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Aspectos de relevância penal do biodireito
José Carrazzoni
I.
CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS
Quando Galileu
quis mostrar aos seguidores de Aristóteles o que a lua possuía, e que bastava
simplesmente olhar pelo seu telescópio, estes disseram-lhe que não teria
sentido olhar o outro lado do telescópio, pois o filósofo acreditava que não
haveria nada lá. Esta intolerância conduziu o trabalho da ciência, para que
fosse rechaçado, e sobretudo à uma ausência de transparência, dando causa a
situações em que não se possui conhecimento sobre os trabalhos dos cientistas.
O “controle público”, ou seja, a discussão aberta dos enfrentamentos da
ciência, permitiria a todos nós vermos que “há algo do outro lado do telescópio”
e, principalmente, determinar se nos beneficia ou não. [1]
Entretanto,
hodiernamente surge uma nova postura da ciência, com o advento de conhecimentos
que possibilitam dominar e conhecer a natureza humana. Tais conhecimentos,
foram desvendados pela empresa PE Celera Genomics, que conseguiu fazer uma
leitura completa das 3 milhões de “letras químicas”, que carregam as instruções
para se “fabricar” uma pessoa, isto é o que se chama de genoma humano. [2]
Contudo, falta
muito pouco à que se tenha um ampla descoberta, eis que, conhecemos as letras
do alfabeto, porém, não conhecemos sua ordem. A ordenação genética é de
vultuosa importância, pois permite delimitar a diferença entre um homem e um
ser vivo qualquer (não humano).
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"O tema
da bioética, e mais propriamente, a manipulação genética, provoca um certo grau
de entusiasmo nas pessoas, que devem se atentar sobre que tipo de uso dessas
informações devemos proceder, se contra o homem ou a favor deste"
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A proximidade
com tal descobrimento é tamanha, que no ano de 2000, cientistas mapearam a
bactéria do cólera, o que significa a possibilidade de erradicação ad eternum
desta enfermidade, atuando geneticamente para fortalecer o organismo humano.
[3] Essa é uma das possibilidades de uso do genoma humano em favor da
sociedade.
Paralelamente
ao uso benéfico, destaca-se que, o governo britânico autorizou as empresas
seguradoras, a solicitarem de seus clientes informações de cunho genético,
antes de se assinarem apólices de seguros, permitindo assim, que a empresa faça
uma previsão da longevidade do segurado, excluindo, logicamente, causa mortis
acidentais. [4]
O tema da
bioética, e mais propriamente, a manipulação genética, provoca um certo grau de
entusiasmo nas pessoas, que devem se atentar sobre que tipo de uso dessas
informações devemos proceder, se contra o homem ou a favor deste.
As
manipulações genéticas, dizem respeito à modificação celular (vegetal ou
animal) construindo, neste sentido, expectativas (entre outras) de ordem
agroalimentares e médicas-farmacológicas.
No que tange
ao homem, a manipulação de células, causaria impacto sobre a descendência,
assim, agindo com fins (tão somente) terapêuticos, impedindo a transmissão de
enfermidades hereditárias aos descendentes; outros seriam os fins
não-terapêuticos, menos nobres que os primeiros, que na visão de Mantovani,
seriam a clonagem e a hibridação homem-animal (criação de novos seres vivos que
não humanos). [5]
Portanto o que
tem de ficar delimitado, é a atenção que o Direito Penal deve empregar à:
fecundação assistida, manipulação genética e a intervenção embrionária. O
debate sobre o alcance de cada um destes propósitos, geradores que são de
esperança (por remédios mais eficientes, alimentos mais baratos e em número
suficiente, e a cura de doenças de todo gênero, etc.), permitiria que se saísse
de um plano obscuro e indeterminado, ensejando interpretações desconhecidas
(sobre catástrofes ambientais, epidemias incontroláveis, etc.) e se abrisse a
discussão para que a sociedade mundial visse por seus “próprios olhos” que
benefícios lhe trará esta nova fronteira da ciência.
II. BEM
JURÍDICO PROTEGIDO
As condutas
que se pretende atacar, relacionadas com Organismos Geneticamente Modificados
(OGM), são aquelas que afrontem perigo à vida humana, ou à vida humana em
geral, assim compreendidas qualquer tipo de experimentações que possam de
sobremaneira efetuar uma seleção da raça humana.
Interessante
se faz demonstrar, a existência de bens jurídicos que têm hoje, outras
expressões, e que impõem novos riscos à sociedade, de um modo geral, e que
necessitam de um posicionamento penal, a fim de que, se evite experiências
aventureiras que poderiam surtir efeitos de vulto irretratável. [6]
A tipificação
da manipulação genética deve ser construída, através do atendimento a proteção
de todos aqueles interesses jurídicos, que a partir de uma perspectiva
constitucional, supõem o agrupamento de propriedades e características
inerentes a pessoa humana.
O bem jurídico
é o coração do delito, pois oferece um critério material decisivo à
interpretação e construção da teoria jurídica do delito, e dos tipos em
particular. Do bem tutelado, deriva o princípio da ofensividade, que vem
condicionado pelo princípio da legalidade (nullum crimem nulla poena sine
praevia lege), segundo o qual todo delito comporta um dano a um bem jurídico
determinado. [7]
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"Experimentações
com OGM podem dar lugar a conseqüências não somente indesejáveis, como também
catastróficas para a vida humana em seu conjunto"
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Assim, a
integridade dos homens e sua identidade genética se inserem nos bens jurídicos
que se pretende tutelar, pelo respeito ao ser humano qualquer que seja sua
identidade e diversidade genética, sendo vedado a discriminação por motivos
baseados em informações genéticas.
O Código Penal
espanhol de 1995, no seu artigo 159, tipificou a manipulação de genes humanos
de maneira que se altere o genótipo, expressando assim, a vontade do legislador
de evitar modificações na essência do ser humano, de maneira que alterem a
espécie humana. É dizer, que o que se visa preservar é a inalterabilidade de
determinadas características da espécie humana ao tempo de sua pluralidade e
variedade genética. [8]
No Brasil, a
Lei 8.974 de 5 de janeiro de 1995, trouxe alterações aos incisos II e V do § 1º
do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo normas para o uso das
técnicas de engenharia genética e organismos geneticamente modificados.
Entretanto, a disposição brasileira sobre o tema, se faz inócua e lacunar, no
que tange a segurança jurídica constitucional que o tema inspira.
Há que se
levar em conta que, experimentações com OGM podem dar lugar a conseqüências não
somente indesejáveis, como também catastróficas para a vida humana em seu
conjunto. Contudo, o que se pretende, é que o Direito Penal pelo seu poder de
atuação, delimite quais sejam as condutas que levariam à má utilização de
organismos geneticamente modificados, protegendo bens inerentes aos interesses da
raça humana (lato sensu).
Seria muito
bom, que a humanidade tivesse em mãos, o poder de cura de todas as doenças
imagináveis, alimentos em abundância e etc., porém deve se leva em conta “a que
custo isto seria possível?”
BIBLIOGRAFIA
MÉNDEZ, Alfonso Gómez. Genética y
Nuevo Código Penal. Problemas Jurídicos Derivados del Mapa Genético del Ser
Humano. Bogotá: Universidad Externado, Centro de Derecho y Vida., 2004.
Disponível em: http://www.uexternado.edu.co/derechoyvida/xiii/xiii.html
MANTOVANI, Ferrando. Las Nuevas Fronteras de la Bioetica.
Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 1999. Disponível em:
http://criminet.ugr.es/recpc/recpc_01-06.html
MONTANO, Pedro. La Dignidad
Humana como Bien Juridico Tutelado por el Derecho Penal. Universitas
Friburgensis, Chile, 2002. Disponível em: http://www.unifr.ch/derechopenal
NICAS, Nuria Castelló. El Bien
Jurídico En El Delito De Manipulaciones Genéticas Del Art. 159 Del Código Penal
Español. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 1997. Disponível
em: http://criminet.ugr.es/recpc/recpc_04-04.html
[1] MÉNDEZ, Alfonso Gómez.
Genética y Nuevo Código Penal. Problemas Jurídicos Derivados del Mapa Genético
del Ser Humano. Bogotá: Universidad Externado, Centro de Derecho y Vida., 2004.
Disponível em: http://www.uexternado.edu.co/derechoyvida/xiii/xiii.html
[2] Idem, ibidem.
[3] Idem, ibidem.
[4] Idem, ibidem.
[5] MANTOVANI, Ferrando. Las
Nuevas Fronteras de la Bioetica. Revista Electrónica de Ciencia Penal y
Criminología, 1999. Disponível em:
http://criminet.ugr.es/recpc/recpc_01-06.html
[6] MONTANO, Pedro. La Dignidad
Humana como Bien Juridico Tutelado por el Derecho Penal. Universitas
Friburgensis, Suíça. Website do Professor José Hurtado Pozo, 2002. Disponível
em: http://www.unifr.ch/derechopenal
[7] NICAS, Nuria Castelló. El
Bien Jurídico En El Delito De Manipulaciones Genéticas Del Art. 159 Del Código
Penal Español. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 1997.
Disponível em: http://criminet.ugr.es/recpc/recpc_04-04.html
[8] Idem.
Retirado de: http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/16/53/1653/