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Marcelo Alexandrino
CONCEITO
DE AÇÃO PENAL PRIVADA
A
ação penal privada é aquela em que a titularidade da persecução criminal
pertence ao particular ofendido. Portanto, difere a ação privada da ação
pública pelo titular da legitimidade ativa para agir. Ao passo que nas ações
públicas a legitimidade ativa é exclusiva do Ministério Público, nas ações
privadas esta legitimidade é conferida ao particular.
Os
autores afirmam que a ação penal privada configura hipótese de substituição
processual ou de legitimação extraordinária. Isso porque o direito de agir
pertence à vítima, mas esta defende, em nome próprio, interesse alheio, no caso
o, interesse de punir do Estado.
Assim,
embora o particular possua o direito de acusar (jus accusationis), o
direito de punir (jus puniendi) pertence exclusivamente ao Estado.
Aliás, a denominação ação penal privada é amiúde criticada uma vez que todas as
ações seriam públicas, por constituírem direito à jurisdição. A expressão mais
adequada, segundo tais críticos, seria ação penal de iniciativa privada.
Vimos
que nas ações públicas condicionadas à representação existe uma condição
objetiva de procedibilidade – a representação do ofendido – sem a qual não pode
o Ministério Público proceder à persecução. Dissemos que essa condição era
estabelecida para proteção da esfera íntima da vítima. Apesar do interesse da
sociedade na persecução e repressão do delito, a vítima tem a possibilidade de
evitar o processo, que, por si só, causaria a ela maiores danos de ordem moral
(resultantes do denominado estrépito do processo) do que a lesão decorrente da
infração e a impunidade do ofensor.
Na
ação penal privada essa sobreposição do interesse da vítima ao interesse do
Estado em punir a infração é ainda mais acentuada. Por razões de política
criminal, escolhem-se alguns crimes para os quais se permite que a vítima
decida se lhe causa maior dano a impunidade do criminoso ou o escândalo do
processo (streptus judicii).
CARACTERÍSTICAS
DA AÇÃO PENAL PRIVADA
Como
vimos, na ação penal privada a titularidade da ação é do ofendido ou de seu
representante legal. O Ministério Público não tem legitimidade para a
propositura da ação penal privada.
Nas
ações penais privadas, a vítima (autor da ação) é denominada querelante
e o réu querelado. A propositura da ação é feita mediante queixa
que é a inicial do processo e equivale à denúncia da ação penal pública. A ação
penal privada pode ser proposta por pessoa física ou jurídica.
Os
dispositivos do CPP que tratam da titularidade da ação penal privada são os
seguintes (grifos meus):
"Art.
30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá
intentar a ação privada.
Art.
31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por
decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao
cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
.................
Art.
33. Se o ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo,
ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os
interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador
especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo
juiz competente para o processo penal.
Art.
34. Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos,
o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante
legal.
...................
Art.
36. Se comparecer mais de uma pessoa com direito de queixa, terá preferência o
cônjuge, e, em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante
do art. 31, podendo, entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o
querelante desista da instância ou a abandone.
Art.
37. As fundações, associações ou sociedades legalmente constituídas poderão
exercer a ação penal, devendo ser representadas por quem os respectivos
contratos ou estatutos designarem ou, no silêncio destes, pelos seus diretores
ou sócios-gerentes."
O
art. 35 do CPP afirmava que a mulher casada não poderia exercer o direito de
queixa sem consentimento do marido, salvo quando estivesse dele separada ou
quando a queixa fosse contra ele. Admitia-se que o juiz suprisse o
consentimento do marido quando este o recusasse. Embora esse artigo somente
tenha sido expressamente revogado em 1997, é pacífico o entendimento de que a
regra nele inscrita não foi recepcionada pela Constituição de 1988, uma vez que
o art. 226, § 5º, da Carta confere direitos e deveres iguais na sociedade
conjugal a homem e mulher.
PRINCÍPIOS
QUE REGEM A AÇÃO PENAL PRIVADA
Os
princípios que informam a ação penal privada diferem daqueles aplicáveis às
ações penais públicas. Os mais importantes princípios orientadores das ações
penais privadas são os que se seguem.
PRINCÍPIO
DA OPORTUNIDADE
Enquanto
na ação pública vigora o princípio da obrigatoriedade, a ação penal privada
sujeita-se ao princípio da oportunidade. Isso porque, sendo o titular da ação a
vítima, a ela cabe propor ou não a ação, conforme sua conveniência. Sem o
consentimento da vítima sequer pode ser lavrado auto de prisão em flagrante ou
instaurado inquérito policial.
PRINCÍPIO
DA DISPONIBILIDADE
Em
decorrência desse princípio compete ao autor da ação penal privada decidir se
deseja prosseguir ou não até seu final. A disponibilidade da ação penal privada
manifesta-se na possibilidade de renúncia ao direito de queixa, na
possibilidade de o querelante ensejar a perempção da ação e na possibilidade de
o querelante perdoar o querelado se este com isso concordar.
Os
seguintes dispositivos do CPP deixam clara a disponibilidade da ação penal
privada (grifos meus):
"Art.
49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos
autores do crime, a todos se estenderá.
Art.
50. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido,
por seu representante legal ou procurador com poderes especiais.
Parágrafo
único. A renúncia do representante legal do menor que houver completado 18
(dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último
excluirá o direito do primeiro.
Art.
51. O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que
produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar.
Art.
52. Se o querelante for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos,
o direito de perdão poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal,
mas o perdão concedido por um, havendo oposição do outro, não produzirá efeito.
Art.
53. Se o querelado for mentalmente enfermo ou retardado mental e não tiver
representante legal, ou colidirem os interesses deste com os do querelado, a
aceitação do perdão caberá ao curador que o juiz Ihe nomear.
Art.
54. Se o querelado for menor de 21 (vinte e um) anos, observar-se-á, quanto à
aceitação do perdão, o disposto no art. 52.
Art.
55. O perdão poderá ser aceito por procurador com poderes especiais.
Art.
56. Aplicar-se-á ao perdão extraprocessual expresso o disposto no art. 50.
Art.
57. A renúncia tácita e o perdão tácito admitirão todos os meios de prova.
Art.
58. Concedido o perdão, mediante declaração expressa nos autos, o querelado
será intimado a dizer, dentro de 3 (três) dias, se o aceita, devendo, ao mesmo
tempo, ser cientificado de que o seu silêncio importará aceitação.
Parágrafo
único. Aceito o perdão, o juiz julgará extinta a punibilidade.
Art.
59. A aceitação do perdão fora do processo constará de declaração assinada pelo
querelado, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais.
Art.
60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á
perempta a ação penal:
I -
quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do
processo durante 30 (trinta) dias seguidos;
.....................
III -
quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer
ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação
nas alegações finais;"
PRINCÍPIO
DA INDIVISIBILIDADE
O
princípio da indivisibilidade da ação penal privada está expresso no art. 48 do
CPP:
"Art.
48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de
todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade."
Portanto,
embora a vítima possa escolher entre propor ou não a ação (oportunidade) e
possa perdoar o querelado (disponibilidade), não lhe é dado escolher a qual dos
ofensores irá processar. Ou a ação é proposta contra todos ou não o é contra
nenhum.
Se o
querelante oferecer queixa que não abranja todos os ofensores, esta deverá ser
rejeitada. Entende-se que, neste caso, houve renúncia tácita no tocante aos não
incluídos e a renúncia tácita, causa extintiva da punibilidade, se comunica a
todos os querelados, como expresso no art. 49, acima transcrito.
O
Professor Mirabete entende que esta rejeição da queixa somente é cabível se a
não-inclusão de algum ofensor pelo querelante for voluntária. Se a não-inclusão
decorrer do fato de não possuir o querelante elementos indiciários contra os
excluídos, entende Mirabete que o Ministério Público poderá aditar a queixa,
nela incluindo os que involuntariamente foram excluídos. A possibilidade de o
Ministério Público aditar a queixa para incluir pessoas que não foram
mencionadas pelo querelante é, entretanto, assunto polêmico.
PRINCÍPIO
DA INTRANSCENDÊNCIA
Como
já estudamos, o princípio da intranscendência é aplicável a todas as ações
penais e determina a impossibilidade de se propor ou estender a ação penal a
pessoas diversas dos autores ou partícipes da infração.
ESPÉCIES
DE AÇÃO PENAL
EXCLUSIVAMENTE
PRIVADA
Também
conhecida como ação penal privada propriamente dita. É a ação cabível para os
crimes em que a lei expressamente exige que a persecução se dê por iniciativa
do ofendido, se ele for maior de 21 anos e capaz; pelo representante legal do
ofendido menor de 18 anos; pelo representante legal do ofendido com idade entre
18 e 21 anos; pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do ofendido, no
caso de sua morte ou ausência.
Dentre
os principais crimes de ação privada propriamente dita, enumeram-se:
1.
calúnia,
difamação e injúria (CP, arts. 138, 139 e 140);
AÇÃO PENAL PRIVADA PERSONALÍSSIMA
Leciona o Professor Fernando Capez que
nessas ações a legitimidade ativa é exclusiva do ofendido, sendo seu exercício
vedado até mesmo ao representante legal e incabível no caso de morte ou
ausência do ofendido.
Em nosso ordenamento, enquadram-se nessa
categoria tão-somente:
a.
o crime de
adultério (CP, art. 240, § 2º);
AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA
Esta espécie de ação penal privada
encontra-se expressamente prevista na Constituição, art. 5º, LIX, segundo o
qual "será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não
for intentada no prazo legal".
Na ação penal privada subsidiária,
entretanto, a titularidade do direito de persecução criminal originariamente
pertencia ao Ministério Público. Por isso, após o oferecimento da queixa e
instauração da ação penal privada subsidiária o Ministério Público atuará no
processo com as mesmas prerrogativas que possui relativamente às ações penais
públicas, conforme explicita o art. 29 do CPP, transcrito:
"Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal."
Importante: a jurisprudência é praticamente pacífica quanto à impossibilidade de propositura de ação penal privada subsidiária da pública nos casos em que o Ministério Público deixa de oferecer a denúncia em razão de haver requerido ao juiz o arquivamento do inquérito policial por entender inexistentes elementos indiciários suficientes para a persecução in judicio. Em resumo, quando o inquérito é arquivado por requerimento do Ministério Público não cabe ação penal privada subsidiária. Esta somente cabe quando o não oferecimento da denúncia decorre de inércia injustificada do Ministério Público.
PRAZO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL
PRIVADA
Ocorre a decadência do direito de
oferecer queixa dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que
o ofendido, ou seu representante legal, vier a saber quem é o autor do crime.
Na hipótese de ação penal privada
subsidiária da pública, a decadência do direito de queixa ocorre em seis
meses do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.
Essa regra, prevista no art. 38 do CPP é
dispositiva, ou seja, admite disposição em contrário. Com efeito, existem
diversas exceções, como a lei de imprensa, que estabelece prazo de três meses
para a queixa, o crime de adultério, cujo prazo para queixa é de um mês etc.
FIM
Retirado
de:
http://www.vemconcursos.com.br/opiniao/index.phtml?page_ordem=recentes&page_id=320&page_parte=1