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A CRIMINALIZAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO NA LEI 9437/97
Marcos Alexandre Cattani
Delegado de Polícia em Santo André/SP
A
lei 9437/97 foi editada precipuamente para servir de instrumento inibidor da
explosão generalizada da criminalidade em todo o país.
As estatísticas vem demonstrando exaustivamente que a esmagadora
maioria dos delitos graves(homicídio, latrocínio, extorsão mediante seqüestro,
roubo e etc)são cometidos com o emprego de armas de fogo.
A lei em comento, não surgiu apenas como fruto da preocupação nacional,
que entendeu que a Lei das Contravenções Penais não poderia mais albergar
condutas, que por si só, perfazem uma lesão à segurança de toda a coletividade.
Ademais, a Lei das Contravenções Penais, cuja legislação reúne condutas
delitivas de menor gravidade, ou com o advento da lei 9099/95, que podemos
chamar de menor potencial ofensivo, não poderia manter mais, os antigos artigos
19 e 21(porte e disparo de arma de fogo respectivamente), já que tais ilícitos
representam inexoravelmente um grau maior de violação aos
bens/interesses/valores penalmente protegidos pela direito penal substantivo.
A própria ONU, através de seus órgãos latino-americanos(ILANUD),
exerceu sensível pressão para que o Poder Legislativo Federal elaborasse uma
resposta penal condizente com a realidade social brasileira, criminalizando-se
com maior severidade a aquisição, a posse e o porte ilegais de armas de fogo.
Além do mais, haviam consideráveis lacunas dentro da Lei de
Contravenções Penais, que não tratava de inúmeras outras condutas
inter-relacionadas ao porte e posse de armas de fogo, abrindo-se verdadeiras
valas para a impunidade.
No escopo de suprir a estas e outras necessidades, veio então à lume no
ordenamento jurídico pátrio a lei 9437/97, que em abono as reflexões que ora se
fazem foi recebida com satisfação pela comunidade jurídica.
Em que pese, a indiscutível importância de uma lei regulando com maior
extensão, e criminalizando as condutas de aquisição, porte e posse além de
outras, de forma mais condizente ao perigo(ou lesão para alguns)que representam
para a sociedade tais ilícitos, a lei 9437/97 carrega em seu texto alguns
equívocos, contradições, omissões e para a grande parte da doutrina, algumas inconstitucionalidades
patentes.
Sem dúvida, a lei 9437/97, é um primor de falta de técnica legislativa
e dá mostras constantes de que o legislador in casu, abandona conceitos básicos
que sustentam e fundamentam um Direito Penal moderno.
O artigo 10, parágrafo 4º, é um bom exemplo do qual nos servimos para
demonstrar o estrabismo jurídico-penal que norteou o legislador da lei 9437/97,
que demonstra a inconseqüência de uma abordagem tipificadora disforme com a
dogmática penal.
O dispositivo em apreço, diz que : “ A pena é aumentada da metade se o
crime é praticado por servidor público”.
Trata-se com evidência não de um delito autônomo, mas de uma causa de
aumento de pena, que se aplica a todos os delitos previstos na lei 9437/97. Já
o conceito de servidor público se extrai no artigo 327 do Código Penal, que
define para efeitos penais, como sendo todo aquele que exerce cargo, emprego ou
função, embora transitoriamente ou sem remuneração, e o seu parágrafo 1º,
estende o conceito também para os funcionários das entidades paraestatais. Como
se observa, é utilizada uma conceituação mais ampla que o fornecido pelo
Direito Administrativo.
O legislador entendeu ser cabível uma maior reprovação penal àquele que
cometendo qualquer dos delitos elencados na lei das armas de fogo, possuísse a
qualidade de servidor público, e omitindo(como de costume) se em efetivo
exercício ou em razão da função pública.
Ora, qualquer das condutas previstas no artigo 10 da lei em estudo
podem ser praticadas por qualquer pessoa, pois trata-se de crime comum e não
próprio.
A Teoria das Circunstâncias, numa rápida abordagem, situa a
circunstância como todo dado, fato determinado ou concreto, que sem modificar
ou suprimir um crime, atenua ou aumenta a resposta penal, através de um aumento
ou diminuição da sanção penal a ser aplica pelo magistrado no complexo processo
de dosimetria da pena.
Outrossim, toda a estrutura do injusto penal deitas as suas raízes na
concepção de bem jurídico, entendendo-se este como todos os bens/interesses/valores
penalmente protegidos pela norma penal, e que se violados sujeitaram o seu
infrator as conseqüências jurídicas previstas por esta mesma norma penal(PENA).
O professor David Teixeira de Azevedo, em excelente obra(1)ensina-nos:
“As causas do aumento e de diminuição constituem circunstâncias do crime,
dotados de estrutura típica, relacionadas com a quantidade e com a qualidade do
injusto. Estão intimamente relacionadas com o bem jurídico, grau, modo e
intensidade de ataque, as modalidades e formas de execução do fato típico, o
local, o tempo, os instrumentos, a qualidade da vítima e a natureza do objeto
material sobre que recai a ação humana”.
A simples qualidade de servidor público do agente em nada altera, seja
atenuando ou agravando qualquer das condutas tipificadas no preceito penal do
artigo 10 e seguintes da lei 9437/97. Mesmo porque o conceito de servidor
público, para efeitos penais, segundo a conceituação do artigo 327 do CP, é
conhecidamente amplo.
O Direito Penal moderno, tem como um dos seus pilares, o princípio da
culpabilidade do ato, pelo fato concreto individualizado, isto é, um Direito
Penal do ato e não do autor.
O autor do injusto penal sofrerá a reprimenda pelo que fez, pelo que
praticou, sob o crivo de uma avaliação ético-axiológico do seu conhecimento e
autodeterminação ao realizar a conduta típica e antijurídica, e não pelo que é,
pela sua qualificação pessoal ou profissional.
O que poderia e até deveria o legislador era determinar uma majoração
da pena aos servidores públicos que praticassem qualquer das ações incriminadas
no artigo 10 em razão da sua função pública ou prevalecendo-se dela, tais como
os policiais civis, militares e federais, estes sim, em razão da função pública
que desempenham, e da confiança que lhe empresta o Estado, poderiam ofender com
maior amplitude o bem jurídico protegido pela norma em apreço, violando as
regras de proteção a segurança coletiva.
Ou como leciona Luiz Flávio Gomes(2): “Em geral, a qualidade de
servidor público em nada altera o conteúdo do injusto nos crimes previstos na
lei 9437/97. A posse clandestina de uma arma de fogo, por um particular ou por
um funcionário, configura o mesmo injusto penal: rebaixa com a mesma
intensidade o nível de segurança coletiva. O dever geral de fidelidade para com
o Estado, que é inerente ao servidor público, não justifica, por si só, a
majoração da pena. Mesmo porque, acrescente-se, o bem jurídico tutelado não
pertence somente ao Estado, senão à coletividade inteira”.
Estabeleceu-se assim, uma causa de aumento de pena(metade) pura e
simplesmente pela condição de servidor público, de forma injusta e
despropositada, e não atende ao princípio da razoabilidade, que deve nortear
toda a criação da norma incriminadora, inclusive em seus tipos derivados, e que
o mestre Damásio E. Jesus, chamou de “Tipo criticável”(3), advertindo
apropriadamente que :”Deve haver nexo causal entre a conduta “funcional” do
servidor público e a realização do crime definido na Lei n. 9.437/97. Caso
contrário, não se aplica a circunstância agravadora da pena”.
Desta forma, o magistrado deve adotar no momento da fixação da pena uma
interpretação restritiva quanto à este dispositivo, ante a amplitude do termo e
da dissonância existente entre a condição profissional do autor do ilícito
penal e da intensidade da agressão por ele praticada contra o bem jurídico
tutelado pela norma penal.
BIBLIOGRAFIA:
(1)AZEVEDO, David Teixeira de. Dosimetria da Pena- causas de aumento e
diminuição, São Paulo, Malheiros Editores, 1998.
(2)GOMES, Luiz Flávio; OLIVEIRA, William Terra de. Lei das Armas de
Fogo, São Paulo, Ed.RT, 1998.
(3)JESUS, Damásio Evangelista de. Crimes de Porte de Arma de Fogo e
Assemelhados, São Paulo, Ed. Saraiva
Retirado de: http://www.direitopenal.adv.br/artigos.htm
Palavras Chaves: criminalização servidor
público lei 9.437 1997 97