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A NECESSIDADE POLÍTICA DA

MICROCRIMINALIDADE

NA MANUTENÇÃO DO ESTADO E DA ELITE

 

Júlio César Rocha Guimarães

 

"Mas Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve.

De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele;

e, se um membro é honrado, com ele todos se regozijam." – (Coríntios)

 

O cidadão comum quer segurança e garantia, princípios socio-políticos fundamentais em qualquer sociedade. Dentre todas as perspectivas modernas, é inquestionável a do crime repercutir negativamente no meio social, afligindo e desestabilizando os seus integrantes, que buscam no Estado a solução para findar com a insegurança existente.

Na idade média, o inferno de Dante inspirava o temor pugnado pela religião e, ocupando a mente do homem mediano, criava um ambiente propício à tutela da igreja. Para o combate ao mal, os defensores do "bem" necessitavam de uma épica apologia ao mal, movidos pelo mesmo desejo inconfessável de riqueza e poder. Passados os séculos, esta mesma fórmula é utilizada por uma elite distinta do meio social. Usam dos recursos da ciência e tecnologia disponíveis para sondar a alma humana, e assim, descobrir seus anseios e temores. Buscam, de todos os modos, encontrar artifícios que seduzam não somente o homem mediano, mas todo ser humano.

Um pacto, entre o Estado e uma elite, perpetua-se, sem ética ou escrúpulos para com os demais; na busca incessante pelo poder tudo é válido e permitido, desde que preservados os que possuem brancos colarinhos, punhos de seda, títulos e uma estirpe "nobre"; estes sim, sentem-se como filhos dos deuses do Olimpo, seres a parte, acima dos homens comuns e das leis.

Modelam um paradigma discriminador, dividindo os homens em bons e maus, ricos e miseráveis. Utilizando de um "modelo personificado do criminoso", afastam qualquer embate social a respeito das causas condutoras ao crime, que se encontram, em quantificação considerável, presentes no próprio Estado e na classe detentora do poder, "verdadeiros aguadouros do crime".

Encaram o indivíduo enquanto sua existência orgânica e não social, compreendendo o crime como vontade exclusiva do seu autor. Um autor não-humano, desregrado do sistema, inferior e diferente, que, possuidor do livre arbítrio, escolheu o percurso da criminalidade.

A mídia é um dos recursos mais poderosos na formação de opinião, e tem exagerada fixação num modelo personificado de criminoso, e estas informações propagam-se pelos meios de comunicação, fazendo que se transfira a discussão resolutiva da criminalidade, buscando estabelecer assim um fator determinante generalizado, projetando criminosos, marginais e facínoras biológicos, instigando na sociedade o desejo da expurgação destes seres maléficos de nosso meio, fiel aos modelos de que se serviram o aparthaid, o nazismo e a inquisição.

Deste estigma, se aproveitam a elite econômica, os detentores do poder e, em especial, os que aspiram ter em mãos tanto o domínio econômico quanto o político. Para tal fim, usam a mesma e antiga fórmula usada pela igreja medieval, o inferno é substituído pela micocriminalidade na figura demoníaca do delinqüente. Buscam alcançar, através do pleito eleitoral, um prestígio que as benesses que o Estado proporciona aos seus dirigentes e sectários oficiais.

O Estado, objetivando a estabilidade e o status vigentes, ausenta-se do discurso das causas criminais, o que necessariamente faria aflorar o seu atuar omissivo, transferindo a revolta "sociedade-estado" para "sociedade-indivíduo", isentando-se de qualquer participação.

Seduzida e aterrorizada, esta sociedade compactua com o Estado, delegando o poder de extirpar, definitivamente, todo aquele que momentaneamente praticou uma conduta discordante do ordenamento jurídico penal. Cruelmente querem substituir as condições básicas para a formação do indivíduo e os direitos humanitários pela segregação e, a recuperação pela pena de morte. Transforma-se a sociedade em um verdadeiro "Esquadrão da morte social", aos moldes dos circos romanos, desejando a exclusão destes indivíduos do seu convívio, aplaudindo as várias conjecturas formuladas: penas severas, torturas, prisão perpétua, campos de segregação e, finalisticamente, a pena capital, a ser aplicada pelo Estado. É o "efeito manada" que arrasta os incautos, oportunistas e os submissos, que, muitas vezes portanto saber e autoridade, se deixam seduzir por uma ética bizarra, onde as feridas da microcriminalidade encobrem um terrível câncer macrocriminal.

Dirigentes e detentores do poder, quando devidamente instruídos e amadurecidos na tarefa, compreenderão bem o que o mestre de Tarso quis dizer quando instrui sobre o corpo e seus membros. Saberão colocar-se como membros necessários ao bom funcionamento do corpo, entendendo que sua disfunção poderá afetar a estrutura do todo, pois as necroses periféricas são reflexos de grave moléstia sistêmica, muitas vezes invisível aos olhos do cidadão comum, quanto mais aos do ser humano excluído socialmente, ou que se embrenhou nos caminhos do crime. E sabe-se que o exemplo é força moral. De outra forma não terão condições de exemplificar.

A idéia divulgada pelos administradores oficiais, infelizmente predomina, e a sociedade está, por isso, entregue à desordem e, consequentemente, ao domínio dos que se beneficiam com esse estado de coisas. A enfermidade não consiste na pessoa do criminoso, e tão pouco somente nos delitos criminais, é mais abrangente e sutil, está na consciência diplomática dos homens inteligentes e polidos que respondem pela sociedade. Cometem um genocídio social, agrilhoando eternamente o indivíduo excluído ao tronco da criminalidade, conveniente à manutenção de seus currais eleitorais e também de seus negócios – MERCADORES DA FALSA ESPERANÇA - que vendem promessas, horizontes perdidos, segurança, dignidade e tudo mais que por direito o ser humano deveria ter de fato.

Retirado de: http://www.direitoejustica.com/cgi-bin/links/jump.cgi?ID=6702&Title=A%20Necessidade%20Política%20da%20Microcriminalidade%20na%20Manutenção%20do%20Estado%20e%20da%20Elite

Palavras chaves: necessidade política microcriminalidade manutenção estado elite