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Aplicação
da Lei 9.714/98 ao Crime de
Tráfico
Ilícito de Entorpecentes
Paulo Tadeu Rodrigues
Rosa
1. Introdução
A sociedade passa por momentos de
agitação, onde a insegurança ao lado do desemprego têm sido a principal preocupação
das pessoas, que sentem medo, devido ao aumento da criminalidade. O número de
roubos, furtos, assaltos à bancos, a caminhões, segundo dados divulgados pela
imprensa aumentou nesse 1.o semestre no Estado de São Paulo, em relação ao
mesmo período de 1998.
Os órgãos policiais que são
responsáveis pela segurança pública na forma disciplinada pelo art. 144 da
Constituição Federal são objeto de críticas, como se estes fossem responsáveis
pelo desemprego, fome, e demais situações de infortúnio vivenciadas pela
população.
A criminalidade tem como origem um
problema estrutural, que envolve questões relacionadas com fatores sociais,
passando pela área de saúde, como falta de vagas nos hospitais e pessoas
morrendo a espera de um leito, e da educação, onde a qualidade de ensino nas
escolas públicas vem decaindo, e a possibilidade de acesso as faculdades do
Estado tem diminuindo, cedendo lugar aos alunos provenientes da rede
particular.
Mas, o discurso de lei e ordem
acredita que a existência de penas mais severas, e leis que venham ou possam
violar os preceitos constitucionais, e ao mesmo tempo o "Pacto de São José
da Costa Rica", subscrito pelo Brasil, que possui força de norma
constitucional em atendimento ao disciplinado no art. 5.o, parágrafo 2.o da
Constituição Federal, podem auxiliar no combate a violência e diminuí-la.
As prisões estão cheias, faltam
vagas nos estabelecimentos penais, e o Estado enfrenta dificuldades para
ressocializar àqueles que são segregados. A lei existe para ser cumprida, mas
isso não significa que se possa abandonar preceitos previstos e disciplinados
no art. 5.o da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias
fundamentais do cidadão.
A garantia do Estado democrático de
direito, que não deve ser uma ficção, se faz com o respeito a norma fundamental
do Estado, e às leis por ele editadas, mesmo que muitas vezes seja preciso
enfrentar questões que envolvem críticas ao sistema de direitos outorgados aos
acusados em processo judicial, penal perante a Justiça Comum, Federal ou
Militar, ou administrativo.
A liberdade é o bem supremo
outorgado pelo direito, e a possibilidade do seu cerceamento deve ser analisada
com cautela, livre de emoções, ficções ou probabilidades, pois as prisões como
vem reconhecendo os estudiosos desde Beccaria, passando por Foucault, ou mais
recentemente por Dráusio Varella, não tem sido capaz de ressocializar o
indivíduo para o seu retorno à sociedade.
2. Penas Alternativas e Tráfico de
Drogas.
A Lei Federal 9.714/98 modificou o
art. 44 do Código Penal introduzindo às penas alternativas, restritivas de
direito, seguindo o que vem ocorrendo nos demais países que tem buscado a
introdução de novas penas, como forma de se evitar a prisão do ser humano, uma
vez que as cadeias não conseguem alcançar o objetivo para o qual foram criadas.
A lei sob análise permite ao
julgador nos crimes que não sejam praticados com violência, e cuja pena
privativa de liberdade não seja superior a 4 (quatro) anos, que este ao invés
de aplicar a restritiva de liberdade faça a opção por uma pena restritiva de
direitos.
Com base nos dispositivos legais
fica a seguinte indagação. Poderia o condenado por crime de tráfico de
entorpecentes ter a sua pena privativa de liberdade substituída por uma pena
alternativa, como por exemplo uma pena de prestação de serviços a comunidade ?
A Lei, e para isto basta uma leitura
imparcial, desprovida de emoções, em nenhum momento fez qualquer restrição aos
crimes hediondos, mencionando apenas e tão somente os delitos cometidos com violência
ou grave ameaça as pessoas. Ao interpretar à Lei, fica vedado ao intérprete
criar situações que por ela não foram previstas. Em nosso sistema deve
prevalecer a vontade do legislador, que possui competência e legitimidade para
disciplinar as matérias que lhe foram previstas pelo Texto Constitucional.
É importante se observar que o
julgador analisa os fatos que lhe são apresentados, em atendimento ao princípio
da imparcialidade, e ao princípio do devido processo legal, onde deve ser
assegurada a ampla defesa e o contraditório e a igualdade entre defesa e
acusação, uma vez que cada processo possui a sua particularidade, daí a
expressão em direito "cada caso é um caso".
A realidade das ruas brasileiras é
diversa da teoria que possa ser formulada a nível de questionamentos
doutrinários, uma vez que existem pessoas nos bairros populares, ou mesmo nas
chamadas periferias, envolvidas com o tráfico de drogas não por mera opção, mas
porque são obrigadas a participarem desse ilícito, sendo instrumentos nas mãos
dos grandes traficantes como observa o Desembargador Zulman Galdino, para não
perderem suas vidas, ou mesmo terem suas famílias molestadas.
Quando as pessoas que vivem próximas
aos traficantes profissionais se recusavam a participarem do comércio de drogas,
estas acabam sendo vítimas muitas vezes fatais, como ocorreu no Estado do Rio
de Janeiro, Baixada Fluminense, onde uma equipe vinda da Alemanha se emocionou
ao saber que ali toda uma família, pai, mãe e três filhos, foram mortos porque
se recusaram a servir aos traficantes locais como vendedores de drogas, fato
este noticiado pelo Jornal Nacional, 06 de agosto de 1999.
A respeito da possibilidade ou não
de aplicação das penas alternativas ao tráfico ilícito de entorpecentes, o
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ao apreciar a apelação
n.o 148.427-8, que teve como relator o Desembargador Zulman Galdino decidiu
que, "Regularmente processado, foi condenado como incurso somente nas
sanções do art. 12 da citada lei, a cumprir pena de três anos de reclusão e 50
dias multa, substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade por igual período,
nos termos do art. 44 do CP, com as modificações introduzidas pela Lei n.o 9.714/98
(...)
O inconformismo referente à
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito não
procede. A simples alegação de ser crime hediondo não obsta a substituição da
pena. Se o legislador não fez qualquer restrição nesse sentido, não cabe ao
intérprete fazê-la. Preenchidos os requisitos legais objetivos e subjetivos,
previstos no art. 44 do Código Penal, com as alterações da Lei 9.714/98, nenhum
impedimento existe para que a pena privativa de liberdade, no caso do crime de
tráfico, seja substituída por restritiva de direitos. (...)
A lei apenas exclui da possibilidade
de substituição a pena relativa a crimes praticados com violência ou grave
ameaça à pessoa, dentre os quais não se insere o tráfico ilícito de
entorpecentes. É claro que o verdadeiro traficante, que vive desse pernicioso
negócio e busca lucros financeiros sem qualquer pudor é perigoso e causa
repugnância a todos. Cabe ao juiz, analisando as condições do art. 59 do CP
evitar a impunidade, aplicando a pena adequada e não concedendo o benefício da
pena restritiva de direitos àquele que representa risco à sociedade. O pequeno
traficante, como o do caso presente, muitas das vezes é usado como instrumento
nas mãos dos grandes e poderosos, inobstante a gravidade do delito, não deve
ser tratado de igual forma, em razão de trazer menor risco à comunidade.
Também não constitui óbice à
referida substituição o fato de o regime de cumprimento de pena ser
integralmente fechado (Lei 8.072/90, art. 2.o, parágrafo 1.o). Uma coisa é a
substituição de pena, outra, diversa, é sua execução., ou seja, a forma como
vai ser cumprida. Conforme entendimento da Súmula n.o 7 da jurisprudência
predominante desta 1.a Câmara Criminal : ‘A Lei 8.072/90 não veda a concessão
do sursis’. Ora, se é permitida a suspensão condicional da pena em crime
hediondo, também não há que se negar sua substituição por pena restritiva de
direitos, uma vez que preenchidos os requisitos legais". (TJ/MG, Ap n.o
148.427-8, Itanhandú, 1.CCrim., rel. des. Zulman Galdino, j. 29.06.99 v.u), in
Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n.o 81, agosto/99, p.
377. Grifo nosso.
Portanto, a Lei 9.714/98 poderá ser
perfeitamente aplicada pelo juiz, após analisar as condições do art. 59 do
Código Penal, ao traficante de entorpecentes, cabendo a este conceder o
benefício ao pequeno traficante, que não coloca em risco à sociedade, que na
maioria das vezes, como bem observou o Desembargador Zulman Galdino é usado
como instrumento nas mãos dos grandes traficantes.
Retirado de http://www.infojus.com.br
Palavras Chaves: Aplicação Lei 9.714/98 Crime Tráfico Ilícito Entorpecentes penas alternativas tráfico drogas