A FALÊNCIA DA POLÍTICA
PRISIONAL DO ESTADO COMO CONSEQÜÊNCIA DO MODELO ECONÔMICO EXCLUDENTE
Paulo Sérgio Duarte da
Rocha Júnior,
acadêmico do 8º período do curso de Direito da UFRN.
O
presente trabalho tem como meta realizar uma associação entre a crise vivida
pelo sistema carcerário do Brasil e o modelo econômico neoliberal por este País
adotado.
Por
primeiro, cumpre ressaltar que a falência da prisão é verificável sem maiores
dificuldades, face a possibilidade por parte de todos de se enxergar evidências
que comprovam esta crise, tais como rebeliões, fugas e superlotações. A mídia,
séria ou sensacionalista, não deixa de notar estes fatos.
De
outra parte, é nítida a opção do Estado brasileiro pelo modelo neoliberal de
economia. Tal se verifica pelo crescente absenteísmo do Estado na vida
econômica, o que se dá principalmente através de privatizações mas também por
meio de uma fuga legislativa, com uma produção de leis minimizadas em algumas
áreas do Direito. Cumpre lembrar que, quando lhe é interessante, deixa o
Estado neoliberal de legislar. Tal ocorre, por exemplo, com o Direito do
Trabalho, pois como o neoliberalismo e sua característica excludente traz como
fruto o desemprego, é interessante para o Estado afastar as normas protetivas
do trabalhador (isto é, o Direito do Trabalho, vez que a característica principal
deste é a guarda jurídica dos empregados), para que os empresários contratem
com menos encargos (e assim enriqueçam ainda mais, reforçando a concentração de
renda e a exclusão) e o Estado consiga, durante mais algum tempo, evitar o caos
total e a miséria absoluta que podem advir do desemprego generalizado (1).
Essa
escassa atividade legislativa do Estado não é repetida quando se põe em tela o
Direito Penal. Este, como se sabe, é o ramo do Direito que estipula quais as
condutas que são consideradas crimes e, como tal, devem ser punidas de modo
mais severo. Percebe-se que, historicamente, em épocas como a atual, em que o
modelo econômico é excludente e miserabiliza muitos, tende o corpo social (a
maioria) a ficar mais inquieto, mais intranqüilo, menos subordinado. É aí que
começa a realizar comportamentos os quais desagradam o Estado (que representa e
serve à minoria dominante), de modo que este se vê compelido a reprimi-los
através de seu enquadramento como crime. É uma forma de evitar que o status
quo seja perturbado pelo comportamento desobediente dos cidadãos que deste
mesmo status quo não fazem parte.
Como
se vê, a intensidade legiferante do Estado varia de acordo com seus anseios,
que se confundem com os interesses da minoria pertencente à classe dominante.
Inegável, pois, que a norma jurídica (2) tem fortes vínculos com a chamada
ideologia da classe dominante.
De
lembrar que o modelo neoliberal de Estado, o qual nada mais é que a repetição
do liberalismo outrora existente, tem como característica maior uma intervenção
minimizada na economia. Esta peculiaridade traz como conseqüência uma
diminuição das condições materiais dos indivíduos, levando-lhes à
miserabilidade e, por vias transversas, ao cometimento de crimes. Os indivíduos
ficam "lançados à própria sorte", ou seja, livres para viver
igualmente em sociedade, sem nenhuma predileção a um ou a outro por parte do
Estado. Esse quadro faz com que os que têm mais posses e condições materiais
sobrepujem os despossuídos (3), os que não têm nada, relegando-os à miséria,
retirando-lhes tudo.
Não
se pode esquecer que aqueles que têm posses, apesar de as condições materiais
não significarem tudo na existência humana, refletem mais antes da prática de
crimes. Sabem que, delinqüindo e sendo punidos, perderão aquilo que têm. Nesse
contexto é que condições materiais mínimas (aqui compreendidas a educação,
saúde, alimentação) afastaria grande parcela dos hoje delitentes da
criminalidade, porquanto esta parcela só adentra a marginalidade da sociedade
porque, sob outro prisma, já está marginalizada, destarte de uma forma
institucionalizada, oficializada pelo Estado que se nega a lhes dar o mínimo.
Esta parcela dos hoje criminosos, que se afastaria do ilícito se pudesse, se
enquadra naqueles "que não têm nada a perder".
Neste
ponto é interessante registrar a hipocrisia daqueles que dizem que "pobre
não é criminoso", que "pobre é honrado", que "pobre que tem
vergonha na cara, que não é marginal, trabalha" e que "se fosse
assim, todo pobre era bandido" (alguns dos que o dizem o fazem para ser
populistas). Trata-se de pensamento oriundo da ideologia capitalista, que quer
passar a idéia de que até aqueles que não têm nada devem trabalhar e se adequar
ao sistema, ainda que este lhes vire o rosto. Afirmam que não se é bandido
apenas porque se é pobre mas sim porque se é "ruim", se é de má
índole, e por isso a saída é a repressão, a cadeia.
É até
despiciendo dizer que nem todos os pobres são criminosos, ou, ainda, que nem
todos os criminosos são pobres. Contudo, é inegável que o Direito Penal (e,
consequentemente, o crime) é estruturalmente, estatisticamente, historicamente
até (4), ligado às camadas menos favorecidas da sociedade (5).
Nesse
contexto social (determinado pelo econômico) é que surgem as prisões e seus
defeitos, uma vez que servem para conter aqueles que, não adequados ao modelo
econômico excludente que os torna miseráveis, atentam, por meio da
delinqüência, contra os "homens de bem" e contra os interesses da
parcela dominante da sociedade. Como o número de cidadãos que não consegue
resistir à pobreza se eleva mais e mais, as mazelas do sistema prisional se
apresentam a cada dia que passa de forma mais explícita. O Direito Penal, assim
como as prisões, passam a se encaixar na doutrina de Karl Marx, segundo a qual
o Direito é instrumento que serve às classes dominantes.
Não
se quer neste texto em tudo concordar com os ideais marxistas acerca das
funções do Direito. O conceito marxista de Direito é equivocado desde seu berço
porquanto assevera que o Direito só surgiu após o capitalismo, como forma de
servir a este modelo econômico. Esta afirmação, entretanto, não é verídica
porque o Direito existe desde que o homem passou a se viver junto de seus
iguais, mesmo de forma rudimentar, longínqua do regime capitalista.
Contudo,
não se pode negar que muito do que Karl Marx doutrinou tem validade para o
contexto sócio-jurídico brasileiro atual, principalmente se se puser em
destaque o Direito Penal.
Por
fim, urge salientar que a causa (delinqüência em massa em virtude da exclusão
egressa do neoliberalismo) para a falência prisional aqui mostrada não é única,
embora seja a principal. Merece lembrança também que o aqui escrito se aplica
ao Brasil tão-somente. Outros países, mesmo os ricos, podem enfrentar problemas
semelhantes em seus sistemas carcerários e não obstante as causas serem outras.
Os problemas brasileiros, assim como seu modelo econômico, podem não ser
similares aos de outros países.
NOTAS:
(1)
Adiante se dirá que o contexto jurídico atual se aproxima das lições de Karl
Marx. Vale salientar, então, neste ponto, que uma das características que o
economista atribuía ao capitalismo era a suposta liberdade e igualdade de que
gozavam os cidadãos. É interessante, pois, para os capitalistas afastarem o
Direito do Trabalho porque assim os trabalhadores ficam em posição
"igual" à dos empregadores, sem benefícios jurídicos que lhes
favoreçam e lhes desigualem, pondo-os em melhor situação. A desigualdade
existente na realidade (empregador-dominante e trabalhador-dominado) é
desconsiderada pelo Direito do capitalismo.
(2) A
noção de norma jurídica não pode ser confundida com a de Direito. Direito não é
norma assim como também não é lei. Trata-se de ciência que em tudo se confunde
com Justiça, esta encarada como valor e não como sinônimo – costumeiramente
utilizado de forma equivocada – de Poder Judiciário.
(3)
Mais correto seria o termo "despossuidores".
(4)
Já que as primeiras leis penais apareceram para proteger o direito de
propriedade.
(5)
"Assim, o sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo
igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na verdade seu
funcionamento é seletivo, atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de
determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas (as exceções, além de
confirmarem a regra, são aparatosamente usadas para a reafirmação do caráter
igualitário)" Nilo Batista, Introdução Crítica ao Direito Penal, 1 ed., p.
25.
Texto apresentado em
11/11/1999, na VIII Semana de Humanidades da UFRN.
Endereço eletrônico do autor: paulo.rocha@digi.com.br
Retirado
da Internet: http://www.apriori.com.br/artigos/arti_247.htm
Palavras
chaves: falência política prisional Estado conseqüência modelo econômico
excludente