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A MAIORIDADE PENAL À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

 

 

 

Autor: Cornélio José Holanda  *

 

 

 

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A maioridade civil;. 3. A maioridade no processo penal; 4. A revogação das leis; 5. A não revogação expressa; 6. A não revogação tácita; 7. Conclusão; 8. Bibliografia.

 

 

1.      INTRODUÇÃO

 

O novel Código Civil Brasileiro (Lei Nº 10.406, de 10/01/2002, que entrou em vigor em 13/01/2003) trouxe, em seu bojo, várias inovações aos institutos jurídicos que regulam o dia-a-dia do cidadão, inclusive com repercussão em outras esferas do Direito, entre elas, o Direito Processual Penal.

 

            O art. 5º do novo Estatuto do Cidadão reduziu a maioridade civil de 21 para 18 anos, estando o indivíduo, ao completar esta idade, apto a praticar todos os atos da vida civil.

 

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

 

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

 

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

 

II - pelo casamento;

 

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

 

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

 

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

 

            A imputabilidade penal vem aos 18 anos (art. 27 do CPB), porém o Código de Processo Penal exige a nomeação de curador para acompanhar o réu menor de 21 anos durante a persecução penal, não só na etapa inquisitorial (art. 15), como também na fase in judicio (art. 262).

 

A vexata quaestio é saber se, face a redução do limite de idade para atingir a maioridade civil, perdura a necessidade de nomear curador ao menor de 21 anos, conforme exige a lei processual penal, ou se a maioridade no processo penal foi reduzida juntamente com a maioridade civil, descabendo, assim, tal exigência. Alguns doutrinadores, em análises não percucientes, entendem a questão como resolvida, conforme expressa Luiz Flávio Gomes:

 

“Todos os dispositivos processuais penais que enfocavam o menor de 21 anos como relativamente capaz foram afetados pelo novo Código Civil. Todos têm por base a capacidade do ser humano para praticar atos civis e, por conseguinte, processuais. Para o novo Código Civil essa capacidade é plena aos 18 anos. Logo, todos os artigos citados acham-se revogados ou derrogados (lei nova que disciplina um determinado assunto revoga ou derroga a anterior).” [1]

 

2.      A MAIORIDADE CIVIL

 

Todo ser humano adquire, ao nascer, capacidade de direito, medida de sua personalidade como ser humano de fato ou pessoa natural, que não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de se lhe negar a própria qualidade de pessoa. Esta capacidade de direito se cristaliza na aptidão de adquirir e exercer direitos e pactuar ou contrair obrigações no âmbito civil.

 

A essa capacidade de direito, mesmo sendo inerente a todo ser humano, podem ser impostas restrições de cunho protetório, não se permitindo a certos indivíduos, por apresentarem ausência ou déficit na possibilidade de autodeterminação (pouca idade, loucura, toxicomania etc), a oportunidade de exercê-la de forma autônoma. Há, deste modo, uma dicotomia nessa capacidade, surgindo a capacidade de fato ou de exercício, que, na lição de Maria Helena Diniz, seria:

 

“a aptidão de exercer por si os atos da vida civil dependendo, portanto, do discernimento que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial.” [2]

 

Destarte, excetuando-se as diversas modalidades de emancipação previstas no art. 5º do Código Civil, só ocorre a unificação da capacidade de direito, adquirida ao nascer, com a capacidade de fato ou de exercício, ao se completar 18 anos, estando a pessoa apta a praticar diretamente os atos da vida civil.

 

3. A MAIORIDADE NO PROCESSO PENAL

 

Para que alguém possa responder como sujeito passivo uma ação penal, é necessário obediência a dois requisitos: possuir legitimidade passiva ad causam, que é a identidade física entre a pessoa denunciada na peça inicial e aquela indiciada no inquérito policial como autora do ilícito; e possuir legitimidade passiva ad processum, ou seja, possuir imputabilidade penal, pertinente àqueles maiores de 18 anos.

 

Porém, a idade de 18 anos não é suficiente para tornar o réu totalmente capaz de responder, autonomamente, à persecução penal. O Código de Processo Penal, em vários dispositivos (arts. 15, 194, 262, 449 e 564, III, c), exige a nomeação de curador ao indiciado ou ao réu, maior de 18 e menor de 21 anos, sob pena de nulidade. Tal exigência advém da intenção do legislador de proteger estas pessoas, tidas como portadoras de menor capacidade de discernimento, necessitando, no transcorrer da persecução penal, de uma maior orientação. Júlio Fabbrini Mirabete é claro quando expõe os motivos que orientam a necessidade de curador:

 

“Presume a lei que o indiciado, nessa idade, necessita de aconselhamento de pessoa que possa, também, resguardar seus direitos, ou, ao menos, informá-lo convenientemente deles.”[3]

 

4. A REVOGAÇÃO DAS LEIS

 

Dado o Princípio da Continuidade, as normas jurídicas, não sendo de vigência temporária ou excepcional, perduram por tempo indeterminado, até a superveniência de outra espécie legal que as revogue.

 

A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei Nº 4.657/42), que regula a vigência das normas jurídicas no tempo e no espaço, aplicável a toda legislação nacional, prevê no art. 2º a revogação das leis nas formas expressa ou tácita.

 

Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

 

§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

 

§ 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

 

§ 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

 

A revogação expressa ocorre quando a nova lei traz, normalmente nos seus dispositivos finais, o enunciado de que a lei velha encontra-se totalmente revogada ou enumera quais de seus artigos restaram derrogados. A revogação tácita poderá ocorrer de duas maneiras: quando a lei nova é incompatível com a anterior ou quando regula inteiramente a matéria objeto da lei antiga.

 

5. A NÃO REVOGAÇÃO EXPRESSA

 

            Para que uma norma legal revogue expressamente outra, o requisito essencial é que a norma revogante tenha hierarquia igual ou superior à revogada.

 

O novo Corpus Juris Civilis pátrio materializou-se sob a forma de Lei Ordinária Federal, de mesma hierarquia do Código de Processo Penal, integralizado sob a forma de Decreto-Lei, mas recepcionado pela Carta Magna de 1988 com status de Lei Ordinária Federal, uma vez que regula matéria de competência privativa da União, na qual não se exige expressamente a forma de Lei Complementar (art. 22 da CF/88).

 

Ressalte-se que a possibilidade de recepção legal em espécie normativa diversa é pacífica na doutrina e jurisprudência, bem como já ocorreu com outros estatutos legais (v.g. o Código Tributário Nacional, originariamente Lei Ordinária Federal, recepcionada com status de Lei Complementar, à luz do art. 146, III, da CF/88). Não é outra a lição de Hugo de Brito Machado:

 

“O Código Tributário Nacional trata de matéria reservada às leis complementares. Por isto há de ser considerada uma lei complementar. Não tem esse nome porque na época em que foi votado a Constituição Federal não fazia a distinção hoje adotada. Hoje, porém, estando a matéria de que se ocupa reservada às leis complementares, não pode o Código Tributário Nacional ser modificado ou revogado por lei ordinária.” [4]

 

Temos, assim, duas normas de igual hierarquia, o que permitiria, em tese, que uma delas revogasse a outra.

 

A Lei Complementar Nº 95/98, que regulamenta a gênese das leis, no seu art. 9º, exige que a cláusula revogante enumere expressamente as normas legais revogadas, sendo defeso o uso da regra genérica “Revogam-se as disposições em contrário.”

 

Art. 9º. A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.

 

Parágrafo único. (VETADO) (Redação dada ao parágrafo pela Lei Complementar nº 107, de 26.04.2001).

 

            Não tendo o novo Código Civil derrogado expressamente qualquer dispositivo do Código de Processo Penal, não é crível ter ocorrido essa modalidade revogatória.

 

6. A NÃO REVOGAÇÃO TÁCITA

 

            Quanto à possibilidade de revogação tácita, não podemos afirmar existir nas normas em comento qualquer incompatibilidade, nem muito menos que uma regule inteiramente a matéria tratada na anterior. O que existe, sim, é o tratamento de institutos jurídicos símiles, maioridade civil e maioridade penal, com disposições diferenciadas.

 

            Sem embargo, não podemos olvidar que as espécies em cotejo regulam áreas jurídicas completamente diferentes (além do que uma é Direito Público, outra Direito Privado), bem como, a necessidade de curador para o menor de 21 anos, no processo penal, se dá em função de sua imaturidade, menores discernimento e experiência, ou como explica Fernando Fulgêncio Felicíssimo:

 

“Essa exigência legal é decorrente da incapacidade relativa do menor de 21 anos, posto necessitar de orientação, acompanhamento e proteção, a fim de resguardar seus interesses como pessoas de menor discernimento e experiência.”[5]

 

Ou seja, há uma carência de orientação a ser suprida pelo curador, uma vez que está em jogo um bem deveras precioso, a liberdade.

 

Outra confirmação da autonomia da menoridade penal frente a civil é a necessidade, corroborada por abalizada doutrina, da nomeação de curador ao indiciado ou acusado, mesmo sendo este emancipado civilmente. Mirabete assim se expressa:

 

“... é obrigatória a nomeação de curador, tanto na fase policial, como na judicial. Não tem relevância, aliás, o fato de estar ele emancipado, circunstância que não tem qualquer reflexo na órbita penal.” [6] (grifamos)

 

Fernando Capez não difere:

 

“A capacidade do menor, tratada pelo Código de Processo Penal, não se confunde com a civil, motivo pelo qual a emancipação em nada altera a situação.” [7] (grifamos)

 

Desse modo, verifica-se que a emancipação civil não gera efeitos em outros ramos jurídicos, verbi gratia no direito eleitoral, conforme a seguinte decisão (ainda sob o pálio do Código Beviláqua):

 

REGISTRO – RECURSO ESPECIAL – CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE – Candidato a deputado estadual com idade inferior ao exigido pelo art. 14, § 3º, VI, c, da Constituição Federal, porém emancipado – Impossibilidade – Recurso não conhecido. (TSE – RESPE 20059 – Rel. Min. Fernando Neves da Silva – DJU 03.09.2002)

 

Ora, se mesmo estando emancipado civilmente o acusado menor ainda necessita de curador, esta exigência atesta que a menoridade penal não está atrelada à maioridade civil, subsistindo cada uma independente da outra, não havendo uma redução automática da maioridade processual penal à luz das novas disposições atinentes à responsabilidade civil.

 

7. CONCLUSÃO

 

Destarte, enquanto não sobrevier lei nova que expressamente reduza a maioridade processual penal, igualando-a com a maioridade civil, entendemos persistir a obrigação de nomear curador ao agente menor de 21 anos, não só no inquérito policial como também na ação penal, não tendo o novo Código Civil derrogado as disposições pertinente à matéria existentes no Código de Processo Penal, sob pena de se incorrer em nulidade da ação penal.

 

8. BIBLIOGRAFIA

 

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 3ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 1999.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil vol. 1. 10ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 1994.

 

FELICÍSSIMO, Fernando Fulgêncio. Revista juris síntese nº 37 – Set/Out 2002.

 

GOMES, Luiz Flávio. Revista juris síntese nº 39 - Jan/Fev de 2003.

 

MACHADO, Hugo De Brito. Curso de direito tributário. 11ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

 

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 2ª ed., São Paulo: Ed. Atlas, 1995.

 

 

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[1] Revista juris síntese nº 39.

 

[2] Curso de direito civil vol. 1. p. 87

 

[3] Código de processo penal interpretado. p. 54

 

[4] Curso de direito tributário. p. 52

 

[5] Revista juris sintese nº 37

 

[6] Código de processo penal interpretado. p. 311

 

[7] Curso de processo penal. p. 156

 

 

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Autor: Cornélio José Holanda

 

Advogado Especialista em Direito Penal Fortaleza - Ceará

 

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Trabalho elaborado em Agosto de 2003.

 

 

Retirado de: http://www.advogado.adv.br