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ALGUMAS NOTAS SOBRE CASAS DE PROSTITUIÇÃO E RUFIANISMO

Wagner Magalhães

I. Introdução:

                                 Nas linhas deste trabalho, descrever-se-á sobre alguns aspectos interessantes diretamente ligados aos delitos dos arts. 229 e 230, todos do Código Penal (Casa de Prostituição e Rufianismo). Deve-se deixar claro, desde o início, que não é o objetivo primeiro desta empreitada fazer uma análise exaustiva dos dispositivos, tal qual jazem fazê-la os renomados doutrinadores. Preferiu-se seguir uma linha um tanto diversa, na medida em que se aceitou o desafio de desestruturar a base desses delitos face os estudos apresentados atualmente sobre Criminologia, Dogmática Jurídico-Penal etc.

                                Com isso, primou-se, dentro dos limites de um curso de graduação, por uma releitura dos dispositivos e dos dogmas pretorianos – porque não da Doutrina também ? – para que se alcance, ao final do estudo, se pelo menos não um resultado, a consciência de que esforços foram empregados e conceitos se mostraram retrabalhados.

                                Para iniciarmos, é bom que tenhamos em mente os seguintes ensinamentos de Salo de Carvalho: “A Dogmática Jurídica, estruturada como o modelo de ciência do Direito desde o início do século, atua como instrumento de sistematização do pensamento jurídico, caracterizando-se fundamentalmente pela restrição (redução) de seu objeto de estudo ao Direito positivo vigente. Sua função, portanto, corresponde à elaboração de um sistema normativo coerente e completo, idôneo para fornecer ‘segurança jurídica’”

                                Posto isto, mãos à obra!

II. Delito Habitual?

Dentro de uma perspectiva focada em um direito penal de ato, a questão do delito habitual desperta discussões bem interessantes sobre a sua “legitimidade” dentro de uma sistemática que procura expurgar paulatinamente todos os elementos caracteriológicos que possam assim ensejar um minus do agente perante o jus puniendi estatal.

Um dos expoentes das ciências criminais na América Latina já prelecionava que “a pena não retribui o injusto nem sua culpabilidade, mas deve guardar certa relação com ambos como único caminho pelo qual pode aspirar a garantir a segurança jurídica e não a afrontá-la.”[1][1] Vale dizer que ao Direito Penal cabe somente a valoração, para fins de aplicação de pena, da lesão ao bem jurídico, condicionado à possibilidade do agente de conhecer a ilicitude de sua conduta, bem como poder se determinar por tal compreensão/entendimento.[2][2]

Deve-se aclarar que as orientações acima devem apontar para um embasamento calcado em uma metodologia de investigação sincera que vise respeitar a dignidade da pessoa humana[3][3] como pilar axiológico de um Estado Democrático de Direito (art. 1º, III CF). Por força disso, é de pronto rejeitável o determinismo como critério de aplicação de pena (art. 59 CP)– bem como dentro de uma perspectiva mais abrangente de estudo do Direito Penal e de ciências afins -, principalmente quando tal metodologia se constitui em fonte de informação a elementos de tipicidade. Aclarando o raciocínio, o determinismo se caracteriza “quando se sustenta que o homem é um ser que somente se move por causas, isto é, determinado que não goza de possibilidade de escolha, que a escolha é uma ilusão e que na realidade sempre atuamos movidos por causas, sem que nossa conduta se distinga dos outros fatos da natureza.”[4][4]. Desta forma, discutível seria a inserção de tais subsídios em um programa de criminalização primária, máxime quando mesmo se tem visado uma evasiva proteção da moral e dos bons costumes.

Assim, dentro da teoria do tipo constata-se alguns resquícios de tal determinismo. Com efeito, o finalista Reinhardt Maurach em seu tratado traz um estudo, onde elenca sua classificação de “tipo de autor normativo” e “tipo de autor criminológico”. O primeiro é fruto de ferrenho idealismo elevado pela mais pura aplicação dos paradigmas etiológicos da criminologia clássica sobre a teoria do delito. Vale dizer, que “el cumplimiento del tipo legal representa tan sólo una manifestación sintomática del autor que atua tipicamente.”[5][5]. Tal assertiva é merecedora de um frio e pertinente comentário do finalista alemão, onde tal corrente de pensamento se constitui em “una pretensión irrealizable para las posibilidades de la investigación criminológica”.[6][6] Era a “doutrina chefe” do discurso penalógico no regime do nacional-socialismo.

Por sua vez, o “tipo de autor criminológico” parece ter atendido a orientação do autor, pois é tido como uma teoria que assume o pressuposto de que “el derecho vigente sea fundamentalmente derecho penal de acto”. Contudo – como a exceção que justifica a regra – a reiteração de tais atos gera uma situação social para o agente que fundamenta a pena, por conseguinte, a tipicidade pelo obrar reiteradamente daquela maneira.[7][7] Insta ressaltar que o raciocínio é também aplicável para a exasperação da pena, como bem se depura no “fenômeno” da reincidência. Na continuidade de sua exposição, o autor parece aprovar tal teoria, na medida em que pugna por uma melhor atuação do ‘tratamento” penal, face os princípios de individualização da pena. Assim, vale a pena colecionar sua conclusão, anotando-se que “el rechazar que el tipo de autor sirva para constituir la figura legal, no afeta en [8][8]absoluto a la utilidad de la criminología para la medición de la pena y para el sistema de molidas de seguridad y de corrección. El poner en tela  de juício la existencia de tipos de delincuente tales como el ladrón por fractura altamente especilaizado, el timador del matrimonio, el ratero de cuidadosa formación profisional, el estafador (proceso evolutivo del Félix Krull de Thomas Mann(, el ‘pendenciero’ o el hombre brutal, significaria alejar el derecho penal de la vida. La teoria de la formación de tipos propria de la criminología (tal como se ha desenvuelto por Seelig, Mezger y Sauer) puede ser, por el contrario, de la mayor importancia para la aplicación práctica del derecho penal, en lo relativo a individualización de los medios penales. A la criminología, a una ciencia auxiliar del derecho penal, tan sólo se le prohíbe una cosa: sustituir, por suplantación del derecho penal, los tipos de acto por una tipología de autor.”[9][9] 

Em que pese o entendimento de um dos grandes expoentes do Direito Penal alemão, deve-se relevar que a conclusão se mostra incorreta, por simples questão metodológica: a criminologia não é ciência auxiliar do direito penal!!9 Não se deve esperar dela categorias abstratas prontas para servirem à atuação do braço forte do Estado. Do contrário: é da criminologia, nos tempos de punibilidade desmedida, aquela tarefa de trazer à tona os motivos da criminalização, e não empreender um passado estudo de causa/efeito sobre o atuar do homem. Com isso, face os estudos mais abrangentes de criminologia, em cheque poderia se colocar tal teoria do tipo de autor criminológico, vez que se constitui ainda em premissa epistemológica equivocada, calcada em perspectiva alinhavada com discursos que desconhecem a estigmatização social e a seletividade do sistema penal. Vale mais uma vez insistir que ao Direito Penal cabe reprovar condutas que se mostram motivadas contra a compreensão do caráter ilícito da mesma.[10][10]

E o que se pode aplicar da apertada síntese ora exposta a esta ‘classe’ denominada de delitos habituais? Valdir Sznick, em trabalho específico sobre os delitos habituais, traz uma conceituação que deve ser transcrita preliminarmente: “o delito habitual é um delito de estrutura complexa, para cuja constituição é indispensável uma soma de fatos que, isolados, não constituem delito”.[11][11] Com isso, tomando por empréstimo a estruturação dos elementos feitos pelo autor citado em prima, coloca-se, a princípio, que o delito habitual se constitui no seguinte: 1) elemento objetivo, a reiteração de condutas; 2) subjetivo, uma resolução única.

Com base nos estudos realizados pelo autor, notadamente na doutrina italiana e alemã, dentro do elemento objetivo podemos encontrar polêmicas e debates acerca da pluralidade ou não de ações para a constituição do delito habitual. Em breve resumo, há autores que doutrinam a inexistência de pluralidade de ações – e aqui não nos resta concluir senão por aquela no sentido finalista – lançando mão da teoria alemã do ‘Rechtslage’ (doutrina da situação jurídica). Neste particular, tal se concebe como “sempre que, antes que determinado fato ou ato seja reconhecido pelo direito, apresenta qualquer coisa de jurídico que possa ter influência sobre a futura formação do direito”[12][12] – que aqui só poderia ser o jus puniendi estatal – estaria constituído com a verificação da habitualidade. É de se notar que esta posição parece mais uma teoria divagadora sobre a ilicitude civil do que uma teoria sobre a constituição de um ilícito penal, vez que tenta transportar aportes privatísticos desnecessários para uma independente teoria do delito.  Está muito mais apropriada a uma obra sobre “apontamentos de responsabilidade civil”. Vale ainda lembrar que tal corrente desconhece quaisquer relevância dada ao conceito de ação em matéria penal – seja ela qual for -.[13][13]

Nem mesmo o funcionalismo sistêmico de Jakobs parece falar em uma situação jurídica, se bem que o seu conceito de sistema baseado em papéis a serem exercidos sob o império da norma parece ensejar um bom debate.[14][14]

Entretanto, ainda sim quedaria pendente a habitualidade em toda esta discussão. Dentro da obra de Valdir Sznick, foi esta colocada no elemento subjetivo – não creio que a distinção feita aqui seja igual àquela de tipicidade objetiva/subjetiva - . Desta forma, retomando o debate, para os alemães o hábito é o elemento principal e constitutivo, não sendo a repetição de ações o elemento essencial. A habitualidade é vista como “a duração de vontade (Zimmerl) ou caráter do agente (Mayer) ou o desvio da consciência (Bockelmann), entendendo aqui a culpa do autor”[15][15]

Com isso, gira-se o debate em torno da habitualidade, a saber: é ela circunstância ou elemento constitutivo?

Para nós a, a habitualidade é de ser vista em campo estritamente objetivo, vale dizer que é observável a partir de uma reiteração de uma mesma ação. Agora, afluir daí qualquer juízo de valor sobre o agente – tal como caráter criminoso, periculosidade etc. – não é tarefa do Direito Penal, pertencendo, talvez, a alguma ciência cuja epistemologia seja regida pelo empirismo, de paradigma etiológico, QUE NÃO É A CRIMINOLOGIA.

Por conseguinte, não concordamos com a conclusão do autor já várias vezes citado, onde este doutrina que “para nós o delito habitual requer uma repetição de ações ou fatos que, isoladamente, não são puníveis. Por medida de política criminal é que são punidos, quando cometidos mais de uma vez. Pois bem, a repetição de condutas nada mais é que fato objetivo, elemento exterior da conduta, e o subjetivo, elemento interior, é a habitualidade ou, como os antigos já a denominavam, ‘consuetudo deliquendi’”.[16][16] Continuando suas conclusões o autor assevera que “ter-se-ia, abolindo a habitualidade, semelhanças bastante acentuadas e até causando confusão com o delito continuado, que é também uma repetição de ações. A diferença básica, a extremá-los, está não só na conduta externa (singularmente impune) mas, e em especial, na habitualidade da conduta”. [17][17]

Deve-se observar que quando o autor se refere à habitualidade como elemento subjetivo, tal não pode ser outra coisa senão as características do autor. Dolo, como elemento do tipo subjetivo, este não pode ser, pois se assim fosse, onde estaria a constituição – leia-se lesividade - do ilícito penal? Sabe-se que ação –pelo menos para Welzel – é conduta humana dirigida voluntariamente a um fim. E se as ações do delito habitual, por si só, são irrelevantes jurídico-penalmente, não será a habitualidade – num sentido de ‘dolo de reiteração’- que a tornará. Impossível não concluir que a habitualidade aqui é verificada através das características do autor, do seu ser do seu modus vivendi, daí o autor usar o termo ‘elemento subjetivo’

                                        Por fim, é inadmissível concluir nos seguintes termos: “No delito habitual, o hábito não é circunstância agravante, mas sim elemento constitutivo integrando o elemento típico do delito, elemento essencial fazendo parte do ‘Tatbestand’, dentro da concepção alemã, da ‘fattispecie legale’, italiana ou da nossa tipicidade.”

A pluralidade de condutas nada mais é do que indicador (‘ ratio cognoscendi’) da habitualidade (‘ratio essendi’), uma bússola, elemento externo por onde se pode concluir a presença de um elemento essencial e que dá nome ao delito.

Colocada a questão nestes termos, é de se questionar: pode o delito habitual existir sem um tipo de autor?

Heleno Cláudio Fragoso já afirmava “não há dúvida  de que o Direito Penal vigente repousa sobre o desvalor social do fato. O crime é o pressuposto da pena e constitui sempre uma ação ou uma conduta, com a qual o agente viola a norma penal. A punição é, assim, irrogada, pela infração.

A teoria do tipo normativo de autor constitui uma construção azia e abstrata, inteiramente nas nuvens. Não há tipos normativos de agentes, isto é, não se encontra em qualquer tipo delineado a figura do agente, com as características mínimas indispensáveis para sua identificação. A teoria do tipo criminológico tem maior fundamento, pois é inegavelmente possível estabelecer a classificação de criminosos em tipos, com maior ou menor exaltação. Na Alemanha, os autores admitem esta teoria, não sem certas reservas, porque a Reichsgricht a adotou em relação ao crime de rufianismo e também em face de disposição gera sobre os criminosos habituais.

Não há como dar ingresso a tais idéias em nosso direito positivo”[18][18]

Os apontamentos trazidos à tona são, por si só, elucidativos. Observa-se que o autor faz reservas inclusive a teoria do tipo criminológico de autor, a mesma apresentada e exaltada por Maurach. Certamente a hesitação do mestre provem de sua perspectiva quanto a posição da criminologia  perante o discurso da dogmática penal.

Com isso, é com toda segurança que se afirma a inexistência do delito habitual. Com efeito, se olharmos as figuras delitivas em espécie, objeto deste estudo, imediatamente podemos nos remeter a figuras delitivas mais ‘conhecidas’. Todavia, tal releitura será feita nos devidos tópicos.

Por ora, cabe dizer que para superarmos a questão do delito habitual, deve-se ter ainda como princípio basilar e norteador, a fragmentariedade do Direito Penal, que não podemos deixar de transcrever, na pena de Fragoso: “Tendo em vista a exigência básica de que os crimes se apresentem em tipos de conduta, alguns autores, especialmente Soler, têm afirmado que o Direito Penal constitui um sistema descontínuo de ilícitos. Esta idéia não pode ser aceita sem reservas. Não há dúvida de que todo ramo do direito é um sistema contínuo de licitudes e descontínuo de ilícitos. Há inegavelmente certo fundamento na observação de que também existe tipicidade em certos atos, lícitos ou ilícitos, disciplinados pelo direito privado.

No Direito Penal, porém, é atribuído ao tipo uma função específica e peculiar. O Direito Penal não realiza uma  tutela genérica de determinados interesses jurídicos: a ilicitude penal só pode existir se corresponder a determinada figura de delito, que esgote e limite, nos extremos da definição legal, a conduta punível. Esta característica, o ilícito civil certamente não tem, desconhecendo a importância bailar que só o Direito Penal atribui a modalidade de ação. Nesse sentido, nenhuma dúvida existe quanto ao caráter ‘fragmentário’ do Direito Penal.”[19][19]

Conclui-se assim que a inexistência do delito habitual é imperiosa face ao que se propõe neste trabalho. Pois bem, se avaliadas as condutas que constituem o “hábito”, estas se constituem, isoladamente, irrelevantes; à medida que se deve perquirir um ‘aspecto lesivo’ a ser protegido pela norma, esta será facilmente o caráter, o hábito do autor. Desta forma, fácil será ligar a característica do autor com o suposto bem jurídico protegido na norma. Nada mais fácil para que o ‘habituado’ seja o inimigo número 1 da norma, ou seja, o imoral etc. Expediente dos mais perniciosos: esquece-se qualquer lesividade concreta e encontra-se nas características da clientela do programa de criminalização o estereótipo do imoral e ‘fora da lei’.

III. Rufianismo: Moral ou Liberdade Individual?

“A espontaneidade do oferecimento do sustento, por parte da meretriz ao seu amásio, é indiferente à configuração do delito de rufianismo”. (RT 288/176) 

“Aquele que recebe acomodação, vestuário, alimentação e dinheiro de meretriz, desempenha o papel de lombriga no intestino da prostituição à sombra da qual vive”. (RT 487/305)

“O recebimento de diárias pela proprietária de casa suspeita, em retribuição a pensão fornecida as suas inquilinas, não configura o delito de rufianismo”. (RT 179/406)

“A eventual tolerância da polícia em relação ao lenocínio não aproveita ao rufião”. (RT 522/458)

“No rito consensual de transmissão e passagem do estado de natureza para o estado civil, os indivíduos, segundo Locke, não renunciaram os direitos naturais, muito menos permitiriam ao estado ingerência plena em todas as esferas de sua liberdade”[20][20]. Com base nestas palavras introdutórias do professor gaúcho Salo de Carvalho, abrimos a exposição sobre o crime de rufianismo.

A transcrição supra, contida em estudo orientador para os interessados na filosofia do Direito Penal, está impressa em um sub item, cujo título é “Direito à Perversidade”. Bem se confessa aqui que a primeira vista, tal terminologia causou espanto até mesmo a este que vos escreve. Porém, nada mais do que uma surpresa momentânea, viciada pela influência dos discursos “moralistas” do dia-a-dia, pretensiosos e com ares de generalistas. Mais uma vez, como já se pode indiciar, não teremos como fugir da questão crucial deste trabalho: uma discussão sobre bem jurídico, bem com a legitimidade de atuação do Direito penal em erigir um sistema de vida como um elemento constitutivo da tipicidade.  

Desta forma, assim dispõe o art. 230 do CP: 

“Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça. 

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa. 

É comezinho ver afirmado, em sede doutrinária, que o delito de rufianismo (rufianería, struffamento di prostitute, Zahälterei)[21][21] constitui-se em recente aquisição do ius positum.. Ainda dentro de um âmbito de abrangência no discurso doutrinário, os autores, parecem manifestar os mesmos “sentimentos” quanto aos rufiães. Assim, Fragoso – por todos – explanava que “esta, sem dúvida, a forma mais sórdida de lenocínio, constituindo parasitismo ao negro ofício da prostituição, de cuja renda miserável participa. Era aos rufiães que Justiniano chamava de ‘vestífuros’. A lei penal punindo o rufianismo, visa reprimir a exploração de prostitutas, que altamente ofende a moral pública. Esta é a objetividade jurídica do crime”.[22][22]

Ainda na linha doutrinária, alguns mestres costumam traçar certas divisões  quanto às características específicas de cada ‘espécie’ de rufião e proxenetas. Assim, Mezger distingue “la rufianería llamada explotadora y la llamada proxenética”[23][23], constituindo-se a primeira quando “la mujer sólo hace regalos ocasionales. Se incluyen aquí todos los gastos necesarios para vivir y no los que son apenas suficientes”; ao passo que o segundo “comprende, ante todo, la proteción de la mujer frente a la policía y a los clientes, el acompañamiento de la mujer en la calle y en las fondas, el amparo que se le brinda al cobrar ella su remuneración etc.”[24][24]

A Doutrina nacional costuma salientar também que a lei positiva cobriu um “vácuo de punibilidade, na medida em que previne, ao lado do núcleo ‘fazer se sustentar’, a ação de ‘tirar proveito de forma direta’. Assim doutrina Magalhães Noronha que “a ausência de figura que preveja expressamente o crime é, sem dúvida, lacuna sensível, pois esta espécie delituosa afasta-se, como veremos no decorrer do presente estudo, de outra modalidades constitutivas, em regra, do título que se ocupa do lenocínio.

Nosso legislador mostrou-se mais previdente do que os de outros países, evitando quaisquer dúvidas quanto ao conceito do rufianismo. Não se limitam, como faz o Código suíço, a considerar rufião somente o que se faz manter (art. 201), orientação também seguida pelo italiano (art. 534), mas pune igualmente o que participa dos lucros da meretriz”.[25][25] Data maxima venia, a nosso ver, não há motivo para se “gabar” tanto. Primeiramente porque, apesar dos esforços que os doutrinadores nacionais fazem para diferenciar os dois núcleos típicos, não são de todo convincentes. Fazer-se sustentar é tão-somente uma espécie de “tirar proveito” de forma direta. Parece que a doutrina entende que há uma forma de mais (fazer se sustentar) para menos (participação direta). Pode até ser. Contudo, querer criar um segundo núcleo, na modalidade de participação direta é tornar o estilo de vida do rufião – para os padrões punitivos – mais odioso do que aquela que a própria tipificação, por si só, de seu estilo de vida já o faz. Em segundo lugar, nada nos demove da idéia de que esta esquizofrenia por ‘núcleos verbais’ se assemelha àquela que criou diversos tipos penais esdrúxulos – art. 12 Lei 6368/76, art. 10 Lei 9437/97.

Evoluindo em nossa análise de pontos esparsos, a doutrina arrola alguns casos onde considera não haver delito. Divagam sobre a possibilidade do rufião estar casado com a meretriz, se aquele que recebe alimentos da mesma incorre nas penas do art. 230 etc. Quanto a nossa resolução, voltaremos adiante; contudo insta aclarar aqui que a doutrina parece trilhar um caminho casuístico para a resolução de tais problemas, sem oferecer um critério dogmático seguro.

Por fim, comecemos – que paradoxo! Começar no fim!! – a resolver estes problemas. Primeiramente – matando a curiosidade – já levantada algum tempo – façamos as considerações sobre o bem jurídico.

Antolisei parece chegar próximo ao entendimento que aqui será defendido, na medida em que adverte que: “ma, a nostro parere, il legislatore, intervenendo com la pena, non mira soltando a tutelare la pubblica moralità: intende anche prestare un socorso a quelle disgraziate creature, che, travolte dal vizio e più spesso dallàmbiente sociale, nonchè dalla miseria, meritano pietà per l’abisso in cui sono cadute. Ciò è dimostrato dal fatto che, pur essendo necessario il concorso della donna per lésistenza del delitto, essa non soggiare a pena”.[26][26]

Entretanto, o resto da doutrina parece se perder em uma posição que às vezes acaba por diluir um bem jurídico que por si só carece de caracterização delimitada. Assim, como exemplo, nas linhas de Vicenzo Manzini o ‘oggeto specifico della tutela penale’ se constitui em “línteresse dello Stato di garantire i beni giuridici della moralità pubblica e del buon costume in quanto si attiene al pubblico pudore e all’onore sessuale contro quella forma di parassitismo della prostituzione”.[27][27]De outra parte, ainda há aqueles que afirmam que “concomitantemente se protege a pessoa da meretriz; não o seu sórdido patrimônio, bem é de ver”.9

Com isso, desvendando o mistério sobre o bem jurídico, é de todo importante partirmos de premissas expostas pelo prof. Nilo Batista, a saber: “o direito penal vem ao mundo (ou seja, é legislado) para cumprir funções concretas dentro de e para uma sociedade que concretamente se organizou de dentro de determinada maneira”; “o direito penal existe para cumprir finalidades, para que algo se realize, não para a simples celebração de valores eternos ou glorificação de paradigmas morais”.10 Com isso, já estamos  cientes de que parte de nossas conclusões estarão prejudicadas, na medida em que estaremos carecendo de uma investigação histórica acerca das relações de poder sócio-político que culminaram com a orientação político-criminal para criação desta nova espécie delitiva do art. 230 do CP. Não obstante, podemos trabalhar dentro de um plano deontológico para a funcionalização do Direito Penal11. Desta forma, temos que assumir o Direito Penal como uma realidade impossível de ser abstraída e, na medida em que este fenômeno possui uma carga ‘genocida’12 formidável,  deve-se trabalhar aqui sinalando para uma tentativa de traçar métodos para uma busca de legitimidade – pelo menos a nível dogmático do sistema penal.

Dentro desta limitada busca, estamos com Juarez Tavares, que, quanto ao bem jurídico, assinala que “o bem jurídico na qualidade de valor  e conseqüentemente, inserido no amplo aspecto da finalidade da ordem jurídica, cumpre a função de proteção, não dele próprio, senão da pessoa humana, que é o objeto final de proteção da ordem jurídica”13. E, citando Hassemer, completa que “bens jurídicos universais somente requerem proteção como condição da possibilidade de proteção dos bens jurídicos individuais, os quais, por isso, possuem uma função orientadora. Deste modo, o fim de proteção dos bens jurídicos é a realização da pessoa individual, sendo o interesse geral apenas uma etapa deste rumo”.14

Com isso, estamos centrados na seguinte questão: a afirmação de que a moral pública sexual é o bem jurídico tutelado é tão vazia quanto se afirmar simplesmente nada. Deve-se completar, podendo-se afirmar que a moral pública sexual pode aspirar ser um “bem jurídico” universal. Pode ser. Contudo, não a ponto de ser tutelado pela norma penal. Não querendo discutir Direito x Moral neste trabalho, deve-se afirmar, desde logo, que, para fins de Direito Penal, esta moral pública sexual só pode ser passível de tutela na medida em que se consagra na liberdade de cada indivíduo. Daí afirmarmos que o delito de rufianismo em nosso CP é algo violador da fragmentariedade e da proporcionalidade – no seu binômio necessidade/adequação – pois desnecessário, na medida em que o rol dos delitos contra a liberdade individual já trata da tutela deste bem – leia-se: da liberdade da prostituta - de forma eficiente. Com isso, indaga-se: o que é o rufianismo senão um constrangimento ilegal que fere a liberdade individual de uma prostituta? Ou de forma mais reprimidora: o que é o rufianismo senão um delito de extorsão contra uma prostitua? Aqui entrará a segunda linha de questões, pois ainda que se queira defender o rufianismo, este só poderia existir na medida em que a prostituta se submeta ao agente contra a sua vontade! Nada mais, nada menos! Desta forma, teremos a confusão com várias outras espécies delitivas.

Podemos até inovar, alegando que com esta nova concepção, o rufianismo seria um delito permanente contra o patrimônio da prostituta, tendo como delito meio o constrangimento da liberdade da mesma. A questão pode muito bem ser resolvida nestes termos. Porém, claro que não ficaríamos com esta solução demasiadamente patrimonialista. Se nos consideramos humanistas e primamos pelo valor da pessoa humana, a liberdade individual se sobrepõe à propriedade, na forma de que pode-se ler o rufianismo como uma espécie de constrangimento ilegal praticado  em permanência – lesão contínua a liberdade individual da prostituta. E quanto a vantagem econômica? Bom, este pode ser um delito subsidiário, melhor ainda CONSUMIDO por esse tipo penal de lege ferenda. A desclassificação do delito aqui não é questão prima. O que se quer atentar é que não se pode admitir uma espécie delitiva onde tutele-se uma moral evasiva que, no final das contas, em nada se difere da própria validade da norma.15. A construção que se faz aqui, que fique bem claro, é no sentido de se construir um Direito Penal que pugne pela preservação do bens jurídicos caracterizados em primeiro lugar pelo valor dignidade da pessoa humana.

Em seqüência, mister se faz aclarar sobre o caráter permanente da lesão ao bem jurídico. Aqui se lança mão desta classificação tão-somente em face de que já é consagrada na doutrina nacional.16. Inadmissível aqui será cogitar da habitualidade como um sistema de vida do agente, pelos motivos já explicados em outro lugar. Em assim sendo, a afirmação do tipo: “o nomen juris do delito é rufianismo, composto do sufixo ismo, que indica sistema. Mas sistema de quê? Naturalmente, de vida do rufião, consistente no parasitismo total ou parcial. Mas a habitualidade não se subordina a prazo”.17 Como já colocado anteriormente, a habitualidade, como meio de vida, é característica intrínseca à pessoa humana e que em nada deve influir  em sua responsabilidade penal. Valores pessoais são um campo em demasiado estranho, pois variam de pessoa a pessoa e não podem capitular perante uma moral penal, máxime em um país culturalmente diversificado como o nosso. Assim, nos mostramos adeptos ao “direito à perversidade”, ou seja lá outro nome que seja dado.1818

Questão final dentro do delito em estudo diz respeito àquelas questões casuísticas levantadas pela doutrina, onde se responde se há ou não há delito. As respostas são as mais diversas, sem quaisquer fundamento. Para nós, elas possuem um campo de resolução simples: a relação de disposição entre sujeito passivo e bem jurídico.19Curto e grosso: se à prostituta convém ceder parte de sua liberdade individual para sustentar ou pagar partes ao rufião, que esta o faça. A questão só se torna inadmissível, quando este lança mão da violência ou grave ameaça e assim alcançará seu objetivo. De qualquer forma diferente, não há o que se falar de delito.

IV. Casa de Prostituição: delito ou discriminação odiosa?

                                          À primeira vista o título acima pode parecer um tanto redundante, na medida em que o próprio programa de criminalização primária seria uma atividade de discriminação odiosa, dado o contexto histórico em que estão inseridos os sistemas penais latino-americanos.

Malgrado a contemplação supra, o que se quer discutir nestas linhas que seguem é a discriminação dentro do âmbito de atuação da norma penal – ou pelo menos onde ela deveria atuar dentro de seu ‘rígido programa’ de defesa da moral pública e dos bons costumes. Em paralelo a isso, talvez se possa perceber um interessante fenômeno, qual seja, uma estigmatização às avessas, na medida em que, em certos casos, com dadas circunstâncias, o próprio afastamento de aplicação da lei penal, sob o signo da tolerância consubstanciam numa completa expulsão do ‘império’ da legalidade e da tutela dos direito fundamentais em um Estado Democrático de Direito.

Antes de mais nada, arrolemos o rol de alguns arestos que colhemos. 

“O funcionamento de casa de prostituição às claras, em zona de meretrício e com o pleno conhecimento das autoridades locais que nenhuma restrição lhe opõe, desfigura o delito do art. 229 do CP”. (RT 523/344) 

“Não configurando ilícito penal a mantença de prostíbulo em zona do chamado ‘baixo meretrício’, e, tampouco, incomprovado que a ré tivesse participação direta nos lucros, não se entendendo como tal o recebimento de aluguel, dá-se provimento ao recurso para absolvê-lo da imputação.” (RT 607/362)

“Não é possível exigir-se de pessoa ignorante que conclua estar cometendo um ato contra a lei, quando a autoridade não só licencia a casa de tolerância como escolhe o local para seu funcionamento, fiscalizá-la e nela mantém soldados de polícia. Além disso a Prefeitura e a Exateria fornecem alvarás e o Posto de Higiene fiscaliza a saúde das mulheres”. (RT 415/323) 

ver ainda: RT 512/373, 489/341, 475/272, 441/347, 426/454, 416/93, 411/84, 390/93.

 “A proprietária de casa de prostit, quase sempre segregada do convívio na cidades, permanentemente vigiada pela polícia, porque sua atividade é marginal, não pode supor que não se encontra em sentido contrário a lei. Extrair da vigência policial, só defendia aquelas que se encontram, senão já no delito consumado, ao menos no limiar da criminalidade, a persuasão de que lícito é o procedimento, é subverter os valores da conduta”. (RJTJSP 10/593) 

“O fato de a ré conte casa de prostituição sob as vistas da polícia complacente e desidiosa não lhe dá um ‘bill ‘ de indenidade sob pretexto de haver agido com erro de fato. A hipótese, ao contrário, é de erro de direito e o art. 16 do CP (atual art. 21) conclama a irrelevância do erro de direito (error juris nocet). Se fosse permitido invocar como excusa a ignorância da lei, seriamente embaraçada estaria a ação social especialmente diante de agentes policiais faltores”. (RT 405/109) 

ver ainda: RT 60/104 

 “O fato de a autoridade administrativa conceder licença para funcionamento como pensão ou hotel a uma casa que, na realidade, é uma bordel ou prostíbulo, é irrelevante para configurar o crime definido no art. 229 do CP, visto que o licenciamento não é apontado, em nossa lei penal, como causa que influa na antijuridicidade. É esta a orientação hoje dominante no STF que revogou a que, anteriormente, foi sustentada por alguns julgados desta Corte”. (RT 115/318) 

“O alvará de funcionamento concedido pela autoridade administrativa não exclui a antijuridicidade do fato. Desvirtuamento, ademais, da finalidade do hotel que se transformou em prostíbulo”. (RT 64/563) 

“Configura o delito do art. 229do CP o desvirtuamento do comércio hoteleiro, com o recebimento de casais, irregularmente constituídos e para certa duração, para a prática de atos libidinosos, em caráter de habitualidade”. (RT 436/321) 

ver ainda: RT 554/459, 443/422, 415/90, 411/71/ 399/73/ 390/ 81. 

“O encontro, em hotel legalmente licenciado e autorizado a funcionar, de casais aí reunidos, mesmo que para fins libidinosos, não configura o crime previsto no art. 229 CP. O que este prevê é a manutenção de casa de prostituição ou lugar destinado exclusivamente a encontros para fins libidinosos, ínsito no verbo ‘manter’ o requisito da habitualidade”. (RT 404/95) 

“Sendo finalidade precípua do comércio hoteleiro fornecer acomodação  quem a desejar, nenhuma lei torna criminoso o fornecimento de tal acomodação a casais que não estejam legalizados pelo matrimônio. (RT 399/73) 

“A jurisprudência predominante nesta Corte é a de que a o encontro de casal, para fins libidinosos, em hotel não configura o delito previsto no art. 229 CP. A lei pune a manutenção de casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fins libidinosos, haja ou não o intuito de lucro”. (RT 56/26) 

“Se embora licenciado o estabelecimento hoteleiro, for desvirtuada a sua destinação para a de verdadeiro alcouve, quebra-se a presunção que se oferece em seu favor pelo licenciamento”. (RT 405/62) 

“Havendo base para o processo por casa de prostituição, na qual os proprietários de motel são acusados de estarem  desvirtuando a sua destinação, o bastante, pois, para configurar, em tese, o delito em apreço é de lhes ser denegado o ‘habeas corpus’ em que pretendem o trancamento daquele”. (RT 527/346) 

“Ainda que se considere muito restrita a rubria ‘casa de prostituição, constante do art. 229 do CP, a interpretação do dispositivo não pode ser abrangente a ponto de alcançar estabelecimentos comerciais que, explorando saunas, banhos, massagens, relax, duchas e bar, não se destinam especificamente a encontros para fins libidinosos. Tal ampliação da ‘mens legis’ abriria porta à analogia, vedada na lei penal”.  (RT 619/290) 

“Casa de prostituição – motel – Mesmo sem preconizar a licenciosidade dos costumes, mas atendendo ao fato da constante mutabilidade desses, entende-se que hoje em dia, com a proliferação dos motéis (que, não obstante desvirtuados da sua concepção original, concepção ainda corrente em outros países, contam com o beneplácito de largo segmento da sociedade) que, inclusive, alardeiam propaganda no chamado horário nobre da televisão, descabe penalizar quem mantém a ‘soi disant’ casa de prostituição. E descabe porque importaria em tratar de maneira discriminatória situações idênticas, haja visto que o motel, em última análise, em nada difere do prostíbulo. Há, em ambos os estabelecimentos, atipicidade, mas, para os ‘gerentes’ dos primeiros, não há punibilidade enquanto que, para os segundos (quase disse de ‘2’ categoria) pode haver? Ademais, e isso é corriqueiro, as próprias autoridades tributárias, no afã de aumentar os ingressos, taxam os estabelecimentos pouco importando com a finalidade dos mesmos. Outrossim, agentes policiais dispensam (por dever de ofício, ou não, pouco importa) fiscalização aos bordéis. Pergunta-se: ambas as situações não geram um caráter de licitude à existência das casas de encontro luxuosas ou não?” (JC 46/453) 

ver também: RT 587/390 e RJTJSP 87/390. 

Como ponto de partida, devemos abstrair a questão da licença do estabelecimento, como causa de um possível erro de proibição.

O que se faz interessante nestes julgados – sobretudo nos 2 primeiros – é a questão da localização das casas, situadas nas “zonas de meretrício”.

Com efeito, já se tem afirmado que “a sociedade não se defende dos maus costumes extinguindo essas zonas, esses abusos dos costumes: ao contrário, a sociedade se defende melhor permitindo-os, mantendo-os, tolerando-os, fiscalizando-os, desde que não pratiquem excessos ou abusos, como muito bem disse o Sr. Min. Vilas Boas. Nisso reside a defesa da sociedade. Se se extinguirem esses chamados tumores de fixação, ocorrerá a disseminação desses excessos por toda a cidade atingindo as casas de família, os apartamentos, o que seria sumamente perigoso (DJ 9-04-64, 143)”[28][28].

Gostaria que se focasse atenção ao termo “tumor de fixação” ora empregado. Faz-se aqui uma alusão velada ao conhecido organicismo social. De fato é o que acontece. Todavia, tal ocorre por um fenômeno bem peculiar: o não emprego da lei penal!! É de todo sabido pela comunidade estudiosa do fenômeno “criminoso” que a maior chaga do Direito Penal, como um instrumento de controle social, é a sua estigmatização. Em certas particularidades, tal fenômeno se dá de forma tão intensa que o próprio processo de criminalização primária é o suficiente para que se concretize um eficaz controle. É o que se observa nestes casos, na medida em que o não-atuar da reprimenda é, por si só, uma autorização no sentido das mais nefastas inserções do poder de polícia nos estabelecimentos com tais ‘sórdidas’ características. 

Segundo ponto interessante a ser observado nesta rede de questão é a própria finalidade da pena em tais casos. Fragoso, em seu comentários jurisprudenciais, assinalava que “a incriminação do fato só tem relevância enquanto se trata e local de prostituição (como se pode ver de rubrica lateral). Daí a hesitação das autoridades em reprimir o fato, que, ao nosso ver, não configura o delito. A tendência do direito nessa matéria é a da descriminalização”.[29][29]

                                            Sem querer adentrar o mérito da questão dos motéis e estabelecimentos voltados para encontros de casais, sem participação de “uma profissional do sexo”, não se consegue entender onde se busca critério tão odioso que se constitui em uma marco entre o lícito e o ilícito penal. A pena funcionaria melhor para o primeiro do que para a segunda? Acreditamos que não. E o motivo é bastante simples: deve-se densificar o diluído ‘bem jurídico’ tutelado pela norma. O prof. Juarez Tavares, em sua mais recente obra, faz uma exposição completa sobre o tema, assinalando a necessidade de se restabelecer um discurso dogmático centrado em uma idéia de bem jurídico que preze pela dignidade da pessoa humana, como pilar de qualquer ordenamento jurídico[30][30]. Assim, se indaga: em sendo a “moral pública sexual” o bem tutelado, até que ponto a conduta criminalizada e a “tendenciosa a descriminalização” não se igualam? Entendemos que, afirmando o contrário, seria deslocar a questão para outras bases, enfocada talvez em uma concepção de Direito Penal que prescinda completamente do bem jurídico, onde o que importa é a validade da norma como um parâmetro de funcionalidade das relações sociais. Se a relação está dentro dos padrões de comunicação, tudo perfeito; do contrário, das duas, uma: uma resposta penal “oficial” que reforce a norma ou – que é o caso – a completa expurgação daquele “corpo” das relações comunicativas, sendo este entregue a um segmento fora do “social”. É por isso que mais uma vez batemos na mesma tecla: a questão do bem jurídico é crucial.

                                        Desta forma, não pretendendo maiores divagações, deve-se aproveitar as conclusões supra, tiradas quando da análise do estudo do delito do art. 230. Vejamos alguns absurdos:

_ Na conduta em epígrafe, não há se quer emprego de violência ou grave ameaça, que poderia levar a um delito contra a liberdade sexual;

_ A conduta de manter casa de prostituição, por si só, carece de qualquer indício de lesividade3 Ainda que se quisesse caracterizar o delito por este viés, entendemos que a habitualidade deve se dar na medida em que o local é freqüentado e não com a mera mantença do estabelecimento;

_ Não há o menor respaldo legal em descriminalizar a casa que objetiva o encontro para prática de atos de libidinosos. O contrário é discriminação odiosa e, certamente, permissão para que se explore uma nascente indústria do sexo,  certamente muito rendosa para os cofres públicos e privados;

_ Descriminalizar – melhor, tolerar-  tumores de fixação, quais sejam casas de meretrício, em locais apropriados para que em permanecendo lá não se configure delito é algo tão absurdo quanto manter os excluídos em suas zonas de residência, pois o que acontece ali entre eles, via de regra, é carecedor de qualquer atenção do poder público!!!

Por fim, nesta primeira fase, lamenta-se profundamente não ter sido possível uma investigação histórico-sociológico sobre o fenômeno da casa de prostituição – até mesmo uma pesquisa de campo seria interessante -. Todavia, para as pretensões deste trabalho, as conclusões principais já haviam sido tiradas quando dos comentários ao delito de rufianismo, nas questões referentes à habitualidade e ao bem jurídico. Entretanto, deve-se ressaltar alguns fatos.

O primeiro deles é a própria posição da doutrina nacional em traçar um caráter de discriminação quando do comentário do delito em epígrafe[31][31].

Segundo, ao invés de nos ‘orgulharmos” por termos legisladores mais ‘providentes’ por arrolarem mais núcleos típicos de ação, não é mais do que hora para seguirmos a legislação italiana, a qual não possui figura idêntica a nossa; há sim dispositivos que tutelam aqueles que não possuem plena capacidade de exercerem a liberdade individual[32][32]

Derradeiramente, a conduta em epígrafe é simplesmente desprezível do ponto de vista da lesividade, máxime quando se pugna pela tipicidade no simples ato de manter a casa. O que pode-se retirar desta figura aberrante, um “quase-delito”[33][33] é que dentro de seu caráter permanente, pode-se haver participação na atividade de prostituição mediante violência ou grave ameaça. No mais... 

                                            Esta segunda seara de questões, talvez seja mais interessante, se constituirá em uma linha de considerações mais voltadas ao discurso oficial da dogmática. Oficial, pois trabalharemos aceitando todo os elementos do crime, do modo como está constituído no CP, pois a questão maior neste campo de debates é tão-somente a abordagem referente ao conhecimento do injusto como um fundamento primeiro de culpabilidade. Desta forma, uma vez delimitado o campo, o que se discute aqui é a questão do erro de proibição, como uma excludente ou atenuante de culpabilidade. 

Assim dispõe o art. 21 do CP: 

“O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável poderá diminui-la de um sexto a um terço”. 

                                            Ainda são muitos os julgados sobre esta matéria – entenda-se: licença de autoridade administrativa – onde se lê e se depreende a dicotomia erro de direito x erro de fato. Tal diferença, como é de amplo conhecimento, já se encontra ultrapassada, principalmente quando se supera, dentro da teoria do delito, o paradigma causal. Em linhas rápidas, na medida em que se desconstitui uma estruturação do fenômeno delitivo baseado em uma divisão notória e bem delimitada entre injusto objetivo/culpabilidade subjetiva, passando a se colocar dolo e culpa dentro da tipicidade e, gradativamente, se operando com uma culpabilidade normativa, ter-se-á n a matéria de erro uma espécie de “elasticidade” na medida em que se deve estudá-la dentro de cada um daqueles elementos do delito, partindo de seus novos fundamentos metodológicos (ontológico – tipo/normatividade – culpabilidade)[34][34] . O prof. Nilo Batista em sua “Decisões Criminais Comentadas” apontava seu descontento, já anunciando a nova tendência sobre a sistemática do erro. Assim, prelucidava o mestre que “a estúpida regra do art. 16 do CP, legado indesejável do Direito romano (que, como se sabe, em todo caso abriu algumas exceções) impede que seja assim. Não é oportuno, aqui, refutar a vazia argumentação da “segurança jurídica”, das “razões de ordem prática”, ou do “dever cívico de conhecer as leis”, que busca amparar aquela regra. É hoje universal e irreversível a tendência para reconhecer eficácia excusante ao erro de direito”[35][35]. E desta forma arrola uma série de ‘cases’, onde é plenamente aplicável o erro de direito. Contudo, ainda vale ressaltar que os tribunais foram de uma astúcia admirável a ponto de criarem, dentro do erro de direito, as figuras do erro de direito penal e erro de direito extra-penal, fazendo o primeiro irrelevante (error juris nocet), ao passo que o segundo abria-se a ‘guarda’, atenuando-se o rigor da Lei.

                                        Entretanto, os tempos hoje são outros. O já consagrado paradigma finalista[36][36], que culminou com a reforma do Parte Geral em 1984, trazia um campo claro de diferenciação entre as espécies de erro. Vale dizer aqui que a dicotomia antiga é de toda ultrapassada, haja visto que o tipo penal encontra-se constituído de elementos descritivos, normativos e, até mesmo, com elementos da antijuridicidade (v.g. sem justa causa) em seu bojo.[37][37] Em assim sendo, na medida em que se depura o dolo de toda aquela carga normativa (dolus malus) passando  este a se constituir em um conceito clássico de conhecer e querer os elementos do tipo objetivo[38][38] , qualquer erro sobre aqueles elementos contidos na descrição da matéria proibida se constitui em erro de tipo. Observe que aqui há elementos fáticos, sócio culturais, jurídicos, conforme já assinalamos supra.

                                        Por outro lado, uma vez no campo de nosso interesse, sendo a culpabilidade um conceito puramente normativo[39][39], onde dominantemente se entende-a “como juízo de valor negativo ou reprovação do autor pela realização não justificada de um crime, fundado no poder de agir conforme a norma, em condições de normalidade do fato,[40][40] fácil se entenderá que , uma vez desconhecida a ilicitude da conduta, impossível d se reprovar o sujeito.[41][41] Eis o substrato do erro de proibição.[42][42]

                                        Deve-se ressaltar que não é de nossa pretensão dissecar a matéria sobre o erro de proibição, divagando sobre suas classificações.[43][43]

                                        Assim, primeiramente investiguemos o ato de licença por parte da autoridade administrativa competente. A jurisprudência afirmava paulatinamente que tal ato ilidia a antijuridicidade. Não creio que assim se resolva a questão. Primeiramente que a lei penal é de competência exclusiva da União (art. 22, I CRFB). Neste particular, o “consentimento” da municipalidade ou do estado se constituir em uma exclusão de antijuridicidade seria meio absurdo – pode-se até discutir dentro de uma dicotomia antijuridicidade formal x material - . Segundo, e aqui a mais importante de todas, é que a solução primeira ainda é fruto de um Estado de Direito autoritário, titular de todos os bem jurídicos[44][44]. Desta forma, o ato justificador da conduta soaria como uma discricionariedade por parte do soberano, que não se compatibiliza em nada com a isonomia – material – do Estado Democrático de Direito.

                                        Desta forma, a saída pelo erro de proibição é a mais, digamos, concatenada  ao valor dignidade do homem como pessoa humana. Como? na medida em que o reconhecimento de tal erro é fruto de toda uma valoração do processo de possibilidade de conhecimento da norma pelo agente naquele caso em tela. Não obstante os trabalhos doutrinários sobre o tema, talvez Juarez Cirino dos Santos é o que melhor escreveu sobre a matéria – aliás o item culpabilidade em sua obra é o ponto alto -. Desta forma, o grande mestre paranaense assim escreve: “É importante destacar que o erro de proibição inevitável é mais provável no direito penal especial, em que o cidadão comum tem maior dificuldade de reconhecer o injusto concreto do tipo respectivo e, além disso, os próprios operadores jurídicos especializados não conhecem a totalidade das normas respectivas; por outro lado, o erro de proibição evitável é mais freqüente no direito penal comum, exceto quando não há motivo para exame juridicidade da ação...”[45][45].  Mais a frente adenda, da seguinte forma: “enfim, a confiança em informações de jurisprudência, ou de profissionais da área jurídica (advogados, professores de direito e operadores jurídicos, em geral), pode ser decisiva...”

                                        Com isso indagamos: até que ponto a difusão da indústria do sexo –lê-se Sex shops, filmes pornôs, boites voltadas para encontros mais “interessantes” – não são sinais de que a ilicitude em tela, ainda que esteja no clássico diploma penal, se tornou algo de mais difícil perquirição? argumento decisivo a nosso ver se dá quando a própria autoridade concede a licença. Aqui há quase que uma relação de dependência e confiança, tal qual há entre advogado e cliente.

                                        Por fim cabe uma palavra final quanto a mudança repentina do “objeto social” exercido pela casa. A questão é de fácil solução tanto na seara tributária, quanto na administrativa.... Ademais, como provar que a mudança de objeto social, muitas vezes por necessidades mercadológicas, se constitui num “abominável sistema de vida, um hábito imoral contra o pudor público???”

                                        Por todos este motivos e outros que o delito casa de prostituição é de todo insignificante quando da clemência pela tutela penal, vez que, além de possuir as falhas do delito comentado retro tem revelado que sua interpretação nos tribunais se constitui em horrenda discriminação, assim como na própria doutrina.

 V. Conclusão: 

                                        Creio que o trabalho já deixou bem claro quais as convicções e valores que aqui se defendeu, de modo que este último item meio que “ficou sem efeito”, “prejudicado”. Porém, por amor a um trabalho estruturado de forma decente, cá está a conclusão.

                                        Concluir da forma que está no trabalho é bem simples, todavia sabe-se que na realidade dos fatos, na vida forense, a inaplicabilidade de semelhante forma de pensar ainda está longe de dominar. Os processos de descriminalização, bom esses são camuflados por diplomas legais que sob a égide da celeridade não parecem mostrar muita eficiência, quando não apresentaram um retrocesso na jurisprudências, como bem se viu dos efeitos que a Lei 9099/95 exerceu sobre os delitos de bagatela..

                                        Em suma, o discurso de um bem jurídico centrado na idéia e voltado para a realização da dignidade da pessoa humana é método imperioso para se construir um sistema – mais precisamente uma dogmática – legítimo, ou que pelo menos que prime pela recuperação do sujeito no âmbito da operatividade do sistema penal. Esta é a racionalidade a ser buscada. 

“NÃO HÁ QUE SE FALAR EM ASSERÇÕES VERDADEIRAS SOBRE A REALIDADE, MAS IMPORTA TER UM MÉTODO PARA OBTER O CONSENSO LIVRE E DURÁVEL” (Charles S. Pierce)

 

 

 VI. Referências Bibliográficas:

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 WELZEL, Hans__ La Teoría de la Acción Finalista, 1951, Editorial Depalma, Buenos Aires.

 

Notas:    

 

[1] ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 117

[2] Não obstante o conceito aqui demarcado, insta ressaltar que em tempos hodiernos, reconhece-se uma “crise de identidade” dentro do campo da dogmática, sobretudo o campo da culpabilidade, onde se encontra verdadeiro embate ideológico das mais diversas tendências. Sobre assunto, SANTOS in a Moderna Teoria do Fato Punível, p. 203 ss. Ver também , dentro de uma perspectiva criminológica, BARATTA, in Criminologia Crítica e Crítica ao Direito Penal a teoria das subculturas, p. 65 ss.

[3] O movimento – se é que podemos assim chamá-lo – constitucional normativista (Konrad Hesse) parece que encontrou seu verdadeiro desafio: conceder força normativa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não obstante, alerta-se desde já aqui necessidade de se afastar ao máximo de paradigmas positivistas.

[4] ZAFFARONI, Op. cit. p. 117

[5] MAURACH, Tratado Derecho Penal, p. 293-294

[6] Idem, p. 294

[7] ZAFFARONI/PIERANGELI, Op. cit. p. 118-119, onde o autor reconhecer existir culpabilidade em um direito penal de autor.

9 NORONHA, Op. cit. , p. 268

10 Op. cit. p. 19-20.

11 Para tanto, entende-se que os critérios elencados pelo prof. ZAFFARONI, em sua obra “Em busca das penas perdidas” , para que se busque uma maior legitimidade para o sistema penal, são essenciais. Para conferi-los, p. 16 ss.

12 A expressão é utilizada pelo professor argentino na mesma obra citada supra.

13 TAVARES, Teoria do Injusto Penal, p. 180

14 Idem, ibidem.

15 Deve-se sempre alertar para esta tendência neo-organicista, de cunho sistêmico. É o pior funcionalismo que ao Direito Penal pode se atribuir!! Em todo caso, conferir JAKOBS, Op. cit.

16 PRADO, Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Especial, vol. 3, “O núcleo do tipo requer também, como na hipótese do artigo anterior, o requisito de habitualidade, da contiuidade dos atos perpretados pelo rufião, que mantém um estilo de vida contr a normação social. Trata-se, portanto, de crime permanente, sujeitando-se o agente a ser preso em flagrante delito enquanto não cessada a ua atividade”.

17 NORONHA, Op, cit., p. 271

18 Em que pese as afirmações de generalidade quanto a mais pacífica admissibilidade – por parte da Doutrina – em razão do tipo crimnológico de autor, como elemento constitutivo do tipo, FRAGOSO, in Lições... p. 66-67 e MEZGER, in Derecho..., p. 133, fazem uma espécie de reserva quanto a este método de “tipificação de condutas”.

19 ZAFFARONI/PIERANGELI, Op. cit. p. 472 ss. Os autore trazem considerações brilhantes sobe o tema, pouco enfrentao face o cunho abstrato da temática.

[28] FRAGOSO, Jurisprudência Criminal, p. 189

[29] Idem, p. 197

[30] Op. cit. a 2º parte da obra é de alta recomendação

[31] O discurso é descaradamente voltado para as casas de prostitutas. Como exemplo, anote-se: “Casa de prostituição, elemento normativo do tipo de valoração extrajurídica, é o bordel ondeas prostitutas permanecem à espera dos clientes, bem como a moradia, à qual a prostituta apenas comparece em horário determinado para a prática de ato libidinoso, retirandp-se a seguir. O legislador refere-se, ainda, a outro lugar destinado para fim libidinoso, expressão que engloba os falsos hotéis e pensões, em cujas proximidades permanecem as prostitutas, para deles se utilizarem no comércio carnal.” (grifo é nosso) Nesta última parte fica gritante o discurso preconceituoso. Outro lugar destinado para fim libidinoso é outro lugar, diferente de uma casa de prostituição! Mas não, tem-se que colocar as prostitutas no meio, pois são elas as combatidas pela norma!! Daí o caráter de estigamtização que nos referimos antes.

[32] A lei italiana não possui uma amplitude quanto a nossa. Deve ser a extrema “previdência” de nossos liegisladores. Com efeito, analiando por todos, tem-se em MANZINI, como figuras próximas da nossa: 1) lenocinio familiare non violento di donna maggiorene; 2) lenocinio violento, sendo este ültmo praticado contra “una persona di èta minore o una donna maggiorene...” Assim, é de se reparar que antes de qualquer atitude passiva , como é a nossa “casa de prostituição” os delitos afins no CP italiano exigem um atuar do agente no sentido de um constrangimento.

[33] Não se conseguiu “arrumar” outra denominação para tal aberração, pois delito, bom, isso até agora não conseguimos concluir neste sentido.

[34] Não obstante os comentários já aqui feitos sobre a matéria, o sempre atual livro de TAVARES, “Teorias do Delito” apresenta a linha evolutiva de maneira clara da teoria do delito e, por conseguinte, da própria culpabilidade.

[35] BATISTA, Decisões Criminais Comentadas, p. 69

[36] Por todos, TAVARES, Teorrias...; de forma mais dirtea pode-se ver também WELZEL, in “La teoría de la acción finalista”, principalmente o substrato filosófico da teoria, que é em nossa opinião o ponto forte do autor. Ainda, nesta linha de assuntos, tem-se , do mesmo autor, “Derecho Penal Alemán” que infelizmente não consta da bibliografia deste autor.

[37] Ver, por todos, SANTOS, A Moderna... p. 34 ss.

[38] TAVARES, in Teorias..., p. 62; SANTOS, in A Moderna.., p. 65

[39] Sempre interessante conferir a publicação do prof. ZAFFARONI na revista de ciências criminais, da qual já comentado em outra nota, onde se aborda a crise do conceito normativo, ao mesmo tempo que tenta se superar os discursos ideológicos sobre a pena.

[40] O ponto do autor do livro de SANTOS, A Moderna... é sem dúvida nenhuma toda a paciência e perspicácia para situar o leitor dentro da evolução e decadência do conceito de culpabilidade. Assim, remetemos o leitor.

[41] Sobre erro de proibição, vale conferir a digresão de ZAFFARONI/PIERANGELI, Op. cit., p. 637 ss; outro escrito de grande miportância, já dentro de uma escola contemporânea do pensamento alemão, é o do prof. JESCHECK, em seu artigo “A nova dogmática penal e política criminal em perspectiva comparada”

[42] Há certa escola de Direito Penal neste país que insiste em colocar o conceito de culpabilidade fora da teoria do delito, sendo este mero pressuposto da pena. Assim, as possibilidades de se construir uma dogmática centrada na pessoa humana ficaria por demais reduzida, haja visto que o conceito de delito ora defendido é no mínimo um projeto de repressão determinista, vale dizer que ele supõe impor mandamentos normativos aos terminais, os quais não terão outra maneira a não ser sempre conhecer a norma e compreender o injusto. Do contrário, o delito já caracterizado, podendo não restar a pena. Na prática os efeitos são catastróficos, pois ainda que não se cumpra pena, ter-se-á o nome em distribuidores criminais, precedentes para fins de reincidência. E tais atributos dentro de uma realidade social como a nossa podem ser muito piore do que a própria pena!!

[43] Na seara estrangeira, MAURACH, in Tratado... e MIR PUIG, “Funcion de la Pena y Teoria del Delito en el Estado Social y Democatico de Derecho” , p. 80, são boas leituras.

[44] ZAFFARONI/PIERANGELI, Op. cit. conferir o capítulo sobre bem jurídico.

[45] Op. cit., p. 240

 

Retirado de: http://www.ceccrim.hpg.ig.com.br/Artigos6.htm

Palavras chaves: casas prostituição rufianismo direito habitual moral liberdade individual

 



[1][1][1][1] ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro, p.  117

[2][2] Não obstante o conceito aqui demarcado, insta ressaltar que em tempos hodiernos, reconhece-se uma “crise de identidade” dentro do campo da dogmática, sobretudo o campo da culpabilidade, onde se encontra verdadeiro embate ideológico das mais diversas tendências. Sobre assunto, SANTOS in a Moderna Teoria do Fato Punível, p. 203 ss. Ver também , dentro de uma perspectiva criminológica, BARATTA,  in Criminologia Crítica e Crítica ao Direito Penal a teoria das subculturas, p. 65 ss.

[3][3] O movimento – se é que podemos assim chamá-lo – constitucional normativista (Konrad Hesse) parece que encontrou seu verdadeiro desafio: conceder força normativa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não obstante, alerta-se desde já aqui necessidade de se afastar ao máximo de paradigmas positivistas.

[4][4] ZAFFARONI, Op. cit. p. 117

[5][5] MAURACH, Tratado Derecho Penal, p. 293-294

[6][6] Idem, p. 294

[7][7] ZAFFARONI/PIERANGELI, Op. cit. p. 118-119, onde o autor reconhecer existir culpabilidade em um direito penal de autor.

[8]9] BATSITA, Introdução Crítca ao Direito Penal Brasileiro, p. 27 ss

 

[10][10] Para uma maior compreensão da crise da culpabilidade em função da deslegitimidade da pena, ver o texto de ZAFFAORINI, entitulado “La Culpabilidad en el Siglo XXI”, Rev. Brasileira de Ciências Criminais, n. 28 p. 57 ss.

[11][11] SZNICK, Delito Habitual, p. 41

[12][12] Op. cit. p. 43

[13][13] Não cremos que haja, em sede de dogmática penal, teoria de ação penal que abranja um fenômeno de tal maneira. Em todo caso, vale conferir SANTOS Op. cit. p. 10 ss.

[14][14] Sobre a “Carta Magna” do funcionalismo jakobiano, conferir Sociedad, norma, persona

[15][15] SZNICK, Op. cit. p. 44

[16][16] Idem, p. 48

[17][17] Idem, p. 49

[18][18] FRAGOSO, Conduta Punível, p. 211/212

[19][19] Op. cit. p. 203; ver também BATISTA, Op. cit. p. 84 ss.

[20][20] CARVALHO, Pena e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrjoli no Brasil, p. 45

[21][21] ANTOLISEI, Manuale di Diritto Penale, “Colmando una lamentata lacuna della legislazione penale precedente, l’art.534 del codice, sull’esempio di varie legislazioi straniere, punisce – sempreche il fatto non costituisca un più grave reato – ‘chiunque si fa mantenere, anche in parte, da una donna, struffando i guadagni che essa ricava dalla sua prostituzione” p. 391 – 392

   FRAGOSO, Lições de Direito Penal, Parte Especial, vol. II, “Este crime é de recente aparecimento na legislação penal. Não o previam o nossos códigos penais anteriores, nem a lei Mello Franco, que, como se sabe, completou as disposições do código revogado em matéria de lenocínio”. p. 65   

   HUNFRIA, Comentários ao Código Penal, vol VIII,  “O código vigente (artigo 230), ao contrário do anterior, incrimina especialmente o ofício de rufião...”   p. 291

   MAGGIORE, Derecho Penal vol. IV,  “Ésta es una nueva figura criminosa, y por haberla introducido en él, debe ser declarado benemérito el Código Penal de 1930”. P. 126

   MANZINI, Trattato di diritto Penale Italiano,  “La disposizione dell’art. 534 del codice penale è del tutto nuova, e colma una deprecata deficenza della legislazione penale precedente”. P. 472

   MEZGER, Derecho Penal, “este crime há sido introducido en el codigo penal por la ley (llamada Lex Heinze) de 25 de junio de 1900”. P. 133

   NORONHA, Direito Penal, vol.3 ,  “O delito de rufiansimo só nos últimos tempos passou a fezer parte dos Códigos Penais”. P. 266    

[22][22] Lições... p. 66

[23][23] Op. cit.  p. 133

[24][24] Idem, p. 134;  ver também Nelson Hungria, Comentários... , p. 291

[25][25] Op. cit. p. 266

[26][26] Op. cit., p. 392

[27][27] Op. cit., p. 473

9    NORONHA, Op. cit. , p. 268

10   Op. cit. p. 19-20.

11   Para tanto, entende-se que os critérios elencados pelo prof. ZAFFARONI, em sua obra “Em busca das penas perdidas” , para que se            busque uma maior legitimidade para o sistema penal, são essenciais. Para conferi-los, p. 16 ss.

12   A expressão é utilizada pelo professor argentino na mesma obra citada supra.

13   TAVARES, Teoria do Injusto Penal, p. 180

14   Idem, ibidem.

15   Deve-se sempre alertar para esta tendência neo-organicista, de cunho sistêmico. É o pior funcionalismo que ao Direito Penal pode se atribuir!! Em todo caso, conferir JAKOBS, Op. cit.

16    PRADO, Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Especial, vol. 3,  “O núcleo do tipo requer também, como na hipótese do artigo anterior, o requisito de habitualidade, da contiuidade dos atos perpretados pelo rufião, que mantém um estilo de vida contr a normação social. Trata-se, portanto, de crime permanente, sujeitando-se o agente a ser preso em flagrante delito enquanto não cessada a ua atividade”.

17  NORONHA, Op, cit., p. 271

18  Em que pese as afirmações de generalidade quanto a mais pacífica admissibilidade – por parte da Doutrina – em razão do tipo crimnológico de autor, como elemento constitutivo do tipo, FRAGOSO, in Lições... p. 66-67 e MEZGER, in Derecho..., p. 133, fazem uma espécie de reserva quanto a este método de “tipificação de condutas”. 

19   ZAFFARONI/PIERANGELI, Op. cit. p. 472 ss. Os autore trazem considerações brilhantes sobe o tema, pouco enfrentao face o cunho abstrato da temática.

[28][28] FRAGOSO, Jurisprudência Criminal, p. 189

[29][29]  Idem, p. 197

[30][30]  Op. cit. a 2º parte da obra é de alta recomendação

[31][31] O discurso é descaradamente voltado para as casas de prostitutas. Como exemplo, anote-se: “Casa de prostituição, elemento normativo do tipo de valoração extrajurídica, é o bordel ondeas prostitutas permanecem à espera dos clientes, bem como a moradia, à qual a prostituta apenas comparece em horário determinado para a prática de ato libidinoso, retirandp-se a seguir. O legislador refere-se, ainda, a outro lugar destinado para fim libidinoso, expressão que engloba os falsos hotéis e pensões, em cujas proximidades permanecem as prostitutas, para deles se utilizarem no comércio carnal. (grifo é nosso) Nesta última parte fica gritante o discurso preconceituoso. Outro lugar destinado para fim libidinoso é outro lugar, diferente de uma casa de prostituição! Mas não, tem-se que colocar as prostitutas no meio, pois são elas as combatidas pela norma!! Daí o caráter de estigamtização que nos referimos antes.  

[32][32] A lei italiana não possui uma amplitude quanto a nossa. Deve ser a extrema “previdência” de nossos liegisladores. Com efeito, analiando por todos, tem-se em MANZINI, como figuras próximas da nossa: 1) lenocinio familiare non violento di donna maggiorene; 2) lenocinio violento, sendo este ültmo praticado contra “una persona di èta minore o una donna maggiorene...” Assim, é de se reparar que antes de qualquer atitude passiva , como é a nossa “casa de prostituição” os delitos afins no CP italiano exigem um atuar do agente no sentido de um constrangimento.  

[33][33] Não se conseguiu “arrumar” outra denominação para tal aberração, pois delito, bom, isso até agora não conseguimos concluir neste sentido.

[34][34]  Não obstante os comentários já aqui feitos sobre a matéria, o sempre atual livro de TAVARES, “Teorias do Delito” apresenta a linha evolutiva de maneira clara da teoria do delito e, por conseguinte, da própria culpabilidade.

[35][35]  BATISTA, Decisões Criminais Comentadas, p. 69

[36][36] Por todos, TAVARES, Teorrias...; de forma mais dirtea pode-se ver também WELZEL, in “La teoría de la acción finalista”, principalmente o substrato filosófico da teoria, que é em nossa opinião o ponto forte do autor. Ainda, nesta linha de assuntos, tem-se , do mesmo autor, “Derecho Penal Alemán” que infelizmente não consta da bibliografia deste autor. 

[37][37] Ver, por todos, SANTOS, A Moderna... p. 34 ss.

[38][38]  TAVARES, in Teorias..., p. 62; SANTOS, in A Moderna.., p. 65

[39][39]  Sempre interessante conferir a publicação do prof. ZAFFARONI na revista de ciências criminais, da qual já comentado em outra nota, onde se aborda a crise do conceito normativo, ao mesmo tempo que tenta se superar os discursos ideológicos sobre a pena.

[40][40]  O ponto do autor do livro de SANTOS, A Moderna... é sem dúvida nenhuma toda a paciência e perspicácia para situar o leitor dentro da evolução e decadência do conceito de culpabilidade. Assim, remetemos o leitor.

[41][41]  Sobre erro de proibição, vale conferir a digresão de ZAFFARONI/PIERANGELI, Op. cit., p. 637 ss; outro escrito de grande miportância, já dentro de uma escola contemporânea do pensamento alemão, é o do prof. JESCHECK, em seu artigo “A nova dogmática penal e política criminal em perspectiva comparada”

[42][42]  Há certa escola de Direito Penal neste país que insiste em colocar o conceito de culpabilidade fora da teoria do delito, sendo este mero pressuposto da pena. Assim, as possibilidades de se construir uma dogmática centrada na pessoa humana ficaria por demais reduzida, haja visto que o conceito de delito ora defendido é no mínimo um projeto de repressão determinista, vale dizer que ele supõe impor mandamentos normativos aos terminais, os quais não terão outra maneira a não ser sempre conhecer a norma e compreender o injusto. Do contrário, o delito já caracterizado, podendo não restar a pena. Na prática os efeitos são catastróficos, pois ainda que não se cumpra pena, ter-se-á o nome em distribuidores criminais, precedentes para fins de reincidência. E tais atributos dentro de uma realidade social como a nossa podem ser muito piore do que a própria pena!!

[43][43] Na seara estrangeira, MAURACH, in Tratado... e MIR PUIG, “Funcion de la Pena y Teoria del Delito en el Estado Social y Democatico de Derecho” , p. 80, são boas leituras.

[44][44] ZAFFARONI/PIERANGELI, Op. cit. conferir o capítulo sobre bem jurídico.

[45][45] Op. cit., p. 240