.
Essa é a
leitura do art. 126 da Lei 8.112/90:
"Art. 126 – A responsabilidade
administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que
negue a existência do fato ou sua autoria."
Os
precedentes judiciais também comungam da mesma hóstia, como se verifica:
"RMS. Administrativo. Servidor
Publico. Demissão. Fato Inexistente. Sentença Criminal. Art. 386, I – CPP.
1- A absolvição na forma do art. 386, I,
do Código de Processo Penal, através de sentença criminal transitada em
julgado, impede tome a instância administrativa por base aqueles mesmos fatos,
reputados inexistentes, para sancionar pretensa falta residual, ainda que
estejam eles tipificados na legislação local como aptos a ensejar a pena de
demissão. Incide a letra do art. 1.525 do Código Civil.
2 – RMS provido." (7)
"Recurso Especial. Administrativo.
Servidor publico. Demissão. Reintegração com base em absolvição criminal.
Prescrição que não ocorreu. O servidor foi demitido com base em suposto crime
por ele cometido. Seu pretenso direito a reintegração nasce com a absolvição
criminal, ocorrida, na espécie, na revisão criminal transitada em julgado em
1986.
- tendo o autor ajuizado a ação em 1986,
não há falar-se em prescrição.
- recurso do estado improvido."
(8)
"RMS – Administrativo – Funcionário
Público – Demissão – Jurisdições penal e Administrativa – As jurisdições
intercomunicam-se, prevalece a jurisdição penal; esta projeta sempre a verdade
real. não se admitem presunções, como na jurisdição civil. negado o fato, ou a
autoria, repercute de modo absoluto em todas as areas jurídicas. absolvição por
outro fundamento não afeta o resíduo administrativo. pode, pois, ocorrer a
demissão do funcionário publico." (9)
"Administrativo. Mandado de
Segurança. Ex-servidor Público Estadual. Anulação do Ato de Demissão. Juízo
Administrativo. Vinculação. Instância Criminal. Negativa da Autoria. Teoria dos
Motivos Determinantes.
- A repercussão da absolvição criminal
na instância administrativa somente ocorre quando a sentença proferida no Juízo
criminal nega a existência do fato ou afasta a sua autoria..." (10)
"Administrativo. Ex-servidor
Público Estadual. Anulação do Ato de Demissão. Prazo prescricional. Termo a
quo. Juízo administrativo. Vinculação. Instância criminal. Negativa da autoria.
Teoria dos Motivos Determinantes.
- Em se tratando de ação de reintegração
no serviço público em razão da absolvição perante o Juízo Criminal, o prazo
prescricional começa a fluir a partir da data do trânsito em julgado da
sentença penal absolutória dos fatos que justificaram a aplicação da pena de
demissão e não do ato demissório.
- A repercussão da absolvição criminal
na instância administrativa somente ocorre quando a sentença proferida no Juízo
criminal nega a existência do fato ou afasta a sua autoria.
- O envolvimento de soldado da polícia
militar estadual em movimento grevista atentatório à segurança da população,
quando proclamada a negativa da autoria perante o Juízo Criminal, não constitui
motivo para convalidar o ato de demissão do serviço público.
- Recurso especial conhecido e provido." (11)
Estas
magistrais lições do STJ comprovam que o juízo penal, quando absolve o réu,
negando a autoria do fato, cria reflexo imediato para a instância
administrativa, fazendo, inclusive, cessar demissão, se foi levada à efeito
sobre os mesmos fatos.
III
– DIREITO PENAL E DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR VISAM PUNIR SOMENTE O
AGENTE PÚBLICO INFRATOR
O direito
penal e o direito administrativo disciplinar funcionam para proteger os valores
fundamentais à convivência social do servidor público para com o ente público,
onde a lealdade e a probidade são traços exemplares na relação jurídica entre
as partes.
O
poder-dever de punir encontra limites na própria conduta do acusado, que se não
cometer ilícito reprimido pela lei penal está imune a respectiva condenação,
pois não há crime sem que haja previsão legal.
O
princípio é o mesmo no direito disciplinar, pois a era da verdade sabida foi
rechaçada pela verdade real, extraída após o due process of law, com a
obtenção de provas lícitas, permitida pelo ordenamento Constitucional.
Um dos grandes
alentos que o acusado traz em sua alma é que, na Justiça, tem a garantia de um
processo técnico, que será julgado por um Juiz imparcial e preparado
intelectualmente para exercer a sua sagrada missão de julgar, com a utilização
de todos os meios de provas admitido em direito.
Na
instância administrativa, apesar de imperar também o princípio da
imparcialidade, do contraditório e da ampla defesa (Art.5º, LV, da CF), em
alguns casos não são verificadas tais prerrogativas, pois Comissões
Disciplinares, comprometidas com interesses alheios, por vezes pune o
investigado em cumprimento a ordem superior.
Não resta
dúvida que na instância judicial existe um rigorismo formal que permite ao réu
defender-se da melhor forma, com o objetivo da extração da verdade.
Já na
esfera administrativa, mesmo tendo uma liturgia legal também voltada para a
busca da verdade real, nem sempre os trabalhos são levados à efeito com
isenção.
Não se
ateia lama nos servidores públicos responsáveis pelas Comissões Disciplinares,
apenas é sublinhado que em alguns casos o sentimento impuro pode contaminar uma
apuração isenta.
Mais uma
vez, ratificamos nosso pensamento em outro trabalho:
"Trata-se de importante princípio
regulador da responsabilidade do servidor público, pois apesar das instâncias
serem independentes, não resta dúvida de que na órbita penal existe maior rigor
técnico na apuração do cometimento de atos capitulados no código repressivo,
tendo o Ministério Público como titular da ação e um Juiz de Direito para
proferir o veredicto, alem de ser esgotado o contraditório. Por si só, se
verifica o avanço do legislador administrativo, pois o processo interno é
formado por comissão de 3 (três) servidores, que necessariamente não precisam
dominar a ciência jurídica, alem de não possuírem a devida especialização
profissional de julgar, não se verificando nesta esfera função jurisdicional
ampla." (12)
Como dito
por Carnelutti, e ainda vivo em nossas memórias, "o encargo do direito é
colocar em ordem a sociedade" (13), não se admitindo, via de
conseqüência, que ele seja fracionado, para ajustar a mesma situação em uma
esfera e, sobre os mesmos fatos, não influenciarem na outra instância.
Mesmo as
instâncias sendo independentes, como já dito alhures, se imbricam quando os
fatos apurados em determinada órbita são imperiosos para a própria tipificação
na outra instância.
Com
tintas fortes, Adilson Abreu Dallari faz coro forte contra a instauração de
procedimentos que molestam gratuitamente o cidadão sem que haja infração
tipificada:
"Não é dado à Administração Pública
nem ao Ministério Público simplesmente molestar gratuitamente e imotivadamente
qualquer cidadão por alguma suposta eventual infração da qual ele, talvez,
tenha participado.
Vale também aqui o princípio da
proporcionalidade inerente ao poder de polícia, segundo o qual só é legítimo o
constrangimento absolutamente necessário, e na medida do necessário."
(14)
J.
Guimarães Menegale, (15) em curtas, porém sólidas palavras, em laço
de extrema felicidade aduz:
"O uso do poder disciplinar não é
arbitrário: não o faz a autoridade quando lhe aprouver, nem como
preferir."
Mais a
frente o citado mestre expurga qualquer dúvida sobre a matéria quando conclui:
"Necessária é, para a aplicação do
poder disciplinar, a ocorrência de irregularidade no serviço, quer dizer,
explicitamente ‘falta aos deveres da função’ e não portanto, mera insuficiência
profissional genérica." (16)
Portanto,
tanto no procedimento disciplinar como no penal é necessário uma justa causa,
que em alguns casos está atrelada à conclusão de uma outra instância.
Assim, a
decisão de natureza administrativa poderá estar intimamente vinculada com a
imputação de ilícito penal, que se não for devidamente comprovada, quanto aos
fatos ou a própria autoria, não estará caracterizado.
Repelido
o fato tido como criminoso, independentemente das instâncias, ele deverá ser
sobrepujado pela outra. Por não sobrar resíduo para a punição. Pensar de modo
diverso é permitir o bis in idem de acusações, mesmo que ela já tenha
sido abstraída pelo direito.
IV
– SENTENÇA PENAL QUE NEGA A AUTORIA DO FATO, MAS GRAFA NA PARTE DISPOSITIVA A
FALTA DE PROVA POSSUI A FORÇA DE EXCLUIR A CONDENAÇÃO ADMINISTRATIVA.
Após a
presente explanação dos tópicos anteriores, onde nos preocupamos em deixar
expresso que as instâncias, mesmo independentes se imbricam, influenciando uma
sobre a outra se os fatos forem os mesmos.
O limite
ao jus puniendi, in casu, se abriga no princípio da
intervenção legalizada a que informam os ilustres Muñoz Conde e Garcia Aran
(17), para evitar o arbítrio e pugnar pela segurança jurídica.
A
sociedade não pode permitir que reine a insegurança jurídica, pois a função de
punir só deve ser dirigida ao infrator. Caracterizada a ausência de ilícito,
apurado em uma das instâncias, por suposto que haverá a necessária e justa
radiação para as demais, pois o Estado não possui a faculdade de punir o agente
público que não é devasso ou que não praticou o ato ilícito previsto em lei.
Separados
os dois ramos do direito (penal e administrativo), eles se comunicam. Todavia,
um influencia o outro, não sendo os mesmos divorciados, pois quando se estuda
autoria e se adentra em fatos idênticos há o devido e necessário contato das
instâncias, com os reflexos legais que a segurança jurídica exige.
Exatamente
em nome da legalidade e da segurança jurídica é que resolvemos discorrer sobre
os efeitos da decisão penal quando ela nega a autoria do fato, mas sua parte
dispositiva (final) deixa registrado que a respectiva absolvição foi decorrente
da insuficiência de provas (Art. 386, VI do CPP).
Isto
porque, é mais do que sabido que se a sentença absolver o réu por não existir
prova suficiente para a condenação, em sua parte dispositiva, na forma do Art.
386, VI do CPP, a instância administrativa não está obrigada a acompanhar esta esteira,
em razão da falta de prova não negar a autoria e nem o fato.
Quanto a
isto não discrepa a jurisprudência dominante:
"Administrativo. Servidor Público.
Absolvição. criminal por falta de prova. continuação do procedimento
administrativo. Demissão. Legalidade.
1. A absolvição baseada no art. 386, VI
do CPP (por insuficiência probatória) independe da existência do fato ou da sua
autoria, não vinculando, destarte, a via administrativa.
2. Sugerida a penalidade pelo Conselho
Superior de Polícia, após regular procedimento administrativo, válido é o ato
de demissão.
3. Recurso não provido." (18)
"Administrativo. Servidor Público.
Demissão. AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. AUSÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO À REINTEGRAÇÃO.
1. A absolvição fundada no art. 386, VI,
do Código de Processo Penal (insuficiência de provas) não vincula a esfera
administrativa, sendo inviável a sua utilização com vistas à reintegração do
servidor.
2. Recurso improvido." (19)
"Administrativo. Processo
Administrativo. Demissão. Absolvição no juízo criminal por insuficiência.
I – A absolvição do funcionário por
insuficiência de provas no juízo criminal não vincula a sede administrativa. O
decisum, neste caso, não pode ser utilizado como argumento para a readmissão do
funcionário.
II – Impossibilidade do recorrente
argüir, em sede de recurso ordinário, questão de fato, já conhecida quando da
impetração, não suscitada e não discutida no processo. Devem as partes
apresentar todos os fundamentos do pedido na primeira oportunidade.
Recurso desprovido." (20)
Estes
arestos são uníssonos em fixar que a absolvição no Juízo criminal por
insuficiência de prova não vincula a instância administrativa.
Nenhum
dos julgados declinados enfrentou a hipótese que trazemos no presente ensaio,
que é justamente quando a instância criminal afasta a autoria na fundamentação
da sentença, concluindo, todavia, em sua parte dispositiva a insuficiência de
provas.
Nessas
circunstâncias haverá ou não reflexo e vinculação na instância administrativa?
Existindo
a negativa de autoria na fundamentação do título judicial penal, mas na parte
dispositiva o magistrado se socorre da falta de provas, entendo que deverá
ocorrer a devida radiação na instância administrativa, tendo a força motriz de
reverter a demissão ou outra punição, se os fatos averiguados forem os mesmos.
Isso
porque, segundo a norma inserta no Art. 458 do CPC, a sentença é composta de
relatório, fundamentação e dispositivo, e, tendo a fundamentação da r.
sentença criminal negado a autoria do fato, aplica-se à hipótese em tela o Art.
126, da Lei nº 8.112/90, devendo ser afastada a responsabilidade administrativa
do servidor absolvido na esfera penal.
Corroborando
a importância da motivação da sentença, o consagrado José Frederico Marques,
registrou:
"A motivação revela como o juiz
interpretou a lei e os fatos, pelo que deve vir exposta com clareza, lógica e
precisão, a fim de que as partes tenham perfeito conhecimento da solução dada
ao litígio e às controvérsias surgidas na discussão deste." (21)
Com o mesmo
brilho segue a autorizada visão do Prof. Sérgio Fadel:
"Os fundamentos, já na parte
decisória, constituem a parte da sentença em que o juiz, analisando os
arrazoados das partes e as provas com que instruíram nas alegações, estabelece
as premissas e as razões de sua decisão." (22)
Agrega-se
às doutrinas citadas, a rica pena de Cândido Rangel Dinamarco:
"Na dinâmica dos processos e dos
procedimentos, prova é um conjunto de atividades de verificação e demonstração,
mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para
o julgamento." (23)
Portanto,
quando o eminente julgador utiliza-se de fundamentos que negam a autoria do
fato delituoso, eles se integram ao decisum e radiam seus efeitos na
instância administrativa.
Pensar
contrariamente ao exposto é conduzir o título judicial somente a parte
dispositiva, desqualificando a fundamentação.
Tanto a
fundamentação como a parte dispositiva do julgado se incorporam na decisão
judicial, fazendo coisa julgada quando não é mais possível ingressar com
recurso contra a mesma.
Assim
sendo, necessitando a sentença da fundamentação para que haja a sua conclusão,
como abstraí-la de um todo?
Se for
feito um divisor de águas e se admitir que a fundamentação não faz parte do
título judicial, estar-se-ia defendendo a nulidade, pois a sentença terá que
ter três elementos básicos: relatório, fundamentação e decisão.
Ora, a
Lei de Introdução ao Código Civil, no seu art. 5º estipula que na aplicação da
lei, "o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências
do bem comum". Sendo certo que fazendo lei entre as partes conflitantes o
título judicial, deverá, data venia, o magistrado extrair toda a verdade
do que foi decidido, para que as radiações dos seus efeitos sejam amplos,
guardando a sintonia com as provas e a fundamentação que serviu como suporte
para a construção da convicção do órgão julgador.
Do voto
do eminente Min. Sálvio de Figueiredo em RSTJ 129/364, se extrai a seguinte
lição da interpretação humana do magistrado, que não deve ser um formalista da
lei:
"A vida, enfatizam os filósofos e
sociólogos, e com razão, é mais rica que nossas teorias. A jurisprudência, com
o aval da doutrina, tem refletido as mutações do comportamento humano no campo
de direito de família. Como diria o notável De Page, o juiz não pode quedar-se
surdo às exigências do real e da vida. O direito é uma coisa essencialmente
viva. Está ele destinado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam,
agem, mudam e se modificam. O fim da lei não deve ser a imobilização ou a
cristalização da vida, e sim manter contato íntimo com esta, segui-la em sua
evolução e adaptar-se a ela. Daí resulta que o direito é destinado a um fim
social, de que deve o juiz participar ao interpretar as leis, sem se aferrar ao
texto, às palavras, mas tendo em conta não só as necessidades sociais que elas
visam a disciplinar como, ainda, as exigências da justiça e da equidade, que
constituem o seu fim. Em outras palavras, a interpretação das leis não deve ser
formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil."
Independentemente
da parte dispositiva ou não da absolvição criminal, o que importa para o
direito administrativo é a negativa da existência do fato ou de sua autoria.
Verificada,
na fundamentação ou na parte dispositiva, nasce a regra do Art. 126 da Lei
8.112/90.
V
– DO DESPERTAR DE UMA NOVA JURISPRUDÊNCIA – RESPEITO A PARTE DA FUNDAMENTAÇÃO
DO JULGADO CRIMINAL
Desperta
a jurisprudência, de forma tímida ainda sobre a hipótese sub-oculis.
Este lento despertar se deve ao fato dos advogados ainda não exercitarem,na sua
plenitude, do direito aqui suscitado.
Em sede
doutrinária, em nosso recente "O limite da Improbidade Administrativa –
Direitos e Garantias dos Administrados", ed. América Jurídica – 2004, p.
395, consignamos:
"Mesmo que o Judiciário afaste a
negativa de autoria e fundamente a absolvição do servidor na falta de prova,
impõe-se considerar este fato na esfera administrativa, pois a conclusão do
acórdão não afasta a verdade, que seria a configuração do ato lícito e não ilícito."
Por sua
vez, segue importante aresto do TRF – 2ª Região, sob a relatoria do eminente
Des. Fed. Antônio Cruz Netto que determinou a reintegração do agente público
por ausência de prova na esfera criminal:
"Administrativo. Servidor Público.
Processo Administrativo Disciplinar. Demissão. Capitulação dos fatos como
crime. Absolvição na esfera penal por ausência de prova dos fatos, sentença
absolutória da qual não houve recurso. Repercussão na esfera cível.
possibilidade. inexistência de resíduo para punição. reexame dos fatos pelo
Judiciário. Questões relevantes que a comissão de processo disciplinar não
levou em consideração. Endosso de cheque. Inexistência. Pressuposto equivocado
que embasou a motivação do ato administrativo. Nulidade do Ato.
I – Estando caracterizado que a demissão
do Servidor Público deu-se por ato que configuraria ilícito, não só
Administrativo, mas também PENAL, e uma vez absolvido ele no Processo Penal por
inexistência de prova dos fatos, impõe-se considerar essa circunstância na esfera
cível, visto que a conclusão do juízo criminal corresponde, em verdade, a
autêntica negativa de autoria, pois o que não é provado é tido legalmente como
incorrido.
II – Segundo abalizada doutrina,
ontologicamente, os ilícitos penal, administrativo e civil são iguais, pois a
ilicitude jurídica é uma só. "Assim não há falar-se de um ilícito
administrativo ontologicamente distinto do ilícito penal" (Cf. Nelson
Hungria "Ilícito Administrativo e ilícito penal" RDA, seleção
histórica, 1945-1995, pg.15).
III – O judiciário pode reexaminar o ato
administrativo disciplinar sob o aspecto amplo da legalidade, ou seja para
"aferir-se a confirmação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com
os princípios gerais de Direito" (Seabra Fagundes, "O Controle dos Atos
Administrativos pelo Poder Judiciário", pg. 148 e segs) e, para isto, é
imperioso que examine o mérito da sindicância ou processo administrativo, que
encerra o fundamento legal do ato, podendo verificar se a sanção imposta é
legítima, adentrando-se no exame dos motivos da punição.
IV – Resultando das provas dos autos,
que são as mesmas produzidas no Processo Administrativo disciplinar e no
processo criminal, que o ato de demissão do servidor público carece de
motivação compatível com o que se apurou, ante a ausência de elementos
probatórios dos fatos imputados a ele, revela-se inválido o ato administrativo,
mesmo porque a Comissão de processo Disciplinar partiu de um pressuposto
equivocado, que seria endosso do cheque que não existiu
V – Apelação e remessa necessária
improvidas. (24)
Agrega-se
ao brilho do último acórdão transcrito, o seguinte julgado, que teve como
relator o ilustre e culto Des. Fed. Sérgio Feltrin Corrêa:
"Administrativo e Processual Civil.
Demissão de Servidor Público. Absolvição criminal. ausência de provas. Efeitos
sobre a esfera administrativa. Execução. correção monetária. juros de mora.
- Pacífico o entendimento de que somente
a absolvição criminal fundamentada na negativa da autoria ou da existência de
crime faz, automaticamente, coisa julgada nas esferas cível e administrativa.
- Entretanto, é possível que elementos
revelados ao longo do processo penal possam evidenciar a ilegalidade da
demissão do servidor, ainda que resulte, afinal, em mera absolvição por
ausência de provas, pois, ainda que inexistente o aludido efeito automático da
decisão criminal, não se pode desconsiderar, peremptoriamente, fatos que
poderão vir a influenciar no controle jurisdicional do ato administrativo.
- Logo, inequívoco que o prazo
prescricional para a pretensão revisional do ato demissionário deva ser
iniciado com o trânsito em julgado da decisão absolutória, qualquer que seja o
seu fundamento.
- A sistemática utilizada na EBCT no
controle dos valores recebidos exigia que as importâncias entregues ao tesoureiro
acusado fossem precedidas de recibo nos livros contábeis próprios desta
Empresa. Não verificado o recebimento das faturas, inexistindo o devido
registro, não há como concluir ser o servidor o autor da infração.
- Ademais, fatos como a dúvida quanto ao
próprio valor tido como desviado e a ausência de diligências administrativas no
sentido de descobrir se as faturas foram ou não quitadas vêm a infirmar a
condenação do servidor, ante À inexistência de qualquer motivo concreto, além
do simples exercício do cargo de tesoureiro, que viesse a aponta-lo como o
autor da infração. Cumpre, portanto, reconhecer a ilegalidade de sua demissão.
- Descabimento da retroatividade dos
efeitos da anulação do ato demissionário ao momento da suspensão preventiva do
agente público, tratando-se de mero procedimento administrativo cautelar.
- Execução das quantias vencidas na
forma do art. 730 do CPC, cumprindo, por outro lado, ser procedida a imediata
implantação e pagamento da pensão da Autora.
- Correção monetária incidente desde
quando devidas as parcelas face ao caráter alimentar das prestações.
- Tratando-se a reintegração de reconhecimento da
ilegalidade da demissão, os juros de mora são devidos desde a publicação no
órgão oficial do ato administrativo que a efetivou. Remessa Necessária e apelo
da União Federal improvidos. Parcial provimento ao recurso da parte
autora." (25)
Também é
digno de registro a decisão proferida na AP. Cível 1233522, Rel. Des. Fed.
Francisco Pizzolante, 3ª T., TRF – 2ª Região, DJ de 29/3/2001, litteris:
"Processual Civil – Administrativo
– Embargos de Declaração – Afastamento da Prescrição – Admitida a existência de
omissão e contradição – Reintegração – Inexistência dos motivos que ensejaram a
demissão.
- Afastada a prescrição pronunciada pelo
Juízo a quo estando a causa madura, poderia ter examinado as questões de mérito
não apreciadas e decididas por aquele Juízo.
- Funcionários demitidos a bem do
serviço público em função de crimes que supostamente teriam praticado. Os fatos
foram examinados tanto na esfera administrativa quanto na penal, não tendo sido
comprovada a pratica de qualquer crime, dando ensejo a absolvição por falta de
provas.
- Inexistência de resíduo administrativo
que justificasse a demissão, eis que as provas do Processo Administrativo são
praticamente as mesmas deduzidas no processo criminal.
- Atribuição dos efeitos infringentes
aos presentes embargos de declaração face ao acolhimento da omissão.
- Embargos providos. Sentença
reformada."
Se os
fatos discutidos nas instâncias são os mesmos, pouco importa a tipificação da
parte dispositiva da sentença criminal que absolveu o réu, tendo em vista que
restando incontroverso a negativa do fato ou da autoria, o reflexo é imediato
para o direito administrativo, ensejando, inclusive a anulação do ato que
demitiu o servidor público, como nos ensina o Min. Felix Fischer:
"Recurso Especial. Administrativo.
Violação Ao art. 535, CPC. Inexistência. Processo Administrativo. Absolvição
Criminal. Legitima defesa. Efeitos no âmbito administrativo.
I – Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC
se o e. Tribunal de origem, sem que haja recusa à apreciação da matéria, embora
rejeitando os embargos de declaração, considera defeito a ser sanado.
II – Os efeitos da absolvição criminal
por legítima defesa devem se estender ao âmbito administrativo e civil. Desse
modo, tendo sido o autor posteriormente absolvido na esfera criminal em razão
do reconhecimento de uma excludente de antijuricidade (legítima defesa real
própria), impõe-se, in casu, a anulação do ato que o demitiu do serviço público
pelos mesmos fatos.
Recurso conhecido em parte e, nesta
extensão, provido." (26)
Se a
decisão nega a materialidade dos fatos ou a autoria pouco importa se a sua
parte dispositiva contenha como razão o Art. 386, VI do CPP, pois o que torna
imperioso para o direito é que foi ofuscada a razão (falta) que ensejou a
demissão.
E não é
outra a conclusão dos seguintes julgados do STF, que dada a envergadura de seus
subscritores, e o tempo em que as causas foram julgadas, estão imortalizadas
nos anais do Excelso Sodalício:
"Réus absolvidos por falta de
prova. Inexistência de resíduo para que a punição subsistisse – Súmula nº 18.
Recurso conhecido e provido." (27)
"Funcionário Público – Demissão –
Jurisdição Administrativa e Jurisdição Penal – A jurisdição administrativa é
independente da criminal podendo subsistir a demissão oriunda de falta grave,
apurada em inquérito administrativo, desde que o juízo criminal tenha negado a
existência do fato determinante da demissão." (28)
Estes
julgados, novos e antigos, funcionam como um alento à segurança jurídica que
deve nortear a relação do Estado com os seus servidores, pois o jus
puniendi não é discricionário, está vinculado à critérios objetivos,
traçados pela lei e cristalizados pelos magistrados, que são, segundo
Aristóteles, a "Justiça encarnada".
V-
CONCLUSÃO
Assim,
concluímos que se a parte dispositiva do decisum criminal absolver o
acusado por falta de provas, mas a sua fundamentação, que antecede a citada
parte final (dispositiva), negar a autoria ou o fato, deverá prevalecer a
integração da carga declaratória do título, para radiar efeitos na instância
administrativa.
Nessa
situação, não há como afastar o que vem encartado no art. 126, da Lei 8.112/90,
pois o que importa não é o formalismo da sentença, e sim a sua carga
declaratória.
Ofende a
consciência jurídica punir um servidor que a justiça, após todo o desgaste da
esfera criminal, considera inocente.
O
inocentado, sobre os mesmos fatos, não poderá ser culpado na instância
administrativa, se os fatos e autorias que serviram para puni-lo foram
esquartejados na esfera criminal.
O direito
não admite mais que o aplicador da norma se engesse ao formalismo, devendo o
juiz ser um fiel escravo da verdade, coibindo injustiças e resgatando dignidades,
até então vilipendiadas.
NOTAS
1 Miguel Reale Júnior, Instituições
de Direito Penal, vol.1, ed. Forense, 2004, fls 21/22.
2 Mauro Roberto Gomes de Mattos,
"Do Reflexo da Decisão Penal no Âmbito do Direito Administrativo",
RDA 217:45.
3 STF, Rel. Min. Nelson Jobim, HC nº 81.324/SP, 2ª T., DJ 23/3/2002, p. 114.
4 STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
HC nº 81.611, Pleno, Informativo nº 333/STF
5 TRF–4ª Região, Rel. Des. Fed. Tânia
Escobar, ARAI nº 96.06.62061-4/RS, 2ª T., julgado em março/1997.
6 STF, Rel. Min. Nelson Jobim, RE nº
233.072-4/RJ, maioria, 2ª T.
7 STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves,
ROMS nº 10654/SP, 6ª T., DJ de 15/10/2001, p. 299.
8 STJ, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, RESP nº 102009/ES, 5ª T., DJ de 16/12/1996, p. 50 §20.
9 STJ, Rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro, ROMS nº 4561/SP, 6ª T., DJ de 23/9/1996, p. 35 152.
10 STJ, Rel. Min. Vicente Leal, ROMS
nº 8806/SP, 6ª T., DJ de 21/2/2000, p.188.
11 STJ, Rel. Min. Vicente Leal, RESP
nº 249411/SP, 6ª T., DJ 21/8/2000, p. 181.
12 Mauro Roberto Gomes de Mattos, "Direito
Administrativo e Direito Penal", "Compêndio de Direito
Administrativo – Servidor Público", ed. Forense, 1998, p. 424/425.
13 Francesco Carnelutti, "Direito
Processual Civil e Penal", vol. II, ed. Péritas, 2001.
14 Adilson Abreu Dallari, Limitações
à atuação do Ministério Público, ed. Malheiros, 2001, p. 38.
15 J. Guimarães Menegale, O Estatuto dos Funcionários, vol. II, ed. Forense, 1962, p. 637.
16 J. Guimarães Menegale, O Estatuto dos Funcionários, vol. II, ed. Forense, 1962, p. 638.
17 Muñoz Conde e Garcia Aran, Derecho
Penal, parte general, Valência, Tirant lo Blanc, 1996, p. 107.
18 STJ, Rel. Min. Edson Vidigal, ROMS
nº 8229/RS, 5ª T., DJ de 19/10/98, p. 116.
19 STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves,
ROMS nº 5241/SP, 6ª T., DJ de 29/5/2000, p. 182.
20 STJ, Rel. Min. Felix Fischer, ROMS
nº 11977/SP, 5ª T., DJ de 24/9/2001, p. 322.
21 José Frederico Marques, Manual
de Direito Processual Civil, V. III, 1ª ed., 1997, Ed. Bookseller, p. 49.
22 Sérgio Sahione Fadel, Código de
Processo Civil Comentado, tomo III, 3ª ed., Ed. José Konfino, 1975, ps.
22/23.
23 Cândido Rangel Dinamarco, "Instituições
de Direito Processual e Civil", V. III, Malheiros Editores, 2001,
p.43.
24 TRF – 2ª Região, Rel. Des. Fed.
Antônio Cruz Netto, AP. Cível nº 283714, 2ª T., DJ de 3/9/2003, p. 178.
25 TRF – 2ª Região, Rel. Des. Fed.
Sérgio Feltrin Corrêa, AP. Cível nº 158972, 2ª T., DJ de 17/1/2002.
26 STJ, Rel. Min. Felix Fischer, RESP 396756/RS, 5ª T., DJ de 28/10/2003, p.329
27 STF, Rel. Min. Hermes Lima, RE nº 53250/PB, 2ª T., DJ de 19/5/1965, p. 1122.
28 STF, Rel. Min. Rocha Lagoa, RE nº
18510, 2ª t., RDA 51:179.
Retirado:
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5608&p=2