Uma volta em noventa graus
O assunto é a criminalidade. E
não poderia ser outro?
Tenho lido jornais, assistido
programas de televisão, ouvido rádio. Tenho, também, meu trabalho profissional,
afinal, sou um Promotor de Justiça com atribuições em uma Promotoria Criminal,
mais especificamente, com atuação na execução penal e no Tribunal do Júri. O
que leio, vejo e ouço me leva a uma única e inarredável conclusão: estamos
diante do limiar do caos!
Vê-se o surgimento de teorias,
alegações não empíricas de situações eivadas por critérios utópicos,
desprovidos de praticidade de lógica fático-racional no tangente ao assunto.
Temos até um candidato a cargo eletivo, nas eleições vindouras, 06 de outubro
de 2002, falando em construir uma penitenciária no meio da floresta amazônica.
Verdadeiro absurdo! O que seria isso, conduta decorrente do desespero? Talvez.
O medo campeia. Há pouco,
prolatei palestra em bairro de Pelotas, onde o assunto era a segurança pública.
Pessoas de bem, honestas, trabalhadoras, vitimadas por condutas criminosas,
pedindo socorro, orientação, ajuda as autoridades públicas, ao Estado
organizado, a quem classificam de omisso, ausente, que nada procede no afã de
coibir o agir maléfico de quem desrespeita a lei, a liberdade, a vida de seus
semelhantes.
Dentro desse prisma, nascem
idéias descabidas, afastadas de qualquer critério lógico-racional, moral,
religioso, como a legalização da pena de morte, a prisão perpétua, a volta das
penas corporais, o desarmamento da população de bem (do bandido não, pois esse
não compra armas com registro, nem faz curso preparatório para aprender a
atirar, nem está preocupado em obter autorização legal para portá-las), enfim,
institutos que, segundo seus defensores, levariam a um efetivo combate da
criminalidade, diminuindo-a, reduzindo-a. Grande erro.
A verdade é outra. Coloquemos o
assunto em dois campos de atuação.
O primeiro deles, a que
classificaremos de vanguarda, neste momento social, tem caráter primordial,
impondo-nos a necessidade imediata de uma solução de impacto, um combate
frontal, forte, real ao crime organizado e aquele que não o seja, mas é crime.
Imperativo que o Estado se organize e parta para agires de cunho repressivo.
Não há mais tempo para soluções paliativas.
É preciso que os órgãos policiais
se estruturem aparelhados, troquem informações, sejam treinados, aumentem seus
efetivos, recebam apoio, para que possam partir para o enfrentamento legal
daqueles que estão a lesar os cidadãos, o Estado, descumprir as leis, impindo a
ausência de fé ao homem de bem.
Não é possível que se veja
tramitar no Congresso Nacional um projeto de Reforma do Código de Processo
Penal trazendo mais regalias, além das que já existem, em prol de criminosos,
autores de praticas delituosas penais. Incabível aceitar que não se possa
decretar a prisão preventiva de quem está a periclitar à ordem pública (o que
acontecerá se passar a reforma antes mencionada!). Onde estamos? No paraíso das
condutas criminais? Não é isso que a sociedade brasileira está a clamar.
As leis penais precisam sofrer
agravamento, lamentável conclusão que os fatos estão a me levar.
Não sou e nunca fui um extremista
em convicções de direito penal. Pelo contrário. Entendo que o sistema prisional
progressivo é crucial na prática ressocializatória do condenado à pena
privativa da liberdade. Tenho que o apoio ao egresso é básica para a cosecução
de tal fim. Afinal é o que se quer, ou seja, possibilitar meios para que aquele
que errou não mais erre. Que o bem vença o mal, em suma.
Mas isso não é solução imediata e
sim mediata. E não há mais tempo para o porvir, o dever ser. A sociedade clama
pelo hoje, pelo que é.
Falar-se em reformas sociais, em
acesso à saúde, ao trabalho, ao estudo, é belo, é lógico, é o ideal. Isso, no
entanto, é a retaguarda , proceder a ser executado em um segundo momento, após
uma operação primeira, qual seja, aquela que chamamos de impacto, a quem vem na
vanguarda.
O tratamento penal, a ser
praticado dentro do sistema prisional, cerca-se de dois procederes básicos: a
educação e o trabalho. Os resultados obtidos, sabe-se, são contundentemente
positivos. O faz o Estado, atualmente? Não. O que se vê dentro das casas prisionais
são trabalhos que podemos classificar de artesanais nesse prisma. Não há um
agir organizado, pensado, preparado, seqüencial. Não há uma preparação
escalonada do preso para sua volta ao mundo livre. Com isso temos os altos
índices de reincidência visualizados nas estatísticas oficiais.
O certo é de que nada adianta o
enfrentamento do agir criminoso sem um trabalho recuperatório paralelo, a ser
procedido em um segundo plano de atuação. Certo, também, é que isso não é o
principal, neste momento social de conturbação, no tangente ao recrudescimento
da criminalidade, que estamos a viver.
Lendo o jornal, no momento em que
escrevo este artigo, constato que um jovem, no limiar da vida adulta, foi
assassinado brutalmente na noite que passou, fato acontecido em área central de
Pelotas. Não faz muito que o Tribunal do Júri julgou o padrasto e a mãe de
Bruno, uma criança de quatro anos, torturada e morta em verdadeiro ato de
selvageria. As práticas de volência física contra crianças e mulheres
aumentaram em 30% em nossa cidade. Ocorrem estupros, assaltos, agressões
físicas, atentados violentos ao pudor e outros crimes com graves ameaças e
violências físicas intensas, em todas as comunidades sociais brasileiras, mas
não só lá, também aqui, ao nosso lado, não esqueçamos, pois também estamos
expostos a esses procederes maléficos, como nossos filhos e demais entes
queridos estão. É hora de falarmos, é hora de exigirmos de quem de direito, das
autoridades constituídas, condutas efetivas de coibição da criminalidade, e não
de vermos calados mais leis, mais normas, mais benesses a criminosos,
organizados ou não, como se está perpetrar com as reformas penais em andamento
no Congresso Nacional.
O Brasil soube aterrorizado do
assassinato da jovem Tainá. Verdadeiro descalabro do agir humano. Mas fatos
como esse dão-se em números, podemos dizer, elevados, aqui mesmo em Pelotas,
senão mais graves como o já referido caso do menino Bruno. Posso citar outro,
sem pensar muito, o caso da jovem Eloisa, levada a morte por desnutrição pelos
próprios pais, que a surravam constantemente, impedindo-na de comer e brincar,
obrigando-na a trabalhar, como verdadeira escrava, lavando, passando,
cozinhando, dia após dia, hora após hora. Tinha ela apenas nove anos de idade
quando morreu.
Eram os pais de Eloisa doentes?
Não. Eram, na verdade, maus, bandidos cruéis. Estão presos, cumprindo pena,
imposta pela sociedade de Pelotas, pelo Tribunal do Júri, com acerto.
Muitos elogiaram o chamado
programa "Tolerância Zero", baseado na teoria da "Janela dos
Vidros Quebrados", imposto em Nova York, que fez diminuir a criminalidade
descer em níveis aceitáveis na grande metrópole americana, sustentando sua
aplicabilidade por aqui. Há até cidades brasileiras que contrataram Giuliani
como consultor, na área da segurança, a partir de 2003, como informou revista
de grande circulação nacional. Ora, até é possível que se aceite o aludido
programa, no entanto, sozinho, não surtirá efeitos, pois se houve o efetivo
combate ao crime, a diminuição das práticas criminosas, por si só, através da
solução de impacto de que falamos anteriormente, sem a complementação
necessária daquilo que classificamos de condutas de retaguarda, os índices de
criminalidade logo voltarão a subir. Fiquemos com programas adequados a nossa realidade
social, não precisamos copiar nada de ninguém, pois o que serve para um pode
não servir para outro. Chega de plágios e de soluções teóricas sem base fática,
social, real. É hora de agir com acerto e concretude.
Não esquecemos de nossa parcela
de culpa pelo momento social que estamos a viver no que se refere a segurança
pública. Colhemos o que plantamos! O que podemos fazer? Apenas manifestar nossa
indignação, cobrar das autoridades públicas, demonstrar que não aceitamos mais
explicações jogadas ao vento e que queremos: um agir efetivo, forte e concreto
contra a criminalidade; a produção de uma legislação penal e processual penal
forte e real, que se oponha claramente as práticas delitivas; a aplicação de
verbas no aparelhamento dos órgãos de segurança e nos órgão periciais; a
construção de mais casas prisionais; o implantanção efetiva do tratamento penal
aos atentados e apoio aos seus familiares; o concreto apoio ao egresso do
sistema prisional; enfim a existência clara de práticas de segurança pública.
Nunca podemos esquecer, no
entanto, somos homens de bem e, como homens de bem não praticamos o mal, não
realizamos condutas que concebemos ilícitas, delituosas, cumprimos a lei pois a
ela estamos subsumidos. A nossa força é a nossa voz, diz o ditado. Podemos
alargar esse entendimento, a nossa força é a nossa opinião. Expressemos aquilo
que estamos a buscar. Digamos, por exemplo: queremos segurança pública, pois
sem ela não há possibilidade se trabalhar, de se estudar, de se ir ao médico,
ao posto de saúde, ao hospital, ou seja, sem segurança pública, dever do Estado
(em seu conceito amplo, e não apenas como Estado-Membro da União), não há como
alcançar-se os outros direitos básicos do cidadão contemplados pela Carta Magna
que tanto elogiamos.
Retirado de: http://www.paineljuridico.com.br/artigos/colaboradores/olavo5.htm
Palavras chaves: criminalidade
segurança pública sistema prisional progressivo leis penais polícia militar
reformas sociais