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A menoridade é carta de alforria?
Rolf
Koerner Junior
"Hoje em dia toda a gente fala dos "jovens". À excepção dos jovens, evidentemente, que têm mais que fazer."(1)
1. Introdução
A Constituição Federal dispõe, pela regra do art. 228, que
"São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especi-al." Contudo, em Brasília, intenta-se alterar
a disposição constitucional. Na Câma-ra dos Deputados, tramita Proposta de Emenda
à Constituição nº 301/96, do Sr. Deputado Federal Jair Bolsonaro e outros, nos
termos do art. 60 da Carta Magna. A proposta contém 173 assinaturas válidas, 12
que não conferem, 3 repetidas e uma assinatura de Deputado licenciado.(2)
Eis o texto da referida Proposta:
"Proposta de Emenda à Constituição n º 301, de 1996”
(Do Sr. Jair Bolsonaro e Outros)
Dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal.
(À COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃO)
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos ter-mos
do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emen-da ao texto
constitucional:
"Art. 228. Os menores de dezesseis anos são inimputáveis,
sujeitan-do-se às normas da legislação especial."
JUSTIFICAÇÃO
Considerando que a realidade de nossos dias demonstra que o
adolescente com idade de dezesseis anos já possui discernimento sufi-ciente
para avaliar os danos que causa os atos ilícitos, bem como cri-mes, que
pratica, somos levados a propor a mudança do citado artigo.
Conhecedores da inimputabilidade dos detentores de idade inferior
aos dezoito anos, os imputáveis os incitam ao crime, usando-os como baluarte de
suas idéias e planos criminosos.
Sabemos que a mudança da idade não irá prejudicar àqueles que
levam uma vida regrada dentro dos princípios morais e da boa convi-vência,
independente da condição social de que desfrutam.
Sala das Sessões, em 07/12/95
Deputado JAIR BOLSONARO - PPB/RJ."(3)
Regimentalmente, no Egrégio Conselho Nacional de Política Criminal
e Peni-tenciária, do Ministério da Justiça, o feito foi-me distribuído para
Exame e Parecer, conforme despacho de seu Presidente, Dr. Paulo R. Tonet
Camargo, proferido em 22 de abril de 1996.(4)
Quero, ainda no início deste Parecer, deixar revelada a idéia genérica
que te-nho acerca da questão que doravante analisarei: acaso emendada a
Constituição Federal, pouco poder-se-á fazer para prevenir e reprimir a
criminalidade que, ape-sar da emenda, recrudescerá em nosso País, acaso não
tomadas providências ex-tralegais urgentes. Aliás, se a proposição de
parlamentares relaciona-se a crimina-lidade juvenil por eles tidas como
alarmante, posso-lhes dizer que aí está uma primeira distorção. Para o Fórum
Nacional de Defesa da Criança e do Adolescente, "Segundo levantamentos
realizados em vários Estados do Brasil, os crimes prati-cados por maiores de 18
anos representam cerca de 90% do total. Assim, os adoles-centes estariam
praticando apenas 10% das infrações. Obviamente, pois, o proble-ma da segurança
pública e sua solução não se resume, nem pode ser centrado, em torno das
particularidades de fração tão pequena deles, ou seja, aquelas praticadas por
adolescentes".(5)
Cientificamente, a mudança de conteúdo da apontada norma
constitucional (art. 228) não é a solução - a curto, médio e longo prazos -
para problemas (serís-simos) que o Brasil tem (e enfrenta ou não quer
enfrentar) no campo da repressão e da prevenção da criminalidade, de atos
infracionais e de fatos nocivos ao grupo. Movimentos de Lei e Ordem que se
disseminam mundialmente não propõem ape-nas o endurecimento de apenação
criminal, mas o alargamento de competência punitiva do Estado, pelo uso e abuso
de normas incriminadoras e sancionadoras. Claro que, no Ministério da Justiça,
atualmente, essa não é a fórmula utilizada para o enfrentamento de questões de
segurança pública, porque, no seu discurso de posse, o Exmo. Sr. Ministro
Professor Nelson Azevedo Jobim asseverou que "Não se confunda a política
de segurança pública com política de ação policial" ou "Não se pode
pretender, e esta é a visão que passa por dentro do Ministério e por dentro do
Governo, que as questões de segurança pública neste País sejam resolvidas
ex-clusivamente com agravamento da (u)capacidade repressiva do
Estado(/u)."(6)
Realmente deve ser assim e é desse modo que enfrentarei o problema
da re-dução de idade para a antecipação da capacidade de culpa criminal, agora
em 18, para 16 anos. Amplamente discutido preteritamente, a novidade de tal
critério é nenhuma, data venia, e mais uma vez constitui um desserviço para o
povo brasilei-ro.
Nesse instante ainda, quero lembrar de Heleno Cláudio Fragoso. Há
muito tempo, o saudoso professor de Direito Penal, um dos maiores da América
Latina, homenageou o criminólogo Alfonso Quiroz Cuarón. Porque falecera Cuarón,
foi-lhe prestada homenagem em livro, no qual está o artigo Ciência e
Experiência do Direito Penal, escrito por Fragoso. Quando, no caso, o
proponente da emenda constitucional explica a sua necessidade porque "os
imputáveis os incitam - os menores de 18 anos - ao crime, usando-os como
baluarte de suas idéias e planos criminosos"(7), Fragoso, há muitos anos,
indagava: "Como justificar que um indivíduo seja punido em função da
conveniência da pena relativamente a terceiros? Corre-se aqui o risco de uma
instrumentalização do magistério punitivo, misturando-se o homem, como já
observava Kant, com o direito das coisas."(8) Entretanto, o que há também
de importante em Ciência e Experiência do Direito Penal é a confissão de um
juspenalista sobre apresentar-se em crise o Direito Penal, "pelas
discrepâncias entre a ciência e a experiência" ou "Elaboramos um belo
sistema de Direito Penal e, afinal, ele serve para quê? Como funciona
efetivamente?"(9)
Nessa linha de entendimento muita coisa vem se escrevendo no
Brasil de nosso tempo porque aqui, ademais, aconteceu uma mudança radical de
consciência e que teve o seu nascedouro no momento da morte do regime militar.
Politicamen-te o jurista passou a se comprometer com a realidade de seu tempo e
a cidadania oxigenou seu discurso. Relembrada a figura exponencial do jurista
Heleno Cláudio Fragoso, deve-se reclamar "menos Direito Penal" para o
Brasil.(10)
Na década de 1980, o vaticínio do penalista do Rio de Janeiro era
o de que "A criminalidade aumenta, e provavelmente continuará aumentando,
porque está ligada a uma estrutura social profundamente injusta e desi-gual,
que marginaliza, cada vez mais, extensa faixa da população, apre-sentando
quantidade alarmante de menores abandonados ou em estado de carência. Enquanto
não se atuar nesse ponto, será inútil punir, como será inútil, para os
juristas, a elaboração de seus belos sistemas."(11)
Não é sem razão que, no Brasil da atualidade, as construções
jurídicas, mui-tíssimas não jurídico-criminais, dêem especial destaque à
efetividade da lei ou se ela vem produzindo ou realizando aquilo que, pelo
legislador, propôs realizar. Efficere significa produzir, realizar ou qualidade
do que seja efetivo: estado ativo de fato.(12) Para crianças e adolescentes, os
menores de antigamente, muita coisa existe por fazer em nosso País, daí que as
normas constitucionais e penais e as do Estatuto da Criança e do Adolescente
ressentem-se de efetividade porque não vêm gerando os efeitos que delas seria
normal esperar. Então, como costuma acontecer na América Latina, o problema é
outro. Porque muitas são as leis dos países que a integram e porque na maioria
dos casos elas nunca são respeitadas, mais janelas se abrem para o aumento da
violência social. Contudo, paralelamente, ao se avoluma-rem os comportamentos
nocivos para o grupo, mais lei se exige ou seu endureci-mento e, agora, a sua
extensão a categoria de pessoas preteritamente estranha ao Sistema de Justiça
Criminal, criando-se, enfim, um círculo vicioso que, se já com-prometeu o Sistema
Legal, fará aventurar, irremediavelmente, nessa ousadia de ingênuo, também o
Sistema de Justiça Criminal.
Acaso o Legislativo Federal emende a Constituição Brasileira e de
conse-qüência modifique outras leis subseqüentemente - p.e., o Código Penal e o
Estatu-to da Criança e do Adolescente - o menor de 18 e maior de 16 anos, que,
hoje, se constitui no vilão da estória (ou especial tipo de clientela alheia ao
arcabouço puni-tivo), será depois sucedido por quem, se depois, ainda, a
criminalidade recrudes-cer?
Ora, há muito tempo escrevi assim acerca de mudança na legislação
penal brasileira. Por exemplo, a reforma de 1977, encomendada ao Ministro
Armando Falcão, da Justiça, orientou-se pela falsa premissa de que o Direito
Penal seria o verdadeiro, quiçá o único, culpado pelos descalabros arrolados na
Exposição de Motivos de 22 de fevereiro de 1977 (13). Esquecido da calamitosa
situação de dominação de todo um povo, inaugurada em março de 1964, o Ministro
Falcão, longe de pretender a elevação do Direito Penal em sua dignidade
científico-finalística, na visão de um liberalismo convicto, preferiu remendar
a legislação pu-nitiva - porque, para ele, aí estaria a fórmula de salvação -
ante os seguintes pro-blemas que ele detectou e apontou em sua Exposição de
Motivos: "Essa impunida-de, não obstante a condenação, tem danosas
conseqüências: escandaliza a opinião pública, constitui estímulo ao delito,
fomenta clima e sentimento de insegurança pessoal, gera corrupção no organismo
policial, desacredita a função intimidativa da pena e desprestigia a Justiça,
fatos capazes de comprometer a paz social." (14)
Não deu em nada a reforma de 1977 e, obviamente, nem tinha que dar
al-guma coisa (15). Em 1980, ascendendo, estatisticamente, a criminalidade, e
re-crudescendo, qualitativamente, a violência, máxime nas infrações
patrimoniais, o Governo Federal voltou à carga.
Petrônio Portella era o Ministro da Justiça. Pela Portaria n º
167, de 22 de fe-vereiro de 1980, interessava à União fosse apresentado um
"minucioso plano que servisse de base às providências executivas no
tratamento das graves questões, à luz de princípios científicos
modernos."(16) Já se acenava para a futura reforma, a de 1981, que
culminou no surgimento de uma Nova Parte Geral ao Código Penal em substituição
à de 1940 (Lei n º 7.209, de 11 de julho de 1984, nova redação aos artigos 1 º
a 120, do Código Penal). Nessa época, à frente do Ministério da Justiça,
Ibrahim Abi-Ackel esteve ministro. Seu antecessor, Petrônio Portella, tinha
faleci-do.
Passado e voado o tempo, mais leis - de endurecimento punitivo -
surgiram no Brasil.
Dois marcos fundamentais merecem ser referidos, no sentido de lhes
apre-sentar as duas razões de aparecimento da Lei n º 8.072, de 25 de julho de
1990.
A primeira posiciona-se para nós com o fim de já Velha República
Golpista de 1964. Vinte anos depois, imaginava-se que, em 1984, Tancredo Neves
consegui-ria, porque forças arregimentaram-se buscando, pelo direito penal, a
paz para o Brasil, "desencadear um processo de tomada de consciência e de
aprofundamento da transição democrática." (17) Sobre o panorama da época,
a Comissão Teotô-nio Vilela pintou, assim, o nosso País para Tancredo Neves:
"O Brasil foi conduzi-do a um tipo de guerra civil não declarada, que
desvenda um quadro tão grave de desrespeito aos direitos humanos como nunca se
suspeitou no País." (18)
Esse primeiro marco era imediatamente anterior ao início da
vigência das Leis nºs 7.209, de 11 de julho de 1994 (Nova Parte Geral de Código
Penal), e 7.210, de 11 de julho de 1994 (Lei de Execução Penal), ocorrida a
partir quase do fim da primeira quinzena de janeiro de 1985.
Já a segunda razão tem a ver com a Constituição Federal de 5 de
outubro de 1988.
Procurava-se, no Brasil, por exemplo com a Lei nº 7.209, de 1984,
fazer frente "às exigências da sociedade brasileira. A pressão dos índices
de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como
resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no
incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia
da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos
instrumentos jurídicos de contenção do crime, ainda os mesmos concebidos pelos
juristas na primeira metade do sécu-lo." (19) Contudo, transcorrido tempo,
as coisas ainda assim estavam com a lex nova, até que, com a
Constituição Federal de 1988, pretendeu-se dar um basta a certa espécie de
criminalidade, nominada como hedionda, ou, nas pala-vras de seu art. 5 º, n º
XLIII, "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os definidos como hediondos, por eles respondendo os
man-dantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;".
Meios legais destituídos de alguma cientificidade não impediram
que advi-essem, para o País, as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990, e
8.930, de 6 de setem-bro de 1994; a primeira dispondo sobre os crimes hediondos
e a segunda dando nova redação ao art. 1º daquela. (20) Quer-se, aqui e agora,
tecer alguns comentários acerca dessas leis.
Não me filio às construções jurídico-alternativas, porque sempre
acreditei que a Ciência do Direito, particularmente a Ciência do Direito Penal,
tem princípi-os - elementares até - pelos quais se regulamenta, como freio
efetivo lhe imposto inarredavelmente, o poder estatal. Politicamente, é o
Direito penal uma das garan-tias individuais ou garantia da liberdade. Versando
sobre "A presunção constituci-onal de inocência" (21), o Professor
Luiz Alberto Machado apresenta-nos, assim, "Uma visão do Estado A visão
que se tem do Estado é a de que substitui o sobera-no absoluto, que tudo podia.
O Estado de hoje, na visão terceiro-mundista, pode tudo; Estado de direito é o
que obedece às suas leis, qualquer lei, pouco se impor-tando com a capacidade
de o administrado entendê-las, aceitá-las e sentir o seu comando. Ora, como diz
Tércio Sampaio Ferraz, o Estado não é "o outro" mas, in-ternamente,
uma relação de poder entre as minorias e facções que o compõem (Ni-cos
Poulantzas); quem necessita da lei, dizia o saudoso M. Seabra Fagundes, é a
minoria; à maioria, a maioria basta. Portanto, Estado de direito é o que
obedece às suas leis legítimas, aquelas que são criadas a partir da consciência
coletiva do povo quanto à sua necessidade, aquelas que são capazes de ser
entendidas e que, portan-to, provocam a possibilidade de auto-determinação; já
disse um jus-filósofo alemão que lei ilegítima é uma não-lei." (22)
Machado também explica que "o direito criminal é, antes e acima de tudo, o
regulamentador do monopólio da força do Es-tado, como ensina Bobbio: a
sociedade, ao sair do Estado da natureza (em que tudo é permitido) para o
Estado de direito (em que alguma coisa é proibida) em antago-nismo ao Estado
ditatorial (em que alguma coisa é permitida), se institucionaliza pela força;
mas, ao se organizar politicamente - "O poder político pertence à cate-goria
do poder de um homem sobre outro homem, mas não à categoria do poder do homem
sobre a natureza" (Norberto Bobbio, O significado clássico e moderno de
política, p. 12) -, a sociedade deve, ao mesmo tempo que mantém o monopólio da
força - "Este processo de monopolização caminha pari passu com o
processo de criminalidade e de penalização de todos os atos de violência que
não sejam realizados por pessoas autorizadas pelos detentores e beneficiários
deste monopólio" (Norberto Bobbio, O significado clássico e moderno de
política, p. 12) -, regulamentar a sua utilização: "Por Estado se deve
entender uma empresa ins-titucional de caráter político, na qual - e na medida
em que - o aparelho admi-nistrativo consegue monopolizar a coerção física
legítima" (Max Weber, Economia e società, Milano, 1961, v. 1, p.
53)." (23) Contudo, princípios elementares, para a compreensão da ciência
penal, seri-am os da legalidade, da intervenção mínima, da lesividade, da
humanidade e da culpabilidade, aliados aos demais tornados letra viva na
Constituição Federal, por exemplo, do devido processo legal, da pessoalidade,
da proporcionalidade, do con-traditório, da ampla defesa, da presunção de
inocência e da individualização, afora outros ainda, como da prova lícita etc.
Ora, se cotejados os dispositivos legais antes aludidos com tais
princípios, chegar-se-á a conclusões que atestam a sua inconstitucionalidade,
tamanho o des-respeito do legislador àquilo que é elementar ou é próprio para a
América Latina. Sem dúvida, escreveu Emilio Garcia Mendez sobre "De como
considerar seriamen-te os direitos e garantias do cidadão", à guisa de
prefácio à obra de Nilo Batista (In-trodução Crítica ao Direito Penal
Brasileiro): "Sempre achei que o direito penal tra-dicional tinha muito
pouco de liberal na acepção original do termo, isto é, vincula-do à produção de
garantias para o cidadão. Foi precisamente este direito penal li-beral, em
nossa recente história latino-americana, que "se adaptou às
circunstânci-as" dos diversos autoritarismos, oferecendo legitimidade ao
justificar o caráter ex-cepcional das rupturas estruturais da ordem
jurídico-democrática." (24)
Afora desarrumar nossa ciência jurídico-penal, pois que atentam
contra as suas facetas (sistemático, coerente, uniforme, ordenado etc.,
deve ser todo o saber científico), tais leis foram ditadas para o Brasil em
atendimento de razões de falsa Política Criminal, "numa sociedade dividida
em classes, na qual os inte-resses de uma classe são estrutural e logicamente
antagônicos aos da outra?", es-creveu Nilo Batista (25). Mas, deixou-se
levar o legislador pela força da mídia e para o atendimento de interesses
minoritários, porque, antecedentemente ao ad-vento da Lei n º 8.072, de 25 de
julho de 1990, São Paulo e Rio de Janeiro vivencia-ram os seqüestros de Diniz e
Medina, alheios, contudo, a situações outras que se disseminavam Brasil afora,
cujas personagens (=vítimas) não integravam a classe "conservadora"
ou a "elite" e nem tinham a força para impor o "controle
social", desatendida, assim, a função cultural e valorativa do direito
punitivo ou, nas pala-vras de Aníbal Bruno, "sabemos como as sociedades
humanas se encontram liga-das ao Direito, fazendo-o nascer de suas necessidades
fundamentais e, em seguida, deixando-se disciplinar por ele, dele recebendo a
estabilidade e a própria possibili-dade de sobrevivência." (26)
Ora, ao encampar a regra constitucional que tratou dos crimes
hediondos, lei ordinária pôs e ainda põe em xeque o Sistema de Controle Social,
no qual se adici-ona o de Justiça Criminal, e, gravemente, mostra-nos a
República Federativa do Brasil descompromissada para com garantias e liberdades
fundamentais, enfim alheada de sua natureza de Estado Democrático de Direito
(CF, art. 1º), com atua-ção dissonante à fonte de seu poder, o qual emana do
povo, diz-se na Constituição Federal, pela regra do parágrafo único do artigo
primeiro.
2. O Paraná (em 1994): minha atividade na SESP.
Pelo exercício do magistério superior, foi na Secretaria de
Segurança do Pa-raná que, entre abril a dezembro de 1994, pude executar
programas voltados espe-cialmente à criança e ao adolescente.
Em relatório de atividades intitulado de Anos em Meses anotei o
seguinte: não há quem não se preocupe com os problemas sociais em que há
crianças e ado-lescentes envolvidos, ativa ou passivamente. Com inúmeros órgãos
do Estado, o Governo do Paraná firmou Termo de Cooperação Técnica ao fim de
fazer cumprir, rigorosamente, as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n.º 8.069/90). Com a criação do Centro Integrado de Atendimento ao
Adolescente In-frator - CIAADI, a SESP teve decisiva participação, inclusive na
elaboração de seu Regimento Interno, onde destacou ser louvável a iniciativa
que, mais uma vez, enaltece o pioneirismo e a integração alcançados nessa
experiência vanguardeira do nosso Estado.
Inúmeras sessões, com o Ministério Público, foram realizadas, na
Academia Policial Militar do Guatupê inclusive, para o aprimoramento cultural e
técnico de policiais militares.
Aliás, em 24 de maio de 1994, por ofício ao Ministério do
Bem-Estar Social, em Brasília, o Paraná narrou-lhe a maneira de atuação da
Pasta da Segurança Pú-blica e a busca de meios para a capacitação do policial
paranaense, sugerindo-lhe a viabilização de recursos suficientes às Unidades da
Federação na área da Seguran-ça Pública, para que os cursos sobre o tema
"Direitos das Crianças e Adolescentes" obedecessem à uniformidade de
conceitos sempre voltados para a construção de uma nação mais forte e sadia, a
par de atuação necessária em correspondência fiel ao contido na base axiológica
do ECA. Observou-lhe a SESP, ademais, que as experi-ências positivas já
consolidadas poderão nortear também o trabalho policial, atra-vés de atividades
educativas para a cidadania. Sendo o organismo estadual de se-gurança
extremamente polarizado, alcança uma abrangência territorial significati-va na
forma de atuar. A função social da polícia tende a aumentar nos momentos de
crise e essa tendência, portanto, poderá afetar o relacionamento polícia-povo
até mesmo estreitá-lo como contribuição para a diminuição dos conflitos
familiares que podem desaguar no cometimento de delitos ou atos infracionais. A
polícia é povo por excelência. É preciso prepará-la cada vez mais para a grande
participação de suas estruturas na formação de uma juventude mais consciente e
menos carente dos verdadeiros valores da nacionalidade.
Além de a Polícia Militar receber treinamento para não infringir o
Estatuto da Criança e do Adolescente, viabilizou-se, em conjunto com a
Secretaria de Estado do Trabalho e da Ação Social, a adoção de critérios para a
realização de exames de paternidade.
Lembra-se que, em 13 de maio de 1994, na sede do Comando Geral da
Polí-cia Militar, o Comandante Coronel Sérgio Itamar Alves revitalizou o
Projeto PM Criança que, no Estado do Paraná, tinha abrangência diversificada e
os seguintes objetivos:
"a) Capacitação profissional de todo nosso efetivo, de modo a
enten-der a filosofia e as idéias que inspiraram a edição do Estatuto;
b) inclusão no currículo dos diversos cursos da PMPR da disciplina
atinente ao Estatuto da Criança do Adolescente;
c) Programa de Abordagem de Rua, destinado a voluntários PM's;
d) profissionalização de adolescentes, em cursos previamente
estabe-lecidos, dentro dos quartéis;
e) abertura dos quartéis à comunidade; e
f) participação no cumprimento de algumas das medidas
sócio-educativas aplicadas ao adolescente infrator (prestação de serviços à
co-munidade, fiscalização da liberdade assistida)."
De Londrina veio a notícia sobre a PM lançar a Operação Menor
Infrator, em julho de 1994, conjuntamente com a Polícia Civil e a Promotoria da
Infância e da Adolescência e com a parceria do Sindicato do Comércio Varejista.
Encarregou-se o Delegado Jorge Ferreira da totalidade dos inquéritos em que se
investiga o desapa-recimento de crianças. Competente profissional, cuidadoso e
discreto, lotei-o, em caráter especial, em sua sede, quando administrei a SESP.
Assim se agiu com o objetivo de fornecer todos os meios, inclusive materiais,
ao desenvolvimento de seu trabalho, sem esmorecimentos, no firme propósito de
se cumprir o dever de ofício da organização policial paranaense.
Sempre me integrei a tal tipo de trabalho. Fez-se realizar, na
sede da Escola de Polícia Civil, um encontro de que participaram todos os
delegados e policiais militares que, um dia, ocuparam-se das investigações
sobre crianças desaparecidas.
Em sua grande maioria, o afastamento de Delegados deveu-se à falta
da ga-rantia da inamovibilidade que, ainda, infelizmente, não anima o
profissional e o exercício de seu trabalho, maioria das vezes envolvido,
negativamente, pelo jogo ou situações políticas, espúrias, perniciosas - e a
meu ver intolerantes - pelos pre-juízos que causam, muitos deles geradores do
sentimento de descrença nas insti-tuições e de impunidade.
As contínuas mudanças de delegados tornaram descontínuos os
procedi-mentos investigatórios, com evidenciada perda do seu conjunto e da sua
uniformi-dade, indispensável à descoberta da autoria e da materialidade de
ilícitos crimi-nais.
A reunião ocorreu e dados importantíssimos foram repassados ao
Doutor Jorge Ferreira, o que motivou a SESP, depois de escutados diversos
depoimentos de policiais civis e militares e recebido requerimento de Celina e
Beatriz Cordeiro Abbage, dizendo-se vítimas de tortura, a reabrir,
administrativamente, o Caso Guaratuba, para examiná-lo, restritivamente e com
imparcialidade, no ângulo da alegada obtenção de prova por meio ilícito, jamais
autorizado o exame do mérito da questão, hoje devolvida a julgamento exclusivo
do Poder Judiciário.
Com essa experiência obtida no comando de uma instituição estatal,
animo-me para enfrentar as questões - que são muitas - geradas pela Proposta de
Emenda à Constituição n º 301/96.
3. O Brasil e a legislação sobre o menor. Análise histórica.
Pode-se, historicamente, discorrer sobre o tratamento legal
dispensado à questão da criança, do adolescente e do menor-adulto que, hoje,
por estarem for a do Direito Penal, não podem ser autores de fatos puníveis
(art. 228, Const. Fed.; art. 27, Cód. Pen.).
a) Código Criminal do Império de 1830.
O Código Criminal do Império de 1830 continha a seguinte regra:
"Art. 10. Também não se julgaráò criminosos:
§ 1º Os menores de quatorze annos."
O saudoso Professor Manoel Pedro Pimentel, da Universidade de São
Paulo, aponta que "Declaração do Tribunal de Relação da Corte, proferida
em 23 de mar-ço de 1864, assentou que os menores de 7 anos não tinham
responsabilidade algu-ma, não estando, portanto, sujeitos a processo. Entre os
7 e os 14 anos, os menores que obrassem com discernimento poderiam ser
considerados relativamente impu-táveis e, nos termos do artigo 13 do mesmo
Código, serem recolhidos às casas de correção "pelo prazo que ao juiz
parecer, contanto que o recolhimento não exceda à idade de dezessete
anos." (27)
b) O Código Republicano de 1890.
Substituído pelo Código Penal dos Estados Unidos do Brasil
(Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890), adotou-se, em nosso País, critério
diferenciado, pela idade, para a afirmação ou não da responsabilidade penal.
Irresponsável seria o menor infrator com idade até 9 anos (art. 27, § 1º). O
maior de 9 e menor de 14 anos submeter-se-ía à avaliação de magistrado (art.
27, § 2º) sobre "a sua aptidão para distinguir o bem do mal, o
reconhecimento de possuir ele relativa lucidez para ori-entar-se em face das
alternativas do justo e do injusto, da moralidade e da imorali-dade, do lícito
e do ilícito" (28), posto que a capacidade de culpa atrelava-se a obrar o
menor com discernimento.
c) A Lei nº 4.242, de 5 de janeiro de 1921.
Com a Lei nº 4.242, de 5 de janeiro de 1921, seu art. 3º, § 16
excluiu o menor de algum processo quando ainda não tivesse completado 14 anos.
Juntamente com o Decreto nº 16.272, de 20 de dezembro de 1923, buscava-se, no
Brasil, proteger os menores abandonados e delinqüentes.
d) A Consolidação das Leis Penais.
A Consolidação das Leis Penais do Desembargador Vicente Piragibe,
publi-cada sob o título Código Penal Brasileiro, completado com as leis modificadoras
em vigor (art. 1º, Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1922), considerou
como "não são criminosos os menores de 14 annos" (art. 27, § 1º) ou
"abaixo dos 14 anos não havia mais reconhecimento da imputabilidade"
(29). Quando com idade maior de 14 e inferior a 18 anos, submeter-se-ía o menor
abandonado ou delin-qüente "ao regimen estabelecido pelo decreto n.
17.943-A, de 12 de Outubro de 1927, Código de Menores" (art. 30).
e) Projeto Galdino Siqueira.
O Projeto Galdino Siqueira, no seu art. 13, I, mantinha o limite
de idade em 14 anos.
f) Projeto Sá Pereira.
No Projeto Sá Pereira (art. 20), a idade era de 16 anos.
g) Projeto Alcântara Machado.
No Projeto Alcântara Machado (art. 16, nº 1), de 18 anos tratava.
h) O Código Penal de 1940.
Com o advento do Código Penal de 1940 (Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de De-zembro de 1940), que, nesse passo, foi influenciado pelo Projeto
Alcântara Macha-do, o legislador aumentou para 18 anos a idade ou "os
menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas na legisla-ção especial" (30), e não havia como os
considerar diferentemente, porque a re-gra fundamentava-se em presunção juris
et de jure. i) O Projeto Hungria.
No Projeto Hungria, de 1963, fixava-se a maioridade penal nos 18
anos. Admitia, todavia, quando provada a maturidade, excepcionalmente, a
imputabili-dade do maior de 16 anos.
j) O Código Penal de 1969.
No Código Penal de 1969 (Decreto-Lei nº 1.004, de 21 de Outubro de
1969, com as alterações introduzidas pela Lei nº 6.016, de 31 de dezembro de
1973, retifi-cada no Diário Oficial de 6 de Março de 1974), "O limite da
imputabilidade foi mantido, como regra geral, nos dezoito anos.
Excepcionalmente, pode ser declara-do imputável o menor de dezesseis a dezoito
anos, se revela suficiente desenvol-vimento psíquico para entender o caráter
ilícito do fato e governar a própria con-duta." (31)
Se pelo Código Penal de 1940 a inimputabilidade residia num
critério bioló-gico (menoridade), no diploma de 1969 outro era o sistema de sua
residência, ou seja, o biopsicológico, porque o menor entre 16 e 18 anos de
idade responderia pelo fato se revelasse "suficiente desenvolvimento
psíquico para entender o caráter ilíci-to do fato e determinar-se de acordo com
este entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um terço até a
metade", escreveu-se em sua Exposição de Motivos.
Se o Código Penal de 1969 não teve um só dia de vigência em nosso
País, teve-a outro diploma.
l) O Código Penal Militar.
Trata-se do Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de
outubro de 1969), que firmou a imputabilidade, excepcionalmente, aos 16 anos
(art. 50). Nessa parte, encontra-se ele revogado com o advento da Constituição
de 1988. De igual modo aconteceu a revogação da regra do art. 51, do referido
diploma, que tratava da "equiparação a maiores".
m) Lei nº 7.209/84.
Na Reforma Penal de 1984 (Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984)
apenas res-tou alterada a regra do art. 23 do Código Penal de 1940, não quanto
à idade, contu-do. O art. 27 da lex nova estabelece: "os menores de 18
(dezoito) anos são penal-mente inimputáveis, ficando sujeitos às normas na
legislação especial." Sua Expo-sição de Motivos explica que a opção da não
mudança encontrou, na Política Cri-minal, a sua razão. (32)
Quando em vigor no Brasil o Código de Menores (Lei nº 6.697, de 10
de Ou-tubro de 1979) deu-se início à vigência da Nova Parte Geral de Código
Penal (Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984), a qual, presentemente, vigora,
contudo tendo o Brasil outra lei.
n) O Estatuto da Criança e do Adolescente.
Encontra-se ele na lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que
"dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente" (art.
1º) e tornou realidade, no campo infra-constitucional, o conteúdo das regras
programáticas do art. 227 e seus pará-grafos da Carta Magna.
Assim, presentemente, no Brasil, "Considera-se criança a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e
dezoito anos de ida-de" (art. 2º, Lei nº 8.069/90 - ECA). São
menores-adultos aqueles que têm 18 ou mais anos até a idade de 21, para os
quais, excepcionalmente, nos casos expressos em lei, aplica-se o Estatuto (art.
2º, parágrafo único, Lei nº 8.069/90). Regra geral, os maiores ou adultos têm
idade igual ou superior a 21 anos.
4. A Assembléia Nacional Constituinte.
Lido o Diário da Assembléia Nacional Constituinte observei que, no
art. 261 do documento originário, a regra proposta à futura Constituição
Federal tinha o seguinte conteúdo:
"A inimputabilidade dos menores será regulamentada em
legislação es-pecial."
No seio da Assembléia Nacional Constituinte, emendas foram
apresentadas e votos de parlamentares foram colhidos e, aqui, faço referência a
alguns deles (33). Por exemplo: I) o constituinte Deputado Antonio Salim
Curiati formulou à Comissão da Família, Educação, Cultura, Esportes, Ciência,
Tecnologia e Comuni-cação, à Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais e
ao Plenário a seguinte justificativa a uma só emenda de afirmação de inimputabilidade
do menor de 16 anos: "Nos termos do Código Penal, vigente há mais de
quarenta anos, são os me-nores de dezoito anos inimputáveis, isto é, penalmente
irresponsáveis. Ficam, por-tanto, impunes os menores de dezoito anos, pois a
norma penal não os alcança, não obstante pratiquem graves crimes contra a
sociedade. Causa profundos temores o aumento sempre crescente da criminalidade,
que gera a insegurança, mormente nas grandes cidades brasileiras, com a
multiplicação de assaltos à mão armada, homicídios, seqüestros, furtos,
estupros e outros tantos delitos graves, que abalam a ordem jurídica. Ao
Legislador Constituinte cumpre estabelecer providências efi-cazes para conter,
ou quando possível diminuir o índice de criminalidade violenta, para que se propicie
à família brasileira um mínimo de tranqüilidade e segurança. Basta uma leitura
de jornais para se constatar que é alarmante a freqüência de de-linqüentes com
idade entre dezesseis e dezoito anos e que não são punidos penal-mente, de vez
que a responsabilidade penal está posta pelo direito possível a partir dos
dezoito anos. Entendemos que o homem, a partir dos dezesseis anos deve
res-ponder penalmente pelos atos anti-sociais e crimes que venha a praticar,
como está previsto em várias legislações penais do mundo contemporâneo. E essa
é precisa-mente a alteração que introduzimos na política criminal, a fim de que
não fiquem impunes autores de graves crimes contra a coletividade. Com
dezesseis anos de idade, já tem o indivíduo suficiente discernimento para que
possa distinguir entre o bem e o mal e, se prefere trilhar por este último
caminho, deve responder pela sua conduta delituosa e ser alcançado pelas
sanções criminais." (34) Também para a redução da idade (16 anos), o
Constituinte Miraldo Gomes formulou emen-da modificativa. Motivou-a dessa
maneira: "No mundo hodierno que vivemos cuja evolução decorre de vários
fatores de integração do homem na sociedade, com o crescente e dinâmico
processo da cibernética, não mais se admite que a responsa-bilidade penal, pelo
emblema da inimputabilidade, ressalve pessoas na faixa etária abaixo de 18
anos, tão somente. A lógica que promana da experiência de vida diz-nos da
responsabilidade penal que deve alcançar a faixa etária daqueles que contam até
os 16 anos, posto como, nessa faixa etária já são suficientemente cônscios dos
seus deveres e direitos. Por outro tanto, justificamos nosso esposamento,
diante de circunstâncias inarredáveis pelas quais concluímos ser a sociedade de
hoje diferente da sociedade de antanho, na qual, por prática consuetudinária,
pessoas na faixa etária de 16 anos, ainda usavam camisolões. Hodiernamente,
pelo contrário, pessoas nessa faixa de idade já dirigem autos, conhecem a
prática sexual em plena atividade de vida, sem contar com o grau de avanço
noutros setores." Para a Comissão de Sistematização, o Constituinte Nyder
Barbosa apresentou emenda inclusiva de redução da idade para a afirmação da
capacidade de culpa do menor, porque "Os Constituintes devem levar em
consideração que o legislador, ao elaborar o Código Penal, em 1940, fixou a
idade de dezoito anos para o início da responsabilidade penal, tomando por base
a mentalidade do Jovem da época. Ora, hoje, temos que considerar que de lá prá
cá decorreu mais de meio século, e a sociedade passou por significativas
modificações científicas e sociais, fazendo com que mercê da evolução dos meios
de comunicação, o indivíduo aos dez anos já tenha conhecimentos muito mais
amplos das coisas do que uma pessoa que vivia naquela época. Dessa forma, entendemos
que o cidadão, a partir dos dezesseis anos, podendo perfeitamente participar da
vida pública, poderá também arcar com a responsabilidade penal, já que tem
condições plenas de discernimento para saber o que é lícito e o que é
ilícito." (35) Em plenário de votação, o Constituinte Cardoso Alves disse:
"julgo ilógico e injusto outorgar-se o direito ao forum de 16 anos e
considerar-se inimputável, sob o ponto de vista penal, o menor de 18"; II)
cerca de 24 subscritores que tinham emendas propiciaram material para que se
elaborasse a emenda da fusão. Pelo art. 265 proposto, "São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial." Dentre os parlamentares, estava o Senador Nelson Carneiro; III)
pelo Deputado Samir Achôa foi dito: "(...) esta Casa votou o Direito ao
maior de 16 anos de votar. Esta Casa pretende manter inimputável o maior de 16
anos. Sr. Presidente, isto é uma aberração, é motivo de chacota da pró-pria
sociedade brasileira, que independentemente do voto, reclama a punição para os
maiores de 16 anos que cometam algum crime. Isto é um absurdo. O art. 265 do
acordo não pode permitir este absurdo buscando desmoralizar, ainda mais, a
As-sembléia Nacional Constituinte. Aqui fala-se muito em ouvir o povo. Aqui fala-se
muito em direito do povo, em direito de a sociedade participar e decidir.
Desafio o Plenário da Assembléia Nacional Constituinte para ouvir do povo para
saber o que ele pensa a respeito da punição aos maiores de 16 anos. Isto é uma
irresponsabili-dade darmos o direito a voto e impedirmos que seja punido na
fraude, no crime, no estupro, no assalto, no homicídio isto não pode
permanecer. Falo contra não ao acordo geral mas ao art. 265, que não pode ter
sua redação da maneira como está. A Constituição pode ser omissa a respeito,
pode até não fazer constar do seu texto essa heresia jurídica, mas votarmos
contra aquilo que aprovamos é um absurdo. Faço um apelo aos Constituintes, não
votem favoravelmente a este absurdo, por-que maior de 16 anos já tem condições
de discernir, ainda mais quando estabele-cemos o direito de voto. É o apelo que
faço, para que não continuemos sendo objeto de gozações, como estamos sendo.
Faço este apelo em nome da altivez da dignida-de da Assembléia Nacional
Constituinte"; IV) Eraldo Tinoco asseverou: "(...) não há erro em se
colocar o menor de 18 anos como inimputável. Se erro há, é o de se querer
assegurar a essas pessoas o direito a voto, porque é uma questão de idade
psicológica, que, no Mundo inteiro, é consagrado."
Durante o tempo de apresentação de emendas, discussão e votação
delas na Assembléia Nacional Constituinte, o Professor Manoel Pedro Pimentel
escreveu o artigo A Constituinte e a Menoridade Penal, que foi publicado pelo
Repertório IOB de Jurisprudência, na 2ª quinzena de Junho de 1988, nº 12/88, p.
175:
"6. Surge, agora, um fato novo, que deve provocar urgente
modifica-ção do critério adotado. A Assembléia Nacional Constituinte aprovou a
concessão dos direitos políticos aos maiores de 16 anos. O exercício des-ses direitos,
todavia, apresenta o outro lado, relativo aos deveres do ci-dadão, entre eles o
de sujeitar-se ao Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965).
Este Código inclui um Título IV, que trata das Disposições Penais.
No Capítulo II cuida Dos Crimes Eleitorais. Apresenta-se, então uma situa-ção
curiosa: o eleitor maior de 16 anos gozará de todos os direitos políti-cos, mas
será inimputável, não respondendo pela prática dos crimes elei-torais.
A outorga de direitos plenos, para o exercício da cidadania
política, salvo as exceções, permitirá aos menores de 16 anos a prática de
inúme-ras infrações penais eleitorais, sem que venha a responder por elas, a
não ser na forma da legislação especial aplicável aos menores de 18 anos.
Esta anomalia já chamou a atenção dos juristas. Agora, não haverá
ou-tra solução: o Código Penal terá de ser adaptado à nova situação,
estabe-lecendo a imputabilidade penal a partir dos 16 anos, porque a
Constitui-ção reconhecerá, implicitamente, que nessa idade o menor revela
sufici-ente desenvolvimento psíquico para entender o caráter criminoso do fato
e determinar-se de acordo com este entendimento.
Se assim não fosse, como poderia esse menor exercer os direitos
políti-cos, escolhendo os mandatários, quer no Poder Executivo, quer no Poder
Legislativo.
Ruíram, com a decisão tomada pelos constituintes, todos os
argumen-tos que serviam aos defensores da tese vencedora no seio da Comissão da
Reforma Penal de 1984.
Urge, em conseqüência, a imediata revogação do art. 27 do Código
Penal vigente, para adaptá-lo à nova legislação constitucional."
Apesar de seu porte científico, um dos grandes juristas do Brasil,
a reclama-ção do Professor Manoel Pedro Pimentel não foi ouvida pelos
constituintes de 1988 que disseram sim (435), não (8) e abstenção (9) para a
emenda da fusão de que re-sultou a inimputabilidade penal de menores de dezoito
anos, estes sempre sujeitos às normas da legislação especial.
A grosso modo, foi assim que, no Congresso Nacional, em seio
constituinte, discutiu-se a questão da imputabilidade e inimputabilidade.
5. A doutrina penal, antes e depois da Constituição de 1988, sobre
a fixação da imputabilidade.
Não constitui demasia arrolar neste parecer as posições
doutrinárias de nos-sos maiores expoentes da Ciência Penal acerca da
menoridade.
Sem enfrentar a questão, para dizer se estava ou não de acordo com
o critério utilizado pelo legislador de 1940, Anibal Bruno apontou que "o
pensamento fun-damental em referência à chamada criminalidade dos menores, é que
ela não cons-titui matéria do Direito punitivo, mas de um regime tutelar."
(36)
E. Magalhães Noronha, que foi Curador de Menores na Capital
paulista e Di-retor-Geral do Departamento de Presídios, mostra que
"Predomina hoje, entre os países, como regra, que o menor deve ficar fora
do direito penal e que as leis, que o tiverem por objeto, sejam de caráter
tutelar." (37)
Nélson Hungria tinha sempre a pena aguçada. Apesar de em seu
Projeto de 1963 advogar, excepcionalmente, em favor da imputabilidade para o
maior de 16 e menor de 18 anos, admitira, anos antes, em seus Comentários ao
Código Penal (de 1940), que "Não devemos crer no fatalismo da
delinqüência. O próprio adulto inve-terado na trilha do crime é corrigível,
pois, como diz Saldaña, não é ele uma pe-dra"; "(...) é preferível,
sem dúvida, tentar corrigi-lo por meios pedagógicos." (38)
Heleno Cláudio Fragoso que, hoje, tem no filho Fernando Fragoso a
palavra do Direito Penal, asseverava que, sobre a menoridade, "a questão
não é de impu-tabilidade, ou seja, de capacidade de culpa. Os menores estão
fora do direito penal e não podem ser autores de fatos puníveis." (39)
Basileu Garcia dizia que "o problema dos menores está situado
à margem do Direito Penal. Mas neste tem de ser mencionado, porque a imaturidade
é causa de isenção de pena." (40)
Interessante que, mais recentemente, alguns penalistas já partem
para outro tipo de argumentação e de crítica à posição do legislador de 1984.
João Mestieri, ao qual também acrescento a qualidade de um expert advogado
criminal do Rio de Janeiro apenas comenta a possibilidade de "adoção
simultânea de um critério composto de imputabilidade em razão da idade e de um
sofisticado sistema dirigi-do aos menores". Contudo, João Mestieri não
toma posição favorável à adoção des-se critério de exceção. Em Teoria Elementar
do Direito Criminal, admite que o pro-blema da delinqüência juvenil encontra
"melhor sistematização em legislação es-pecial do que em disposições
particulares do Código Penal." (41)
Mas, Paulo José da Costa Junior e Luiz Alberto Machado,
respectivamente da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do
Paraná, sustentam po-sições diferentes. A de Costa Junior não é radical, é
intermediária. Preconiza o re-trocesso no limite da imputabilidade penal (sic),
porém "o fazemos em condições peculiaríssimas, isto é, preconizamos uma
justiça de menores, aplicada e executada por um tribunal especializado, em que
a pena, que não perderá seu caráter aflitivo, deverá ter natureza eminentemente
pedagógica. O jovem infrator será alfabetizado, deverá fazer cursos
profissionalizantes, com a cooperação do Sesi e do Senac. A la-borterapia e a
ludoterapia deverão ser empregadas abundantemente, até que o jo-vem atinja a
fadiga, para esgotar-lhe a agressividade, como se procedia nos tor-neios da
Idade Média, que servia melhor que qualquer divã de psicanalista." (42) A
de L. A. Machado é alternativa: "a "menoridade de 18 anos" (art.
27), mantida acientificamente (hoje não se pode negar que menores de 18 anos
têm plena capa-cidade de entendimento e de autodeterminação. ... Ainda que
assim não fosse, po-rém, poder-se-ía utilizar a norma do Projeto Hungria, pela
qual a menoridade en-tre 16 e 18 anos fixaria a imputabilidade, se, por exame,
o menor fosse capaz de en-tendimento e de autodeterminação)" ... (43).
6. A Constituição Federal de 1988.
Nesse campo, acertadíssima a precaução que teve o constituinte. É
mais que razoável disponha a Carta Magna sobre a inimputabilidade do menor de
18 anos. O conteúdo da cláusula de seu art. 228 é de segurança para aqueles
pequenos bra-sileiros vítimas de um sistema social amplo sensu opressivo com
quem também brasileiros, jamais racionalmente, querem guerrear (44). Tenho para
mim que a determinação constitucional equivale em força de efeito à regra que
veda a execu-ção da pena de morte em nosso País, apesar de os exemplos de vida
vivida pelos brasileiros demonstrarem o contrário. Com saudade lembro de uma
tarde de sába-do. Era inverno em Curitiba, agosto era o mês e 1990 o ano. Eu
representava a Or-dem dos Advogados do Brasil Secional do Paraná. A Guerra dos
Meninos (Assas-sinatos de Menores no Brasil) foi o livro que Gilberto
Dimenstein lançou e autogra-fou numa concorridíssima reunião na qual também
discursei. Para mim ele escre-veu: "Para o querido Rolf: Isso é Estado de
Direito?"; para os leitores afirmará sempre:
"Imagino ser natural que a experiência desta reportagem
provoque aba-los dos mais intensos nos radares emocionais do que as repetitivas
entre-vistas com ministros, deputados, senadores, burocratas, empresários,
economistas. São mundos, entretanto, ligados - não se pode separar o menino
desolado e agredido do burocrata ou ministro, que sustentam fa-vores, traficam
influência ou cultivam a incompetência - os descalabros reproduzem e
solidificam o subdesenvolvimento. O foco de investigação deste livro é
justamente a superfície mais necrosada da crise social brasi-leira, produzido
pelo acúmulo da indiferença e negligência das elites e de seus governantes.
Cada vez mais cresce a criminalidade infantil. E cada vez mais, as crianças são
vítimas de extermínios, que banalizam a pena de morte com julgamento e
execuções sumárias. Nesse mundo os direitos individuais tornam-se um produto de
luxo - um produto tão distante para essas crianças ou seus familiares como um
potinho de caviar ou um champagne Veuve Clicquot ... ."(45)
Será coincidência? Mas há outro texto que toca o coração do
leitor. "Tragi-comédia em uma cena, para uso em laboratórios de
interpretação de Política e Criminologia, duas ciências a cada dia mais
afins". "O Cardápio da Morte" e dra-matis personae: 1. Exequiel
Burundanga, deputado-constituinte; 2. Brocardo Lati-no, assessor
jurídico". Direitos humanos em jogo. Eis o início de diálogo e parte de
seu desenvolvimento:
"EB - Ora, muito bem, Dr. Brocardo. Resolveu o problema?
BL - Não, deputado, não resolvi. Estudei a quaestio
facti e estou meio confuso. Aliás, quanto mais estudava, mais me confundia.
EB - Não entra na minha cabeça que um aspecto tão
secundário como este - a forma de execução - possa retardar a apresentação de
nosso pro-jeto de lei. O fundamental é a morte, em sua elevada abstração
teórica. Matou, morreu. Morte lá, morte cá. Nada mais saudavelmente lógico.
Agora, como se vai matar, como se vai morrer, que importância tem isso?"
(46)
Ora, - diria o leigo - "não é por aí" (ou pela emenda à
Constituição) que a questão "pode rolar".
O conteúdo de livros penais escritos no Brasil mudou. Seus autores
desperta-ram-se para fórmulas novas de tratamento das questões jurídicas. Não
imagino ter havido um empobrecimento da dogmática jurídico criminal de nosso
País. Ao con-trário, aqui, apesar de silenciada antigamente - e a época do
Brasil Nunca Mais ri-valizou de início e aniquilou depois os nossos pensadores,
- uma já não tão nova geração de brasileiros tem-na revelada fértil, por
intermédio de Política Criminal que se constrói à luz da Nova Criminologia para
produzir as normas de um Direito Penal moderno, político por excelência e
elemento forte de garantia individual. Até haver o renascimento da atual
ciência penal brasileira, quem suportava ler o que escreviam certos penalistas
patrícios? Evoluía-se na construção ou reconstrução de institutos penais,
processuais penais e executórios penais, mas não interessava se, depois de
normatizados, prestariam, por exemplo, à realização estrita dos fins do Direito
Penal e em observância de seus caracteres. O discurso daquele tempo era outro.
Apenas superficialmente enfrentava o problema do crime e, quando empol-gava,
era o ingênuo alcançado por ele porque ilusão fora-lhe vendida.
Ora, Palavração (Revista de Psicanálise) tem um artigo intitulado
Extermínio e sacrifício de crianças. Seu autor é um menino (ainda) de Santa
Catarina (Joinville) que deitou raízes no Paraná (Curitiba). Ele é o Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho que, certa feita, para psicanalistas, disse assim
numa conferência: "O direito penal não é - e não pode ser! - o direito dos
outros ... estamos com as nossas penitenciá-rias lotadas de pobres e vazias de
ricos, quando deveriam estar lotadas de culpa-dos, sejam pobres ou ricos."
(47)
"(...) pimenta arde no pescoço dos outros, ou deve arder no
pescoço dos outros. Como fazer um direito penal para os outros? Isso me parece
um problema muito sério a se resolver, do ponto de vista social, porque
con-tinuamos com a necessidade da punição, da perseguição, mas continua-mos
sempre com essa vergonha de ter que carregar o fardo de fazer um direito que
puna os outros, como se nós mesmos estivéssemos incluídos naquela totalidade. O
problema, então, é que, concretamente, a coisa se realiza em relação a eles; e
a nós o que faz é simplesmente acordar para o medo de quem sabe poder ali ser
incluído. Nesse instante começamos imediatamente a pensar como fazer para não
sermos incluídos entre aqueles que a luz pode alcançar, em que a sanção pode
chegar, em que a castração possa operar. Ser incluído aí é uma possibilidade e,
de conse-qüência, o que mais nos impressiona, os outros, é exatamente que não
es-tamos imaginando a hipótese de como fazer para entrar nessa situação e
resolvê-la. Já estamos imaginando como é que vamos fazer para ir embo-ra, em
podendo ser alcançados pela luz ou não ser alcançados pela luz ... ." (48)
7. Posições de há muito consagradas em face da legislação brasilei-ra
sobre o menor e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Tão logo recebi a missão para, em primeiro lugar, examinar e
exarar parecer sobre a questão objeto deste trabalho, procurei pessoas que,
pela sua importância no contexto nacional e irrecusável competência, muito me
auxiliaram. Isso aconte-ceu com o Professor César Oliveira de Barros Leal,
também Conselheiro Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de quem colhi
opiniões importantíssimas so-bre o assunto e de quem recebi um farto material
de leitura e a indicação do nome do Professor Alyrio Cavallieri, com quem
dialoguei e fui destinatário de valioso material doutrinário. Meu colega de
turma na Faculdade de Direito, o Dr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto ajudou-me
também. Demonstrou-me que o Estatuto da Criança e do Adolescente tem respostas
aos problemas suscitados por aqueles que reclamam a alteração de regra
constitucional. Hoje ele dirige a instituição parana-ense do Ministério
Público. Carinhosamente o chamo de promotor pediatra. A Pro-fessora Doutora
Paula Inez Cunha Gomide, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal
do Paraná, eu conheci em 1994. Excelente profissional, auxi-liou-me na
Secretaria da Segurança Pública para o desencadeamento de política de segurança
pública no trânsito. Por mim indagada a respeito do assunto "Redução da
idade, de 18 para 16 anos, para penalização através do Código Penal",
conside-rou "esta medida um retrocesso ao atendimento dos infratores
juvenis". Aliás, so-bre o Estado do Paraná, escreveu-me a Professora Paula
Inez que "As políticas so-ciais de atendimento à criança e ao adolescente
nos últimos cinco anos têm-se adaptado gradualmente às determinações do ECA.
Municípios criaram programas de colocação no trabalho e atendimento familiar para
adolescentes infratores (Jui-zado da Infância e da Juventude de Paranavaí-PR),
criaram os Conselhos Tutelares (no Paraná já estão em funcionamento 174) que
auxiliam o Juizado na implantação das medidas e atuam principalmente na área
preventiva e de orientação, criaram os Conselhos Municipais de Direito da
Criança e do Adolescente (245 em funcio-namento no Paraná), que estabelecem as
políticas sociais adequadas para a área, buscando recursos para a sua
efetivação e obrigando os governos a priorizarem o atendimento às crianças e
adolescentes. Estamos trabalhando arduamente há cinco anos, desde a publicação
da Lei 8.069, em julho de 1990, para a implantação do Es-tatuto da Criança e do
Adolescente. Gostaríamos que este tipo de atendimento fos-se estendido aos maiores
de 18 anos, e não que os maus tratos e despreparo do sis-tema penitenciário
brasileiro abarcasse mais uma parcela da população."
Pesquisas que fiz apontaram-me a existência de vasta bibliografia
sobre a criança e o adolescente. O jornal Folha de São Paulo, nas suas edições
de 1994, é utilíssimo para o leitor conhecer o que passou (e repete-se) na vida
do povo brasi-leiro, no campo que interessa a este parecer. A começar pela
Constituição Federal, a legislação de nosso País é amplíssima ao dedicar-se aos
ainda não adultos. Esse vasto material desaconselha o rebaixamento da
idade-limite da responsabilidade penal, porque não levará o Brasil a solucionar
o problema da violência urbana.
No passado, o Egrégio Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciá-ria fez-se representar por seu Presidente Professor Edmundo Oliveira
no III Semi-nário Latino-Americano sobre Direitos da Criança e do Adolescente:
A Questão da Imputabilidade e Inimputabilidade. Da UNICEF (Brasília) recebi o
documento no qual estão contidas importantíssimas conclusões também avalizadas
pelos seguin-tes participantes da oficina ad hoc: Antonio Fernando A. E. Silva
(Desembargador, Tribunal de Justiça, Santa Catarina); Breno Moreira Mussi (Juiz
de Alçada, Tribunal de Alçada, Rio Grande do Sul); Carlos Eduardo de Araújo
Lima (Secretário Nacio-nal de Assuntos da Cidadania, Ministério da Justiça,
Distrito Federal); Carlos Mag-no Cerqueira (Cel Comandante, Polícia Militar do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro); Dalmo de Abreu Dallari (Secretário,
Secretaria Municipal de Negócios Ju-rídicos); Edimar Rocha Penna (Ten Cel,
Polícia Militar do Estado de São Paulo); Edson Lucas Viana (Secretário, Fórum
DCA, Rio de Janeiro); Esther Kosovisk (Pre-sidente, Conselho Nacional de
Entorpecentes, Rio de Janeiro); Roberto Maurício Genofre (Professor de
Direito/Delegado de Polícia, PUC/Departamento Estadual de Polícia Científica,
São Paulo); João Marcelo de Araújo Jr. (Professor Titular, Uni-versidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro); José Henrique Pierangelli
(Professor, USP, São Paulo); Jessé de Bragança Soares (Juiz de Menores de
Niterói, Juizado do Menor, Rio de Janeiro); Luiz Vicente Cernicchiaro
(Magistrado, Superi-or Tribunal de Justiça, Brasília); Marcel Esquivel Hoppe
(Juiz de Direito, Juizado da Infância e Juventude, Rio Grande do Sul); Marco
Aurélio Paioletti Martins Costa (Juiz de Direito, Tribunal de Justiça - São
Bernardo, São Paulo); M. Mirelles Mar-tins, Coordenadora, Fórum DCA,
Pernambuco); Munir Cury (Procurador de Justiça, Ministério Público do Estado de
São Paulo, São Paulo); Noeval de Quadros (Juiz da Infância e Juventude,
Tribunal de Justiça, Curitiba); Olympio de Sá Sotto Maior Neto (Promotor de
Justiça, Procuradoria de Justiça, Paraná); Paulo Afonso G. de Paula (Promotor de
Justiça, Ministério Público de São Paulo, São Paulo); René Ariel Dotti
(Secretário, Secretaria de Estado da Cultura, Paraná); Romero de Oliveira
Andrade (Promotor de Justiça, Ministério Público de Pernambuco, Pernambuco);
José Roberto F. Santoro (Procurador, Ministério Público da Procuradoria Geral
da República, Distrito Federal); Wanderlino Nogueira (Promotor de
Justiça/Professor de Direito Internacional, Ministério Público
Estadual/Universidade Federal da Bahia, Bahia); Célia Pecci (Assessora Técnica,
Secretaria do Menor do Estado de São Paulo, São Paulo) e Benedito Antonio Dias
da Silva (Conselheiro, OAB, São Paulo).
Eis as conclusões:
"1. A inimputabilidade não implica irresponsabilidade e
impunidade, fi-cando os adolescentes autores de atos infracionais sujeitos a
medidas só-cio-educativas, inclusive privação de liberdade.
2. O Estatuto da Criança e do Adolescente é suficientemente severo
no que concerne às conseqüências jurídicas decorrentes dos atos infracionais
praticados por adolescentes.
3. É necessária a imediata implantação ou implementação dos
programas relativos às medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente, que têm se mostrado, nos locais onde foram
corretamen-te instalados, aptos a ser resposta social, justa e adequada, à
prática de atos infracionais por adolescentes, com eficiência maior que pura e
sim-ples retribuição penal e o conseqüente ingresso do jovem no sistema
pe-nitenciário.
4. É mister, no embate à criminalidade infanto-juvenil, que sejam
adota-das todas as medidas, judiciais e extrajudiciais (políticas e
administrati-vas), governamentais e não governamentais, no sentido da
distribuição da justiça social, de modo a universalizar o acesso às políticas
sociais pú-blicas.
5. A fixação da imputabilidade a partir dos 18 anos de idade tem
por fundamento critério de política legislativa adequado à realidade
brasilei-ra, manifestando-se os signatários intransigentemente contrários a
qual-quer tentativa de redução da idade da responsabilidade penal, o que está
de acordo com a normativa internacional, sendo imperiosa sua perma-nência em
sede constitucional." (49)
Referentemente ao tema "o ato infracional; diminuição da
imputabilidade penal", o III Encontro Estadual do Ministério Público sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente (Foz do Iguaçu, 28-30 de outubro de
1993) deliberou:
"É de se manter a inimputabilidade penal até os 18 (dezoito)
anos de idade, sujeitando-se os adolescentes que pratiquem atos infracionais às
normas do Estatuto da Criança e do Adolescente." (50)
Muitos anos antes, o Grupo de Acompanhamento de Revisão
Constitucional do Fórum de Defesa da Criança e do Adolescente Nacional
pronunciou-se sobre "As conquistas a serem mantidas na Constituição
Federal. Não ao retrocesso re-pressor!" O texto é riquíssimo e convincente
e aponta que os princípios constituci-onais atualmente em vigor no Brasil
"são a própria expressão da normativa inter-nacional estabelecida pela
Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo Bra-sil, e, portanto,
direitos e garantias incluídos no sistema nacional por força da ex-pressa
disposição do art. 5º da Constituição Federal." (51)
Ainda na linha de argumentação avessa à Proposta de Emenda
Constitucio-nal, peço-lhes Senhores Conselheiros que conheçam, dentre inúmeras
manifesta-ções, as de Jussara de Goiás (Assessoria para as Questões da Criança
e do Adoles-cente), sobre ser "preciso realizar um vasto trabalho de
esclarecimento destinado a demonstrar a impossibilidade de uma sociedade
realmente democrática e moderna com uma infância postergada em suas
necessidades vitais." (52) Alyrio Cavallieri (Vice-Presidente da
Associação Internacional de Juizes de Menores e de Família. Ex-Juiz de Menores)
indaga "E a cadeia resolve?" "Se a cadeia não está cumprindo sua
missão, por que levar mais alguém para dentro dela? Consideremos que, de cada
cem menores presos, cerca de 70 têm idade entre 16 e 18 anos. Como 80% dos seus
crimes são contra o patrimônio, punidos com pena de reclusão, calcule-se a
quantidade de jovens que aumentaria a superpopulação das penitenciárias."
(53) Maria Ignês Bierrenbach (Assistente Social e Presidente da Comissão
Teotônio Vi-lela de Direitos Humanos e ex-Presidente da Febem-SP) tratou do
tema "A idade de responsabilidade criminal dos jovens". Para ela,
"A nação precisa apostar e acreditar no potencial da nova geração, sem
rótulos nem estigmas." (54) "Inim-putabilidade, não impunidade"
é o texto escrito pelo Juiz de Direito da Infância e da Juventude do Rio Grande
do Sul Dr. João Batista Costa Saraiva. "A responsabi-lidade desses jovens,
diferentemente do que se afirma, não os faz livres da ação da Lei. Ao
contrário, ficam subordinados aos ditames da norma, que lhes imporá em caso de
culpa - apurada dentro do devido processo legal - medidas sócio-educati-vas
compatíveis com sua condição de pessoa em desenvolvimento e o fato delituo-so
em que se envolveu. ... Não for pensado assim, amanhã estar-se-á questionando a
redução da idade de imputabilidade penal para 12 anos, e depois para menos,
quem sabe, até que qualquer dia não faltará quem justifique a punição de
nascitu-ros, especialmente se forem filhos de pobres." (55) Também Hélio
Bicudo (Depu-tado Federal e Vice-Coordenador do Centro Santo Dias de Direitos
Humanos da Arquidiocese de São Paulo) tem em "A responsabilidade penal da
criança e do jo-vem" valiosa opinião avessa à Proposta de Emenda
Constitucional. "É evidente não ser esse o caminho para o combate à
criminalidade", porque "O constituinte de 1986/88 entendeu de erigir
essa norma em garantia constitucional, antevendo tal-vez os movimentos
emocionais decorrentes do aumento das taxas de criminalida-de." (56) Pela
leitura que fiz, observei que os partidários da idéia de rebaixamento da idade
- de 18 para 16 anos - argumentam nela haver contra-senso legal porque: a) o
menor de 16 anos pode votar. Contudo, respondo-lhes que o voto não é
obrigató-rio (art. 14, II, c, Const. Fed.) e creio que razoabilidade haveria
nessa espécie de ar-gumento se o legislador buscasse, à guisa de coerência
técnico-jurídica do sistema, explicitá-la diferentemente. Por que não se propõe
o fim legal de tal direito, só por interesse conferido a outrem, para se
alcançar - então sim - a pretensa coerência técnico-jurídica do sistema? Acaso
praticasse algum ato infracional, o eleitor me-nor de 18 anos não se submeteria
ao regime do Estatuto da Criança e do Adoles-cente? É óbvio que sim e, nele, há
um conjunto de sanções que não pode ser esque-cido. b) Dirigir não pode o menor
de 18 anos, pelo menos por agora no Brasil, daí que esse argumento não vinga.
c) De razoabilidade discutível ainda seria a Propos-ta de Emenda Constitucional
se o legislador pretendesse adicionar em lei também a imputabilidade
excepcional do maior de 16 anos, provada a sua maturidade. Não é assim. Pura e
simplesmente ele altera a parte mais íntima do critério unitário atu-almente em
vigor no Brasil mediante a redução da idade de 16 para 18 anos. Lo-grasse
aceitação a proposta, futuramente todos os jovens maiores de 16 anos seriam
tidos como imputáveis penalmente. Porque a presunção é absoluta, deveria ser
ce-gamente acatada pelos operadores do direito, mesmo para aqueles que não
tives-sem capacidade de entendimento e de autodeterminação. Tal sugestão
levaria a punir criminalmente quem fosse imaturo para o entendimento do fato e
determi-nação de seu comportamento, por isso que a acho despropositada, data
venia, como seria também a que determinasse a submissão do sujeito maior de 16
e me-nor de 18 anos a exame de constatação ou não de sua maturidade, para dizê-lo
ou não inimputável. Tal fórmula reiteraria aquilo que, hoje, não tem mais razão
de ser, (57) porque o subjetivismo, que é próprio de perícias (p.e.,
psicológicas), deve ser combatido veementemente na seara penal. d)
Inimputabilidade (estado em que há ausência de capacidade de culpa) e
impunidade (estado de impune) são conceitos diferenciados. Ousar equipará-los
constitui absurdo. Ademais, fere o princípio constitucional da moralidade (art.
37) buscar o legislador, na solução da redução da imputabilidade,
substitutivamente, a não efetivação material de programas de exe-cução das
medidas sócio-educativas legais. e) Além disso, as respostas legais abs-tratas
para os atos infracionais contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente são
sábias. Escreveu o Procurador de Justiça Doutor Olympio de Sá Sotto Maior Neto
que "o Estatuto submete todos os adolescentes praticantes de ato
infracional a julgamento, perante a Justiça da Infância e da Juventude, e que
as medidas sócio-educativas vão desde a advertência, a obrigação de reparar o
dano, a prestação de serviços à comunidade, até a privação de liberdade."
(58) Nesse aspecto, a Revis-ta do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária contém um trabalho escrito pela Conselheira Julita Lemgruber, que
tanto engrandece culturalmente o referido Colegiado e que, no passado,
beneditinamente, dirigiu o Departamento do Sistema Penal do Estado do Rio de
Janeiro. Enquanto há quem confunda inimpu-tabilidade (ausência de capacidade de
culpa) com impunidade (estado de impune) e quem sem razão despreze o sistema de
responsabilização contido no Estatuto da Criança e do Adolescente,(59) a
Doutora Julita Lemgruber demonstrou que tal diploma está à frente da legislação
punitiva dedicada ao adulto, pois "a remissão, a advertência e a liberdade
assistida, esta última muito semelhante ao instituto da probation, são
alternativas inexistentes na legislação penal destinada aos adultos." (60)
O trabalho da Doutora Julita Lemgruber tem por título "A
Necessidade da Aplicação e Ampliação das Alternativas à Pena Privativa da
Liberdade" e nele a autora apresenta-nos o perfil de crianças e
adolescentes infratores: "(...) no que concerne à questão do analfabetismo
e levando-se em conta que 98,34% do univer-so pesquisado são adolescentes, na
faixa etária dos 12 aos 17 anos, é possível utili-zar dados do IBGE. Segundo o
mesmo, são analfabetos 7,2% da população situada na faixa etária dos 10 aos 17
anos e, de acordo com o levantamento da 2 ª Vara da Infância e Adolescência,
35% dos que por lá passaram são analfabetos. Variação percentual tão
significativa está a demonstrar, com muita nitidez, que a população que passa
pela 2ª Vara tem características muito semelhantes à população adulta,
penalizada por nosso Sistema de Justiça Criminal. São crianças e adolescentes
que, em quase sua totalidade, provêm de famílias muito pobres e cedo aprendem a
ga-nhar seu sustento ilicitamente - quase 70% de seus atos infracionais são
furtos e roubos." (61) Ademais, ao advogar a adoção de medidas alternativas
ao encarce-ramento, mostra-nos ainda a Conselheira Nacional Julita Lemgruber
que o índice de reincidência é maior entre os maiores comparativamente aos
menores. (62) Ci-entificamente, pois, melhor é o Estatuto da Criança e do
Adolescente; pior o Códi-go Penal, de há muito ultrapassado, sabidamente, na
parte em que tem na pena privativa de liberdade a solução para tudo e para
todos, (63) ou será que o le-gislador ainda crê que encher cadeia resolve? (64)
8. (Também) a inadmissibilidade da emenda: a norma do art. 60, §
4º, IV, da Constituição Federal.
Para a meditação do leitor, trago-lhe esse aspecto
importantíssimo.
O art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, manda o legislador
observar o se-guinte:
"A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
...
Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
...
- os direitos e garantias individuais."
Apesar de a norma do art. 228, da Carta Magna, encontrar-se no
Capítulo VII (Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso), do Título
VIII (Da Ordem Social), não há como negar-lhe, em contraposição às de seu art.
5º (Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, do Título II,
Dos Direitos e Garantias Fundamentais), a natureza análoga aos direitos,
liberdades e garantias. Escreveu J. J. Gomes Canotilho que "os direitos de
natureza análoga são os direitos que, embo-ra não referidos no catálogo dos
direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico
constitucional idêntico aos destes." (65)
Então, nesse aspecto, na regra do art. 228, da Constituição
Federal, há embu-tida uma "garantia pessoal de natureza análoga",
dispersa ao longo do referido di-ploma ou não contida no rol específico das
garantias ou dos meios processuais adequados para a defesa dos direitos. (66)
O Deputado Hélio Bicudo, de São Paulo, e o Fórum de Defesa da
Criança e do Adolescente Nacional enfrentaram esse impedimento legal. Para o
primeiro, "Ao buscar o rebaixamento da idade de imputabilidade penal,
embasado em um raciocínio predominantemente subjetivo, a emenda proposta
esbarra na proibição do art. 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal ...
." (67) Ao segundo, "Quanto ao art. 227 e seus parágrafos e incisos,
sua intocabilidade decorre da circunstância de elencarem direitos e garantias
individuais que, a exemplo daquelas incrustadas no art. 5 º da Constituição
Federal, são tidas como "cláusulas pétreas" da Consti-tuição,
decorrência do explicitado no art. 60, parágrafo 4º, IV, da Carta." (68)
9. A magistratura brasileira: resposta à questão do rebaixamento
da idade do menor.
A
imprensa nacional divulgou recentemente (junho de 1996) o resultado de uma
pesquisa realizada no seio da magistratura brasileira de primeira e segunda
instâncias. O resultado é o de que nossos juizes são favoráveis à alteração do
texto da regra do art. 228, da Constituição Federal.
Lamento que tenha sido esse o resultado.
Desde 1990 (1ª edição), em 1991 (2ª edição) e até 1995 (3ª
edição), a Editora Revista dos Tribunais vem editando o livro Direito Penal na
Constituição escrito pelos penalistas Paulo José da Costa Junior e Luiz Vicente
Cernicchiaro. O segundo é Professor Titular na Universidade de Brasília, Doutor
em Direito Penal e Crimi-nologia pela Universidade de Roma, Ministro do
Superior Tribunal de Justiça e Coordenador da Comissão de Reforma da Parte
Especial do Código Penal. Suas decisões na referida Corte de Brasília sempre
têm repercussão porque, diuturna-mente, tornam novo e humanizam o Direito Penal
de nossa terra.
Por isso, ninguém melhor do que o juiz Luiz Vicente Cernicchiaro
para res-ponder ao resultado da pesquisa patrocinada pela Associação dos
Magistrados Brasileiros. O texto é anterior à vigência do Estatuto da Criança e
do Adolescente, mas ainda não perdeu a sua atualidade, mesmo que escrito em
face da Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores).
"Apesar disso, louve-se a Constituição.
Ninguém ignora, muito menos o legislador, a chamada
"criminalidade juvenil". É crescente. Amplia-se em todas as áreas, no
País e no estran-geiro. O moço de dezessete anos tem, pela convivência social,
perfeito conhecimento da ilicitude do furto, do estupro ou do estelionato.
Au-menta a participação de jovens no comércio e uso de entorpecentes.
O menor de dezoito anos, entretanto, está com a personalidade
ainda em formação. É ainda muito cedo para sofrer os rigores da sanção penal.
Ao Estado incumbe prestar as medidas pedagógicas e reeducativas
para prevenir o ingresso ou a permanência do menor no terreno da ilici-tude.
A Criminologia, em particular a Criminologia Crítica, no esforço
de explicar as causas que impulsionam o homem à prática de condutas
juri-dicamente vedadas, no que tem o abono da Sociologia Jurídica, mostra a
influência do meio, as carências familiares e da sociedade, a discrimina-ção de
classes sociais, a desigualdade de oportunidades para o que vul-garmente se
chama "vencer na vida". O discurso não pode ser despreza-do, embora
necessário analisar o problema em seu todo, lembrando que os princípios dos
Direitos Humanos se dirigem a todos os homens. Não se pode ficar insensível
quando a miséria, a ausência de orientação fami-liar, o racismo, a carência de
solidariedade humana compeliram alguém à criminalidade, quase sempre contra o
patrimônio. Não se deve ficar in-sensível também quando o agente, ainda que
vítima da injustiça social, faz vítimas inocentes, sem nenhuma culpa, sequer
influencia para mudar ou reverter esse melancólico quadro social. A extorsão
mediante seqües-tro, notadamente quando o refém é uma criança, revolta e toca o
senti-mento de solidariedade humana. Outros exemplos, com facilidade, seri-am
trazidos à colação.
É inconveniente reduzir a idade para a relevância penal. O sistema
vi-gente é melhor. O que acontecerá com o eleitor de dezoito anos. Eventual
fraude, para retornar a ilustração, como ilícito, movimentará o Direito. Não
ficará a salvo de qualquer sanção. Incidem as normas da Lei n. 6.697, de
10.10.79 (Código de Menores)." (69)
10. Conclusão.
Estas as considerações que submeto à apreciação
dos eminentes integrantes do Egrégio Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária. É óbvio que a menoridade não é carta de alforria!
De Curitiba para
Brasília, em 24 de junho de 1996.
Conselheiro ROLF KOERNER JUNIOR
advogado, professor universitário, e
ex-secretário de segurança no Paraná
(1) Miguel Esteves Cardoso, A
Causa das Coisas, p. 141;
(2) doc. anexo;
(3) doc. anexo;
(4) doc. anexo;
(5) Revista Igualdade, Livro 2, do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias da Criança e do Adoles-cente, Curitiba,
Janeiro/Março, 1994, p. 55;
(6) cf. Discurso de Posse do Ministro da Justiça
Nelson Azevedo Jobim, proferido em 2 de janeiro de 1995 (in Revista do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Ministério da Justiça, volume 1,
número 5, jan./jun. 1995, Brasília, Distrito Federal, p. 15).
(7) Loc. cit.;
(8) Ciência e Experiência do Direito Penal, Apêndice,
in Lições de Direito Penal, Parte Geral, Edição Uni-versitária, Revista e
Atualizada por Fernando Fragoso, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1991, p.
440).
(9) Loc. cit., p. 445;
(10) loc. cit., p. 446;
(11) loc. cit., p. 446;
(12) Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo da
Língua Portuguesa (ed. Bras.), Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1958, 2/1.610;
(13) "O aumento dos índices de criminalidade,
que se observa em escala mundial, fez com que, no Brasil, grande número de
condenados, inclusive perigosos, permaneçam em liberdade, não sendo possível
cumprir os res-pectivos mandados de captura, por não haver onde recolhê-los,
mesmo com novas penitenciárias construídas e por mais que elas se
multipliquem" (item n º 1).
(14) Exposição de Motivos de 22 de fevereiro de 1977,
item n º 1.
(15) "Em resumo: é típico da atual ciência do
Direito Penal esquecer ou marginalizar os problemas políti-cos, econômicos e
sociais em benefício dos puramente técnico-jurídicos ou dogmáticos. O
penalista, diz-se, tem só que interpretar e sistematizar as leis penais
vigentes; se estas leis são injustas, por exemplo, ou anti-democráticas, é
algo, diz-se também, que não lhe compete. Produz-se assim uma espécie de
esquizofrenia jurídica, podendo ser certo do ponto de vista jurídico o que é
falso do ponto de vista político e vice-versa. A conseqüência desta visão
esquizóide da realidade é a manipulação do penalista, fazendo dele um simples
tecnocrata do Direito, quando não, um instrumento ou um cúmplice da classe
dominante" (FRANCISCO MUNOZ CONDE, Para uma Ciência Crítica do Direito
Penal, Revista de Direito Penal, vol. 25, Forense, Rio de Janeiro, 1979, págs.
10 e 11).
(16) Cf. prefácio à obra Violência e Criminalidade,
Propostas de Solução, Damásio E. de Jesus, João de Deus Menna Barreto, René
Ariel Dotti, Roisle ALaor Metzker Coutinho e Serrano Neves, Forense, Rio de
Janeiro, 1980, pág. XI.
(17) Direitos Humanos na Transição Democrática
(Documento entregue pela Comissão Teotônio Vilela ao Candidato à Presidência da
República Dr. Tancredo Neves, Brasília, 12 de dezembro de 1984), pág. 5;
(18) Local citado, pág. 2;
(19) Conforme item n º 5, da Exposição de Motivos à
Lei n º 7.209, de 1984;
(20) Art. 1 º e parágrafo único, da Lei n º 8.930, de
6 de setembro de 1994;
(21) Curitiba, Paraná, 1994;
(22) pág. 5 e 6;
(23) A Presunção de Inocência, Curitiba, Paraná,
1994, pág. 1 e 2.
(24) Editora Revan, Rio de Janeiro, 1990, pág. 11;
(25) Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro,
pág. 21;
(26) Direito Penal, Parte Geral, Rio, 1959, Editora
Forense, vol. 1, tomo 1 º, pág. 11;
(27) A Constituinte e a Menoridade Penal, in Repertório
IOB de Jurisprudência, 2 ª Quinzena de Junho de 1988, n º 12/88, p. 175;
(28) Basileu Garcia, Instituições, p. 369;
(29) Manoel Pedro Pimentel, ob. e loc. cits;
(30) Na Exposição de Motivos ao Código Penal de 1940
escreveu-se que "Não cuida o projeto dos imaturos (menores de 18 anos),
senão para declará-los inteira e irrestritamente fora do direito penal (art.
23), sujeito apenas à pedagogia corretiva da legislação especial".
(31) cf. Exposição de Motivos, item n º 17;
(32) "23. Manteve o Projeto a inimputabilidade
penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de
Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa
da criminali-dade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não
consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente
anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do
processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena
criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o
Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delin-qüente, menor
de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao
tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária".
(33) doc. anexo;
(34) doc. anexo;
(35) docs. anexos;
(36) Direito Penal, Parte Geral, tomo II, p. 163 e
164;
(37) Direito Penal, vol. 1, p. 171;
(38) Comentários ao Código Penal, vol. I, tomo II, p.
363 e 359;
(39) Lições de Direito Penal, Parte Geral, p. 204;
(40) Instituições de Direito Penal, vol. I, p. 378;
(41) p. 225;
(42) Comentários ao Código Penal, Parte Geral, volume
I, p. 218;
(43) Direito Criminal, p. 141 e 142;
(44) Aliás, recordo, aqui, que, no Paraná, em 1994,
certo empresário incitou outros à prática de crimes contra menores. Foi na
região de Londrina. O fato teve ampla repercussão, nacional e
internacionalmente. Eis o que a Folha de São Paulo publicou na época:
"Anúncio prega morte de menores no PR 09/03/94 Autor: JOSÉ MASCHIO
Editoria: COTIDIANO Página: 3-3 Edição: Nacional Tamanho: G 365 MAR 9, 1994
Anúncio prega morte de meno-res no PR 'Mate um menor infrator', dizia
classificado publicado em jornal de Londrina; autor é acusado de incitar o
crime JOSÉ MASCHIO Da Agência Folha, em Londrina A Polícia Civil de Londrina
(379 km ao norte de Curitiba-PR) indiciou ontem Marcelo Pereira, 25, por
acusação de "incitação ao crime". Ele publicou anúncio, no último
domingo, no jornal de classificados "Hot List", no qual dizia:
"Mate um menor infrator". O inquérito contra Pereira, que é diretor
do jornal, foi solicitado pelo promotor especial da Vara da Criança e do
Adolescente de Londrina, José Araídes Fernandes, 50. Segundo Fernandes, o
anúncio mostra uma "gravíssima situação, com pessoas pregando a violência
e a morte de adolescentes". Em depoimento à polícia, Marcelo Pereira disse
que o anúncio "foi uma forma de intimidar os menores infratores". Pereira
negou que comerciantes da região dos Cinco Conjuntos (zona norte de Londrina)
estejam envolvidos na publicação do anúncio. O "Hot List", com 2,7
mil exemplares, circula nos Cinco Conjuntos (região conhecida como
"Cincão"), região com 110 mil habitantes e onde a incidência de
assaltos é uma das maiores de Londrina. O anúncio, assinado por
"comerciantes vitimados", pede que população "colabore para a
melhoria do Cincão: mate um menor infrator". O presidente da Associação
Comercial e Industrial dos Cinco Con-juntos, Antônio Arruda Pântano, 50, disse
que a iniciativa do anúncio "não pode ser creditada aos comerciantes pois
foi uma idéia infeliz de Pereira, que foi assaltado recentemente". Pântano
condenou "a pregação da violência para resolver os problemas de segurança
na zona norte". Ele disse que os assaltos praticados por adolescentes são
fre-quentes na região. "Mas isto não pode ser resolvido pela
violência." O delegado-chefe da Polícia Civil de Londrina, Clóvis Galvão
Gomes, 47, disse que os comerciantes que anunciam no "Hot List" serão
ouvidos no inquérito, "pois pode existir participação de empresários na
sandice". Sandra Freitas Coelho, 34, do Conselho Tutelar da Criança e do
Adolescente de Londrina, disse que Pereira foi "irresponsável ao publicar
o anúncio". O Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente, com
conselheiros eleitos pela população, não sabia dizer ontem o número de crianças
e adolescentes infratores na cidade. Segundo Sandra Coelho, a última pesquisa
sobre menores apontava 230 crianças e adolescentes vivendo nas ruas da cidade.
Polícia do PR acaba inquérito sobre anúncio 10/03/94 Editoria: COTI-DIANO
Página: 3-3 Edição: Nacional Tamanho: M 68 MAR 10, 1994 Polícia do PR acaba
inquérito sobre anúncio Da Agência Folha, em Londrina O delegado Eurico Max
Hunning, do 5º DP de Londrina (379 km ao norte de Curitiba), enviou ontem ao
Ministério Público inquérito contra Marcelo Pereira, 25, acusado de
"incitar publi-camente a prática de crime". Pereira publicou anúncio
no jornal "Hot List" que dizia "mate um menor infrator".
Caso o Ministério Público ofereça denúncia contra Pereira, ele pode ser
condenado de três a seis meses de deten-ção.
Pelo caminho errado 11/03/94 Editoria: OPINIÃO
Página: 1-2 Edição: Nacional Tamanho: G 293 MAR 11, 1994 Seção: EDITORIAL Pelo
caminho errado Chacinas, massacres, esquadrões da morte, assassinatos,
assal-tos, furtos, brigas, a animosidade cotidiana das pessoas nas grandes
cidades. O acúmulo e a exposição diária a tanta selvageria e incivilidade vai
criando, no espírito dos brasileiros, uma verdadeira cultura da violência. E as
pessoas acabam se acostumando com os níveis de brutalidade do ambiente em que
vivem. Os mais tolos chegam até a acre-ditar que o remédio para acabar com a
violência é mais violência, gerando um fantástico turbilhão de ódio. Um
ci-dadão de Londrina, por exemplo, teve o desplante de fazer publicar num
jornal um anúncio classificado cujo texto -por sua absurdidade- merece
reprodução: "Colabore para a melhoria do Cincão (região da zona norte da
cidade): 'MATE UM MENOR INFRATOR'. Apoio: Comerciantes vitimados". A
polícia paranaense agiu rápido e indiciou o responsável sob a acusação de
incitação ao crime. Apesar da sua absoluta inoportunidade, a publicação do
classifi-cado pode servir como um sinal de alarme, como um sinal de que a
sociedade brasileira, a persistir nessa rota, pode estar penetrando uma senda
sem volta. O mais grave não é que haja um cidadão que ouse pedir publicamente
às pessoas que saiam por aí matando crianças e adolescentes -afinal, loucos
existem em toda parte. O que realmente choca é saber que há quem compartilhe
essa infeliz opinião e, embora não anuncie em jornais, financia os grupos de
extermínio. É preciso pôr um fim à cultura da violência. Se não se podem evitar
massacres e chacinas, pode-se pro-testar quando estes ocorrem, forçando as
sempre lentas autoridades a agir com determinação. Se não se podem evi-tar
latrocínios, roubos e furtos, pode-se tentar diminuí-los votando em políticos
realmente empenhados em construir um Brasil mais justo. A alternativa é a
guerra de todos contra todos".
(45) p. 11 e 12;
(46) p. 20;
(47) ano 2, n º 2, outubro 1994, p.69;
(48) loc. cit.;
(49) doc. anexo;
(50) Igualdade, Livro 2, p. 13;
(51) Igualdade, Livro 2, p. 57 e 58;
(52) Inimputabilidade volta ao Congresso (Informativo
Inesc, Junho - 95, n º 57, p. 7);
(53) Direito & Justiça, Correio Braziliense,
Brasília, 26 de fevereiro de 1996;
(54) Folha de São Paulo, edição de 04 de novembro de
1993;
(55) Informativo Inesc, Julho - 95, n º 58, p. 7;
(56) Folha de São Paulo, ed. de 26 de junho de 1995;
(57) Há muito tempo, como tese apresentada na III
Conferência Nacional de Desembargadores, Cavalcanti de Gusmão foi buscar em
escrito de Galdino Siqueira as seguintes "palavras sobre o sistema do
discernimento, quando explica a sua abolição no nosso direito: "Depois a
distinção baseada no discernimento não oferecia base segura, já diante da
diversidade de accepções do que seja êsse estado do espírito, para os fins
penais, como já vimos, já pelas dificuldades, muitas vezes intransponíveis que
se oferecem, na prática, para constatá-lo" (Tratado - vol. I - pág. 425 - 1 ª ed.). Mais adiante acrescenta: "Outro inconveniente surgira em
fazer depender a repressão da prova do discernimento que, por vaga e obscura e
além disso restrita à maturidade intelectual, olvidando a dos sentimentos e
volições objeto de divergências acentuadas entre os autores, não podia, por
isso mesmo, servir de critério certo" (Tratado - vol. I, pág. 423, 1 ª ed.)" (in Responsabilidade Penal do Menor, Manoel S. Rodrigues Editor,
1970, p. 9 e 10).
(58) O ato infracional; diminuição da imputabilidade
penal (palestra proferida no III Encontro Estadual do Ministério Público sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente (Foz do Iguaçu, 28 a 30 de outubro de
1993), in Igualdade (Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias da Criança e do Adolescente), Curiti-ba, Janeiro/Março, 1994, p.
51;
(59) "É evidente não ser esse o caminho para o
combate à criminalidade, com o encaminhamento de pesso-as jovens à
promiscuidade de nosso sistema prisional, onde a corrupção e a violência são a
tônica de um sistema falido. Tenha-se, todavia, em mente, que o adolescente
infrator não permanece em liberdade. Leia-se, a propósito, o quanto dispõe o
Estatuto da Criança e do Adolescente, em cujo texto se disciplinam penalidades
que vão até três anos de internação, as quais podem perdurar por tempo maior,
desde que as circunstâncias o indiquem. Leiam-se, a respeito, os artigos 121 e
123, dessa lei, que se constitui em marco relevante no tratamento do
problema." (cf. Hélio Bicudo, Folha de São Paulo, edição de 26 de junho de
1995.)
(60) vol. 1, n º 5, jan/jun. 1995, p. 66;
(61) loc. cit., p. 66;
(62) loc. cit.;
(63) Poder-lhes-ía citar passagens de penalistas para
explicar-lhes que a pena não é a solução para tudo e para todos. Preferi, no
entanto, buscar a explicação nas palavras da Professora Doutora Paula Inez
Gomide, que é ex-pert em questões menoristas, pelo exercício da Psicologia. Em
parecer a mim encaminhado delicadamente, disse-me ela: "A questão colocada
para discussão deve ser analisada sob a luz de alguns determinantes sociais e
comporta-mentais. Enfocando-se o tema da redução da idade sob as óticas da
retirada do convívio social e da punição do de-linqüente que comete ato
infracional, aparentemente, a sociedade poderia estar sendo beneficiada por
esta medida.
Trataremos de cada um destes determinantes
separadamente. A punição desejada pela sociedade para o delinqüente juvenil
atende tão somente ao anseio de atribuição de castigo àqueles que infringem as
regras sociais, pois, como é do conhecimento de todos, o sistema carcerário
brasileiro não é capaz de recuperar criminosos. O sis-tema é perverso,
punitivo, e, além disso, é altamente criminalizante. Ou seja, aqueles que
ingressam no sistema car-cerário adquirem ao longo de sua permanência
repertório comportamental criminoso, desvios de personalidade di-recionados
para a patologia e praticamente inviabilizam qualquer tipo de tratamento de
recuparação. Nas cadeias os códigos são regidos pelo sistema infrator, a lei é
definida pelo chefe da quadrilha, as violências sexuais são a regra, instalando
uma conduta sexual pervertida. As pesquisas da área sugerem, primeiro, que as
experiências car-cerárias aumentam de fato a probabilidade de reincidência após
a libertação e, segundo, que isto ocorre devido aos efeitos nocivos da vida na
prisão. O sistema de valores a que o preso é submetido é, inevitavelmente, mais
criminoso do que o do mundo externo e, tendo em vista que todos os presos
cometeram algum tipo de delito, não é surpreen-dente que as atitudes favoráveis
à delinqüência sejam reforçadas e os talentos e habilidades relevantes para o
crime se desenvolvam ainda mais após a prisão.
Já retirada do convívio social atende apenas a uma
necessidade imediata da vítima. A pessoa vitimizada pela agressão ou furto quer
se ver livre do criminoso, sem fazer uma análise adequada dos efeitos de tal
ação puniti-va sobre o comportamento futuro do infrator. O preso, na maioria
das vezes, permanece na penitenciária o tempo suficiente para aprender e se
desenvolver ainda mais na criminalidade, porém, é solto. Ao ser solto, retorna
para o convívio social, desta feita um indivíduo muito pior do que aquele que
ingressou no sistema. Portanto, a ação nos parece ineficaz. A punição não muda
o comportamento, ao contrário, o agrava e a retirada do convívio é apenas
temporária. Não estamos aqui defendendo a pena de morte e nem a prisão perpétua
como solução, como alguns po-dem estar imaginando. Estas duas medidas
representam a opção daqueles que são descrentes na espécie humana
considerando-a nefasta e merecedora do extermínio. Não é certamente o nosso
caso".
(64) Muito bom o artigo que a socióloga, assessora da
Secretaria de Justiça do Rio de Janeiro e Conselheira Nacional do CNPCP
escreveu para a Revista Veja (edição de 12 de julho de 1994, p. 134). Estampado
na seção Ponto de Vista, tem por manchete esta afirmação: "Encher cadeia
não resolve" ou "Criminólogos de diferentes países sus-tentam que a
"indústria do controle do crime" - expressão cunhada por Nils
Christie, renomado criminólogo norue-guês - está por detrás do recrudescimento
da legislação penal dos Estados Unidos, com seu conseqüente aumento desmesurado
do número de presos. Esse "complexo industrial prisional", nascido do
medo exacerbado do crime entre a população, disputa as verbas bilionárias,
constrói e opera prisões, além de fabricar os mais diferentes pro-dutos
consumidos no sistema penitenciário americano. A título de exemplo, só uma
fábrica de sabonetes vendeu em 1994 o equivalente a 100.000 dólares para as
prisões de Nova York. O catálogo da feira anual de produtos para prisões tem
mais de 300 páginas de ofertas. É por isso que se diz hoje, naquele país, que o
crime compensa".
(65) Direito Constitucional, p. 529;
(66) Essa é a fórmula que J. J. Gomes Canotilho
adotou para explicar os direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e
garantias (ob. cit., p. 529 e 530).
(67) Folha de São Paulo, edição de 26 de junho de
1995;
(68) As conquistas a serem mantidas na Constituição
Federal. Não ao retrocesso repressor! (in Igualdade (Revista Trimestral do
Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente), Livro
2, Curitiba, Janeiro/Março, 1994, p. 57);
(69) ob. cit., p. 177 e 178;
Retirado de: http://www.neofito.com.br/front.htm
Palavras
chaves: menoridade carta de alforria constituição federal legislação direito
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