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A influência da religião na ressocialização de detentos no presídio regional de Santa Maria – RS

 

 

 

Fernanda Terezinha Tomé

 

Bacharel em Direito pela UFSM

 

 

 

 

                    Não há dúvidas de que a reeducação de delinqüentes é questão complexa de se discutir. Por um lado existem as críticas que atacam a própria ideologia de readaptação. Por outro, há todas aquelas dificuldades inerentes à possibilidade de se concretizar o ideal ressocializador dentro de uma instituição total como a prisão. Frente a essas mazelas, parece natural que se conclua pela total impossibilidade de se reabilitar o indivíduo aprisionado.

 

                    Desde o momento em que se pretendeu dar um caráter mais humanitário à pena privativa de liberdade, acreditou-se seria o instrumento mais adequado para cumprir a duvidosa tarefa de ressocializar o delinqüente.

 

                    Sabe-se, contudo, que a instituição carcerária, por si só, não foi capaz de dar uma resposta à altura da crença. Os altos índices de reincidência, bem como toda a série de dificuldades por que passa a prisão desmentem qualquer pretensão reeducadora que se queira atribuir à ela.

 

                    Dessa forma, a questão da ressocialização passou a ser alvo de diversas críticas. Considera-se, de uma forma geral, que, além de o conceito de readaptação ser impreciso, é inviável dentro do atual sistema prisional.

 

                    Os representantes da Criminologia Crítica ou Dialética são os mais ferrenhos opositores do ideal ressocializador, aliás, sequer questionam tal possibilidade. Afirmam que a readaptação é uma ilusão dentro do atual sistema penitenciário.

 

                    A prisão, argumentam, é apenas um instrumento que assegura e intensifica as desigualdades sociais produzidas pela sociedade capitalista. Para eles, a sociedade é que deve ser ressocializada.

 

                    Apesar da valiosa contribuição que a Criminologia Crítica presta ao intricado problema da criminalidade e da validade e acerto da maioria de seus argumentos, não oferece qualquer resposta para aqueles indivíduos que estão cumprindo pena em um estabelecimento carcerário.

 

                    O que fazer com eles enquanto a revolução social não acontece? Ignorá-los? Abandonar a busca por melhores formas de amenizar seus sofrimentos e de lhes reintegrar na sociedade menos estigmatizados?

 

                    Não parece ser essa a melhor medida a ser adotada, pois para "teorizar" uma sociedade ideal basta sonhos, lápis e papel. Mas, para nos aproximarmos da realidade miserável de quem padece em uma unidade carcerária e oferecermos algum tipo de contribuição, precisamos é de sensibilidade, espírito solidário, amor ao próximo, desprendimento e muito trabalho.

 

                    Não obstante todas objeções feitas à ideologia da ressocialização, bem como à forma que se tem utilizado para alcançá-la, a verdade é que não se sabe até quando a pena privativa de liberdade será utilizada como principal método de punição.

 

                    Enquanto ela existir dentro do sistema penal, atormentando almas e arrasando sonhos, deverá também se buscar formas de tratamento para aliviar o drama do homem encarcerado. É compromisso da sociedade trabalhar com um "objetivo ressocializador mínimo".

 

                    Mesmo que algumas leis consigam, até certo limite, concretizar um processo de descarcerização, é indispensável que se trabalhe com hipóteses de reeducação enquanto houver pessoas sob custódia do sistema penitenciário.

 

                    Em uma época que se discute a possibilidade de se editar leis que promovam a descriminalização e a descarceirização, parece retrocesso querer se identificar formas de ressocialização de delinqüentes.

 

                    É claro que o ideal seria o desaparecimento das prisões e o estabelecimento de um novo sistema mais humano para a solução dos conflitos. Desapareceria, assim, a difícil tarefa de se identificar o melhor tratamento ressocializador para o indivíduo aprisionado.

 

                    Mas, enquanto esse ideal não se concretiza, a sociedade deve cumprir o compromisso de identificar e possibilitar a reinserção social do delinqüente de uma forma menos traumatizante, oferecendo-lhe novas oportunidades e reconhecendo os seus valores e direitos.

 

                    Aqui, em resposta a essa difícil tarefa, revela-se a religião como uma das formas de se viabilizar a ressocialização do delinqüente. A esperança, principal marca da religião, é capaz de transformar a vida do detento, apontando-lhe outra opções de vida.

 

                    Na opinião de Carl Gustav Jung, a experiência religiosa pode ser um dos caminhos para a ocorrência da modificação interior do indivíduo. Por meio da aceitação do mundo sagrado as pessoas estariam voltando a si mesmas, aceitando-se e reconciliando-se com seus impulsos.

 

                    Não é diferente o pensamento do sociólogo Roger Bastide. Para ele, hay una vida religiosa que es regresiva y patológica y hay otra que es progresiva y formadora de personalidades sanas. (1)

 

                    De fato, a experiência religiosa devolve o sentido da existência, conforma nas perdas, ensina a importância de se amar o próximo, de ser solidário, enfim é capaz de resgatar os nossos valores humanitários e os nossos sonhos. O sentimento religioso nos dá a sensação de reconciliação com o universo, de comunhão com algo que nos transcende.

 

                    Esses sentimentos altruístas que a religião é capaz de inspirar são essenciais para readaptação social do delinqüente, pois apontam uma nova escala de valores e condutas, novos hábitos e novas maneiras de se superar as dores, as perdas, os vícios e as revoltas.

 

                    É verdade que existem algumas restrições à prática religiosa que, de certa forma, dificultam se admita e se compreenda a validade e eficácia desse instrumento de reeducação.

 

                    Possuem, tais objeções, uma origem histórica. Surgiram a partir de uma época em que o racionalismo glacial inaugurou uma era exclusivamente matemática e científica, seguida de uma época que impôs uma filosofia de redução do homem. Dentro dessa concepção, não havia espaço para a religiosidade humana, que era rotulada de absurda e ingênua.

 

                    Todas restrições à prática religiosa, contudo, não foram suficientes para suplantar a importância da religião na vida do homem e de suas relações com o meio em que vive.

 

                    Vários profissionais que estudam o comportamento humano e suas relações como o meio social defendem a importância da religiosidade como fator de estabilidade emocional do ser humano, evitando o desencadeamento de atitudes destrutivas, agressivas e intolerantes.

 

                    Para o antropólogo Mircea Eliade é impossível olhar o outro com desprezo quando compreendemos o valor supremo do sagrado e a unidade planetária do gênero humano. (2)

 

                    A consciência religiosa possui, comprovadamente, a capacidade de colaborar para o reequilibro das personalidades desajustadas, auxiliando na recuperação de vícios, depressões, enfim confortando nas dores e sofrimentos que todos sentimos.

 

                    Dessa forma, há a necessidade de que os profissionais que lutam pela ressocialização do delinqüente tenham consciência da marcante e benéfica influência da religião no comportamento humano, compreendendo que a crença religiosa é capaz de transformar para melhor vida do homem livre ou encarcerado.

 

                    Havendo essa compreensão, perceber-se-á o quanto é fundamental que se dê aos detentos condições de expressarem a sua religiosidade ou de se conscientizarem de que ela existe.

 

                    É urgente que as atividades religiosas dentro dos estabelecimentos penais sejam sistematizadas, melhoradas e expandidas, possibilitando o ensino religioso, leitura, diálogo e conforto espiritual. Tais medidas contribuirão expressivamente para a evolução moral e cultural dos presidiários.

 

                    As entrevistas realizadas com os detentos do Presídio Regional de Santa Maria/RS vêm confirmar a idéia de que a religião atua como fator de ressocialização de delinqüentes. Inúmeros foram os relatos de detentos que conseguiram se livrar do álcool, das drogas, da agressividade e hoje possuem um comportamento mais tranqüilo e reações mais ponderadas frente às decepções.

 

                    Dos trinta e nove detentos que afirmaram ter se livrado dos vícios, 17 deram relatos comoventes de como a consciência religiosa foi decisiva na recuperação, apontando uma nova perspectiva de vida, como novos valores e princípios.

 

                    Outro dado importante é o relativo às penas disciplinares. Entre os adeptos religiosos a incidência de pena disciplinar é baixíssima, representa 5,42% da amostragem de 129 detentos entrevistados. Já, entre aqueles que não praticam nenhuma religião, a ocorrência de penas disciplinares sobre para 24,80%.

 

                    Esses dados comprovam a influência benéfica da religião nas atitudes dos detentos frentes aos problemas que se apresentam durante o cumprimento da pena. Indicam a transformação do homem ao expressar a sua religiosidade, levando-o à recuperação.

 

                    Pretende-se divulgar os dados e idéias defendidas nesse trabalho, a fim de transmitir aos homens livres a crença na possibilidade de recuperação do delinqüente por meio da experiência religiosa.

 

                    Deseja-se, também, despertar o interesse e reflexão dos céticos sobre a importância e eficácia da ampliação e melhoria da assistência religiosa nos estabelecimentos penais.

 

                    É preciso compreendam que a religião é um fator preponderante para a transformação moral do detento. Com a conversão religiosa o indivíduo se reforma completamente, surgindo uma pessoa com mais perspectivas de vida e mais amor.

 

 

 

(1) BASTIDE, Roger. Sociologia de la enfermedades mentales. 4 ed., 1978, p. 229.

 

(2) SCHWARZ, Fernand. Et al, MIRCEAL ELIADE – O reencontro com o sagrado. 1a ed. 1993, p. 89.

 

 

 

 

 

 

Retirado de: http://www.ufsm.br/direito/artigos