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ABORTO

 

Alexandre Martins de Castro Filho

Juiz de Direito do Estado do Espírito Santo

 

"A legislação penal brasileira prevê o aborto como sendo uma espécie de infração penal, um crime, classificando-o em três modalidades: aborto provocado pela gestante, aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante e aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante." 

 

O abortamento é um fato previsto pelo Direito Penal, que tem por objetivo tutelar os bens mais importantes para o ser humano, protegendo-os através da edição de normas que proíbem a prática de determinadas condutas, tais como a de matar, roubar, torturar, estuprar, etc. Todos os fatos considerados contrários à sociedade, são proibidos. O Direito Penal tem a finalidade de criar as normas para que seja possível regular o comportamento do homem, razão pela qual a norma penal tende a ser descumprida e, para tentar evitar o seu descumprimento, prevê a pena como uma conseqüência que será imposta a quem não cumprir as regras por ele estabelecidas.

A legislação penal brasileira prevê o aborto como sendo uma espécie de infração penal, um crime, classificando-o em três modalidades: aborto provocado pela gestante, aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante e aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante.

O Código Penal adota exceções à regra da proibição do aborto; são casos em que o legislador entende ser lícita a prática da conduta de abortamento, na situação em que a gravidez é resultante de estupro e no caso em que não há outra forma de salvar a vida da gestante.

Quanto a este último caso, não há a menor dúvida de que é mais justo salvar a vida da gestante do que a do feto, visto que, socialmente falando, a gestante já está integrada ao meio social, tem vários amigos e um definido papel na sociedade, muito embora esteja o médico trocando vida por vida.

No que diz respeito ao primeiro caso, o que justificaria mais a prática do aborto que o fato de a gravidez ser resultante de estupro? Com certeza o fato de ser o feto completamente deformado, vindo a ser motivo de chacota e depositário de doloroso sofrimento.

O que será mais importante, proteger o sentimento da mulher que foi estuprada ou abreviar o sofrimento de um bebê "monstro" ou um feto aidético? Acredito que igualmente estas condutas tenham a mesma importância.

Aliás, cumpre ressaltar que o art. 128 do Código Penal, dispõe: "Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal".

Quanto ao previsto no caput deste artigo, entendemos tratar-se realmente de uma Causa de Exclusão da Antijuridicidade, visto que a referida norma permissiva utiliza a expressão "Não se pune", neste caso, diretamente relacionada ao fato (aborto) e não ao agente, embora em outros dispositivos esta expressão seja utilizada para indicar uma Causa de Exclusão de Culpabilidade, como por exemplo no art. 26 do Código Penal, situação em que apenas se isenta o agente de pena.

Quanto ao inc. II do art. 128 do Código Penal, verificamos que no caso de gestante maior, basta o seu consentimento para que haja a realização do abortamento, desde que o médico faça valer-se dos meios à sua disposição a fim de que se convença da existência do estupro. O problema maior surge nos casos em que a gestante é menor, hipótese em que só haverá abortamento com o consentimento de seu representante legal.

O que ocorreria se a gestante menor fosse estuprada, desejasse o filho, mas seu representante legal desejasse o abortamento? Qual a vontade que prevaleceria?

Neste caso, entendemos da seguinte forma. A legislação brasileira determina que, sempre que o menor deseja realizar determinados atos jurídicos, far-se-á necessário a manifestação de vontade do seu representante legal, como por exemplo na compra e venda de imóvel, em um contrato de locação ou até para praticar o aborto nos casos permitidos pela Lei. Ocorre que, para o menor não praticar o ato jurídico, não é necessário representante legal, se o menor não quer comprar o imóvel não é necessário representante, se não quer ser parte em um contrato de locação não precisa de representante, se não quer praticar o denominado Aborto Legal não será necessária a presença de representante legal, razão pela qual deve prevalecer a vontade da menor.

A Constituição da República assegura no art. 5º, inc. III, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante". Ora, obrigar a gestante menor a realizar o aborto contra a sua vontade é submeter uma pessoa a tratamento desumano ou degradante.

O argumento de que o representante legal deve substituir a vontade da gestante menor, podendo decidir sobre a prática ou não do aborto legal, parece não resistir ao disposto no referido preceito constitucional. Mister se faz destacar que a vontade da gestante em preservar a vida deve ser, neste caso, maior do que a de seu representante legal.

Quanto à proibição do aborto de forma geral, verificamos que proibir o abortamento é permitir a gravidez molar, é proibir o aborto eugênico ou eugenésico. Será que é justo deixar sobreviver um feto completamente deformado? Será que é mais correto proporcionar uma vida de sofrimento e de humilhações ao ser diferente?

A religião predominante no Brasil é contra a prática do abortamento. Mas, e se a pessoa não pertencer àquela religião? O verdadeiro religioso não pratica adultério, difamação, furto e aborto, porque entende não ser do gosto de Deus. O religioso pauta a sua vida não de acordo com a lei dos homens, mas sim, de acordo com a lei de Deus.

O Direito Penal varia sempre de uma sociedade para outra, visto que o crime é um fato anti-social para um determinado ordenamento, prejudicando, assim, uma determinada coletividade. Por esta razão, podemos observar que algumas comunidades permitem o uso de substância entorpecente, a poligamia, a eutanásia, o aborto e outras práticas que não são admitidas pela sociedade brasileira e, por esta razão, são consideradas condutas criminosas em nossa sociedade.

Ao invés, se um ordenamento permite aquelas condutas é porque não as considera fato anti-social. Assim, o Direito brasileiro pune, na modalidade de crime, a bigamia, enquanto nos países islâmicos admite-se o casamento de um homem com até quatro mulheres.

Quando o ser humano nasce, é condicionado, desde pequeno, a agir exatamente de acordo com uma determinada sociedade. O homem é o reflexo do condicionamento ditado por seus ancestrais. A criança é programada para não aceitar o aborto, a poligamia, o uso de entorpecentes, e ao mesmo tempo é programada para aceitar, quando atinge certa idade, o álcool, o fumo e outras práticas que sabe serem prejudiciais, mas não sabe que é em virtude deste programa que aceita tais situações. Se esta mesma pessoa fosse educada em outra sociedade, com certeza teria outra noção sobre o certo e o errado.

O homem é o ser mais domesticável e mais conformado do universo; basta praticar uma conduta, que ele e seu grupo social entenda ser correta, e surgir alguém afirmando que aquilo é proibido, para que o mesmo deixe de praticar a conduta que entendia ser lícita. Se um cavalo selvagem é capturado por alguém, não será tarefa fácil domesticá-lo.

É muito difícil o homem desprender-se da norma jurídica. Depois de conformado, o homem passa a acreditar que aquilo realmente é o certo, sem permitir, inconscientemente, qualquer possibilidade de mudança. Qual o real motivo que nos leva a ser contra o aborto? Dizer que a criança sofre com o abortamento pode até ser verdade, mas por este argumento, todos nós sofremos com dores e preocupações. Na realidade, o homem raciocina, mas dificilmente desvirtua-se do seu condicionamento, exceto nos casos em que ele próprio passa por um problema grave; nesta hora, o homem consegue enxergar a dura realidade e qual o posicionamento ideológico mais correto para aquela situação.

O ser humano é o único ser vivo que pensa no futuro. Pode o homem ter se programado para uma realidade e ocorrer situação diversa. A perda de um emprego aliado a outros problemas pode ser bom motivo para a prática do abortamento, proporcionando uma melhor qualidade de vida ao ser humano que virá em nova gestação.

Uma mulher afirmou que fez em si mesma uma inseminação artificial com sêmen de um famoso cantor norte-americano. Será que ele não pode exigir a prática do abortamento? A gravidez é algo querido, desejado, mas principalmente consciente.

A nossa legislação penal é moderna, o Código Penal é muito novo, é de 1940, o que para um estudante de Direito ou um jurista, é muito normal, afinal o Código Civil é de 1916, o que é normal, pois o Código Comercial é de 1850.

O Código Penal reflete o modelo da sociedade de 1940. Naquela data, o legislador fez previsão do crime de adultério, crime de sedução para o jovem que seduzisse moça de 17 anos, e também para o crime de aborto com pena de até 20 anos para a prática do abortamento. Tanto é verdade que o Código Civil prevê motivo para a anulação do casamento, o simples fato de a mulher casar não sendo mais virgem. Concordar com a punição para o abortamento é aceitar o condicionamento de uma outra sociedade.

Na idade média, quando se identificava uma pessoa que supostamente poderia ter praticado um crime, esta pessoa era levada a uma estaca, era amarrada, faziam uma fogueira e ateavam fogo ao suspeito. Se o agente não fosse o culpado não queimaria, visto que Deus não permitiria tal injustiça. Hoje, isto é motivo de espanto e risos, mas naquela época todos, até os inocentes que iam para a fogueira, acreditavam naquele condicionamento.

Talvez a sociedade ainda não esteja preparada para aceitar o abortamento, mas meus netos, com certeza vão se espantar e achar graça ao saberem que em 1997 ainda havia pessoas que acreditavam ser injusta ou imoral a prática do abortamento.

Retirado de: http://www.terravista.pt/copacabana/2273/Aborto.htm

 

Palavra chave: aborto