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Ação Penal Pública Condicionada

Marcelo Alexandrino

Vimos, na semana passada, que a regra geral, em nosso ordenamento jurídico, é ser a ação penal pública incondicionada, ou seja, seu titular exclusivo é o Ministério Público e este, para agir, independe de condições específicas de procedibilidade.

Há situações, entretanto, nas quais, em decorrência de razões atinentes a critérios de política criminal, a persecução penal, embora permaneça a cargo do Ministério Público, exige que se façam presentes determinadas condições, sem as quais fica impossibilitado o órgão do Ministério público de iniciar a ação penal.

Essas condições são a representação do ofendido e a requisição do Ministro da Justiça.

No primeiro caso, ações públicas sujeitas à representação, entende-se que, embora haja interesse da sociedade na persecução do ilícito, sobrepõe-se a este o interesse da vítima, pelo menos no que tange ao início da ação. Por isso, é necessário que o ofendido expressamente autorize o órgão do Ministério Público a dar início à ação.

Na outra hipótese, exigência de requisição do Ministro da Justiça, entende-se que o ilícito apresenta implicações políticas que podem fazer com que a ação penal acabe acarretando mais prejuízos à sociedade do que a infração em si.

Como a ação pública condicionada é exceção à regra geral, os casos em que a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça são indispensáveis a seu início devem encontrar-se expressamente previstos em lei. O art. 24 do CPP deixa clara essa assertiva, como abaixo podemos ler (grifo meu):

“Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.”

AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO

Nestas ações, o início da persecução, tanto in judicio como extra judicio, depende de representação, a qual deve ser feita pelo ofendido ou por seu representante legal. Portanto, nem mesmo o inquérito policial (persecução extra judicio) poderá ser instaurado sem a representação.

De qualquer forma, uma vez feita a representação e iniciada a ação, o Ministério Público assume-a incondicionalmente, não sendo possível ao ofendido arrepender-se, desistir da ação ou intentar alguma hipótese de retratação.

Nesse sentido, é hialino o art. 25 do CPP, ao estatuir: “A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia”.

O Professor Fernando Capez, em sua obra “Curso de processo penal” (Ed. Saraiva, 5ª edição, São Paulo, 2000), procede a uma cuidadosa listagem dos crimes constantes do Código Penal cuja ação penal depende da provocação da vítima ou de seu representante legal. Dentre os crimes ali enumerados, destaco os seguintes:

1)Perigo de contágio venéreo (art. 130, § 2º);

2)Crime contra a honra de funcionário público, em razão de suas funções (art. 141, II, combinado c/ o art. 145, par. único);

3)Ameaça (art. 147, par. único);

4)Violação de correspondência (art. 151, § 4º);

5)Furto de coisa comum (art. 156, § 1º);

6)Nos crimes contra os costumes, quando os pais da vítima não têm condições de arcar com as despesas do processo (art. 225, § 2º)

A última hipótese enumerada assume especial importância, por constar amiúde de provas de concursos públicos. Como veremos ao estudar a ação penal privada, os crimes contra os costumes, de modo geral, são sujeitos a esse tipo de ação (penal privada).

Ainda é oportuno mencionar que os crimes contra a honra de funcionário público cometidos em razão de suas funções, arrolados no item 2, embora constem do Código Penal como sujeitos à ação pública condicionada, já foram considerados, pelo STF, como ambivalentes, ou seja, sua ação pode ser pública condicionada, mas, também, se admite a iniciativa do processo criminal pelo próprio ofendido, mediante queixa, ou seja, a ação penal poderá, alternativamente, ser privada.

A REPRESENTAÇÃO

Conforme ensina o Prof. Mirabete, a representação constitui-se numa espécie de pedido-autorização em que a vítima, seu representante legal ou curador nomeado para a função expressam o desejo de que a ação seja instaurada, autorizando a persecução penal. É uma condição objetiva de procedibilidade, sem a qual não se procede à persecução.

O autor lembra, ainda, que a representação é indispensável à instauração do inquérito policial em tais crimes, configurando a delatio criminis postulatória.A representação não requer nenhuma forma especial. Basta que a representação manifeste o desejo que o ofendido possui de que seja instaurado contra o autor do delito o competente procedimento criminal.

O art. 39 do CPP cuida detalhadamente da representação. Segue sua transcrição:

“Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.

§ 1º A representação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura devidamente autenticada do ofendido, de seu representante legal ou procurador, será reduzida a termo, perante o juiz ou autoridade policial, presente o órgão do Ministério Público, quando a este houver sido dirigida.

§ 2º A representação conterá todas as informações que possam servir à apuração do fato e da autoria.

§ 3º Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade policial procederá a inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à autoridade que o for.

§ 4º A representação, quando feita ao juiz ou perante este reduzida a termo, será remetida à autoridade policial para que esta proceda a inquérito.

§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias.”

Embora a representação seja necessária ao início da persecução criminal, não tem ela força obrigatória, ou seja, o Ministério Público pode concluir pela não instauração da ação, requerendo o arquivamento do inquérito ou das peças de informação.

PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO

O art. 38 do CPP assim estabelece:

“Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.”

OBS.: o caso do art. 29 a que se refere o dispositivo é a hipótese de ação penal privada subsidiária da pública, que estudaremos quando tratarmos da ação penal privada.

Este prazo, como o próprio CPP enuncia, é prazo de decadência. Não se suspende nem se interrompe. A fluência desse prazo de seis meses sem que seja apresentada a representação é causa de extinção da punibilidade do infrator.

Quando o ofendido possuir representante legal (p. ex., for menor de dezoito anos), o direito de representação pode ser exercido independentemente por um ou pelo outro, sendo lícito a um deles exercer o direito de representação ainda que contra a vontade do outro.

Como os direitos de representação do ofendido e de seu representante legal são independentes, os prazos também são independentes.

Assim, se o representante do menor de dezoito anos não apresentar a representação, o menor (ou o incapaz), quando cessar sua menoridade (ou as causas determinantes de sua incapacidade), terá seis meses para oferecer sua representação. Isso porque o prazo não pode fluir contra quem esteja impossibilitado de exercer o direito que seria extinto. O prazo corre, entretanto, normalmente para o representante, contado da data em que este tome conhecimento da prática do ilícito.

O Prof. Capez ilustra a hipótese de o representante legal do menor de idade tomar conhecimento da prática da infração menos de seis meses antes da data em que o menor completará dezoito anos. Neste caso, a decadência do direito do representante legal não ocorrerá após seis meses, mas antes disso, exatamente na data em que o menor fizer aniversário, uma vez que, a partir daí, deixa de existir a própria figura do representante legal, no âmbito do Direito Penal.

Exemplificando o caso acima, imaginemos que o representante legal de Carlos, menor com 17 anos de idade, tome conhecimento, no dia 1º de junho de 2000, de um crime de ação penal pública condicionada à representação praticado contra seu representado. Caso o aniversário de Carlos seja em 1º de julho de 2000, data em que completará dezoito anos, o seu representante somente terá o prazo de um mês para proceder à representação. Se não o fizer nesse prazo, não poderá mais fazê-lo após Carlos haver completado dezoito anos. Carlos, entretanto, tem iniciada a contagem do prazo para proceder à representação no dia 1º de julho de 2000, data em que completa dezoito anos.

O prazo para exercício do direito de representação é considerado prazo de direito material, sujeito, portanto, à regra do art. 10 do Código Penal. Inclui-se, na contagem do prazo, o dia de início e exclui-se o dia do término.

A representação feita contra apenas um dos suspeitos estende-se aos demais, nas hipóteses de co-autoria, ficando o Ministério Público autorizado a propor a ação penal pública contra todos aqueles que, além do representado, tenham contra si indícios suficientes para formalização da denúncia. Chama-se a isso eficácia objetiva da representação e ela decorre do princípio da indivisibilidade da ação penal. Da mesma forma que, nos crimes de ação privada, o ofendido não pode escolher apenas um dentre os co-autores para contra ele apresentar queixa, nos crimes de ação pública condicionada, o ofendido não pode escolher um dentre os co-autores para contra ele representar. O Ministério Público, entretanto, pode apresentar a denúncia apenas relativamente àqueles contra os quais haja recolhido elementos de prova suficientes.

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA

Além dos casos em que a ação penal pública possui como condição objetiva de procedibilidade a requisição do ofendido ou de seu representante legal, outros há, também expressamente previstos em lei, nos quais a ação pública é condicionada a uma outra condição objetiva de procedibilidade: a requisição do Ministro da Justiça (não confundir a requisição com o requerimento do ofendido, instrumento hábil para iniciar o inquérito policial nos crimes de ação pública, aludido no art. 5º, II, do CPP).

De qualquer forma, não se deve esquecer que, sendo a ação pública, seu titular exclusivo é o Ministério Público. A maioria da doutrina entende que a requisição, da mesma forma que a representação, é irretratável. Entretanto, como o CPP não menciona expressamente sua irretratabilidade, como faz concernentemente à representação, há opiniões divergentes.

Relativamente à vinculação do Ministério Público à requisição, valem as mesmas observações feitas quanto à representação: a requisição não obriga o Ministério Público a oferecer a denúncia. Este, entendendo inexistentes elementos suficientes para propor a ação, poderá requerer seu arquivamento.

CRIMES SUJEITOS À REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA

Novamente recorrendo ao Prof. Fernando Capez, enumero:

1)Crime cometido por estrangeiro contra brasileiro, fora do Brasil (CP, art. 7º, § 3º, “b”);

2)Crimes contra a honra cometidos contra chefe de governo estrangeiro (CP, art. 141, I, combinado c/ art. 145, par. único);

3)Crimes contra a honra praticados contra o Presidente da República (CP, art. 141, I, combinado c/ art. 145, par. único);

4)Crimes contra a honra cometidos por meio da imprensa contra determinadas autoridades (Lei 5.250/67).

PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA REQUISIÇÃO

O CPP estabelece prazo para oferecimento da representação e da queixa. Omitiu-se, todavia, quanto à existência de prazo para a apresentação de requisição pelo Ministro da Justiça.

Entende-se, por esse motivo, que o Ministro da Justiça poderá apresentar a requisição para o início da persecução criminal a qualquer tempo, enquanto não prescrita a ação penal, ou seja, entende-se que não existe um prazo de decadência para o exercício dessa prerrogativa, ficando o Ministro da Justiça limitado apenas pelo prazo normal de prescrição da pretensão punitiva do delito.

Retirado de: http://www.vemconcursos.com.br/opiniao/index.phtml?page_ordem=recentes&page_id=310&page_parte=1