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Trabalho
escravo: modificação do tipo penal
Autor: Robinson Neves*
O
Brasil ainda enfrenta, em pleno século XXI, o problema do trabalho escravo no
campo. Várias são as instituições que hoje se mobilizam para afastar, de uma vez
por todas, essa mácula inaceitável para a nossa imagem e confiabilidade
internacional. Nesse ímpeto, já existe, dentre tantas outras atuações em vários
ramos do direito, a intenção de modificação legislativa, no caso
especificamente do art. 149, do Código Penal Brasileiro, que tipifica o que
seria o crime de trabalho escravo.
Inicialmente,
seria salutar esclarecer que essa figura do ‘‘trabalho escravo’’ como crime não
é a maneira correta de conceituar. Na verdade, estamos diante de um crime de
plágio, ou seja, é a condição análoga à de escravo que é o delito criminal e
não a situação em si de escravo, que já não existe mais, pois ninguém é
juridicamente um escravo.
Esse
crime, capitulado em nosso Código Penal, entretanto, está sendo considerado de
difícil condenação, pois não houve até hoje mais de três condenações no Brasil
e que já foram afastadas por questão de competência do juízo comum para julgar
esse crime. Portanto, não se tem notícia, pelas fontes hoje existentes, de uma
condenação em crime de manter alguém em condição análoga à de escravo. Com
isso, surgiu a necessidade de modificação da legislação, inclusive criminal,
que deu ensejo ao Projeto de Lei nº 5.693, em trâmite na Câmara dos Deputados,
no qual a deputada Zulaiê Cobra apresentou substitutivo em 21 de maio de 2002
propondo modificações na tipificação penal em debate.
Nessa
oportunidade, ficou assentado que o teor do preceito do art. 149, do CPB,
passaria a ser:
‘‘Art.
149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, negociar pessoa como
objeto para qualquer finalidade ou beneficiar-se dessa negociação:
Pena
— Reclusão de 5 a 10 anos e multa.
Parágrafo
único — Considera-se em condição análoga à de escravo quem é submetido à
vontade de outrem mediante fraude, ameaça, violência ou privação de direitos
individuais ou sociais, ou qualquer outro meio que impossibilite a pessoa de se
libertar da situação em que se encontra.’’
Reside
aqui, portanto, toda a nova situação do crime, ou seja, não é mais necessário
apenas o plágio (condição análoga à de escravo), mas que essa situação tenha
ocorrido através de, ou mediante, fraude, ameaça, violência ou privação de
direitos individuais ou sociais ou qualquer outro meio que impossibilite ser a
pessoa liberada da situação análoga, como vimos acima no preceito transcrito.
Isso
tudo implica, no meu sentir, considerar que o crime somente ocorrerá se
concorrerem mais esses elementos. A redução à condição análoga à de escravo
será considerada crime se ainda houver presente a submissão dessa situação
através de um meio qualquer ‘‘... que impossibilite a pessoa de se libertar da
situação em que se encontra’’. Dentre esses meios, o projeto tipificou alguns,
como a fraude, a ameaça, a violência ou privação de direitos individuais ou
sociais. Isso está, portanto, exigindo mais do que a lei em vigor, ou seja,
basta a redução à condição análoga à de escravo, sem nenhum outro meio para
isso acontecer, motivo pelo qual estaríamos retrocedendo na espécie e
dificultando a materialização do crime.
Entendo,
por conseguinte, dificultando ainda mais a consumação do crime e, com isso,
viabilizando uma defesa simples para livrar o acusado que cometê-lo. Na
realidade, a maioria das vezes ocorre um aliciamento amigável ou até
‘‘honesto’’ do trabalhador, sem cometer-se fraude, violência ou outro meio que
impossibilite a vítima a se livrar da condição análoga à de escravo. O
trabalhador, em muitas situações, é convencido, sem nenhuma artimanha, a ir
trabalhar na fazenda e logo voltar para sua família. Isso é comum, no meu
entender. Ser necessário existir a violência, fraude ou a ameaça, hoje não
exigidas, sem dúvida será muito mais difícil enquadrar alguém como autor do
crime em questão.
Acredito
que, na forma como proposta a modificação pelo PL já citado, estaríamos dando
um tiro no pé, data vênia.
Como
proposta para solucionar o problema que aponto nestas breves palavras, se é que
estou certo, deveríamos tornar o contido no parágrafo único do projeto de lei
como situações que agravariam a pena, ou seja, o autor do crime incorreria no
aumento da pena pela redução de alguém à condição análoga à de escravo para
mais 1/3, se o fizer através de fraude, violência etc., ou qualquer outro meio
que impossibilite a pessoa a libertar-se dessa condição.
Outro
ponto que causa espécie é a exigência para a configuração do crime da
impossibilidade de a vítima se libertar da condição análoga à de escravo.
Definir o que é impossibilidade é muito vago, nessas situações, pois ser
impossível se libertar demanda enormes condições para se caracterizar e, creio,
bastaria a dificuldade para se libertar como elemento para tipificar o crime.
Assim, também nessa parte final do parágrafo único do citado PL, deveria haver
uma modificação, para introduzir a palavra ‘‘dificulte’’ e retirar
‘‘impossibilite’’.
A
questão, com certeza, demanda maiores e mais profundos estudos e não é neste
artigo que consegui esgotá-los, mas creio que serve para alertar as
dificuldades sérias a serem enfrentadas na modificação do preceito do art. 149
do CPB pelo Congresso Nacional.
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Robinson Neves
Diretor da GontijoNeves Advogados Associados S/C.
Retirado de:
http://www.sadireito.com/artigos/penal/trabalho_escravo.htm