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A inconstitucionalidade do regulamento disciplinar da
Polícia Militar de Alagoas face aos princípios da reserva legal e da hierarquia
das leis
Joilson Fernandes de Gouveia
bacharel em Direito,
tenente-coronel da Polícia Militar de Alagoas
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No dia 07
de dezembro de 1996 entrou em "vigor" o Decreto Estadual n.º
37.042/96, de 06 de novembro de 1996, que aprovou o Regulamento Disciplinar da
Polícia Militar do Estado de Alagoas – RDPMAL, consoante seu Art. 2.º, após
oito anos de vigência da Constituição Cidadã de 1988, teve por desiderato
"ajustar a legislação da Corporação aos ditames da constituição Federal, principalmente
das normas reguladoras de justiça e disciplina"(sic.), e foi "fruto
do trabalho de um Comissão de Oficiais...trata-se de um regulamento moderno,
bem elaborado, de fácil compreensão, ajustado ao estatuto dos Policiais
Militares e à Constituição Federal e por certo corrigirá algumas distorções e
lacunas existentes no regulamento anterior"(sic.), conforme se vê da
apresentação do mesmo.
Em
verdade, sequer foi ajustado ao Estatuto e ou à CF/88, nem corrigiu as
distorções e nem as lacunas existentes no anterior, até porque este já havia
sido revogado desde o advento do atual Estatuto dos PM, a Lei Estadual n.º
5346/92, de 26 de maio de 1992, como comprovado está na tese monográfica deste
autor: Do cabimento do habeas e do mandado de segurança nas prisões e detenções
disciplinares ilegais na PM(1), de outubro de 1996, defendida no Curso Superior
de Polícia Militar, em São Paulo, naquela co-irmã.
Viveu a
Corporação, à época, além da esdrúxula e nefasta situação porque passou, uma
tautologia abominável ao tentar da efeito repristinatório ao Decreto Estadual
n.º 4598/81, de 28 de dezembro 1981, revogado pelo Art.135 da Lei Estadual n.º
5346/92, mormente ao impor, aos seus integrantes, sanções disciplinares e até
exclusão fundadas em norma inexistente, pois revogado o RDPMAL, e pela
incompetência legal de se regular matéria atinente aos direitos e liberdades
públicas e individuais de competência privativa e exclusiva do Legislativo.
Vale dizer, nesse período, a Corporação, arbitrariamente, puniu aos seus
integrantes fundada em norma revogada e inexistente, exatos quatros anos de
injustiça e rematada ilegalidade.
Propalou-se grandes mudanças, já que o Regulamento Disciplinar de então,
o Decreto Estadual n.º 4598/81(para muitos em vigor até a vigência do novel RD,
mas aquele, de fato, revogado havia sido em 1992), com diversos dispositivos
incompatíveis com a Carta de 88, os quais foram reeditados no atual RDPMAL. As
esperanças de ajustes à LEI, adequações ao Estado Democrático de Direito e
modernização do Regulamento Disciplinar tornaram-se ainda maiores, quando
noticiou-se que seria elaborado por uma Comissão composta por Oficiais da
Corporação, todos com formação na área jurídica, selecionados especificamente
para tal fim.
Acreditou-se que, mesmo em estado letárgico de mais de oito anos, a
despeito de quatro de vacância e desuetudo legal, finalmente reconhecer-se-ia a
cidadania e direitos que, contrapondo-se ao que muitos denegam, até mesmo aos
policiais militares são assegurados e encontram-se amparados e garantidos pelos
direitos e garantias fundamentais insculpidos na Carta Cidadã.
Ledo
engano, nada disso ocorreu! Deu-se uma reedição daquele com nova formatação.
Este
neoterismo disciplinar já foi parido retardado e com os mesmos vícios
insanáveis e irremediáveis, bem por isso, doravante, faço minhas as palavras da
Dr.ª Ana Clara Victor da Paixão(2), autora do artigo REGULAMENTO DISCIPLINAR E
RESERVA LEGAL (A inconstitucionalidade do Decreto Estadual n.º
4.717/96-Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás -
RDPM-GO em face do Princípio da Reserva Legal)(3), que reflete pensamento
similar e crítica semelhante aos esposados em nossa monografia, ao estudar o
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás, a saber:
"De fato, já que mantém em seu bojo a previsão de prisão e detenção por
transgressão disciplinar, a própria forma pela qual foi editado - o Decreto -
fere o princípio da reserva legal, opondo-se violentamente ao disposto no
inciso LXI do artigo 5º da CF/88: "LXI - ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei;" (grifei).
DE
PLÁCIDO E SILVA, em sua obra "Vocabulário Jurídico", define o termo
LEI:
"...é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no
cumprimento de um mandato que lhe é outorgado pelo povo. Considerando-a neste
aspecto é que GAIUS a definiu: Lex est quod populus jubet et constituit
(...aquilo que o povo ordena e constitui.)." (op. cit., PAG. 62).
Os decretos, por sua vez,
"são atos administrativos da competência exclusiva dos chefes do
Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente
previstas, de modo expresso, explícito ou implícito, pela legislação... Como
ato administrativo, o decreto está sempre em situação inferior à da lei, e, por
isso mesmo, não a pode contrariar." (HELY LOPES MEIRELLES, in
"Direito Administrativo Brasileiro", 12ª Ed., Rev. dos Tribunais, São
Paulo, 1986, p. 138).
E, na
lição de MIGUEL REALE, "... não são leis os regulamentos ou decretos,
porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que
especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que nas normas
regulamentares ou executivas esteja em conflito com o disposto na lei não tem
validade, e é susceptível de impugnação por quem se sinta lesado. A ilegalidade
de um regulamento importa, em última análise, num problema de
inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as esferas e a
extensão do poder de legislar, conferindo a cada categoria de ato normativo a
força obrigatória que lhe é própria." ( in "Lições Preliminares de
Direito", 7ª Ed., Saraiva, São Paulo, 1980, p. 163).
Vê-se,
pois, que ao dispor que a restrição da liberdade de ir e vir do indivíduo só
será tolerada pelo Direito quando decorrer de infração disciplinar ou crime
militar previstos em lei, o Constituinte vedou que tal matéria fosse regulada
por decreto, atribuindo a competência para fazê-lo exclusivamente à lei formal.
Trata-se,
portanto, de reserva legal absoluta, conforme aponta JOSÉ AFONSO DA SILVA:
"É
absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é
reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra
fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: "a lei
regulará", "a lei disporá", "a lei complementar
organizará", "a lei criará", "a lei definirá",
etc." (in "Curso de Direito Constitucional Positivo", 13ª Ed.,
Malheiros Editores, São Paulo, 1997).
A adoção
da reserva legal em matéria disciplinar constitui, na verdade, uma garantia
para o militar, na medida que impede o abuso e o arbítrio da Administração
Pública na imposição da sanção.
A
propósito, discorre ALBERTO SILVA FRANCO:
"Na
relação tensional entre o poder punitivo do Estado e o direito de liberdade do
cidadão, só a lei, emanada do Poder Legislativo, poderá imiscuir-se. E isto
porque o procedimento legislativo, apesar de suas imperfeições e incertezas, é
ainda o mais idôneo para tutelar o bem jurídico fundamental da liberdade
pessoal." (in "Código Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial", 6ª Ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997).
Assim, se
há real necessidade e interesse por parte das autoridades administrativas militares
em aplicar as penas de detenção e prisão disciplinar - que a autora, diga-se de
passagem, considera absurdas - impõe-se providenciar que sejam as mesmas
instituídas através de lei, dada a indiscutível inconstitucionalidade de todas
as medidas restritivas da liberdade pessoal previstas no Decreto Estadual n.º
4.717/96.
Enquanto
assim não se fizer, as referidas punições serão anuláveis por via judicial, e a
autoridade administrativa que as tenha aplicado, embasada no referido decreto,
responderá pelo crime previsto no artigo 4º, "a", da Lei n.º 4898/65:
"Art. 4º - Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar
medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com
abuso de poder."
Os
quartéis não são ilhas onde a Constituição não vigora. É imperativo que a
autoridade competente desperte para a necessidade de elaborar um Regulamento
Disciplinar compatível com a ordem jurídica vigente, que é ancorada, sem
exceções, no Estado Democrático de Direito criado pela Constituição Federal de
1988.
Numa
época em que todas as instituições se abrem, se modernizam, se democratizam, a
Polícia Militar não pode permanecer parada no tempo. Até mesmo porque insistir
em fazer uso de um Regulamento eivado de inconstitucionalidades implicará na
desmoralização da Autoridade Administrativa, que, por força de decisões
judiciais, terá que retratar-se quanto às punições ilegalmente impostas."
É
justamente o que tem ocorrido com freqüência quase contumaz aqui em nosso
Estado, e assim será, mormente enquanto inexistir uma LEI DISCIPLINAR nos
moldes constitucional, legal, justo e legítimo, na nossa Corporação, que trate
do mister, conforme preconizam as constituições Federal e Estadual. Aliás,
ainda que revogado não estivesse, infere-se que RD, aprovado por decreto, não é
instrumento legítimo e eficaz para regulamentar direitos e garantias dos
servidores públicos militares do Estado de Alagoas, face à indelegabilidade de
competência ao Executivo, porquanto ser competência especial (exclusiva) da
Assembléia Legislativa Estadual no âmbito do nosso Estado, e, na esfera
federal, competir ao Congresso Nacional, até que lei complementar disponha.
Diante da constatação e ilação suso adscritas, urge, pois, a promulgação de uma
LEI DISCIPLINAR DA PMAL, não há negar. Portanto, urge LEI disciplinar adequada
à Carta Cidadã de 1988, sob pena de permanecer o arbítrio atroz, ímpio,
desumano e JUGO ILEGAL, como fora dito por este signatário, desde outubro de
1996, e redito nesse lustro, mas sempre olvidado. Luta tenaz que não será
debalde haja vista o limiar de um novo tempo, fim de século, próprio para
metamorfose!
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REGULAMENTO DISCIPLINAR DA PM/AL FACE ÀS SÚMULAS 55 E 56 DO
STF
O
Regulamento Disciplinar da PMAL, aprovado pelo Decreto Estadual n.° 37.042 de
06 de novembro de 1996, em vigor desde 07 dezembro daquele ano, como
instrumento jurídico legal a que se presta, detém em seu bojo, além da
flagrante inconstitucionalidade, que afronta e fere de morte aos Princípios de
Direito da reserva legal e da hierarquia da leis, também um verdadeiro acinte à
Súmula 56 do STF - "militar reformado não está sujeito a pena
disciplinar", para não dizer que há uma escabrosa sissomia - de lembrar
que tal Súmula deveria falar em sanção disciplinar, posto inexistir pena
disciplinar na esfera regulamentar administrativa, vez que pena, no mais da
vez, se refere à sentença ou decisão do magistrado monocrático, na órbita
judicial.
Na
Corporação, o PM está sempre em uma das duas situações previstas no Estatuto:
a) na ativa ou, b) na inativa; similarmente na atividade ou na inatividade.
Vale dizer: no serviço ativo ou no serviço inativo(admitindo-se pudesse existir
serviço nesta situação) ou na situação de inatividade (=aposentado). A situação
de inatividade, por sua vez, pode decorrer de duas formas ou modalidades: a)
reserva (remunerada ou não), quando exaurida a idade limite de permanência no
serviço ativo e ao concluir o seu de tempo de serviço, na Corporação, e; b)
reforma. Naquela o PM ainda poderá ser convocado ao serviço ativo da
Corporação, enquanto nesta jamais. Desta feita, a inatividade por reforma tanto
se dá 1) pela idade limite de permanência na reserva(remunerada ou não)para o
PM que nesta situação já se encontra, ou 2) por enfermidade, doença ou acidente
em serviço para o PM ainda no serviço ativo.
Entrementes, se o Supremo Tribunal Federal,
com fulcro na Súmula 56, isenta de sanção(pena)disciplinar o militar reformado
por entender que a esfera de competência do RD não mais se Ihe alcança, ou
seja, ao reformado não mais é aplicada sanção disciplinar do RD; neste não deve
conter nenhum dispositivo que possa induzir ou mesmo permitir qualquer sanção
disciplinar ao PM reformado, pena de rematada ilegalidade, odioso excesso de
poder e perverso abuso de autoridade. Noutras palavras, o reformado(militar inativo)não
deve ser sujeito de sanção disciplinar imposta por qualquer autoridade e
fundamentada em RD, vez que este a ele não mais se Ihe é aplicado, sob pena de
exorbitar o poder-dever do instrumento punitivo ou abuso deste pela dita
autoridade. Infere-se, portanto, por ilação lógica e hialina, que o intérprete
há de limitar-se ao sentido estrito do texto sumular quanto à expressão
inatividade contidas do "Art. 9.° - Estão sujeitos a este Regulamento, os
policiais militares na ativa e os na inatividade." e também do seguinte
"Art. 10 As disposições deste Regulamento aplicam-se aos policiais
militares na inatividade quando, ainda no meio civil, se conduzam, inclusive
por manifestações através da imprensa, de modo a prejudicar os princípios da
hierarquia, da disciplina, do respeito e do decoro policial militar." De
lembrar, portanto, que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado
o anonimato"(Art.5., IV, da CF/88).
É de se
concluir que, da situação de inatividade, há de se excluir o PM reformado dessa
sujeição e/ou aplicação do RDPMAL, i. e., ele está isento da incidência não só
dos artigos acima, mas também e principalmente do próprio Art. 11, que define a
competência de aplicação do RD, cuja atribui-se ao cargo e não à hierarquia,
litteris: "Art. 11 - A competência para aplicar as prescrições contidas
neste Regulamento é conferida ao cargo e não ao grau hierárquico. São
competentes para aplicá-las: I - o Governador do Estado e o Comandante Geral, a
todos aqueles que estiverem sujeitos a este Regulamento; Il - o Chefe do EMG, a
todos os que Ihe são subordinados, na qualidade de Subcomandante da Corporação;
Ill - os Chefes de Gabinetes e Assessorias Militares, aos que estiverem sob
suas ordens; IV - os Comandantes Intermediários, Diretores e Ajudante Geral,
aos que servirem sob suas ordens; V - o Subchefe do EMG e Comandantes de OPM,
aos que estiverem sob suas ordens; VI - os Chefes de Seções do EMG, Assessorias
do Comando Geral e os Sub-comandantes de OPM, aos que servirem sob suas ordens;
VII - os demais Chefes de Seções, até o nível Batalhão, inclusive; Comandantes
de Subunidades incorporadas e de Pelotões destacados, aos que estiverem sob
suas ordens. Parágrafo Único - A competência para apurar e punir atos de
indisciplina do Comandante Geral da Corporação é exclusiva do Governador do
Estado." Deflui, pois, que todas estas autoridades são incompetentes para
punir, disciplinarmente e fundado no RD, ao PM ou militar reformado. O RD é
defeso ao reformado Todavia, essa isenção não se presta ao inativo da reserva.
Diga-se, o PM inativo da reserva não é destinatário desse direito haja vista a
Súmula 55 do STF "Militar da reserva está sujeito a pena
disciplinar". Ora, que cargo ocupa o PM reformado, para sofrer sanção
disciplinar de alguém, a quem sequer está subordinado?
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Notas
1.
Editada nos sites www.ujgoias.com e www.angelfire.com/vt/joilson em formato de
E-Book.
2.
Ex-advogada de Associações de Militares (ACSPM-GO, ASSPM-GO), atuou por vários
anos na área administrativa/disciplinar. Especializada em Direito
Constitucional, foi professora titular da matéria no Curso de Formação de
Oficiais da Academia de Polícia Militar do Estado de Goiás de 1991 a 1994. É,
atualmente, Assessora do 23º Procurador de Justiça do Estado de Goiás, e
ministra aulas para os cursos de Especialização do Batalhão de Choque da PM-GO
(COE).
3.
Publicado no sites www.ujgoias.com e www.angelfire.com/vt/joilson
Retirado de: http://www1.jus.com.br