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PROPOSTA PARA UMA NOVA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS PENAIS

 

RENÉ ARIEL DOTTI

Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná 

 

 

SUMÁRIO:

1. Releitura histórica; 2. O problema da inflação legislativa; 3. A crise das codificações; 4. O nascimento e a evolução dos microssistemas; 5. A necessidade de um novo critério de legislação; 6. O princípio da intervenção mínima; 7. A proteção penal dos direitos do homem; 8. A revisão da Parte Geral do Código Penal; 8.1. Cláusula de efeito vinculante; 8.2. Redefinição normativa das infrações penais de menor potencial ofensivo; 8.3. Previsão normativa dos crimes de especial gravidade; 8.4. Penas restritivas de direitos (CP, art. 43); 8.5. Execução da pena de multa; 8.6. Causas de suspensão da prescrição; 8.7. Causas de interrupção da prescrição; 8.8. Suspensão facultativa da ação penal; 8.9. Suspensão obrigatória da ação penal; 9. A revisão da Parte Especial do Código Penal; 9.1. Alguns aspectos essenciais; 9.2. O processo seletivo; 9.3. A introdução de algumas regras mínimas; 9.4. Alguns exemplos relevantes; 9.4.1. Crimes contra a vida; 9.4.2. A periclitação da vida e da saúde; 9.4.3. O extremado rigor para alguns crimes contra a saúde pública; 9.4.4. Crimes contra a incolumidade pública; 9.4.5. A prática do crime através de meio de comunicação social; 9.4.6. Crimes contra a família; 9.4.7. Crimes contra a liberdade e a dignidade sexual; 9.4.8. Crimes contra a liberdade individual; 9.4.9.Crimes contra o respeito aos mortos; 10. As leis especiais. 10.1. O grande dilema; 10.2. A consolidação das leis especiais; 10.3. A vantagem da concentração das leis especiais; 11. Alguns modelos de estatutos; 11.1. Lei dos crimes contra a humanidade; 11.2. Lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito; 11.3. Lei dos crimes contra a administração pública; 11.4. Lei dos crimes contra a fé pública; 11.5. Lei dos crimes econômicos, financeiros e tributários; contra as relações de consumo e contra a economia popular; 11.6. Lei dos crimes de responsabilidade; 11.7. Lei dos crimes contra o meio ambiente e a qualidade de vida; 11.8. Lei dos crimes de trânsito; 11.9. Lei dos crimes contra o sistema previdenciário e de seguros privados; 11.10. Lei da criminalidade organizada e o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; 11.11. Lei dos crimes contra o patrimônio imaterial e a propriedade intelectual; 11.12. Lei das Contravenções Penais.

 

1. RELEITURA HISTÓRICA

 

A profusão de leis durante o período da primeira República (1889-1930) e as tendências muito expressivas para a revisão do Código Penal de 1890 levaram o Governo a promover uma consolidação dos diplomas da época. Havia dificuldade não somente para se aplicar as normas vigentes, como também para alcançar a sua compreensão. É oportuna a releitura das primeiras quatro Consideranda que introduziram o texto do Dec. n.º 22.213, de 14.12.32, que aprovou e adotou a Consolidação das Leis Penais, de autoria do Desembargador Vicente Piragibe. Elas revelam características idênticas ao quadro legislativo dos dias presentes, passados quase 70 anos. Vale transcrever:

"Considerando que o Código Penal brasileiro, promulgado pelo Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890, tem sofrido inúmeras modificações, quer na classificação dos delitos e intensidade das penas, quer com a adoção de institutos reclamados pela moderna orientação da penologia; Considerando que essas modificações constam de um grande número de leis esparsas, algumas das quais já foram, por sua vez, profundamente alteradas, o que dificulta não só o conhecimento como a aplicação da lei penal; Considerando que, não sendo lícito invocar a ignorância do direito, devem as leis estar ao alcance de todos, já pela clareza, já pela divulgação, o que com rigor maior cumpre seja observado em relação às leis penais, em virtude da particular incidência destas sobre a liberdade individual; Considerando que, malogradas as várias tentativas de reforma do Código Penal brasileiro, a que ora se empreende ainda tardará em ser convertida em lei, não obstante a dedicação e competência da respectiva Subcomissão Legislativa".

 

2. O PROBLEMA DA INFLAÇÃO LEGISLATIVA

 

Em trabalho apresentado para a XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, tive oportunidade de acentuar que atualmente "a legislação especial em matéria criminal, quer criminalizando condutas ou declarando-as equiparadas a tipos já previstos no Código Penal, quer abordando aspectos relativos à caracterização dos delitos ou à aplicação ou extinção das penas, alcança o expressivo número de 109 (cento e nove) diplomas, sendo 91 (noventa e uma) leis, 17 decretos- leis e 1 (um) decreto. Quanto às leis extravagantes no campo das contravenções penais, o número chega a 10 (dez) diplomas, sendo 7 (sete) leis, 2 (dois) decretos-leis e 1 (um) decreto. A soma global chega a 119 (cento e dezenove) diplomas dispondo sobre crimes e contravenções, a parte das normas do Código Penal". Nesse número não estão incluídos os decretos e as portarias que se limitam à tarefa de simples regulamentação da lei.

No campo da administração da justiça penal os seus operadores estão sofrendo a amarga experiência da inflação legislativa, responsável por um tipo de direito penal do terror que, ao contrário de seu modelo antigo, não se caracteriza pelas intervenções na consciência e na alma das pessoas, tendo à frente as bandeiras do preconceito ideológico e da intolerância religiosa. Ele se destaca, atualmente, em duas perspectivas bem definidas: a massificação da responsabilidade criminal e a erosão do sistema positivo. A primeira fomenta o justiçamento social determinado pelos padrões sensacionalistas da mídia que subverte o princípio da presunção de inocência e alimenta a fogueira da suspeita que é a justiça das paixões, consagrando a responsabilidade objetiva; a segunda anarquiza os meios e métodos de controle da violência e da criminalidade, estimula o discurso político e revela a ausência de uma Política Criminal em nível de Governo Federal.

Esses fenômenos da perda do equilíbrio e da redução dos espaços do espírito e que se convertem numa espécie de bang-bang legislativo, foram muito bem observados, ao seu tempo e à sua maneira, pelo Conde Francisco de Cabarrus, no começo do século XI: "Percorri com espanto aquela massa imensa e incoerente de teocracia, republicanismo, despotismo militar, anarquia feudal, de erros antigos e de extravagâncias modernas, aquela massa de trinta e seis mil leis com seus formidáveis comentadores".

 

3. A CRISE DAS CODIFICAÇÕES

 

Não se poderá mais afirmar, como seria possível no começo do século, que os códigos (civil, penal, comercial, etc.), caracterizam instrumentos jurídicos de segurança dos cidadãos. Essa é a lúcida conclusão de Lorenzetti ao afirmar que "a idéia de ordenar a sociedade ficou sem efeito a partir da perda do prestígio das visões totalizadoras; o Direito Civil se apresenta antes como estrutura defensiva do cidadão e de coletividades do que como ordem social". (...) "A explosão do Código produziu um fracionamento da ordem jurídica, semelhante ao sistema planetário. Criaram-se microssistemas jurídicos que, da mesma forma como os planetas, giram com autonomia própria, sua vida é independente; o Código é como o sol, ilumina-os, colabora com suas vidas, mas já não pode incidir diretamente sobre eles. Pode-se também referir a famosa imagem empregada por Wittgenstein aplicada ao direito, segundo a qual o Código é o centro antigo da cidade, a que se acrescentaram novos subúrbios, com seus próprios centros e características de bairro. Poucos são os que se visitam uns aos outros; vai-se ao centro de quando em quando para contemplar as relíquias históricas".

 

4. O NASCIMENTO E A EVOLUÇÃO DOS MICROSSISTEMAS

 

Essas certeiras observações e comparações decorrem do surgimento dos microssistemas em todos os ramos jurídicos. Relativamente ao sistema penal, a diversificação dos interesses populares e as franquias constitucionais e legais de um Estado Democrático de Direito, assim como ocorre em nosso país, criaram núcleos com identidades próprias. Eles compreendem, isolada ou simultaneamente, vários aspectos como: a) o bem jurídico tutelado (vida humana, liberdade, solidariedade social, patrimônio, probidade administrativa, meio ambiente, qualidade de vida, segurança no trânsito, regularidade do processo eleitoral, ordem econômica, tributária e financeira, relações de consumo, etc.); b) alguns tipos de destinatários protegidos, sejam eles pessoas naturais ou jurídicas (a criança, o adolescente, o consumidor, o diferenciado em conseqüência da raça, cor, etnia, religião ou origem; a mulher trabalhadora, a previdência social, a Fazenda Pública, etc.; c) alguns tipos de acusados (motorista, empresário, banqueiro, racista, traficante, seqüestrador e variações do crime hediondo, etc.).

Em análise do sistema do Direito Civil mas que tem inteira aplicação no campo penal, Antunes Varella conclui que o Código "deixou de constituir o centro geométrico de toda a ordem jurídica constituída. O primado da legislação passou para a Constituição, ao lançar as bases de uma nova sociedade, ideologicamente comprometida". E acentua que a nova legislação especial se caracteriza por uma significativa alteração no quadro de seus destinatários. Vale invocar suas próprias palavras: "A lei deixou de constituir em numerosos casos o comando coercitivo emanado da vontade soberana do Estado e dirigido ao cidadão indeferenciado que integra a comunidade nacional ou habita o seu território. Muitas das leis de maior expressão social nascem da luta entre o poder público e os grupos de pressão de certos estratos sociais dirigindo-se apenas aos membros destes núcleos mais ou menos poderosos de pessoas". E reconhece, com grande precisão, o fenômeno ocorrente não apenas em seu país como também entre nós, brasileiros: "As leis deixaram em grande parte de constituir verdadeiras normas gerais para constituírem estatutos privilegiados de certas classes profissionais ou de determinados grupos políticos".

Entre nós, assim também entende Nilo Batista, como se poderá verificar pelos seguintes trechos de seu voto em sessão do Instituto dos Advogados Brasileiros:

"Hoje, o sentimento de que o anteprojeto deve ser abandonado em favor de um programa de reforma radicalmente distinto está generalizado entre os penalistas. Os companheiros que dirigem o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais produziram um documento, que de modo firme e claro enuncia as razões diante das quais recusaram-se eles a oferecer sugestões ou críticas na anteprojeto. Queremos incorporar essas razões às presentes considerações. Qualquer esforço de reforma penal no Brasil não pode ignorar a convivência que 'um regime geral penal', fundado nas relações convencionais da parte geral e parte especial, guarda com diversos 'regimes penais especiais', fundados em leis extravagantes (drogas, armas, trânsito, etc.), ou fundados em exceções abertas no regime geral (como nos campos criados pelo aparentemente infinito processo de 'hediondialização' dos delitos), ou fundados no procedimento (como no caso das infrações de menor potencial ofensivo). Os inúmeros vícios teóricos, as grotescas contradições dessa ordem jurídico-penal que não se pretende unitária ou harmônica têm sido implacavelmente denunciados ao ponto de já caber, sim, indagar se a existência autônoma desses microssistemas penais não constituirá na verdade uma estratégia procurada e indispensável para o modelo de controle social-penal do projeto neoliberal. E aí chegamos à primeira conclusão: alterar apenas a parte especial do Código Penal, sem pensar na consolidação da legislação extravagante, com a correção de suas múltiplas anomalias, é trabalho de simples 'decoração jurídica', sem possibilidade de intervir nas dramáticas urgências que pulsam nos microssistemas (por exemplo, drogas). Em segundo lugar, o mesmo governo que está querendo trocar os sofás da parte especial não renuncia um milímetro ao programa de supercriminalização, de que o último exemplo foi o farmacêutico, com uma reforma completamente destemperada (ainda que talvez eleitoralmente rendosa) dos crimes contra a saúde pública: um governo que não deixa escorrer um mês sem duas ou três novidades penais que sempre surpreendem os penalistas, porque o poço de besteiras parece realmente não ter fundo. É muito claro que, quando a 'reforma' efetivamente interessa – numa espécie de direito penal de propaganda – o governo não espera por qualquer sugestão ou crítica, nem mesmo pela própria comissão que criou".

 

5. A NECESSIDADE DE UM NOVO CRITÉRIO DE LEGISLAÇÃO

 

É elementar que não é mais possível a convivência harmônica entre o Código Penal e o Código de Processo Penal com os microssistemas que assumiram dimensões e características próprias, além do intolerável hábito de se vulgarizar a ameaça penal para os mais variados tipos de problemas sociais.

Diante da proliferação legislativa e da tendência evolutiva de criminalização e de neocriminalização de comportamentos ilícitos que seriam muito melhor enfrentados pelas normas de Direito Administrativo (compreendendo as relações disciplinares, de consumo, do meio ambiente, financeiras, etc.), surge para os estudiosos e profissionais do Direito e da Justiça criminais as dificuldades de interpretação, de aplicação e de efetividade das normas penais e processuais penais. Também deve ser renunciada, no meu entender, a pretensão de condensar todo o direito positivo em um Código.

É da tradição legiferante em matéria de códigos criminais em nosso país, que nos diversos diplomas que se sucederam, um dos dispositivos finais declarava, expressamente, qual era a legislação revogada. Vale conferir: Código Criminal do Império (art. 308); o Código Penal de 1940 (art. 360); o Código Penal de 1969 (art. 406); o Código Penal de 1969 com a Reforma da Lei n.º 6.016/73 (art. 401); o Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal de 1984 (art. 2.º); o Esboço de 1994 (art. 468). Rompendo essa orientação, o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial de 1998 apenas declara, genericamente, que: "Esta lei entra em vigor seis meses após sua publicação, revogadas as disposições em contrário"(art. 2.º)

 

6. O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

 

Segundo clássica lição da doutrina, apoiada pela jurisprudência, o Estado somente deve recorrer à pena criminal quando não houver, no ordenamento positivo, meios adequados para prevenir e reprimir o ilícito. Somente quando a sanção de outra natureza (civil, administrativa, tributária, etc.) não se apresenta eficaz para a reintegração da ordem jurídica é que surge a necessidade da mais grave resposta estatal consistente na pena criminal.

Ela traduz restrições ou sacrifícios relevantes aos direitos fundamentais da pessoa humana, cujo respeito é um dos deveres essenciais do Estado. Daí porque a sua utilização deve ser limitada aos casos de extrema necessidade. A Declaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) proclamou que a lei deve estabelecer "penas estrita e evidentemente necessárias" (art. 8.º).

Diante disso, a legislação penal e processual penal (incluindo a matéria de execução penal) deve ser objeto de leis complementares, que devem ser aprovadas por maioria absoluta nas duas Casas do Congresso Nacional (CF, art. 69). Somente dessa forma será possível limitar o furor legiferante que se manifesta ao sabor de acontecimentos episódicos, de interesses conjunturais ou de grupos de poder. Afinal, soa como intolerável paradoxo a verificação de que a lei complementar é utilizada, por exemplo, no setor tributário, cujos valores e interesses, por mais destacados que possam ser, não se sobrepõem aos direitos humanos que são imanentes à legislação penal e processual penal.

 

7. A PROTEÇÃO PENAL DOS DIREITOS DO HOMEM

 

O fenômeno da chamada globalização na economia e em outros setores das atividades cotidianas poderá transformar os seres humanos em peças de uma engrenagem sufocante, a lembrar as antológicas denúncias de Charlie Chaplin, em Tempos modernos (1936), e de George Orwell, em 1984 (1950). O gênio do cinema produziu as imagens e as situações que descartavam o Homem como centro do universo da existência e ameaçavam esmagá-lo junto com objetos transportados nas esteiras; e o imortal visionário concebeu a figura do big brother que, através das teletelas, invadia a privacidade das pessoas. Mas a globalização ameaça alcançar estágios ainda não imaginados pela arte e pela literatura. Ela poderá tornar irreversível o eclipse do Homem ou fazê-lo desaparecer nas galáxias da informática.

Em uma de suas inúmeras entrevistas, Norberto Bobbio foi perguntado sobre as características de nosso tempo que despertam viva preocupação, especialmente quanto ao aumento cada vez maior e descontrolado da população; o progresso cada vez mais rápido e até agora inevitável da degradação do meio ambiente e o aumento cada vez mais rápido e insensato do poder destrutivo das armas. E, ao final, se, em meio a tantas previsíveis causas de infelicidade, ele via algum sinal positivo. Bobbio respondeu que sim, que via pelo menos um desses sinais: "a crescente importância atribuída, nos debates internacionais, entre homens de cultura e políticos, em seminários de estudo e em conferências governamentais, ao problema do reconhecimento dos direitos humanos".

Essas perspectivas de consagração e efetivação dos Direitos do Homem devem pautar a reforma do sistema penal positivo, especialmente quanto ao processo de seleção dos bens jurídicos protegidos.

 

8. A REVISÃO DA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL

 

A Parte Geral do Código Penal necessita de ajustes para superar dificuldades que têm surgido na aplicação de suas normas confrontadas com regras da legislação especial ou, independentemente disso, carece de atualização diante da alteração de institutos ou das mudanças ditadas pela Constituição de 1988. Alguns setores podem exemplificar essa observação.

8.1. Cláusula de efeito vinculante

Dispõe o art. 12 do Código Penal que "as regras gerais deste Código aplicam- se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo contrário".

Tecendo considerações acerca da legislação extravagante, Nelson Hungria adverte que o Código Penal "não é toda a legislação penal: coexistem ou podem coexistir a seu lado, permanente ou temporariamente, outras leis penais, de caráter supletivo ou complementar. O próprio Código, no art. 360, ressalva (...). Deve entender-se que o Código é a lei penal fundamental, de modo que as outras leis penais vêm a formar com ele um todo único, quer quando definem novas infrações, quer quando, no caso particular, adota critérios em divergência com as regras gerais do Código".. O critério assim adotado evita as "fastidiosas repetições no corpo das leis especiais, quando estas não repudiam as regras gerais do Código"..

Porém, as antinomias que o pranteado mestre admitia, e com as singelas equações por ele mesmo preconizadas, assumiram proporções intoleráveis com a legislação dos últimos anos, determinantes da quebra do sistema e da violação de princípios fundamentais do Direito Penal, principalmente em alguns territórios mais expostos aos interesses de órgãos governamentais ou à pressão de grupos sociais como os inerentes à proteção da ordem econômica, financeira, tributária, do consumidor e do meio ambiente. Surge, então, a necessidade imperiosa de se introduzir uma cláusula pétrea para eliminar contrastes não só inconvenientes à harmonia de um sistema como também reveladores de inconstitucionalidades explícitas ou implícitas. Daí a proposta de se acrescer um parágrafo ao art. 12 do Código Penal com a seguinte redação:

"As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. Parágrafo único. A lei especial não conterá dispositivo tendente a abolir as regras de aplicação da lei penal e aos princípios relativos: a) aos elementos do crime; b) às formas de participação punível; c) à natureza e à quantidade das penas e das medidas de segurança".

8.2. Redefinição normativa das infrações penais de menor potencial ofensivo

A fórmula adotada pelo art. 61 da Lei n.º 9.099/95 não esgota a variedade das hipóteses concretas, nas quais a grande repercussão do dano (como nos crimes de lesão corporal culposa) ou a multiplicidade de vítimas (sucessão de lesões corporais leves) não se ajustam à projeção constitucional das infrações de menor potencial ofensivo. Examinemos duas situações: em uma delas a vítima de uma lesão culposa sofreu a perda da visão; na outra, duas pessoas sofreram lesão corporal leve, praticadas dolosamente e pelo mesmo sujeito em forma continuada. Embora admitida, neste último caso, a aplicação da regra do art. 71 do Código Penal e não se cogitando da incidência do parágrafo único desse mesmo dispositivo, pode-se dizer que o crime (continuado) é de menor potencial ofensivo? Tanto em um como em outro desses eventos, o encaminhamento do caso ao Juizado Especial Criminal, com a conhecida supressão de atos e termos de investigação, afronta o espírito e os objetivos da norma constitucional.

8.3. Previsão normativa dos crimes de especial gravidade Uma comissão de penalistas instituída pelo Ministro da Justiça, Nelson Jobim, e coordenada por Francisco de Assis Toledo, apresentou ao Ministro da Justiça, Nelson Jobim, uma proposta de supressão da categoria dos crimes hediondos. Em seu lugar sugeriu a disciplina dos crimes de especial gravidade.. Na aludida proposta foram eliminadas as inconstitucionalidades da Lei n.º 8.072/90 (como o cumprimento integral da pena de prisão em regime fechado). A revogação da lei dos crimes hediondos não poderá ocorrer, em meu entendimento, mediante simples declaração formal. Com efeito, há infrações que pelo bem jurídico tutelado, pela forma de execução ou pelas suas conseqüências, produzem maior impacto social, e o legislador não pode ser insensível a esse fenômeno. Daí a sugestão para se reexaminar o projeto dos crimes de especial gravidade, que propõe um tratamento diferenciado de outros tipos de ilícito.

8.4. Penas restritivas de direitos (CP, art. 43)

Os arts. 44, I, e 54 do Código Penal revelam flagrante contradição. Enquanto o primeiro estabelece que as penas restritivas de direitos substituem a pena privativa de liberdade aplicada em quantidade não superior a 4 (quatro) anos, o segundo dispõe que tais penas são aplicáveis, "independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada em quantidade inferior a 1 (um) ano".

Não se promoveu, ao tempo do projeto de que resultou a Lei n.º 9.714/98, o indispensável ajuste. Embora na prática o problema seja resolvido com a aplicação da lei nova que, neste caso, derroga a norma com ela incompatível, a contradição prejudica o sentido didático que deve ser inerente à lei penal.

Com o veto presidencial ao § 1.º do art. 44 do Projeto de Lei n.º 2.684/96 – do qual resultou a Lei n.º 9.714/98 – surgiu a impossibilidade de se aplicar a pena de advertência prevista no caso de aplicação de pena privativa de liberdade inferior a 6 (seis) meses.

A desconsideração da reincidência como causa obrigatória de aumento geral de pena e da interrupção da prescrição (CP, arts. 61, I e 117, VI), além da contradição entre o inciso II do art. 44 do Código Penal e o § 3.º do mesmo artigo;

8.5. Execução da pena de multa

O problema da execução da pena de multa adquiriu dificuldades acentuadas com o advento da Lei n.º 9.268/96, que teve duas finalidades essenciais: a) evitar a conversão da pena pecuniária em prisão quando o condenado reincidente deixasse de pagá-la ou o condenado solvente frustrasse a sua execução; b) prevenir a impossibilidade da cobrança em face do curto espaço de tempo para se consumar a prescrição.

No entanto, a fórmula adotada – consideração da multa como dívida de valor – acarretou conflitos de ordem funcional sobre a legitimação para promover a execução (Ministério Público ou a Fazenda Pública).

Como há necessidade de se manter a regra destinada a impedir a prescrição da pena concretizada pelo decurso de 2 (dois) anos, quando for a única sanção cominada ou aplicada (CP, art. 114, I), parece-me adequado sugerir a seguinte redação para o art. 51 do Código Penal: "Na execução da pena de multa transitada em julgado, aplicam-se as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública quanto às causas interruptivas e suspensivas da prescrição."

8.6. Causas de suspensão da prescrição

A Constituição de 1988 (art. 53, § 2.º); a Lei n.º 9.099/95 (art. 89, § 6.º) e a Lei n.º 9.271/96 (deu nova redação ao art. 366 do CPP) criaram hipóteses de suspensão do processo (rectius: suspensão da ação penal) que devem ser incorporadas à Parte Geral do Código Penal, posto não constituírem matéria particular da legislação especial.

A proposta de nova redação para o art. 116 do Código Penal é a seguinte: "Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I – durante o exercício do mandato parlamentar enquanto não houver deliberação sobre o pedido de licença ou for o mesmo indeferido; II – enquanto estiver suspensa a ação penal pelo não comparecimento do réu citado por edital e que não tenha constituído defensor; III – durante o tempo de cumprimento das condições impostas para a suspensão da ação penal, no caso de crime em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano; IV – atual inciso I do art. 116 do CP; V – atual inciso II do art. 116 do CP".

8.7. Causas de interrupção da prescrição

Parece-me de toda conveniência restaurar o projeto que incluía, entre as causas de interrupção da prescrição a decisão do Tribunal que, em grau de recurso, mantém a sentença condenatória (nos mesmos limites penais ou modificando-os) ou, reformando a decisão absolutória, vem a condenar o réu. Para tanto o inciso V do art. 117 do Código Penal poderia ter a seguinte redação:

"V – pela decisão do Tribunal que confirma ou impõe a condenação."

Os incisos seguintes seriam remunerados e adaptados os §§ 1.º e 2.º, mediante o texto a seguir:

"VI – pelo início ou continuação do cumprimento da pena;

VII – pela reincidência;

§ 1º Excetuados os casos dos incisos VI e VII deste artigo, a prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles;

§ 2º Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso VI deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção."

8.8. Suspensão facultativa da ação penal

Algumas distorções têm ocorrido na aplicação prática da regra do art. 89 da Lei n.º 9.099/95, como, por exemplo, a iniciativa da proposta de suspensão (se é exclusiva do MP ou extensiva ao Juiz) e a dulcificação do instituto quando se dispensa a reparação do dano por via oblíqua quando o Juiz entende que a matéria, "por ser do cível", simplesmente nega vigência à regra que estabelece essa a condição suspensiva. Diante de tais incertezas, que tanto comprometem o prestígio da justiça criminal, parece-me adequado propor um dispositivo com a seguinte redação:

"Art. Na ação penal de iniciativa pública, em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público poderá, com o oferecimento da denúncia, propor a sua suspensão pelo prazo de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o réu não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena e a satisfação das seguintes condições:

I – reparação do dano;

II – proibição de freqüentar determinados lugares;

III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, por mais de oito dias, sem autorização do juiz;

IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, trimestralmente, para comunicar suas atividades que devem ser registradas nos autos;

§ 1º O juiz poderá especificar outras condições desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do réu.

§ 2º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou descumprir qualquer condição imposta;

§ 3º A suspensão poderá ser revogada se o réu vier a ser processado por contravenção;

§ 4º Expirando o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade."

8.9. Suspensão obrigatória da ação penal

Nesta parte, há necessidade de acrescer ao art. 100 do Código Penal, um parágrafo, com a seguinte regra:

"Art. 100.

"§ 5º A ação penal será suspensa quando o réu, citado por edital, não comparecer e não constituir defensor."

 

9. A REVISÃO DA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL

 

9.1. Alguns aspectos essenciais

Com muita propriedade acentua Juarez Tavares que o Direito Penal deve ser compreendido "no contexto de uma formação social, como matéria de prática social e política, como resultado de certo processo de elaboração legislativa, onde a estrutura jurídica se afirma em suas relações com as forças sociais hegemônicas, atuantes no Parlamento. Hoje, pode-se dizer que a norma incriminadora não é um ente meramente abstrato e neutro como pensava Kelsen, como forma exclusiva de imposição de deveres para a satisfação da ação própria de sancionar, mas o sucesso da interação dos interesses que se manifestam, no processo de sua elaboração". E indica como critérios norteadores da atividade legiferante, os seguintes: a) a proteção da dignidade da pessoa humana; b) a proteção do bem jurídico; c) a necessidade da pena; d) a intervenção mínima; e) a proporcionalidade; f) o compromisso com as categorias lógico-objetivas.

Segundo o magistério de Silva Franco, algumas diretivas se impõem para a tarefa de revisão (e consolidação) da Parte Especial do Código Penal. Elas são relacionadas como idéias-força e comportam a seguinte síntese: a) a necessidade de adequação às normas da Carta Política de 1988 e aos tratados e convênios internacionais; b) a dignidade da pessoa humana como limitação material ao exercício do poder punitivo do Estado; c) a lesão ou o perigo de lesão aos bens jurídicos socialmente relevantes; d) a obediência ao princípio de intervenção mínima; e) a adoção de normas técnicas de composição de tipos e de cominação de penas, com aptidão para assegurar maior certeza do Direito; f) fazer da Parte Especial "o centro do sistema penal, reduzindo, correlativamente, o peso da legislação especial, que assumiu proporções absurdas"; g) a solução de pontos de divergência assinalados pela jurisprudência.

9.2. O processo seletivo

A distribuição das variadas formas de ilicitude na Parte Especial do Código Penal depende de um critério de política criminal, considerada como o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. Compete à política criminal fornecer e avaliar os critérios para se apreciar o valor do direito vigente e revelar o direito que deve vigorar; cabe-lhe ensinar-nos também a compreender o direito à luz de considerações extraídas dos fins a que ele se dirige e a aplicá-lo nos casos singulares em atenção a esses fins. Em síntese, pode-se afirmar que a política criminal é a sabedoria legislativa do Estado na luta contra as infrações penais.

A Parte Especial do Código Penal deverá prever as condutas consideradas mais reprováveis pela generalidade das pessoas. Algumas delas como os atentados à vida, à integridade, à liberdade, à honra, à saúde pública e ao patrimônio material guardam as mais antigas e variadas formas de reação individual ou coletiva.

Dentro dessa perspectiva, os delitos a serem regulados em uma Parte Especial, segundo a natureza do bem jurídico defendido, devem ser os que atentam contra a vida, a integridade corporal, a liberdade individual, a saúde pública e a incolumidade públicas, o patrimônio material, o sentimento religioso e o respeito aos mortos.

A revisão do atual panorama de ilicitudes para os fins de descriminalização, despenalização ou neo-criminalização deve ter em consideração o princípio de intervenção mínima, sem prejuízo de consolidar a legislação que diz respeito aos valores e aos interesses de tutela dos bens jurídicos nucleares.

Verifica-se, portanto, que um trabalho de tal envergadura deverá enfrentar o grande desafio da seleção dos bens jurídicos merecedores de tutela, a partir da vida humana. Além disso, deverá consolidar em seu seio a legislação extravagante que ampliou a proteção da pessoa humana através da criminalização de condutas ofensivas à vida, à integridade corporal, à saúde, à liberdade, à incolumidade pública e aos direitos da intimidade como a proteção da vida privada. Existem diplomas especiais que precisam ser incorporados ao Código Penal em títulos e capítulos conforme os bens jurídicos defendidos. São exemplos a Lei nº 7.649/88, que dispõe sobre a obrigatoriedade do cadastramento de doadores de sangue e a realização de exame no sangue coletado; a Lei nº 9.263/96 (esterilização cirúrgica indevida); a Lei nº 9.434/97 (remoção e transplante de órgãos, tecidos e parte do corpo humano); a Lei nº 6.453/77 (responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares); a Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações); a Lei nº 5.250/67 (lei de imprensa); a Lei nº 6.538/78 (serviços postais); a Lei nº 9.296/96 (interceptação telefônica) e a Lei nº 9.472/97 (organização dos serviços de telecomunicações).

9.3. A introdução de algumas regras mínimas

A ser adotada a proposta no sentido de se institucionalizar os micro-sistemas criados pelas leis especiais, dando-lhes, entanto, uma disciplina normativa compatível com os princípios fundamentais do Direito Penal, torna-se indispensável que os primeiros dispositivos da Parte Especial estabeleçam algumas regras mínimas afim de que a elaboração das normas incriminadoras previstas no próprio Código e nos diplomas extravagantes se subordine a princípios e regras que devem ser adotados para a composição dos tipos de ilicitude.

Abordando o assunto de uma sistematização da Parte Especial, Heleno Fragoso refere o trabalho de Grispigni, objetivando a construção de uma teoria geral do elemento objetivo do crime. O mestre italiano propôs o estudo de grupos de crimes, reunidos segundo elementos constitutivos comuns de sua estrutura objetiva. Na lamentação de Fragoso, aquela obra, "infelizmente inacabada, apresenta-se como o delineamento de um programa de trabalho para a tarefa proposta"..

Apesar de abandonada a idéia de uma rigorosa sistematização da Parte Especial dos códigos, algo parecido com uma parte geral introdutória, a doutrina dos grandes mestres não renunciou à necessidade de se organizar uma sistematização, pelo menos relativa. Nesse sentido é o entendimento de Antolisei, conforme suas próprias palavras: " Se l'idea di una Parte generale della Parte speciale deve essere scartata per la sua palese inconsistenza, non può seriamente dubitarsi della necessità di una maggiore elaborazione della materia, da effetuarsi con intendimenti non puramente descrittivi, ma scientifici (o dogmatici che dir si voglia)". Entre nós, a mesma orientação é adotada por Aníbal Bruno.

Além das hipóteses da cláusula vinculante, sugeridas em um possível parágrafo ao art. 12 da Parte Geral, é preciso introduzir um mecanismo equivalente para ordenar, sistematicamente, a descrição dos delitos, a cominação das penas e outras matérias. Essas regras mínimas da Parte Especial serviriam não somente para demarcar a estrutura das infrações e das respostas penais previstas no Código – incluídas as outras matérias - como também para fixar os limites da legislação especial que deve ter, sempre, um caráter complementar. Algumas dessas coordenadas podem ser referidas como, por exemplo:

a) a excepcionalidade dos tipos penais abertos;

b) a adoção de normas técnicas de redação dos tipos e de cominação de penas, com aptidão para assegurar maior certeza do direito e melhor efetividade da Justiça;

c) a declaração de que o crime praticado através dos meios de comunicação será objeto de pena especialmente agravada;

d) a indicação dos crimes perseguidos mediante ação penal de iniciativa privada;

e) as condições de processabilidade;

f) a condição pessoal do autor para as hipóteses de exclusão do crime ou isenção de pena;

g) as modalidades especiais de extinção da punibilidade.

Não entram nessa relação as causas especiais de aumento ou diminuição de pena ou as circunstâncias qualificadoras, posto serem inerentes à própria natureza e fisionomia particular do crime descrito em seu tipo fundamental.

Algumas dessas cláusulas de barreira têm o objetivo de sistematização, evitando-se repetições desnecessárias; outras, porém, destinam-se a fazer da linguagem penal um requisito de segurança jurídica, além de conservar princípios fundamentais de um Direito Penal melhor adequado às aspirações de justiça e segurança. Entre eles deve-se destacar a exigência da culpabilidade, que tem a sua raiz na dignidade humana, erigida em fundamento do Estado Democrático de Direito (CF, art. 5.º, III). Todas essas indicações comportariam longa e judiciosa fundamentação, tarefa que se remete a um posterior e eventual texto.

9.4. Alguns exemplos relevantes

Apesar de existirem múltiplos setores da Parte Especial que poderiam sugerir comentários específicos, alguns deles podem ser destacados – como singelos exemplos – para demonstrar a necessidade de se corrigirem distorções do sistema positivo e de superar dificuldades práticas para torná-lo eficiente. Além disso é preciso incorporar as normas penais extravagantes para adequar o elenco de infrações aos textos legislativos dos últimos anos.

9.4.1.Crimes contra a vida

A punibilidade especialmente reduzida para a eutanásia, assim como estão propostas no Esboço de 1994 e no Anteprojeto de 1998, carecem de um debate aprofundado não somente entre os profissionais da medicina – como primeiros sujeitos legitimados a esse tipo de discussão – como também entre a comunidade de um modo geral. Todas as cautelas devem ser adotadas na elaboração desse tipo privilegiado de homicídio a fim de que a morte piedosa não seja causada por motivo torpe ou insensibilidade de um parente ou amigo do paciente.

O tratamento penal diferenciado entre o homicídio culposo, como espécie do crime de trânsito (Lei n.º 9.503/97, art. 302) e o que é praticado fora da direção de veículo automotor (CP, art. 121, § 3.º) produz a injustiça de reprovar mais gravemente pelo uso (involuntário) de um instrumento lícito, ou seja, a máquina.

9.4.2. A periclitação da vida e da saúde

O perigo para a vida e a saúde resultante de um comportamento doloso visando transmitir moléstia grave de que o agente sabe estar contaminado, tem sido, ao longo do tempo de vigência do Código Penal, um ilícito punido com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, além da multa. É elementar, no entanto, que entre as doenças sexualmente transmissíveis está o gravíssimo problema da Síndrome de Deficiência Imunológica Adquirida (AIDS: Acquired Immunological Deficiency Syndrome). A medida penal acima não traduz, para os dias do presente, a extensão do perigo de uma doença considerada ainda incurável, além de estar em desajuste com a intensidade ofensiva de outras infrações contra os mesmos bens jurídicos (vida e saúde).

9.4.3. O extremado rigor para alguns crimes contra a saúde pública

Entre os gravíssimos inconvenientes determinados pela Lei n.º 9.677/98, que deu nova redação aos arts. 272 a 277 do Código Penal, como a deficiência na técnica de redação, desponta o extremado rigor punitivo para os casos de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substâncias ou produtos alimentícios ou produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais. A possibilidade, pelo menos in thesi, de se punir a adulteração de um produto para a limpeza da pele com a reclusão de 10 (dez) a 15 (quinze) anos além da multa, chega às raias do absurdo.

O legislador farmacêutico inovou em matéria de redação de normas penais. Acrescentou ao § 1º do art. 273 do Código Penal, novas disposições com os indicadores § 1º A e § 1º B, o que é absolutamente inusual no sistema. Certamente assim o fez para conservar a mesma redação do § 2.º que prevê a forma culposa do ilícito. Mas, bastaria fazer a remuneração, como é curial, já que a pena foi alterada para maior.

Em uma revisão dos crimes contra a saúde pública é necessário consolidar as normas previstas pelo Dec. nº 211/67 (registro dos órgãos executivos de atividades hemoterápicas) e pela Lei n.º 7.649/88 (obrigatoriedade do cadastramento dos doadores de sangue e realização de exames de laboratório no sangue coletado).

9.4.4. Crimes contra a incolumidade pública

As figuras típicas que hoje estão previstas nos arts. 286 a 288 do Código Penal devem ser trasladadas para outros setores. Os ilícitos de incitação ao crime e de apologia de crime ou criminoso devem ser incluídos no título relativo aos crimes contra a incolumidade pública, enquanto o delito de quadrilha ou bando deve ser inserido entre as infrações relativas ao crime organizado. Quanto à primeira solução, não é mais possível falar-se da paz pública como um bem jurídico-penal autônomo. Nelson Hungria, com o mérito e a responsabilidade de ter sido o principal redator do Código Penal vigente, observou que crimes que o nosso Código alinha sob a epígrafe Dos crimes contra a paz pública "figuram na maioria das legislações penais como ofensivos da 'ordem pública'. O legislador pátrio, aceitando sugestão dos Códigos francês, alemão e uruguaio, julgou mais adequada a dita epígrafe, devendo esclarecer-se, para logo, que 'paz pública' é aí tomada em sentido subjetivo, isto é, como o sentimento coletivo de paz que a ordem jurídica assegura. Com os crimes de que ora se trata (pelo menos com os arrolados pela nossa lei penal comum), não se apresenta efetiva perturbação da ordem pública ou da paz pública no sentido material, mas apenas se cria a possibilidade de tal perturbação, decorrendo daí uma situação de alarma no seio da coletividade, isto é, a quebra do sentimento geral de tranqüilidade, de sossego, de paz, que corresponde à confiança na continuidade normal da ordem jurídico-social". No entanto, pode-se afirmar que também os delitos contra a incolumidade pública produzem esse "sentimento geral de intranqüilidade", principalmente em algumas modalidades de perigo.

Quanto ao ilícito do art. 288 do Código Penal, melhor ficará no repertório das infrações próprias da criminalidade organizada, dispostas em lei especial.

A Lei n.º 6.453/77 (responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares) deve ser incorporada ao título que trata dos delitos contra a incolumidade pública.

9.4.5. A prática do crime através de meio de comunicação social

A prática do crime através da imprensa, radiodifusão ou por outro meio de divulgação de massa, deve constituir causa de especial aumento da pena dos ilícitos já previstos no Código Penal. Relativamente aos delitos contra a honra é de todo aconselhável que o sistema positivo brasileiro elimine o critério de múltipla incriminação. Com efeito, a calúnia, a difamação e a injúria, além de previstas na lei penal fundamental, estão igualmente descritas no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65, arts. 324 a 326); na lei de imprensa (Lei n.º 5.250/67, arts. 20 a 22) e na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83, art. 26). O modelo português é bem mais apropriado. Dispõe o art. 183º, nº 2, do diploma de 1995, que nos crimes contra a honra, se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 (dois)anos ou com pena de multa não inferior a 120 (cento e vinte) dias. Em nosso sistema, a lei de imprensa deve conter normas de natureza deontológica, administrativa e civil, renunciando à incriminação de fatos que devem ser sancionados através das normas da Parte Especial do Código Penal – como ocorre com os ilícitos contra a honra – ou da legislação extravagante, a exemplo dos preceitos que tratam de propaganda de guerra, de segredo de Estado, de processos para a subversão da ordem política e social ou de preconceito de raça ou classe, de perturbação da ordem pública ou desconfiança no sistema de crédito ou abalo de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica (Lei n.º 5.250/67, arts. 14 e 15).

9.4.6. Crimes contra a família

Entre os delitos contra a família deve-se incorporar as normas incriminadoras relativas à esterilização cirúrgica, praticada indevidamente conforme a previsão dos arts. 15 a 17 da Lei nº 9.263/96 (regula o § 7.º do art. 226 da CF). E assim se justifica porque o fato pode comprometer não somente os bens jurídicos relativos à integridade corporal e à saúde como também o direito à paternidade ou à maternidade.

Sob outro aspecto, não se justifica a tentativa de descriminalizar a bigamia sob o pressuposto de que o precedente crime de falsidade material ou ideológica nos documentos de habilitação para o casamento já é punido como lesão à fé pública. O argumento não convence por duas razões. Em primeiro lugar, a descriminalização contraria a declaração de princípio segundo a qual a família, como base da sociedade, "tem especial proteção do Estado" (CF, art. 226), e a bigamia ofende a instituição do casamento, como fenômeno humano, social, jurídico e cultural. O reconhecimento constitucional da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar para efeito de proteção do Estado não abandona a expectativa de sua conversão em casamento; ao contrário, a Constituição determina que "a lei deve facilitar a sua conversão em casamento" (art. 226, § 3.º). Em segundo lugar, a descriminalização iria gerar a impunidade do parceiro que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância (CP, art. 235, § 1.º). Se essa terceira pessoa não tiver contribuído para a falsificação ou para o uso do documento falso, necessários para instruir o processo, não cometerá então nenhum delito, posto que a simples conivência não caracteriza participação punível.

9.4.7. Crimes contra a liberdade e a dignidade sexual

Um problema deve ser enfrentado, desde logo, nessa temática dos delitos contra a liberdade e a dignidade sexual. Admitida a oportunidade de se descriminalizar a sedução, não é possível esse contraponto indicado pelos redatores do anteprojeto de 1998, com a criminalização do assédio sexual. O tipo é o seguinte:

"Art. 170. Assediar alguém, exigindo, direta ou indiretamente, prestação de favor de natureza sexual, como condição para criar ou conservar direito ou para atender a pretensão da vítima, prevalecendo-se do cargo, ministério, profissão ou qualquer outra situação de superioridade: pena – detenção de três meses a um ano, e multa."

É elementar que no cotidiano dos casos a vítima - normalmente a mulher - será exposta ao profundo constrangimento moral sempre que comparecer a uma Delegacia de Polícia para noticiar o fato e pedir a abertura de procedimento investigatório que, no caso, se resumirá ao termo circunstanciado para ser conhecido na audiência de conciliação. Abstraídas as hipóteses de assédio sexual mediante o emprego de violência ou grave ameaça e que poderá caracterizar uma etapa do crime de estupro ou atentado violento ao pudor, a incriminação do assédio não se mostra conveniente e muito menos necessária, ressalvada a hipótese de ilícito administrativo, trabalhista ou de outra ordem. Como já tive oportunidade de salientar, antes de mais nada a vida de relação entre os sexos deve ser vivida sem estereótipos que estimulem as definições e as propostas totalitárias, como essas que nos vem do humor fustigante de Nélson Rodrigues quando sentenciou: "Betty Friedman devia ser treinada para puxar carroça".

Quanto ao aspecto da consolidação, as normas que dispõe sobre os crimes que afetam a liberdade e a dignidade sexual devem ser conjugadas com as disposições da Lei n.º 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 240 e 241) e com a Lei n.º 5.250/67 (art. 17), além de outros diplomas.

9.4.8. Crimes contra a liberdade individual

No campo dos direitos da personalidade, os bens jurídicos relativos à imagem, à intimidade da vida privada e ao sigilo das comunicações telefônicas e de dados, está exigindo previsões penais que se ajustem aos novos tempos de refinamento da ciência e da tecnologia dos instrumentos de devassa, por um lado, e da cultura da dignidade humana, por outro. A escuta telefônica ilegal, a captura abusiva da imagem e outras formas de interferência sem justa causa nos espaços de privacidade dos cidadãos, devem ser sancionadas a exemplo das lesões corporais, posto causarem uma ofensa em redutos espirituais do ser humano, produzindo feridas da alma não raro mais dilacerantes que as agressões físicas.

Nesse terreno, a consolidação deve considerar a existência de vários diplomas, a exemplo da Lei n.º 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações); Lei n.º 5.250/67 (lei de imprensa); Lei n.º 6.538/78 (serviços postais); Lei n.º 9.296/96 (interceptação telefônica) e Lei n.º 9.472/97 (organização dos serviços de telecomunicações).

9.4.9. Crimes contra o respeito aos mortos

Nesse tópico devem-se consolidar normas da Lei n.º 9.434/97 e do Dec. n.º 2.268/97 (transplante de órgãos, tecidos e partes do corpo humano).

O tipo de ofensa à memória de pessoa morta, que tem sido incluído nos anteprojetos da reforma da Parte Especial (1984 e 1998) e no Esboço de 1994, deve integrar o rol dos crimes contra o respeito aos mortos , em face da natureza específica do bem jurídico tutelado.

 

10. AS LEIS ESPECIAIS

 

10.1. O grande dilema

Surge, agora, um notável dilema. Deve-se manter um regime de leis penais especiais ou todo o repertório de ilicitudes deve se concentrar na Parte Especial do Código? O problema não é de fácil equação e nem admite opções simplistas.

Para quem sustenta a possibilidade de um direito penal mínimo na teoria e também na prática, a solução está em promover uma extensa descriminalização e alcançar o que até agora nenhuma reforma conseguiu: incluir todo o direito penal em um só diploma, uma espécie de bíblia condensando o antigo e o novo testamento..

Para quem admite a existência do fenômeno da crise das codificações totalizadoras e a cidadania dos microssistemas, o caminho está em organizar um elenco de infrações que tenham como ponto de partida a identidade ou similitude do bem jurídico ofendido. Assim, dentro de uma visão estatutária dos microssistemas, torna-se necessário identificá-los em função dos objetos merecedores de tutela (humanidade, administração pública, ordem econômica, tributária e financeira; consumidor e meio ambiente, etc.) e também dos meios e modo de execução do delito (crime organizado, enriquecimento ilícito, tortura, etc.). Será, justamente, com a opção institucional desses núcleos periféricos que o legislador poderá incluir as normas de Direito Administrativo, cujo caráter didático é inquestionável, como se poderá verificar pelos diplomas relativos aos crimes de trânsito, às atividades que atentam contra o meio ambiente, ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, etc. O caráter flutuante de certas disposições, muitas delas revelando aspectos de mera oportunidade, recomenda que elas façam parte de diplomas específicos e autônomos, respeitados, porém, determinados princípios e certas regras ditadas no interesse da eficácia dos textos tanto da Parte Geral como da Parte Especial do Código Penal.

10.2. A consolidação das leis especiais

É imperiosa e urgente uma consolidação das leis especiais. Ninguém poderá, de sã consciência, negar essa realidade. Como, porém, levar a cabo esse desideratum?

Em primeiro lugar deve-se adotar um critério, que não poderá ser outro senão o de se aglutinarem as normas penais e extrapenais (como as administrativas) em um mesmo núcleo de crimes, identificados pelo bem jurídico afetado ou pelo meio ou modo de cometimento.

10.3. As vantagens da concentração das leis especiais

Uma nova consolidação das leis penais deverá reduzir consideravelmente o número de leis especiais que atualmente já chega à casa dos cento e vinte diplomas (!), como já foi dito. E assim será possível fazer através da unificação de diplomas já existentes em núcleos identificados pelo bem jurídico ou caracterizados pela similitude da conduta e outras circunstâncias. Organizar-se-iam estatutos com múltiplas vantagens: a) o maior acesso ao conhecimento da legislação por um imenso público de trabalhadores além dos profissionais do direito e da justiça (educadores, jornalistas, assistentes sociais, estudantes, administradores, etc.); b) a definição de espaço normativo para serem introduzidas futuras modificações legislativas (uma nova lei, alterando dispositivo sobre o crime organizado, por exemplo, não ficaria solta no conjunto dos demais diplomas, porém seria direcionada para o estatuto respectivo); c) a superação de um grave problema enfrentado atualmente pela doutrina e pela jurisprudência quanto à revogação da lei velha (a fórmula tradicional "revogam-se as disposições em contrário" não tem eliminado as incertezas sobre a eficácia de dispositivos na sucessão de leis reguladoras do mesmo assunto; ao contrário, as tem aumentado); d) o melhor controle pelo legislador dos grupos de pressão cujos movimentos reivindicatórios ficariam localizados nos projetos de estatuto que lhes dissessem respeito (nos dias correntes a discussão de todo um código poderá ser obstaculizada e o projeto ser adiado se houver pressão irresistível contra um preceito específico); e) a possibilidade de se obter a consolidação geral através da discussão e votação dos estatutos em separado (sabe-se que o grande desafio da reforma dos códigos é o procedimento legislativo mais complexo em relação à legislação fragmentária); f) o estímulo para a formação de uma cultura legiferante no sentido de que as reformas pontuais devem ser efetivadas com a alteração, acréscimo ou supressão de dispositivos em espaços normativos já existentes (drogas, trânsito, meio ambiente, etc.) em lugar de se manter a publicação autônoma das leis modificadoras; g) finalmente, consagra um critério legislativo já adotado como se poderá ver através do Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/73) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), assim designados pelas próprias ementas dos diplomas.

 

11. ALGUNS MODELOS DE ESTATUTOS

 

A relação que segue não tem caráter exaustivo embora caracterize um projeto de limitação do número de leis especiais que de 120 (cento e vinte) diplomas extravagantes hoje existentes seria reduzido para 12 (doze), isto é, dez vezes menos. E assim será possível fazer quer descriminalizando ou despenalizando, quer suprimindo de uma grande quantidade de leis esparsas vários preceitos expletivos tanto em matéria penal como extrapenal.

A indicação se limita a sugerir, genericamente, os tipos legais de ilícito que podem ser acomodados sob a rubrica geral dos estatutos que são identificáveis pela natureza do bem jurídico ofendido e, em alguns casos, pelos meios e modos de execução dos delitos. Não haveria possibilidade, dentro dos limites de um artigo, de ensaiar qualquer redação individual de norma incriminadora, salvo para efeito demonstrativo.

11. 1. Lei dos crimes contra a humanidade

Os ilícitos a serem agrupados sob a designação geral de crimes contra a humanidade – denominação clássica na literatura e nos tratados e convenções internacionais – seriam os seguintes: genocídio, tortura, preconceito, discriminação e desaparecimento de pessoa.

O trabalho de consolidação deverá ter em conta, entre outros, os seguintes textos: Lei n.º 2.889/56 (genocídio); Lei n.º 6.001/73 (crimes contra o índio e a cultura indígena); Lei n.º 7.716/89 (preconceito de raça ou cor); Lei n.º 7.853/89 (preconceito contra pessoa deficiente) Lei n.º 9.263/96 (esterilização proibida, cujo art. 17, parágrafo único dispõe sobre a esterilização coletiva); Lei n.º 9.455/97 (define o crime de tortura) e o Dec. n.º 40/91 (Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes).

11.2. Lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito

Um diploma específico respeitante à proteção penal do Estado Democrático de Direito é uma aspiração que, nas últimas décadas, coincide com a queda da ditadura militar (1964/1985) e com o anúncio feito pelo Deputado Fernando Lyra, como o primeiro Ministro da Justiça nomeado após aquele período. Disse o parlamentar designado pelo presidente eleito, Tancredo Neves, que pretendia eliminar o lixo autoritário. Ele se referia a dois anteprojetos a serem redigidos por comissão que instituiu e relativos aos chamados crimes contra a segurança nacional e crimes de imprensa. A equipe era coordenada pelo Ministro Evandro Lins e Silva e tinha como outros membros os professores Antonio Evaristo de Moraes Filho, Nilo Batista e René Ariel Dotti e, nos trabalhos finais, recebeu a colaboração do Professor José Paulo Cavalcanti Filho. Relativamente aos crimes políticos foi elaborado um anteprojeto com 53 artigos contendo dispositivos penais e de processo penal e prevendo crimes contra a soberania e a integridade territorial; contra a nação e a humanidade; contra o exercício do poder legítimo; contra o exercício das liberdades políticas e o direito de sufrágio; contra o exercício da cidadania e de acesso à jurisdição. Quanto à parte processual, aquele disegno di legge estabeleceu normas que restringiam fortemente o uso do inquérito policial militar – amplamente utilizado durante a ditadura – e ampliavam as garantias de defesa do indiciado ou acusado. Expressamente o penúltimo dispositivo (art. 52) indicava quais seriam as leis revogadas, além da cláusula genérica.

Pouco tempo mais tarde, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sob a fecunda liderança do Dr. Eduardo Muylaert Antunes, elaborou também um anteprojeto sobre a matéria. O mesmo sucedeu com o Esboço de 1994 (arts. 437- 450) e o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial de 1998 (arts. 396- 406).

Sob a rubrica de crimes contra o Estado Democrático de Direito podem ser incluídos diversos tipos cujas condutas afetem a soberania nacional, a estabilidade democrática; as relações internacionais e a efetivação do Estado de Direito.

Algumas espécies de incriminação podem ser referidas como o atentado à independência e integridade nacionais; traição; espionagem; atentado à Federação; atentado contra a liberdade de manifestação; incitamento à guerra civil ou alteração violenta do Estado de Direito; incitamento à desobediência civil; ofensa a chefe de poder; ultraje de símbolos nacionais e regionais; perturbação de funcionamento de órgão constitucional, etc.

A consolidação precisa abarcar a Lei nº 4.737/65 (crimes eleitorais); Lei nº 5.250/67 (lei de imprensa), quanto aos arts. 15 e 16, I; Lei nº 4.898/65 (abuso de autoridade) e Lei nº 7.170/83 (crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social)..

11.3. Lei dos crimes contra a administração pública

Os interesses da administração pública (direta, indireta ou fundacional) podem ser melhor atendidos por uma lei criminal extravagante. Os delitos praticados por funcionário público contra a administração em geral e os crimes praticados pelos particulares contra a administração em geral e contra a administração da justiça, devem ser agrupados juntamente com os delitos de enriquecimento ilícito no exercício de função pública e com os delitos contra a regularidade das licitações.

É perfeitamente justificável a exclusão dessa categoria de infrações da Parte Especial do Código Penal para trasladá-las em um estatuto próprio. Em primeiro lugar eles não ofendem diretamente os direitos humanos (vida, integridade, liberdade, honra, saúde, segurança, etc.). Em segundo, a criminalização de novas condutas ofensivas ao Estado-administração (licitações, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, advocacia administrativa e tráfico de influência, etc.) é uma exigência cada vez maior da sociedade e uma das condições indispensáveis para a moralidade dos atos da administração pública ainda imersa em fantásticos escândalos. A descentralização de serviços públicos, a terceirização de tarefas antes confiadas exclusivamente ao Estado e muitos outros fenômenos autorizam plenamente um direito penal da administração pública.

Entre os diplomas e as normas a serem consolidados estão a Lei n.º 4.898/65 (abuso de autoridade) e o art. 350 do Código Penal (exercício arbitrário ou abuso de poder); a Lei n.º 8.429/92 (enriquecimento ilícito no exercício da mandato, cargo, emprego ou função na administração pública) e o respectivo Dec. n.º 978/93 (regulamenta o dispositivo sobre declaração de bens); Lei n.º 8.666/93 (normas de licitações e contratos da administração pública).

11.4. Lei dos crimes contra a fé pública

Poder-se-ia dizer que sendo a fé pública um dos bens jurídicos de maior relevância para a segurança jurídica das relações interpessoais e a fiadora da tranqüilidade coletiva, melhor ficariam os ilícitos a ela vinculados em um título da Parte Especial do Código Penal, como atualmente ocorre (Título X, arts. 289-311).

Mas é forçoso reconhecer que também esse terreno é suscetível de transformações legislativas como ocorreu, por exemplo, com a Lei nº 9.426/96 que, alterando dispositivos do Código Penal, criminalizou condutas relacionadas com a entrada ilegal de estrangeiro no território nacional (CP, art. 309, parágrafo único) e a adulteração de sinal identificador de veículo automotor (CP, art. 311). Esta última hipótese poderia soar estranha em um repertório de crimes contra a fé pública. Mas, para se reconhecer o contrário, basta verificar as estatísticas de furto, roubo e receptação de veículos cujo triunfo criminoso depende da remarcação de número ou sinal identificador.

É certo que existem, na categoria desses ilícitos, alguns deles que já adquiriram estabilidade normativa pela sua antiga e indiscutível necessidade (moeda falsa e crimes assemelhados; falsidade documental e falsidade ideológica; uso de documento falso; falsa identidade; falso reconhecimento de firma ou letra, etc.). Mas não se poderá negar que existem normas incriminadoras sob essa mesma tutela que podem sofrer alterações profundas em face das múltiplas possibilidade de falsidade assim como ocorre em títulos e outros papéis públicos. É evidente que crimes novos ou mesmo crimes antigos praticados com novos instrumentos como o computador, ou valendo-se do cenário da informática podem assumir tal proporção evolutiva que será melhor combatê-los através de lei especial.

Para a consolidação é necessário trabalhar com a Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro); Lei n.º 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional) e a Lei n.º 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo). Em todos esse diplomas há fatos típicos de falsum.

11.5. Lei dos crimes econômicos, financeiros e tributários; contra as relações de consumo e contra a economia popular

Não poderia haver uma relação mais exemplar de ilícitos e de leis fragmentárias para justificar o processo de consolidação que as disposições penais, processuais e administrativas a respeito dos crimes econômicos, financeiros e tributários e contra as relações de consumo e a economia popular. Talvez o melhor argumento em tal direção é sugerir ao leitor uma vista ao item do índice temático do Código Penal editado pela Revista dos Tribunais. Sob a rubrica de "crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo" são coletados 21 diplomas.. Relativamente aos "crimes contra a ordem tributária", a mesma fonte reúne 22 textos legislativos.

Também nesse desse setor do estatuto devem figurar os crimes contra a organização do trabalho, em uma perspectiva do Estado Democrático de Direito, uma vez que um dos fundamentos da ordem econômica é a "valorização do trabalho humano" e visa a "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...) " (CF, art. 170).

A consolidação da babélica legislação dos crimes econômicos, financeiros, tributários, contra as relações de consumo e a economia popular, deverá observar as fontes acima indicadas e mais os ilícitos que possam afetar os seguintes bens ou interesses: a) a disciplina da produção (Dec.-Lei nº 16/66 e a Lei nº 9.112/95); b) a regularidade do trabalho e os direitos do trabalhador, previstos não somente no Código Penal (arts. 197-207), como também na Lei nº 7.783/89 (direito de greve) e na Lei nº 9.029/95 (exigência de atestados de gravidez e esterilização); c) o sistema de organização e funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Lei nº 4.947/66); d) a idoneidade da Cédula de Produto Rural (CPR) (Lei nº 8.929/94).

A relação acima não é exaustiva. Além desses diplomas outros devem ser acareados, como ocorre com o Dec.-lei n.º 7.661/45 (lei de falências).

11.6. Lei dos crimes de responsabilidade

Para justificar – embora não seja necessário – a elaboração de um Estatuto dos Crimes de Responsabilidade, bastariam dois fatos. Ambos extremamente significativos. O primeiro deles foi a perplexidade que se abateu sobre o Congresso Nacional e a comunidade jurídica do país quando foi levantada a dúvida se o pedido de renúncia do Presidente Fernando Collor de Mello, a ser apresentado antes ou durante o julgamento do acusado por crime de responsabilidade (Senado Federal, Brasília, 1992), determinaria o arquivamento do caso. A preocupação no sentido de levar avante o processo para que o denunciado viesse a sofrer a pena de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos – uma espécie de cassação anunciada - criou as maiores perplexidades. Em tema estritamente penal dividiu-se o auditório dos juristas de plantão, a ruminar em voz alta se a inelegibilidade era pena acessória ou principal, cumulada com a perda do mandato. Os problemas gerados pela falta de previsão da Lei nº 1.079/50, especialmente quanto à interpretação do parágrafo único do art. 68, que trata da inabilitação para o exercício de função pública, por si só justificariam as iniciativas de revisão e consolidação.

O outro fato consistiu na orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual o procedimento penal contra Prefeito Municipal, por crime de responsabilidade, ficava condicionado ao seu afastamento do cargo por impeachment, ou à cessação do exercício por outro motivo. A Súmula n.º 301 foi revogada em face do julgamento, em 25.8.71, do habeas corpus n.º 49.038.. Recentemente, a Súmula n.º 394 do Supremo Tribunal ("Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício"), foi revogada e com tal solução um imenso número de processos que tramitavam nos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais e até mesmo nos Tribunais Superiores estão sendo encaminhados à primeira instância se o detentor de cargo ou função que determinava o foro especial estiver aposentado ou tiver cumprido o seu mandato parlamentar ou não esteja mais ocupando cargo no Executivo que lhe conferia o foro especial.

Essas e outras mudanças de rumo e a circunstância da legislação fragmentada nessa área exige a consolidação. Para tanto, a Lei n.º 1.079/50; o Dec.-lei n.º 201/67 e a Lei n.º 7.106/83, que tratam de crimes de responsabilidade (Presidente da República, Ministros, Governadores, Secretários de Estado, Prefeitos, etc.) devem ser compiladas além do art. 85 da Constituição Federal e devem ser objeto do Estatuto.

11.7. Lei dos crimes contra o meio ambiente e a qualidade de vida

Um Código Penal de notável atualidade científica e profunda sensibilidade democrática, ou seja, o Código Penal português de 1995, não inseriu na sua Parte Especial os crimes contra o ambiente e também os delitos econômicos. A justificação, apresentada em uma exposição de motivos, ressalta o caráter mais mutável desses ilícitos, "melhor enquadráveis em lei especial, segundo, aliás, a tradição jurídica portuguesa e a idéia de que o direito penal tem uma natureza pragmática".

A Carta brasileira de 1988 contém um repertório de normas protetoras do meio ambiente e da qualidade de vida mais abrangentes que todos os textos que a precederam e tem sido reconhecida como um modelo legislativo para outros países.

Há determinadas questões, como, por exemplo, se a Constituição Federal admite, nesses domínios, a responsabilidade penal objetiva, que tem levado os juristas a um grande debate sobre a capacidade criminal da pessoa jurídica. Embora tal capacidade realmente não exista, a controvérsia não está exaurida. Ao contrário, foi intensificada com o advento da Lei nº 9.605/98 que, dispondo sobre as sanções penais e administrativas derivadas das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, contém a previsão de penas criminais para as pessoas jurídicas (arts. 3º e 21).

O grande número de leis e decretos posteriores ao Código Florestal (Lei n.º 4.771/65) e ao chamado Código de caça (Lei n.º 5.197/67), quer tutelando as reservas naturais, quer protegendo o a fauna, a flora, a pureza das águas, do ar e do solo, justifica plenamente uma revisão sistemática e a posterior consolidação. A Lei nº 9.605/98, em seu último artigo, disse apenas o que a quase totalidade das leis dizem: "Revogam-se as disposições em contrário" (art. 82). Em outras palavras, alimentou a discussão sobre o conflito de leis penais no tempo. Como exemplos de diplomas que devem ser objeto da consolidação indicam-se, além dos já mencionados acima, os seguintes: Lei n.º 6.453/77 (danos e atividades nucleares); Lei n.º 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente); Lei n.º 7.347/85 (ação civil pública); Lei n.º 7.643/87 (pesca do cetáceo) e Lei n.º 7.679/88 (pesca de espécies em período de reprodução).

Trata-se, insiste-se mais uma vez, de relação meramente exemplificativa, porquanto, entre a data em que o presente artigo é elaborado e sua publicação, é bem possível que surjam novos textos legais.

11.8. Lei dos crimes de trânsito

Não é adequado trazer para o contexto de uma lei criminal toda a imensa gama de normas administrativas, assim como ocorre com a Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro). Mas é necessário que um diploma dessa natureza, de grande repercussão social e com o objetivo principal de prevenir os genocídios nas estradas, seja melhor redigido para superar não somente as graves deficiências técnicas já apontada pelos comentadores e os tribunais como também para resolver questões abertas no âmbito penal e processual penal. Os conflitos de interpretação decorrem, as mais das vezes, da má redação da normas penais e da falta de declaração expressa dos dispositivos revogados pela lei nova. Como exemplo, pode-se mencionar a controvérsia sobre se o código de trânsito revogou ou não as contravenções dos arts. 32 e 34 da lei respectiva.

11.9. Lei dos crimes contra o sistema previdenciário e de seguros privados

Um despacho saneador está a merecer também o setor da legislação que trata dos crimes contra o sistema previdenciário e de seguros privados. A tendência governamental é no sentido de ampliar as propostas legislativas na medida em que os problemas humanos e sociais (doença, invalidez, morte, idade avançada, desemprego, etc.) decorrentes da falta de adequada cobertura sejam objeto de combate através de duas fórmulas insensatas: aumento de impostos e leis criminais.

Um estatuto para regular as questões dessa natureza, abordando necessariamente aspectos administrativos, poderia realizar um bom trabalho de descriminalização e de efetiva tutela penal dos relevantes bens jurídicos que estão em linha de consideração. Também como indicativos para uma compilação, indicam-se os seguintes diplomas: Dec.-Lei nº 73/66 (Sistema Nacional de Seguros Privados); Lei nº 6.435/77 (Entidades de previdência privada); Lei nº 8.212/91 (Organização da Seguridade Social); Lei nº 8.213/91 (Benefícios da Previdência Social); Dec. nº 2.172/97 (Regulamento dos Benefícios da Previdência Social); Dec. nº 2.173/97 (Regulamento da Organização e do Custeio da Seguridade Social).

11.10. Lei da criminalidade organizada e o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins

As recentes leis dispondo sobre o crime organizado, a lavagem de dinheiro e o controle de armas dão bem a medida do caráter recente dessa tentativa de organizar a defesa do Estado e dos cidadãos contra as mais variadas modalidades de audácia delituosa, seja ela fomentadora da violência, seja estimulante da fraude. O tráfico ilícito de drogas afins também se insere dentro desse contexto que desafia o Poder de Polícia, atormenta a vida das cidades e se aproveita dos mais variados atalhos para a impunidade.

A Lei nº 9.034/95, com supressão de normas inconstitucionais, como a que atribui ao juiz a iniciativa de produção e conservação da prova (art. 3º e parágrafos); a Lei n.º 6.368/76 (tráfico ilícito de entorpecentes); a Lei nº 9.613/98 (lavagem de dinheiro); a Lei nº 9.437/97 (controle de armas); a Lei n.º 2.252/54 (corrupção de menores) e o art. 288 do Código Penal (quadrilha ou bando), devem ser necessariamente revistas e consolidadas.

11.11. Lei dos crimes contra o patrimônio imaterial e a propriedade intelectual

A matéria referente aos crimes contra o patrimônio material (furto, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, extorsão indireta, usurpação, dano, apropriação indébita, estelionato e outras fraudes e a receptação) deve permanecer na Parte Especial do Código Penal. Tal solução tem a justificá-la a circunstância de ser a propriedade um dos direitos fundamentais, assim declarados pelo art. 5.º, caput, da Constituição, ao lado da vida, da liberdade, da igualdade e da segurança. Por outro lado, algumas dessas infrações, como o furto, o roubo, a extorsão e a extorsão mediante seqüestro, têm sido reprimidas ao longo da história do desenvolvimento dos grupos humanos.

Mas, no que tange aos delitos referentes ao patrimônio histórico, artístico e natural e à propriedade imaterial, há necessidade de defini-los em um estatuto próprio, em face não só do caráter mutante de várias de suas normas, como também para melhor proteger os respectivos bens jurídicos. Assim, os delitos contra a propriedade intelectual, contra o privilégio de invenção, contra as marcas de indústria e comércio e de concorrência desleal, subordinados à rubrica dos crimes contra a propriedade intelectual, devem também ser objeto da mesma lei especial.

O Dec.-Lei n.º 25/37 (organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional), a Lei n.º 3.924/61 (monumentos arqueológicos e pré-históricos) e toda a legislação referente à propriedade imaterial deve ser harmonizada com as normas constitucionais respectivas.

11.12. Lei das Contravenções Penais

A legislação atinente às contravenções penais também é fragmentária e comprometedora de uma eficaz aplicação do sistema penal. Diante da impossibilidade de se promover uma descriminalização radical nesse domínio, mesmo porque advoga-se muitos nos dias correntes a necessidade de um direito administrativo penal como meio de prevenção da criminalidade, é fundamental reduzir o elenco desses ilícitos ao mínimo razoável. Um único diploma deveria absorver toda a legislação sobre a matéria, tomando como ponto de partida o Dec.-Lei nº 3.688/41, a chamada Lei das Contravenções Penais, em suas mais variadas divisões de bens e interesses protegidos (pessoa, incolumidade pública, fé pública, perturbação da ordem, do trabalho e do sossego, administração pública, etc.).

 

 

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Em Vicente Piragibe, Consolidação das leis penaes, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, p. V (grifos meus; ortografia do original).

Rio de Janeiro, 30.8 a 2.9 de 1999.

Para esse levantamento foi utilizado o Código Penal, editado pela Revista dos Tribunais, sob a coordenação de Maurício Antonio Ribeiro Lopes (4ª edição), atualizado até 31.12. 98.

A afirmação está em sua obra Cartas sobre los obstáculos que la naturaleza, la opinión y las leyes oponen a la felicidad publica, cit. por Ricardo Luis Lorenzetti, em Fundamentos do Direito Privado, trad. da edição argentina por Vera Maria Jacob de Fradera, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 43.

Ob. cit., p. 45.

"O movimento de descodificação do Direito Civil", em Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Caio Mário da Silva Pereira, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984, pp. 508-509 (grifos do original).

Refere-se ao editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, de agosto de 1998, p. 1.

Sessão do IAB, agosto de 1998.

A era dos direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992, p. 49.

Observa Nelson Hungria, interpretando esse dispositivo (que na redação original do CP tinha o número 10), que as "regras gerais, a que se refere o art. 10, não são apenas as da 'parte geral' do Código Penal senão também as que se contêm aqui e ali na sua 'parte especial' (ex.: art. 327, sobre conceito de 'funcionário público')" (Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1958, vol. I, tomo I, p. 206).

Comentários, vol. e tomo cit., p. 205.

Nelson Hungria, idem, ibidem, p. 206, nota de rodapé.

Lei n.º 9.099, de 26.9.95, art. 61. "Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial".

Portaria n.º 215, DOU de 10.4.95.

Mensagem n.º 783, publicada no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.º 33, setembro, 1995, p. 6.

A cláusula "salvo impossibilidade de fazê-lo" (Lei n.º 9.099/95, art. 89, § 1.º, I), como está redigida, discrepa flagrantemente da orientação traçada pelo art. 83, IV, do CP, que exige para a dispensa da reparação do dano no caso do livramento condicional a "efetiva impossibilidade de fazê-lo".. Por outro lado, essa dispensa, no caso da suspensão do processo, é um corredor aberto para a impunidade dos crimes patrimoniais astuciosos como o estelionato e a apropriação indébita.

A redação do inciso III do § 1.º do art. 89 da Lei n.º 9.099/95 é inexeqüível e absolutamente ilusória quando se trate de região que tenha várias comarcas próximas umas das outras e nas quais o acusado deva prestar serviços.

"Critérios de seleção de crimes e cominação das penas", em Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 1992, p. 75.

Juarez Tavares, ob. cit., pp. 77-85.

"A reforma da Parte Especial do Código Penal – Propostas preliminares", em Revista Brasileira de Ciências Criminais, cit., n.º 3, de 1993, pp. 70 e segs.

Franz von Liszt, Tratado de Direito Penal Alemão, trad. de José Hygino Duarte Pereira, Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia. Editores, tomo I, p. 3.

A tarefa de consolidação das normas da Parte Especial do Código Penal com as leis extravagantes e destas entre si, não implica na simples reunião ou fusão mas, também, nos procedimentos de alteração ou supressão de textos (despenalização e descriminalização).

Lições de Direito Penal – Parte Especial, Rio de Janeiro: Forense, 1986, vol. I, p. 10.

Francesco Antolisei, Manuale di diritto penale – Parte speciale, Milano: Dott. A . Giuffrè Editore, 1966, vol. I, p. 12.

Direito Penal – Parte Especial, Rio de Janeiro: Forense, 1966, tomo 4.º, pp. 30-33.

Como as causas de exclusão da criminalidade; de isenção, aumento ou diminuição de pena; condições de processabilidade, natureza da ação penal, etc.

Esse aspecto é melhor desenvolvido no item n.º 9.4.6.

Perdão judicial (CP, arts. 140, § 1.º; 242, parágrafo. único., etc.) e o pagamento do tributo, por exemplo.

Trabalho de elaboração de anteprojeto da Parte Especial pelo grupo de especialistas sob a coordenação do Ministro Evandro Lins e Silva (Portaria do Ministro da Justiça n.º 581, de 10.12.92).

Texto elaborado por uma comissão de especialistas sob a coordenação do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro (Portarias do Ministro da Justiça n.º 1.265, de 16.12.97, e nº 232, de 24.3.98).

Cf. o art. 273, §§ 1.º, e 1.º A .

CP, art. 273, § 2.º "Se o crime é culposo".

Comentários ao Código Penal, cit., 1959, vol. IX pp. 162-163 (grifos do original).

No dispositivo indicado está excluído o crime de injúria.

CP, art. 217: "Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança: Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos".

René Ariel Dotti, "A criminalização do assédio sexual", em Revista dos Tribunais, vol. 752, pp. 425 e segs.

Assim ocorreu com o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial de 1984, ao descriminalizar o aborto no caso do nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias que o tornem inviável. A resistência oposta por setores da Igreja católica foi tão grande que o texto do Anteprojeto revisto somente foi publicado três anos depois (Portaria n.º 790, de 27.10.87, DOU de 28.10.87, seção I, pp. 17.777 e segs.)

Não é adequada a designação de código para as leis que instituírem os micro-sistemas, assim como foi feito quanto à proteção do consumidor, cujo art. 1.º declara, enfaticamente: "O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, (...)" e também quanto aos ilícitos no trânsito, quando a Lei n.º 9.503/97, em sua ementa, diz que é instituído o Código de Trânsito Brasileiro.

O Anteprojeto dos crimes praticados contra o Estado de Direito Democrático foi publicado no DOU de 29.1.86 (pp. 1604 e segs.) para receber sugestões e está transcrito em A reforma penal brasileira, de René Ariel Dotti, Rio de Janeiro: Forense, 1988, pp. 452 e segs.

Os ilícitos previstos nesse diploma devem ser revistos para os efeitos de descriminalização (alguns deles) e de melhor regulação sob a rubrica de crimes políticos, designação usada pela Constituição (art. 102, II, b e art. 109, IV).

Soa como absolutamente fora de moda a punição atual do emprego irregular de verbas ou rendas públicas, prevista no art. 315 do CP: detenção de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

Código Penal, coordenação Maurício Antonio Ribeiro Lopes, São Paulo: RT, 4ª edição, 1999, item n.º 3.8., p. XV.

Código Penal, cit., item n.º 3.9., p. XVI.

A Constituição Federal de 1988, acentuando o relevo dos direitos sociais do trabalhador, estabelece a proteção do salário, criminalizando a sua retenção dolosa (art. 7º X).

RTJ 61/619.

Item n.º 24 da Introdução.

A discussão é marcada pela leitura dos arts. 173, § 5.º e 225, § 3.º da Constituição Federal, principalmente o último dispositivo ao declarar que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente "sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

A propósito, René Ariel Dotti, "A incapacidade criminal da pessoa jurídica – Uma perspectiva do direito brasileiro", em Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 11, julho-setembro de 1995, pp. 184 e segs.

A propósito o artigo de Fernando Célio de Brito Nogueira, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 24, outubro- dezembro de 1998, pp. 223 e segs.