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A SIMULAÇÃO COMO ESPÉCIE DE FRAUDE
ENEIDA ORBAGE DE BRITTO TAQUARY
A simulação teve sua origem no art. 338, § 9° do Código
Penal de 1890, como espécie de estelionato, ao estatuir o legislador:
"julgar-se-á crime de estelionato usar de qualquer fraude para constituir
outra pessoa em obrigação que não tiver em vista, ou não puder satisfazer ou
cumprir", não sendo prevista expressamente pelos Códigos Penais
subseqüentes como modalidade autônoma, mas como modo de execução dos crimes
patrimoniais, sexuais ou contra a fé pública, de forma a caracterizar uma das
elementares objetivas.
Na legislação atual, a simulação surge no CP
como subespécie de falso, integrando a fraude, de forma a descrever um crime
autônomo ou uma elementar do tipo.
No Código Civil a simulação do ato jurídico foi
prevista nos arts. 102 e 103, exigindo o legislador para sua configuração a
intenção do autor de prejudicar a terceiros ou violar disposição expressa de
lei, quando estabeleceu: "haverá simulação nos atos jurídicos em geral:
quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a
quem realmente se conferem, ou transmitirem; quando contiverem declaração,
confissão, ou cláusula não verdadeira; quando os instrumentos particulares
forem antedatados, ou pós-datados".
Observe-se, todavia, que a inclusão da
simulação, do falso, do erro, do artifício e do ardil como modo de execução dos
crimes e logo espécie de fraude somente é possível porque o legislador utilizou
a fórmula genérica e casuística, por intermédio das expressões induzir ou
manter alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio
fraudulento, entendendo-a com a empregada para induzir alguém em erro; a que
serve para manter (fazer, subsistir, entreter) um erro preexistente; ou
admitindo ainda como meio fraudulento o silêncio malicioso ou intencional,
acerca do erro da vítima, estendendo consoante interpretação analógica à lei às
hipóteses semelhantes, mencionando expressamente os casos que devem ser
abrangidos, sem o que não seria possível, em respeito ao princípio da reserva
legal e dado a proibição da aplicação da analogia em malam partem.
Nos crimes contra a fé pública a fraude como
modo de execução é genericamente considerada para expressar também o falso, a
dissimulação, a simulação a adulteração, a contrafação e tantas outras
condutas, motivo pelo qual somente serão diferenciados a partir do objeto jurídico
que se pretende tutelar, donde se conclui que o falso é modalidade de fraude.
Nos crimes patrimoniais caracterizará, se
utilizado especialmente para a obtenção de vantagem indevida em prejuízo
alheio, o crime de estelionato, ou o crime de fraude à execução, previstos nos
arts. 171, caput, e 179, do CP, respectivamente.
Poderá ainda ser utilizada, nos termos da lei
penal, para se obter a conjunção carnal, como modo de execução nos crimes
sexuais, ou ainda como crime contra a família (simulação de autoridade para
celebração de casamento e simulação de casamento, previstos respectivamente nos
arts. 238 e 239 do CP).
A utilização da simulação como modo de execução
de crime torna-se questão controvertida nos crimes de falsificação de
documentos públicos ou particulares, material ou ideológica.
No crime de falsificação de documento público a
simulação assume os contornos de espécie do gênero fraude, como elementar
objetiva. Entretanto se a simulação visou a obtenção de vantagem indevida em
prejuízo alheio, o crime a caracterizar-se será o estelionato, em detrimento do
crime de falsificação, em obediência ao estabelecido na súmula 17 do STJ:
"Quando o falso se exaure no estelionato, sem potencialidade lesiva, é por
este absorvido".
Também na falsidade ideológica, a simulação
realizada sempre por duas ou mais pessoas equipara-se ao falso e logo à fraude,
quando tem por instrumento a folha de papel em branco, obtida por meios lícitos
ou ilícitos.
Note-se que o abuso da folha de papel em branco
também foi previsto como crime de estelionato no art. 338, § 6° do Código
Penal de 1890, ao preceituar: "Abusar do papel com assignatura em branco,
de que tenha se apossado, ou lhe haja sido confiado com obrigação de restituir,
ou fazer delle uso deterominado, e nelle escrever ou fazer escrever um acto,
que produza effeito jurridico em prejuizo daquelle que o firmou, e ainda no
inciso 9° usar de qualquer fraude para constituir outra pessoa em
obrigação que não tiver em vista, ou não puder satisfazer ou cumprir".
Enquanto folha de papel em branco, o objeto é
impróprio para a prática de quaisquer crimes, não havendo interesse para o
Direito Penal. A relevância jurídica somente irá despontar quando tal papel é
utilizado de forma ilícita à elaboração de documento, entendendo-se como tal
todo escrito, devido a autor determinado, contendo a exposição de fato ou a
manifestação de vontade, com significação jurídica, momento em que poderá
ocorrer o crime de falsidade documental.
Entretanto, deve ser ressalvado em obediência ao
princípio da reserva legal, que os dispositivos do Código Civil mencionados
devem ser traduzidos no campo penal pela fórmula genérica inserta no art. 299
do CP (crime de falsidade ideológica), de forma a retratar as elementares
objetivas e subjetivas: "Omitir, em documento público ou particular,
declaração que nele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração
falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito,
criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante."
Os núcleos do tipo citado (omitir, inserir ou
fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim
de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante) são equivalentes às expressões da lei civil (quando
contiverem declaração, confissão, ou cláusula não verdadeira; quando os
instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados, exigindo para que
este se caracterize, que haja a intenção de prejudicar a terceiros ou de violar
disposição expressa de lei), o que ratifica o posicionamento de ser a simulação
modo de execução de crimes.
O crime de falsidade documental material
ocorrerá sempre que for elaborado documento, mediante simulação, a partir da
obtenção ilícita (mediante fraude, coação, erro, dolo, ou oriunda de furto,
roubo ou apropriação) da folha de papel em branco, inserindo-se em seu conteúdo
declaração falsa, com atribuição de autoria à vítima (confissão de dívida), ou
declaração que não mais se pretendia inserir no seu contexto (revogação do
mandato que outorgava poderes ao procurador para dar quitação de dívidas), com
finalidade de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre
fato juridicamente relevante. Ao revés, o crime de falsidade documental
ideológica terá lugar se o conteúdo for diverso do que deveria ser inserido na
elaboração do documento, eis que confiada a sua confecção ao detentor da folha
de papel em branco já subscrita pelo signatário, e ainda, se ocorrer a
simulação de ato jurídico em desfavor daquele que manifestara a sua vontade e
já subscrevera o documento antes da sua elaboração.
Ainda cumpre assinalar que o abuso da folha de
papel em branco de forma a caracterizar crime recai em documentos públicos e
particulares, podendo caracterizar o crime de falsidade material ou ideológica
de documento público ou particular, verbia gratia, a fabricação de procuração
pública, simulando a outorga de poderes entre duas pessoas, com aposição do
sinal do tabelião, conferindo-lhe autenticidade, sem que haja o preenchimento
dos claros do papel, que ainda não é documento; ou a elaboração, mediante
simulação, de escritura pública.
ENEIDA ORBAGE DE BRITTO TAQUARY é Delegada de
Polícia Civil do Distrito Federal e professora do UNICEUB - Centro
Universitário de Brasília.
Retirado
de: Http://www.direitopenal.adv.br
Palavras chaves: simulação espécie fraude