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RELAÇÃO DE
CAUSALIDADE NO DIREITO PENAL
Sidio Rosa
de Mesquita Júnior
1. INTRODUÇÃO
O
presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de orientar os alunos de
Direito Penal sobre as teorias existentes acerca da relação de causalidade, bem
como sobre a(s) teoria(s) adotada(s) em nosso País.
Estudar
o assunto é um trabalho árduo, visto que existem inúmeras teorias a respeito,
sendo que, ao que parece, nenhuma teoria construída satisfaz plenamente às
questões decorrentes dos inúmeros fatos que podem se concretizar. Não obstante,
existem teorias de maior prestígio, sobre as quais nos demoraremos um pouco
mais.
Dessa
forma, procurando reunir os diversos posicionamentos dos doutrinadores pátrios,
esperamos estar contribuindo para o desenvolvimento acadêmico de nossos alunos
e, quiçá, fornecendo subsídios para os profissionais que atuam no foro
criminal.
2. PRECEITO LEGAL
"Relação
de causalidade
Art.
13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a
quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado
não teria ocorrido.
Superveniência
de causa relativamente independente
§ 1º
A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando,
por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a
quem os praticou.
Relevância
da omissão
§ 2º
A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para
evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a)
tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância;
b)
de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c)com
seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado".
3. TEORIAS DE MAIOR PRESTÍGIO
O nexo
de causalidade é um dos elementos do fato típico de maior complexidade,
tendo sido construídas várias teorias a respeito. As teorias de maior prestígio
são: da "condictio sine qua non" (ou da equivalência das
condições, ou dos equivalentes causais); da condição adequada. A teoria
da equivalência das condições foi a adotada pelo nosso código, visto que
causa é tudo aquilo que contribui para o resultado, enquanto que para a teoria
da condição adequada a causa é a condição mais eficiente para a produção do
resultado, ou seja, aquela adequada para a produção do resultado. Conforme
ensina a doutrina, a primeira teoria, por ser mais precisa, é a melhor,
existindo um acerto na adoção da mesma no CP.
Outras
teorias, foram construídas, mas são variações da teoria da condição adequada,
conforme enumeraremos exemplificativamente as principais teorias: da
eficiência (causa é a condição mais eficaz para a produção do resultado); da
relevância jurídica (a causa não decorre do simples atuar do agente, vez
que é necessária a produção do tipo); da condição humana (o processo
causal decorre da atuação humana, não podendo sofrer intervenção de
acontecimento excepcional, que concorrendo com a ação do homem, venha a
influenciar decisivamente na produção do resultado). Recentemente, um aluno me
falou de uma tal teoria do incremento do risco. A teoria que passei a
conhecer, graças à contribuição daquele aluno, procura explicar o nexo de causalidade
nos crimes omissivos. Roxim dizia que mais importante que a causalidade, era a
determinação de ter o sujeito, com o seu comportamento, diminuido, ou não, as
chances de produzir o resultado. Dessa forma, a teoria exprime que a
causalidade pode ser determinada pelo aumento do risco de produção do
resultado.(1) Nenhuma dessas teorias é conveniente, porque inserem na noção de
causa um elemento subjetivo, que não pode ser confundido com os elementos
físicos e materiais do delito.
Conforme
dissemos, a teoria da condição adequada peca pela imprecisão, pois seria
muito difícil dizer o que é causa e o que é condição. Para a referida teoria,
só é causa a condição adequada para a produção do resultado, fazendo, portanto,
a distinção entre causa e condição. A teoria da condictio sine qua non
não distingue causa de condição. Tudo aquilo que contribui para o resultado,
sem o qual ele não teria ocorrido, é causa.
4. APLICAÇÃO DAS
TEORIAS E POSIÇÃO
DOMINANTE NA DOUTRINA PÁTRIA
Analisemos
o exemplo clássico: Tício, fazendeiro, desejando a morte de Caio, seu empregado
na fazenda, manda ele caçar em uma noite que Tício sabia que ocorreria uma
grande tempestade, pois havia ouvido, via rádio, o serviço meteorológico. Na
floresta, onde Caio caçaria, eram comuns os raios em noites de tempestades.
Caio foi caçar e foi atingido por um raio. No exemplo, para a teoria dos
equivalentes causais, Tício é responsável pela morte de Caio, mas para a teoria
da condição adequada não. (2)
Considerando
que Caio não morreria se Tício não tivesse lhe ordenado que caçasse, a ordem é
causa. Porém, para a teoria da condição adequada, a causa da morte foi o raio,
evento da natureza, sendo que o comportamento de Tício representa apenas uma
condição para a existência da causa. Conforme dissemos, o nosso código
adotou a teoria da equivalência das condições, pela qual Tício seria
responsável pelo evento morte. No entanto, a teoria da equivalência das
condições peca pelo excesso, visto que se alguém mata utilizando revólver para
o crime, a própria invenção da arma é causa, pois o crime não teria ocorrido se
Smith e Wesson não tivessem patenteado e produzido industrialmente o revólver
inventado por Samuel Colt. Com efeito, a invenção do revólver por Samuel Colt é
fato relevante, pois o homicídio não teria ocorrido se a arma não tivesse sido
inventada. Também, seria punido o comerciante de armas, visto que a negociação
é condição "sine qua non" para a existência do delito.
Abrandando
o rigor da teoria da equivalência das condições, o CP estabelece que a causa
superveniente, capaz de, por si só, produzir o resultado não será imputada ao
agente do delito (art. 13, § 1o). Assim, no exemplo clássico, Caio
morreu porque surgiu uma causa posterior, que foi o raio. A causa da morte foi
o raio, dessa forma, Tício não pode ser acusado de homicídio consumado. Também,
não poderá ser acusado de crime tentado, tendo em vista que, conforme dispõe a
lei, Tício só será responsabilizado pelos atos já praticados. Como a conduta
anterior de Tício é penalmente irrelevante, não poderá responder por crime de
homicídio. Das mesma forma, não há como responsabilizar o comerciante de armas
que legalmente vende o revólver utilizado para matar alguém.
O
Assunto é relevante, pois, conforme se vê, existem duas causas concorrendo para
o resultado. Uma delas em relação à outra é preexistente (já existia), ou
superveniente (passou a existir depois), mas o que nos interessa é a
consideração da causa em relação ao fato. As causas paralelas, em relação
ao fato, podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes.
Exemplificamos: a) Tício atira em Caio, errando os disparos, mas a vítima morre
do coração devido a um problema coronário de nascença, pois o susto desencadeou
a taquicardia capaz de a matar; b) Tício persegue Caio na via pública, atirando
contra o mesmo, sendo que Caio vem a ser atropelado enquanto foge, morrendo em
decorrência do atropelamento; c) Tício atira em Caio causando-lhe lesões leves
na mão direita, mas a vítima vem a morrer no caminho do hospital em decorrência
de traumatismos craniano provocado por um acidente automobilístico que envolveu
o veículo utilizado em seu socorro; d) Tício atira duas vezes contra Caio,
errando os dois tiros, desiste do crime, mas Caio vem a morrer uma hora depois
dos disparos porque Mévio havia colocado, dez minutos antes da chegada de
Tício, veneno na comida da vítima; e) Tício atira em Caio quando o mesmo está
tendo um ataque cardíaco fulminante, ele erra os disparos e a vítima, em razão
do seu problema, sequer percebe a agressão, mas morre em decorrência do
problema coronário; f) Tício atira em Caio, mas erra os disparos, então desiste
do crime e se afasta do local. Poucos minutos depois, Mévio coloca veneno na
bebida de Caio e este morre.
Pelo
que se vê, nos exemplos a-c, a causa da morte da vítima tem uma relação
de dependência com a conduta do agente. Assim, dizemos que a causa da morte é
relativamente independente. No entanto, nos exemplos d-f, a causa da
morte da vítima não tem nenhuma relação de dependência com a conduta com
agente. Dessa forma, as causas são absolutamente independentes. Em ambas as
situações, absolutamente ou relativamente independentes, as causas podem ser
preexistentes (exemplos a e d), concomitantes
(exemplos b e e) e supervenientes (exemplos c
e f).
O
agente não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, quando a causa
paralela capaz de produzir o resultado for absolutamente independente, não
interessando se a referida causa é preexistente, concomitante, ou
superveniente. No entanto, quando a causa da morte for capaz de produzir o
resultado, mas tiver alguma relação de dependência com a conduta do agente,
este será responsabilizado pelo resultado morte, desde que a causa seja
preexistente ou concomitante (exemplos a e b). Se a
causa da morte for superveniente, mesmo que relativamente independente, haverá
uma ruptura do nexo causal, o que retira a responsabilidade do agente pelo
resultado mais grave.
5. NOSSA POSIÇÃO
O art.
13, § 1o, do CP estabelece que somente as causas relativamente
independentes supervenientes, que por si só produzem o resultado, é que quebram
o nexo de causalidade. Assim, se as causas que provocam o resultado mais grave,
são preexistentes, ou concomitantes, o agente do delito, que praticou a conduta
superveniente menos grave, responderá pelo resultado mais grave, mesmo que este
seja indesejado.
Dominantemente,
entende-se que a lei só admite a quebra do nexo causal quando a causa
relativamente independente provocadora do resultado for superveniente, ou seja,
faz-se uma interpretação restritiva da norma. Com efeito, ao exame da lei,
parece que a mesma menciona propositalmente, com exclusividade, a causa
relativamente independente, podendo se inferir que a teleologia da norma é a
exclusão das causas relativamente independentes preexistentes e concomitantes.
Assim, é razoável pensar que não há omissão involuntária no artigo 13, § 1o,
do CP.
Não
obstante, entendemos que houve uma lacuna involuntária da lei no art. 13, § 1º.
Para nós, não obstante ser um posicionamento doutrinário minoritário, Tício não
pode ser responsabilizado pelo resultado morte, mesmo nos casos dos exemplos a
e b, pois a norma favor rei deve ser aplicada, assim, ele
só responderá por homicídio tentado, em face da aplicação analógica in bonam
partem do art. 13, § 1º. Exemplificando, apresentamos duas
hipóteses: 1) Tício atirou em Caio, tendo ficado insatisfeito porque foi
impedido de continuar atirando, mas Caio ficou levemente ferido. Depois,
enquanto era socorrido, Caio morreu vítima de um acidente automobilístico,
sendo que este último fato alegrou Tício: 2) Tício atirou em Caio, mas errou o
alvo. Após efetuar o primeiro disparo, desistiu voluntariamente do crime, e se
retirou do local. Depois, Tício ficou sabendo que o susto provocado pela
agressão foi capaz de matar Caio, o que o deixou muito triste.
Os
exemplos dados demonstram a injustiça da aplicação estrita da lei, pois Tício
será responsabilizado por homicídio consumado somente no segundo exemplo. É por
essa razão que entendemos que o preceito do art. 13, § 1o, deve ser
estendido aos demais casos em que houver concorrência de causas relativamente
independentes. (3)
Diante
do nosso posicionamento alguém pode expor uma outra hipótese para indagar se
haveria justiça. Imaginemos que Tício, sabedor de que Caio é um cardiopata,
resolva assustá-lo, provocando-lhe o resultado morte. Haveria justiça em
estender o benefício do art. 13, § 1o, do CP, a fim de beneficiar
Tício? Nesse caso, Tício deverá ser responsabilizado pelo resultado morte,
visto que ele conhecia a situação física de Caio, tendo agido com dolo (direto
ou eventual) ou culpa. Na realidade, Tício procurou atingir o resultado por um
meio que sabia ser eficaz. Dessa forma, o nosso posicionamento (exposto acima)
só é válido para os casos em que o agente desconhece a concausa preexistente ou
concomitante provocadora do resultado. Em outras situações estaríamos gerando
certa injustiça. No caso, estaríamos praticamente adotando a teoria da condição
humana. Daí a grande dificuldade para encontrarmos a teoria ideal, visto que
sempre vamos confundir a causa com o elemento subjetivo do agente, incorrendo
nas críticas que sofrem os adeptos das teorias rejeitadas pelo Código Penal.
6. CAUSALIDADE NA OMISSÃO
Problema
maior poderá existir quando formos verificar a causalidade na omissão. O art.
13, § 2o, estabelece que a omissão é penalmente relevante quando o
agente pode e deve agir para impedir o resultado. O dever de agir decorre de
lei (art. 13, § 2o, letra a), de contrato ou situação
de fato (art. 13, § 2o, letra b), ou da criação do
risco de produzir o resultado (art. 13, § 2o, letra c).
Fizemos
uma defesa no Tribunal do Júri da Circunscrição Especial Judiciária de
Brasília, a qual merece alguma referência:
No
final do ano de 1994, um rapaz, Douglas, foi até a própria casa, juntamente com
um amigo (Cristiano), a fim de furtar o veículo do pai (Manoel). Quando
tentavam furtar o veículo, perceberam que Manoel se aproximava, então Douglas
entrou na casa, enquanto que Cristiano sentou-se na calçada, em frente à casa
vizinha. Ao entrar na casa, Manoel, vendo Douglas arrumado, brigou com o mesmo,
mas ele justificou dizendo que estava pronto porque o Cristiano era bandido
conhecido, razão pela qual o mesmo poderia tentar furtar o carro de sua
propriedade. Então, Manoel pegou uma faca e tentou matar Cristiano, esfaqueando
o mesmo nas costas, cansando-lhe lesões leves. A vítima ficou muito irritada
com a traição de Douglas, jurando vingança. Dois dias depois, Cristiano estava
com Marcos, quando viu que Douglas trocava o pneu do carro nas proximidades.
Assim, Cristiano pediu a Marcos o empréstimo de um revólver de sua propriedade,
mas este disse que a arma estava com Homério. Cristiano foi até a casa de
Homério para pegar a arma, mas Homério recusou-se a entregá-la porque sabia do
objetivo homicida de Cristiano. Porém, Marcos veio logo em seguida, pegou a
arma e a emprestou para Cristiano. Este matou Douglas, devolvendo a arma para
Homério, a fim de que ele a guardasse. Horas depois, Homério foi preso, o qual
mereceu defesa gratuita, em razão da sua pobreza.
A
acusação sustentou a participação de Homério, sendo que reconhecemos que houve
um crime pratica por terceiro (havia uma pluralidade de agentes); que Homério
não praticou conduta típica, nem antijurídica, bem como não tinha domínio do
fato (as condutas dos agentes eram diversas); que Homério aderiu à vontade de
Cristiano (presente o liame subjetivo); mas negamos o nexo de causalidade,
portanto, não havia relevância causal. Com efeito, ao devolver a arma para
Marcos, Homério deixou de impedir um crime, deixando de agir, mas a sua omissão
não era penalmente relevante, visto que ele, mesmo podendo agir, não era
obrigado a tal. A conduta de Homério não se adequava a nenhuma hipótese do art.
13, § 2o, pois ele não tinha o dever legal de impedir crime, não
sendo garantidor de ninguém (letra a). Também, não tinha assumido a
responsabilidade de evitar o crime (letra b); e, finalmente, não criou a
situação do delito (letra c). Dessa forma, o júri acolheu o nosso
posicionamento, absolvendo Homério.
No
tocante aos crimes omissivos, a teoria da conditio sine qua non não é
aplicável, podendo ser empregada a teoria do incremento do risco (acima
mencionada). No entanto, faz-se mister a verificação que não é toda omissão que
provoca o aumento do risco da ocorrência do resultado que é relevante. A
omissão, por disposição da lei, só é relevante quando incidir uma das hipóteses
do art. 13, § 2o, do CP.
NOTAS
Retirado de: http://www.advogadocriminalista.com.br/home/artigos/0016.html
Palavras chaves: relação causalidade direito penal prestígio aplicação omissão