Anencefalia e aborto
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Resumo:
Anecefalia; Aborto; Vida Intra-Uterina; Vida Extra-uterina; Lei 9.434/97;
Morte Encefálica; Anteprojeto para o novo Código Penal; CNTPS e STJ;
Conclusão, Bibliografia. Antes
de discutir a legalidade do aborto em casos de anencefalia, faz-se necessário
expor o significado de tal anomalia, e do próprio termo aborto. A
anencefalia trata-se de uma anomalia diagnosticável, porém, não possui
nenhuma explicação plausível para justificar sua origem, sabendo-se, apenas,
que o feto não apresenta abóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não
existem, ou se apresentam como pequenas formações aderidas à base do crânio.
E expõe o óbvio, a médica geneticista Dafne Horovits, em entrevista dada à
revista Época na edição de 15 de março de 2004, quando afirma que: "A
anencefalia é fatal em 100% dos casos". O
aborto consiste na destruição da vida antes do início do parto, ou então, é o
período que compreende desde de a concepção até o início do parto, que
é o fim da vida intra-uterina. Assim, pode-se dizer que, o aborto ocorre
quando por algum motivo a vida intra-uterina é interrompida, e que a causa
desta interrupção não seja o nascimento da criança. Aborda-se
agora, questão polêmica que é, a impossibilidade de aborto em casos de feto
anencefálico na legislação brasileira. A lei é bem clara quando exclui a
possibilidade de aborto eugenésico, ou seja, feto com deformidade ou
enfermidade incurável. É fato que tal discussão gera controvérsia em diversos
aspectos tanto éticos, como religiosos, jurídicos, etc. Porém, não cabe neste
momento analisar outros aspectos senão o jurídico. E com clareza coloca o
jurista Cezar Roberto Bitencourt, quando afirma que, "modernamente, não
se distingue mais entre vida biológica e vida autônoma ou extra-uterina.
É indiferente a capacidade de vida autônoma, sendo suficiente a presença de
vida biológica". (1) Sendo assim, se tal afirmação for
considerada verdadeira, como conseqüência, o abortamento de feto anencefálico
enquadra-se como crime contra vida. Ora, o feto possui batimentos cardíacos,
circulação sanguínea, e isto, já caracterizaria vida biológica. Porém,
cabe lembrar que o produto desta gestação só possui "vida" devido
ao metabolismo da mãe, que a criança, ao nascer, conseguiria
"sobreviver" apenas alguns instantes e viria a óbito logo em
seguida. Assim, a ausência de cérebro não daria a este ser nenhuma
expectativa de vida. E, mesmo com a afirmação acima de que, a capacidade de
vida autônoma torna-se irrelevante à questão do aborto, torna-se
indispensável expor aqui a desnecessidade de uma mãe carregar em seu ventre
um filho que não tenha possibilidade de ter uma vida extra-uterina, e que
ela, além da dor física que terá durante nove meses de gravidez, que neste
caso tornar-se-ia a menor das dores, sofrerá de forma que só uma mãe possa
sofrer ao imaginar seu filho "nascendo" e "morrendo", em
seguida. Interessante
é analisar a legislação brasileira, que, senão redundante, muitas vezes
torna-se "curiosa". Nota-se na Lei 9.434 de 04 de fevereiro de
1997, que é a lei de Transplante de Órgãos, em seu art. 3º, que prevê a
retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano
destinadas a transplante, somente se e quando for diagnosticada a morte
encefálica do paciente, constatada e registrada por dois médicos não
participantes das equipes de remoção de transplantes. Ora, neste caso a lei é
bem clara, que quando constatada a morte encefálica é permitido a remoção de
órgãos, e conseqüentemente, devido a isto, se obteria a morte biológica do
paciente. Então,
o que leva o legislador a aceitar a morte encefálica do paciente como
prioridade para o transplante, e a não consenti-la no caso do feto
anencefálico? Note,
que propositadamente há redundância na pergunta, visto que, não é possível
que um organismo venha sofrer disfunção em um órgão que não possua. Outro
motivo que leva a crer que a proibição do aborto eugênico é ultrapassada. Cabe-se
ressaltar que, o Código Penal de 40 foi publicado com costumes de décadas
anteriores, e conseqüentemente não podemos esperar que tais hábitos
permaneçam pétreos. Na atual conjuntura, não só na cultura como também na
ciência, houve uma grande evolução, permitindo dessa forma, a indiscutível
necessidade de um Anteprojeto de Reforma do Código Penal, quando que em 1992
foi criada uma Comissão para Reformulação do Código Penal, sendo que a parte
específica dos crimes contra a vida foi orientada por uma subcomissão,
presidida pelo desembargador Dr. Alberto Franco. E ressalta-se que, dentre
outras reformas, autorizaria o aborto nos casos em que o nascituro
apresentasse graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais. E a redação
proposta pela Comissão é a seguinte: "Não constitui crime
o aborto praticado por médico: Se se comprova, através de diagnóstico
pré-natal, que o nascituro venha a nascer com graves e irreversíveis
malformações físicas ou psíquicas, desde que a interrupção da gravidez ocorra
até a vigésimo semana e seja precedida de parecer de dois médicos diversos
daquele que, ou sob cuja direção, o aborto é realizado". Porém,
é fato que uma reforma legislativa não acontece de forma célere, e
obviamente, o ser humano muitas vezes se abstém de tempo para aguardar tal
reforma, cabendo ao Judiciário sanar tais necessidades, que, mesmo contra
legem está transformando os moldes desta realidade. Como
dito acima, os fatos sociais, via de regra, precedem as leis. Assim, faz-se
necessário citar a decisão do ilustre desembargador Dr. Miguel Kfouri Neto,
então juiz na cidade e Comarca de Londrina, que em 19 de dezembro de 1992,
pela primeira vez na história do Direito Penal brasileiro, autorizou um
aborto legal em feto portador de anencefalia numa gestação de 20 semanas. Ressalte-se
ainda, que no dia 18 de junho de 2004, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores (CNTS), emitiu nota ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que
fixe entendimento de que a gestação de feto anencefálico é desnecessária,
visto que, tal prática, além de não trazer em hipótese alguma possibilidade
de vida ao feto, gera danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em
razão do alto índice de óbito intra-uterino desses fetos. A CNTS afirma que,
mesmo com a regularidade de sentenças que o Judiciário vinha firmando em todo
o país, reconhecendo o direito da antecipação terapêutica do parto, as
decisões em sentido inverso desequilibram essas jurisprudências. Por isso,
faz-se necessário o reconhecimento do Supremo em relação a inutilidade de
levar-se adiante uma gravidez que não apresente possibilidade de vida
extra-uterina. Busca-se
como objetivo deste breve discurso, mesmo que de forma prematura, tentar
esclarecer alguns pontos, como por exemplo, a posição do nosso atual Código
Penal diante do aborto, e de que forma prossegue sua reformulação, bem como
mostrar que muitas vezes a lei nos parece obscura, confusa, tornando-se
necessário a função de analisá-la com cautela. Que a solução dos problemas
sociais nem sempre estará nas normas de direito, pois o fato gera a norma, e
quem cria a norma é a sociedade, que por fim, é a causadora do fato. E o mais
importante, que é tentar fazer com que o leitor crie questionamentos sobre
tal tema, que como já mencionado acima, não sempre, mas por muito tempo irá
gerar polêmica. BIBLIOGRAFIA ALVARENGA,
Dílio Procópio Drummond de. Anencefalia e aborto. Jus Navigandi,
Teresina, a. 8, n. 324, 27 mai. 2004. Disponível em: BITENCOURT,
Cezar Roberto. Aborto. In:______. Manual de Direito Penal – Parte
Especial (Volume 2). São Paulo: Saraiva, 2001. cap. V, p. 138-143. BITENCOURT,
Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
123. ESPANHA.
Ministerio de Salud de la Nación. Anencefalia y Donación de Órganos -
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Thomaz Rafael. Aborto por Anomalia Fetal. UNITERMOS. São Paulo, 1999.
Disponível em: JESUS,
Damásio E. de. Aborto. In:______. Direito Penal – Parte Especial (2º
Volume). São Paulo: Saraiva, 1990. cap. I, p. 101-110. MARCÃO,
Renato Flávio. O aborto no anteprojeto de Código Penal. Jus Navigandi,
Teresina, a. 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: STF,
Supremo Tribunal Federal. CNTS pede ao STF que antecipação do parto de
feto sem cérebro não seja caracterizada como aborto. Brasília, jun. 2004.
Disponível em: NOTAS 1
BITENCOURT, Cezar Roberto, Código Penal Comentado, editora Saraiva:
São Paulo, 2002, p. 123. |