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A IMPRENSA, O DOLO E A CULPA
LEONARDO HENRIQUE MUNDIM
MORAES OLIVEIRA
INTRODUÇÃO
É de muito tempo que a Imprensa veicula com algum equívoco os conceitos de dolo
e de culpa, especialmente quando noticia o crime-mor das páginas policiais,
qual seja, o homicídio.
Efetivamente, é direito do consumidor de jornais e revistas receber
adequadamente as informações estampadas no produto adquirido, o que certamente
impõe cuidado na elaboração da matéria jornalística.
Entretanto, não raro nos deparamos com as expressões “homicídio doloso” e
“homicídio culposo” em utilização confusa, que por vezes até iguala as
modalidades de atuação da vontade do suposto criminoso.
E, malgrado a diversidade do público-alvo dos veículos de comunicação, o
tecnicismo jurídico aqui se faz necessário, especialmente em se considerando
que a diferença entre a pena máxima possível para o homicídio doloso simples e
a pena máxima possível para o homicídio culposo é de 17 (dezessete) anos de
prisão.
A INTENÇÃO DO AGENTE
A distinção entre crime doloso e crime culposo é de fato bastante simples,
desde que observado o problema sob um ângulo adequado.
Nosso sistema penal, sob o ponto de vista do enquadramento da conduta, é
basicamente fulcrado na intenção que alimentava o agente quando da prática do
ato criminoso. O ponto-de-partida é que todo ato tido como criminoso é
praticado a partir de uma manifestação de vontade, originada de uma intenção, a
qual a lei considera extremamente nociva ao bem-estar da sociedade. E tal
intenção, objeto do trato penalístico, não é legalmente entendida unicamente
sob o aspecto de “desejar”, mas também sob o aspecto de “aceitar”, “permitir”
ou “consentir mantendo-se inerte”.
DOLO x CULPA
Deste modo, na apreciação valorativa que se faz sobre a intenção do acusado,
frente aos dispositivos legais, é que se irá aferir se, a priori, o suposto
criminoso deverá ser processado por homicídio doloso ou por homicídio culposo.
Age com dolo, segundo o artigo 18, inciso I, do Código Penal, aquele que “quis
o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Daí surgem duas espécies de
dolo: o dolo direto, e o dolo eventual.
Em termos práticos, comete homicídio doloso com dolo direto o agente que quis,
através de sua manifestação de vontade (empurrando, espancando, apertando o
gatilho, dirigindo em alta velocidade), produzir o resultado morte, que vem a
se consumar. “Quero matar” – pensa o agente.
Mas igualmente comete homicídio doloso – desta feita imbuído de dolo eventual –
o agente que inicialmente não queria que sua manifestação de vontade produzisse
o resultado morte, mas, objetivamente, o previu e, em o prevendo, o aceitou ou
assumiu. “Não quero matar” – pensa o agente –; “mas esta minha atitude pode vir
a matar” – deduz, expressa ou presumidamente -; “Ah, que mate” – conclui o
criminoso.
Note-se que na segunda espécie de homicídio doloso, aquele imbuído de dolo
eventual, não há o desejo efetivo, mas há o elemento da previsibilidade do
resultado, seguido de sua aceitação. E tal aceitação, em razão da
impossibilidade de o Juiz penetrar no âmago da mente de cada acusado, pode ser
deduzida das circunstâncias intrínsecas e adjacentes à cena do crime, como, por
exemplo, o grau de percepção do agente, a sua capacidade de julgamento fático,
os atos anteriores, concomitantes e posteriores à prática criminosa, e, se for
o caso, o poder destrutivo dos instrumentos utilizados.
Já por outro lado, age com culpa – cometendo portanto, in casu, homicídio
culposo –, aquele que “deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou
imperícia” (art. 18, inc. II, do Código Penal). A doutrina e a jurisprudência
entendem que, malgrado a omissão legislativa, estão inseridas, na supracitada
disposição legal, duas espécies de culpa: a culpa consciente, e a culpa
inconsciente.
A primeira é verificada quando o suposto criminoso, com seu ato de manifestação
de vontade, não queria produzir o resultado morte, mas, objetivamente, o previu
e, contudo, em o prevendo, não o aceitou. “Não quero matar” – pensa o agente -;
“mas esta minha atitude pode vir a matar” – deduz, expressa ou presumidamente
-;“Não, não será causado o resultado morte a alguém” – conclui o agente que,
todavia, acaba provocando o resultando inaceito.
A culpa inconsciente, por sua vez, é verificada quando o agente simplesmente
não quer e nem sequer chega a prever o resultado morte, pelo que até descabe
cogitar de sua aceitação.
CONCLUSÕES
Das apontadas definições das modalidades de conduta, sobrelevam em conclusão
três assertivas que, dentre infinitas outras, espelham a beleza do Direito,
ciência eminentemente dialética: a primeira é que a punição legal do homicídio
doloso vem enfrentar a vileza dos sentimentos que formularam a intenção
abarcada pela mente criminosa - através da sanção criminal, a sociedade
demonstra repugnância ao desejo direito ou conseqüente do agente de destruir o
seu semelhante.
A segunda é que a punição legal do homicídio culposo, por fundamentar-se no
agir com negligência, imprudência ou imperícia – ou seja, na inobservância das
cautelas exigíveis para a vida em sociedade - , tem como pano-de-fundo a infringência
a um dever que, apesar de não escrito em nenhum Código, é imanente, e acompanha
o ser humano em toda a sua vida social: o dever geral de cuidado objetivo, que,
em última análise, compõe-se da noção de respeito e do senso de
responsabilidade - em sentido amplo - para com o próximo.
Finalmente, a terceira assertiva é no sentido de que a única diferença técnica
entre o dolo eventual e a culpa consciente é a aceitação ou a não-aceitação do
resultado objetivamente previsto. E é nesse ponto que faz grande diferença a
figura do Advogado, profissional que, trabalhando os fatos à luz da razão,
tentará, licitamente, convencer o Juiz, os Jurados, ou até mesmo a Imprensa, em
prol da interpretação jurídica que seja, in casu, mais favorável ao Cliente.
* Artigo cedido pela Editora Del Rey
LEONARDO HENRIQUE MUNDIM MORAES OLIVEIRA Advogado e Professor
em Brasília/DF; Ex-Procurador da Área Administrativa e Criminal do Banco
Central do Brasil
http://www.jur.com.br