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TERMOS CIRCUNSTANCIADOS ELABORADOS POR POLICIAIS MILITARES
- FLAGRANTE INCONSTITUCIONALIDADE E USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DA
AUTORIDADE POLICIAL
Davi André Costa Silva
A Constituição
Federal, no artigo 144, revela o dever do Estado quanto à segurança pública,
arrolando os órgãos por tanto responsáveis e suas respectivas atribuições. No
parágrafo 4º é discriminada a atribuição da polícia civil, que, à luz do texto
constitucional, é dirigida por delegados de polícia de carreira, à qual
incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e
a apuração de infrações penais, exceto as militares. No parágrafo 5º do mesmo
artigo, consta as atribuições das polícias militares, quais sejam, a polícia
ostensiva e a preservação da ordem pública.
2. No artigo
98 da Carta Política foi inserida a previsão de criação dos Juizados Especiais
Cíveis e Criminais competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de
causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, o que foi regulamentado pela lei 9.099/95 que, em seu artigo 61,
definiu o significado da expressão infração de menor potencial ofensivo, o que
foi alterado pelo parágrafo único do artigo 2º da lei 10.259/01, o que não será
examinado por não se tratar do objetivo destas singelas linhas. No artigo 69 da
lei 9.099/95 é definida a fase policial, onde consta que a autoridade policial
que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o
encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se
as requisições dos exames periciais necessários. Para que se sustente o que
aqui se pretende, mister sejam conceituados os termos utilizados pela lei,
constante do artigo 69.
3. O termo
circunstanciado é o procedimento a ser formalizado pela autoridade policial
diante da ocorrência da infração penal de menor potencial ofensivo que lhe
chegar ao conhecimento. Trata-se, em verdade, da reafirmação de uma das
características do inquérito policial, qual seja, a dispensabilidade. O
conteúdo do TC pode variar de acordo com a orientação do Poder Judiciário ou da
Polícia Civil da localidade onde se der o fato, ou até mesmo, das
peculiaridades do caso concreto. Entretanto, há que se observar um conteúdo
mínimo, pois deverá haver sempre a identificação completa das partes
envolvidas, relatório sucinto da ocorrência, requisição de perícias e apreensão
de objetos, se for o caso, manifestação da vítima, compromisso e boletim de
antecedentes do autor do fato.
4. A acepção
de quem vem a ser autoridade policial é dada pelo parágrafo único do artigo 133
da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, segundo o qual, são os
Delegados de Polícia de carreira, cargos privativos de bacharéis em Direito.
5. O Código de
Processo Penal, dentre outras, emprega no artigo 6º, inciso VII, o verbo
determinar, no imperativo, ou seja, que se traduz em ordem para que se proceda
a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias. É de se recordar que
ordens são emanadas de quem tem qualidade para emaná-las e essa qualidade não é
dada senão pela lei, o que já foi referido acima.
6. Entretanto,
mesmo que lei federal tenha dado atribuição para elaboração de termos
circunstanciados às autoridades policiais, tal foi ampliado pela portaria 172,
de 16.11.2000 da Secretaria da Justiça e da Segurança/RS a qualquer policial
civil ou militar, regulamentado pela Instrução Normativa Conjunta n.01/2001, de
28.11.2000, dos Srs. Chefe de Polícia e Comandante da Brigada Militar.
7. Essa
permissividade foi interpretada de forma extensiva, pois seus destinatários,
notadamente a Polícia Militar, passou ao registro e atos eminentemente de
polícia judiciária, já que passaram a registrar todas as ocorrências que lhe
são dadas a saber, usurpando as atribuições privativas da autoridade policial
constantes do já citado artigo 6º do Código de Processo Penal.
8. Essa
situação tem causado à Polícia Civil perda sensível de parcela de suas
atribuições exclusivas e, à Polícia Militar, a subtração de suas atribuições
constitucionais, quais sejam a de prevenir aquele crime que, agora, está
tentando reprimir com atos de polícia judiciária, ocasionando uma perda ainda
maior por parte da sociedade, pois é servida por polícias que atuam em
descompasso com a legislação que lhe dá base.
9. Sob o ponto
de vista funcional, ou seja, na busca de uma resposta mais célere à sociedade,
não há questionamento quanto à conveniência/oportunidade de elaboração dos
termos circunstanciados pelas polícias militares que, por realizarem
policiamento ostensivo, estão, na maioria das vezes, próximos à ocorrência
policial, situação em que podem dar um pronto-atendimento às partes. Tal
poderia ocorrer sem embargos se no texto legal não houvesse restrição quanto ao
servidor público que deve elaborar o termo circunstanciado – o delegado de
polícia. A oportunidade de ampliar essa responsabilidade foi perdida em
diversos níveis, pois a lei 9.099/95, em seu histórico, teve passagem pelo
crivo de importantes juristas e renomados operadores do direito nacional, a
quem não é dado desconhecer o verdadeiro significado da expressão autoridade
policial.
10. Essa
situação gerou um precedente na invasão de atribuições exclusivas da polícia
judiciária pela polícia ostensiva, pois autorizados a registrar termos
circunstanciados passaram a efetivar o registro de todos os outros crimes que
estariam, por força de lei, excluídos do tratamento dos JECs e,
conseqüentemente, demandariam uma investigação mais acurada, o que só pode ser
realizado pela Polícia Civil.
11. No Estado
do Rio Grande do Sul, a exemplo de tantos outros da Federação, o grau de
escolaridade exigido para o cargo de soldado da polícia militar é o secundário.
Quem efetivamente realiza o policiamento ostensivo é o soldado PM. Pergunta-se:
teria esse o discernimento necessário para dar o desdobramento correto à
ocorrência que se lhe é apresentada? Teria o soldado PM qualidade para ordenar
a realização de exames periciais? Saberia se se trata de situação de
flagrância? Poder-se-ia responsabilizar o militar que deixou de cometer algum
ato de polícia judiciária por desconhecimento jurídico? Mesmo que o militar
ostentasse divisas e estrelas que o diferenciasse do grosso da tropa, teria
condição legal de se subsumir nas atribuições exclusivas da autoridade
policial? As respostas parecem evidentes.
12. O que não
dá para admitir é a aceitação das autoridades públicas a tão latente
inconstitucionalidade. Aceitaria o Poder Judiciário ter suas funções
constitucionais usurpadas por qualquer outro Poder? O Ministério Público, por
seu turno, também admitiria tal situação se deliberadamente adentrassem no
campo de suas atribuições? Tendo certeza que a resposta é negativa trazemos a
colação o voto condutor extraído dos autos da apelação em ação civil pública nº
599249018, julgada em 26.06.2000 pela 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
“Do mérito.
Não assiste razão ao apelante. A questão merece enfrentamento pela ótica
constitucional. Diz a constituição Federal: "Art. 144 ...." Então,
cristalino que a atribuição de preencher os Termos Circunstanciados pertence à
Polícia Civil e não à militar. Ainda que a Lei nº 9.099/95 tivesse
expressamente determinado o contrário, sua inconstitucionalidade se
apresentaria flagrante. Reporto-me ao voto do Eminente Desembargador Tupinambá
Miguel Castro do Nascimento, no julgamento do agravo de instrumento interposto
pelo Estado do Rio Grande do Sul contra a liminar de suspensão dos efeitos da
Portaria atacada: "A portaria nº 39/97, do Sr. Secretário de Estado da
Justiça e Segurança, determinou a competência da Policia Civil para lavrar o Termo
Circunstanciado de que trata a Lei nº 9.099/95. Dizendo caber á Brigada Militar
preencher a ficha de ocorrência e, de imediato, apresentá-lo à Polícia Civil
para feitura do Termo Circunstanciado. A liminar, ao contrário, entregou a
atribuição de preencher os Termos Circunstanciados à Brigada Militar. Em nível
constitucional, tem razão o Estado agravante. O lavrar Termo Circunstanciado é
atribuição da polícia judiciária. O parágrafo 4º, do artigo 144, da CF não
deixa margem à dúvida quanto a ter a Polícia Civil a incumbência de exercer
"funções de polícia judiciária". Ao contrário, "às polícias
militares cabem a polícia ostensiva e preservação da ordem pública" (§ 5º,
do art. 144, da CF), onde pode se inserir o preenchimento de fichas de ocorrência
mas não de Termo Circunstanciado, que é atribuição da polícia judiciária."
Mais não é preciso dizer para confirmar a decisão recorrida. Assim, nego
provimento ao Apelo. (Decisão Unânime)”
Conclusão:
embora em uma primeira análise pareça que a elaboração do termo circunstanciado
e posterior remessa ao Poder Judiciário realizados pelas polícias militares
represente uma resposta mais efetiva à sociedade, o que não passa de uma falsa
sensação, pois enquanto o PM está realizando atos de polícia judiciária e de
repressão ao crime, está descuidando de suas atribuições constitucionais, qual
seja o de polícia ostensiva que, se fosse bem realizada, teria evitado aquele
delito que agora está tentando coibir. Trata-se de mais evidente usurpação das
atribuições de uma polícia por outra, que embora não concorrentes, assim se
comportam, atuando tanto a que deveria ser preventiva quanto a que é repressiva
no mesmo sentido – ou seja, o da repressão ao crime o que, até aos menos
atentos, permite concluir que esse descompasso causa um desequilíbrio
irreparável o que é lastimável em tempos em que se apregoa a existência de um
Estado de Direito – o que é mitigado por essas exceções inexplicáveis – tudo em
nome de um falso atendimento mais eficiente aos pagadores de impostos que
clamam pela observância de um brocardo popular que serve ao caso, segundo o
qual “cada macaco no seu galho”.
Retirado de: http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=2155&