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A SEGURANÇA SIMBÓLICA

Mauro Borba
 

                        O PARADOXO DA SEGURANÇA

                        Entre as principais necessidades e aspirações da sociedade humana, encontra-se a segurança jurídica. Não há pessoa, grupo social, entidade pública ou privada que não tenha necessidade de segurança, para atingir seus objetivos e até mesmo sobreviver.
                        Contudo, pelo fato de ser quase unânime o reconhecimento dessa necessidade, muitos passaram a considerar a segurança como um dos objetivos fundamentais da ordem social.


                        Essa idéia não coloca a segurança no seu lugar, como  instrumento a serviço do homem para atingir seus objetivos fundamentais, mas é a própria segurança que se converte em objetivo.


                        Pior é quando a segurança se transforma em obstáculo à preservação da dignidade humana. Isso ocorre quando ela passa à condição de objetivo supremo e primordial ao qual todos devem obedecer, devem ficar subordinados, concebendo a segurança como um valor em si, colocada acima da moral e do direito, admitido que todos os valores fundamentais do homem sejam sacrificados desde que haja segurança.
                        Essa é uma concepção formalista  e estática que subverte a ordem jurídica e transforma os organismos públicos em instrumentos de coação. A partir daí, como a prática tem demonstrado, a segurança passa a ser um pretexto para  a violência, o que leva a um paradoxo: onde se exalta demais a segurança, a sociedade não tem segurança.

 

                        O DIREITO PENAL E A SEGURANÇA PROMETIDA

                        No direito penal é onde mais se sente essa preocupação com segurança.
                        Isso decorre de uma concepção ultrapassada  que tem o direito penal como a solução para os problemas da violência da sociedade; o remédio para todos os males, calcado num modelo que prioriza a repressão e institui uma espécie “Direito Penal do Terror” (criação de um clima de guerra, em que o criminoso é visto como um inimigo a ser alvejado; sanções penais violentas; discurso penal marcado pela demagogia; criação de tipos penais sem critério, que não a necessidade contingente e por vezes falsa, ou tendenciosa, de obter da população, condutas ou omissão de condutas .
                        O direito penal assim considerado tem a promessa e a solução para a violência e a criminalidade: a prisão e a pena. Para justificar tal promessa, identifica a criminalidade como atributo de uma minoria qualificada como, bandidos ou marginais. A violência criminal é identificada como uma violência individual de uma minoria. Essa concepção habita o imaginário social e é constatada através de um simples exemplo, que é o seguinte: eu sou um bom motorista, mau motorista é o outro. O outro, por sua vez, também se considera um bom motorista, atribuindo a mim ou a um outro a condição de mau motorista, ou seja, nós somos, todos, bons motoristas,  mas o trânsito não funciona, porque os maus motoristas são os outros. Essa idéia é transferida para o direito penal que identifica os criminosos como os outros. Os marginais ou elementos, uma minoria, portanto.


A idéia da pena como solução para a violência, acaba por sustentar o movimento político criminal hegemônico do Brasil neste findar de século, o movimento da lei e ordem, que é um modelo de combate, de guerra contra a criminalidade. Vê o criminoso como inimigo a ser combatido com a exasperação da pena prometendo a sua ressocialização.
                        Em nome dessa idéia de combate, intimidação e ressocialização se justifica a existência da prisão e do sistema penitenciário, sob a promessa de que esse sistema nos dará segurança prometida.


                        Contudo a elaboração de leis ad hoc, com o intuito de criar a intimidação no potencial criminoso, através da exasperação da pena, como a lei dos crimes hediondos, acaba por não atingir tal objetivo, pois não  há nenhuma comprovação de redução da prática daqueles crimes, após a promulgação da referida lei. Quem seqüestra, estupra, ou mata para roubar não refreia seu agir sob a intimidação da pena. É ingenuidade pensar que tal criminoso, na iminência do delito, vai parar e pensar que está cometendo um crime que é mais rigorosamente apenado do que outros e, em razão disso, deixar de cometê-lo ou cometer um menos grave.


                        Evidente que a intimidação não serve como forma de combate à violência, assim como a pena ou a prisão não reabilitam ou ressocializam o preso ou o apenado. A prisão ao invés de reduzir a criminalidade, ressocializando o condenado produz efeitos contrários a tais objetivos eis que na verdade cria ou recria a criminalidade, basta ver os índices de reincidência.


Paradoxalmente, no entanto essa idéia é retroalimentada cotidianamente pela mídia, através de uma banalização da violência sem precedentes. A mídia todos os dias tenta nos convencer que o inimigo é o outro, é o marginal o elemento que assalta, estupra ou furta, esquecendo do fraudador, do sonegador, do falsificador de remédios, ou do político corrupto.
                        Por um processo banal de repetição da mentira, (de tanto conviver com ela acostuma-se com sua existência, passando-se a aceitá-la) cria-se o fenômeno da retroalimentação e passa-se a acreditar na falsa mensagem  que incute o medo e o medo faz com que se peça “justiça”, uma justiça travestida de repressão, que se expressa na exasperação da pena e na prisão como forma de combate  a criminalidade.
                        Contudo o discurso é falso.


                        O criminoso não é só outro, mas muitas vezes está  no nosso lado e usa gravata. Pensa-se que é só outro, em razão de um processo de condicionamento. O crime é identificado no outro, não porque o outro concentra potencialmente propriedades criminógenas na sua personalidade, mas porque, pela sua  condição social, tem  mais chance de ser identificado como criminoso.


                        Por outro lado a solução que preconiza a exasperação da pena e da prisão não aplaca a violência nem ressocializa o preso, antes recrudesce a criminalidade e consolida carreiras criminológicas, constituindo-se a prisão numa terrível escola de aperfeiçoamento de criminosos.


                        Pensar a criminalidade fora dessa, implica a revisão da pena e da prisão como soluções para ela. Pensar que a criminalidade não é atributo de uma minoria marginal, implica admitir que os do outro mundo, também são potencialmente criminosos e aí a pena e a prisão já não mais se mostram suficientes, porque, admitindo uma maioria criminosa e tendo a pena e o sistema penitenciário como solução, isso, no mínimo, implicaria a total inviabilidade física do sistema de atender à demanda.
A conclusão que daí decorre e que serviu de mote para o presente trabalho é a de que a promessa do direito penal, de combater a criminalidade e a violência, com a exasperação da pena  e o revigoramento da prisão, além de não garantir a segurança prometida, acaba reconstruindo, seletivamente a criminalidade.

 

                        REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

“A Ilusão da Segurança Jurídica – Do controle da violência à violência do controle penal”, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1997.


“Dogmática e Controle Penal: Em busca da segurança jurídica prometida”, em “Teoria do Direito e do Estado” de Leonel Severo Rocha (org.) Sérgio Fabris Editor, Porto Alegre, 1994.
 

Retirado de: www.ajuris.org.br

Palavras Chaves: segurança simbólica comprometida direito penal