A mídia e sua influência no Sistema
Penal |
|||
|
|||
|
|||
|
|||
Introdução A
idéia de que vivemos num mundo globalizado em todos os seus sentidos faz
parte do cotidiano do cidadão, mais precisamente do brasileiro, acostumado a todo
tipo de sobressalto, quer seja no campo econômico ou político, mormente na
seara da edição de uma lei. Nosso
país, com certeza, deve ser um dos recordistas, principalmente quando falamos
em direito penal, pois, em geral, o nosso povo acredita que mais leis e mais
dispositivos e talvez com garantias individuais subjugadas, teremos o condão
de num passe de mágica resolvermos aspectos básicos de sobrevivência de uma
civilização. Nesse
ponto podemos tratar do Direito Penal na atualidade, vivendo sobre as sombras
de uma ilustrativa emergência, boa para os políticos sob o aspecto de
promoção e reeleição, até que não sejam cota parte do seleto grupo das
vítimas da violência que assola o país, fomentada não só pela globalização
sob a ótica do crime organizado, mas também pela crise de desconfiança, em
torno do aspecto da legitimidade moral de nossos governantes. O
aumento da criminalidade não estaria - como de fato acreditamos que está,
diretamente relacionada com a crise econômica no seio da ausência de
empregos, redundando na falta de condições de ter uma boa educação escolar e,
por fim, uma assistência médica cujos centros de atendimento poderiam ser
comparados aos hospitais em campos de refugiados? A Emergência Ora,
se temos a idéia de emergência implantada, há que se ver os caminhos que ela
percorre, quais sejam, aqueles que chegam aos milhares de brasileiros através
da imprensa, ou seja, a mídia em geral. Com
efeito, a designação de um ato como crime pelo Estado é, ou pelo menos
deveria ser, mais do que uma questão de aplicação de um rótulo oficial, é um
processo social de longo alcance, daí dizer categoricamente que não deve ser
um produto de fatores emergenciais única e tão somente. Neste
diapasão, na consideração dos afazeres humanos, o desenvolvimento de uma
ciência não é tarefa fácil, se apenas somos, ao mesmo tempo, sujeito e
objeto. É mais confortante segurar o criminoso a distância, vê-lo como uma
criatura diferente de nós mesmos. Pela desumanização do comportamento
derivado nós tanto fazemos vingança mais fácil como nos convencemos novamente
de que todos os homens bons e razoáveis aderirão às normas da sociedade. A Mídia em si mesma Mas
o que tem a Mídia, sob o modelo de uma força crepuscular capaz de influenciar
na dicotomia apresentada, com nítida ressonância no sistema penal como um
todo? Ora,
nesse contexto é inegável o papel da mídia na adoção de medidas emergenciais,
otimizando o emprego promocional e simbólico do sistema eminentemente
repressivo, jamais reeducador ou ressocializador, com distribuição
igualitária de direitos e deveres. Com
efeito, a notícia sobre o crime fascina a humanidade desde os primórdios.
Trata-se de um fascínio sobre o que motiva o crime e principalmente sobre a
pessoa do criminoso, diferenciando-o do homem de bem. O
que se alardeia, ainda, que muito de nossa legislação penal é irracional,
portanto, obsoleta, tornando o público moralmente indignado e atenua suas
emoções em vinganças localizadas. Na
elaboração da notícia do crime e do que motivou o criminoso, não seria a
imprensa como um todo e a mídia mais precisamente, representantes de um poder
que na verdade não mostra suas garras, alegando sempre a "liberdade de
imprensa". Sobre
o tema assim se manifestou Di Franco, quando asseverou sua preocupação com o
crescente exercício de um jornalismo sem jornalistas, exarando que "há
uma grave crise de reportagem. Repórteres já não saem às ruas. Fontes
interessadas, sem dúvida conhecedoras das debilidades provocadas pela
síndrome da concorrência, têm encaminhado algumas denúncias consistentes.
Outras, no entanto, não se sustentam em pé. Duram o que dura uma chuva de
verão. Como chegam, vão embora. Curiosamente, quem as publica não se sente
obrigado a dar nenhuma satisfação ao leitor. Grandes são os riscos de
manipulação informativa que se ocultam sob o brilho de certos dossiês que têm
batido às portas das redações. Precisamos, por isso, desenvolver um redobrado
esforço de qualificação das matérias que chegam às nossas mãos. Tais cuidados
éticos, importantes e necessários, não podem ser indevidamente interpretados
como uma manifestação de apoio às renovadas tentativas de controle externo da
imprensa. Sou contra a censura. Minha defesa da ética passa, necessariamente,
por uma imprensa livre". É
inegável que a liberdade de imprensa deve prevalecer sobre a censura, mas
jamais ser confundida com "libertinagem de imprensa", impregnada
numa condenação imediata de quem quer que esteja relacionado como suspeito da
prática de uma conduta criminosa, num verdadeiro espetáculo. Dificilmente,
neste tom, poucos não acompanharam o desenrolar dos fatos relacionados aos
profissionais da área da educação infantil, sobre os quais recaíram denúncias
de que praticaram ou teriam praticado diversos crimes contra a liberdade
sexual, vitimando seus alunos e alunas, quando receberam o rótulo da mídia
intitulado "Os Monstros da Escola Base", tudo após uma precipitação
na fase persecutória em anunciar culpados, antes mesmo do devido processo
legal, maculando o direito a intimidade de qualquer cidadão. Sobre
o tema, já que os "Monstros da Escola Base", em tese, teriam
cometido delitos tipificados dentre os hediondos, asseverou com clareza sobre
a questão Marco Antônio Cardoso de Souza, sobre o papel consciente que deve
ter a imprensa, no sentido de que "nem todos os meios de comunicação
veicularam as denúncias sobre as supostas moléstias aos impúberes da
escola". Isto
revela que alguns setores da imprensa já adquiriram consciência de sua
influência na sociedade e as conseqüências do poder com o qual se reveste a
mídia. Sequenciando,
exarou que "incontestável, porém, o equívoco cometido pelos mesmos, fato
este que deve servir como alerta, no sentido de se proceder com maior
cautela, no momento de se selecionar, não só as notícias a serem divulgadas,
como também a abordagem a ser conferida uma questão controversa. As
prerrogativas constitucionais e legais, consagradas aos particulares, são de
observância imperativa". Pelo
comportamento da mídia, diante de uma situação não comprovada, promoveu a
conseqüente execração pública das pessoas envolvidas, onde "a sociedade,
com base nas informações difundidas nos meios de comunicação, julgou os
acusados antes da devida apreciação do caso pelo judiciário. As seqüelas
emocionais dos envolvidos, com certeza, são insanáveis. Constata-se serem, os
mesmos, as verdadeiras vítimas de toda esta celeuma amplamente propagada nos
veículos da mídia nacional. A Lei Máxima assegura que são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o
direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação". Liberdade de Informação e Preservação dos Direitos e Garantias
Individuais Podemos
negar que a condenação imposta pela notícia muitas das vezes suplanta uma
eventual condenação nos ditames constitucionais, com a garantia da ampla
defesa? Tão
evidente a liberdade de imprensa protegida em face ao artigo 5º da
Constituição Federal, mais ainda, no contexto do mesmo artigo, o princípio da
proteção da honra e da intimidade da pessoa. Inverossímil
notarmos que as violações tem início no contexto no processo de investigação,
cujo homem, autor do fato dissonante, deverá ter assegurada a preservação de
sua liberdade, integridade física e moral, pelo Estado, na visão de Humberto
Maia, sendo "responsável por cada Ser social, devendo, mesmo que este
Ser, seja a escória da humanidade, respeitá-lo e zelá-lo, sem, no entanto,
desobrigá-lo da pena que, por ventura, mereça. Implicando isso, em dizer que
"a ordem jurídica em geral, e muito especialmente o Direito Penal, não
pode nunca esquecer, desde sua elaboração normativa até a sua aplicação e
execução, que o homem não pode ser considerado e tratado como coisa - res -
mas permanentemente, visto na sua condição de pessoa, que, ainda, na escala
mais baixa de degradação, o homem conserva, por lhe ser inerente". Exarou
que o "Homem, objeto da investigação inquisitorial protegido pelo
Estado, está dentro de um campo de força, uma barreira invisível a ser
respeitada por todos que se acercam da inquisição, seja o Estado em sua
persecutio criminis, sejam os operadores da mídia ou sejam os curiosos ou
mesmo os revoltosos. Seria
a informação antes de mais nada uma forma de mercancia? No
bojo do estudo, apurou-se que no VI Seminário Internacional do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, realizado no mês de outubro do ano de 2000,
na cidade de São Paulo, durante um painel, determinada jornalista,
"ponderou que o papel da televisão não é informar mas, como toda
empresa, vender os seus espaços de propaganda". Há
de se ponderar que a mídia faz caminhar a imagem do mundo como um todo, com a
capacidade de alterar conteúdos e a própria realidade de um determinado fato. Daí
concluir que "a paranóia, o medo e a sensação de insegurança interessam
somente àqueles que exploram o crime, seja de que maneira for, interessam
apenas àqueles que não estão fielmente compromissados em resolver os
verdadeiros motivos da crise denominada criminalidade crescente, aos que usam
a desculpa da violência para serem violentos". Se
fossemos buscar dados estatísticos, quantos políticos encontraríamos como
proprietários de jornais, canais de televisão ou rádios oficiais, sem contar
as ditas comunitárias? Ora,
diante de tantas indagações, imperativo reconhecer que a mídia representa e
muita vezes incorpora o poder. Deveria
haver uma dicotomia limiar entre os direitos da imprensa livre em consonância
com os direitos e garantias individuais igualmente previstos na Constituição
Federal, fazendo valer o ditado que "o direito de um termina quando
começa o do outro". A
própria Constituição Federal em seu artigo 220, § 1o., estabelece que nenhuma
lei conterá dispositiva que possa concretizar embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado
o disposto no artigo 5o., incisos IV, V, X, XIII e XIV, dentre os quais está
prevista a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da
imagem das pessoas. Com
propriedade manifestou René Ariel Dotti, exarando que "a lei fundamental
estabelece um sistema de freios e contrapesos para tratar do assunto à
liberdade de informação e o seu controle através da preservação dos direitos
da personalidade e da família". O Direito Penal Inoperante Com
certeza, o problema está longe de ter seu fim adequado, pois, a imprensa como
um todo, condena antecipadamente qualquer cidadão envolvido na prática de um
delito, hediondo ou não, suprimindo as garantias individuais, bem como, ainda
que inequivocamente, culmina por ser o canal fomentador do aumento da
criminalidade, de que nossas leis são inoperantes, bem como as autoridades
constituídas que desempenham seu árduo papel, aumentando a sensação de
pânico, empurrando o legislador para o glorioso dia da "malhação do
judas", de forma inopinada e a todo custo edita lei que acredita ser
mágica, mas sem reservas o dia fatídico chegará e será definitivamente
malhado, primeiro pela própria imprensa, a primeira a praticar a traição mais
que prevista, em segundo pela população que não vê surgir o efeito
tranquilizador prometido e, em terceiro, pelos operadores do direito, os
quais, têm sob seus olhos uma imensidão de falhas e veias de
inconstitucionalidade. Exemplo
de toda a influência e da idéia de emergência ora alvejadas, temos a Lei dos
Crimes Hediondos, tomando por base penas excessivamente agravadas, sem
qualquer direito ao benefício da progressão de regime, acreditando que a onda
da criminalidade crescente seria contida, mas esqueceu-se que os instrumentos
foram ficando defasados, dentre eles os aparatos de Polícia Judiciária, bem
como, a ineficiência dos Sistema Penitenciário, cuja superlotação foi
abrupta, criando outras formas de organizações criminosas gerenciadas do
interior dos mais diversos presídios do país. Há
que indagar se a dita lei alcançou o sucesso propalado, no tom em que
poderíamos perguntar se diminuíram os crimes de extorsão mediante sequestros,
roubos, estupros, homicídios, se o sistema penitenciário não sofre uma das
suas maiores crises com a superlotação carcerária. Sem
poupar recursos lingüísticos, asseverou Dea Ria Matozinhos que "a lei
dos crimes hediondos é claro e lamentável exemplo da tendência moderna a uma
política criminal "de mercado", regida por aquilo que é
"notícia" e que, naturalmente renda dividendos eleitorais". Conclusão Averiguamos
ver ressaltada a pressão da mídia, resultando que sem exame sério, pode
agravar o problema ora enfocado como um todo, no passo que "a opinião
pública é facilmente manipulada pelos meios de comunicação; os meios de
comunicação propagam uma espécie de terrorismo penal; há um incentivo à
industria da segurança particular; diminui o interesse pela manutenção do status
quo". Nossa
inércia, tempo após tempo, nos faz acreditar que estamos num mundo assombrado
pelos demônios, esquecendo-nos que nós mesmos alimentamos estes seres,
debilitando a sociedade como um todo. Bibliografia CHOUKR,
Fauze Hassan. Bases para compreensão e crítica do direito emergencial -
Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva. São Paulo: Método,
2001, p. 135-153. DOTTI,
René Ariel. Curso de Direito penal parte geral. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2001, p. 23. DI
FRANCO, Carlos Alberto. A síndrome da censura. www.masteremjornalismo.com.br,
23/07/2001. MAIA,
Humberto Ibiapina Maia. A mídia versus o direito de imagem na investigação
policial. www.pgj.ce.gov.br, 02/01/2002. MATOZINHOS,
Dea Rita. A lei de crimes hediondos e a execução penal in estudos e
pareceres. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1995, p. 11-25. SHECAIRA,
Sérgio Salomão. Mídia e crime - estudos criminais em homenagem a Evandro
Lins e Silva. São Paulo: Método, 2001, p. 353 - 367. SOUZA,
Marcos Antônio Cardoso de, Os monstros da escola base - responsabilidade
da imprensa. www.direitocriminal.com.br, 28.05.2001. SYKES,
Ghresman. Crimes e sociedade. Trad. Walter Pinto. Rio de Janeiro:
Unibloch, 1969, p.69. |
|||
|