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Ângelo Marion P. da
Silva - angelosmar@zipmail.com.br
Bacharel em Direito
pela UFSM
A Lei nº
7.210/84 – Lei de Execuções Penais (LEP), estabelece em seu artigo 1º a
finalidade e o objeto da execução penal, in verbis: "A execução penal tem
por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmoniosa integração social do condenado e do
internado"; e prevê, em seu artigo 4º, o dever do Estado em buscar
cooperação da comunidade na execução da pena, in verbis: "O Estado deverá
recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da
medida de segurança."
Em
qualquer cultura, a noção de pena decorrente de ato ilícito está presente desde
a origem dos tempos e atua na formação do indivíduo em todas as épocas,
partindo da formação moral e religiosa, como o ícone da expulsão do Éden e do
pecado original, dentro da tradição católica.
A
convivência social e a busca do bem comum, no atual estágio de evolução da
sociedade, não comporta a autocomposição ou a autodefesa, aliados à garantia do
dos direitos individuais, tornando a sociedade um ente capaz de sancionar toda
conduta ilícita ou que represente uma ameaça à paz social e aos direitos
individuais.
Cabe
então a tutela por parte do Estado dos direitos ameaçados ou lesados, através
da jurisdição.
No
entanto, embora o Estado, fazendo uso do jus puniendi, deva dar eficácia à
sanção da conduta delituosa, através da sentença, e proporcionar a readaptação
do criminoso à convivência social, a sociedade não raro levanta-se, nas pessoas
dos cidadãos, num sentido de autodefesa e exclusão social, dificultando a
tarefa incumbida ao Estado.
Em
primeira análise, vislumbra-se um paradoxo, eis que a sociedade provoca a
sanção e ao mesmo tempo exclui a possibilidade de readaptação do apenado à vida
social.
Ora, o
ordenamento jurídico, instrumento do Estado visando à correta jurisdição, é
ente originado da sociedade, contudo, distinto desta, cabendo ao juiz-órgão a
tutela dos direitos e garantias individuais, num Estado Democrático de Direito,
e a manutenção da integridade do ordenamento jurídico em sua legitimidade. E
não obstante a indispensável função social da jurisdição, os operadores
jurídicos representam garantia de direitos, vinculados a um caráter publicista
ao substituir a sociedade e representar interesses, não vinculando-se
diretamente à sociedade e seus fenômenos.
Desta
forma, ao ser condenado, o Estado ocupa-se da punição e readaptação do
delinqüente, cabendo-lhe a reintegração à sociedade de um cidadão recuperado de
sua "anormalidade" e capaz de conviver no meio social.
Evidencia-se então a execução penal como meio de eficácia da sentença
condenatória e como processo de recuperação do delinqüente, substanciada no
artigo 1º da LEP, cabendo ao Poder Executivo prover meios à execução da
sentença, e ao Poder Judiciário garantir a sua execução em conformidade com a
lei e sem ferir os direitos individuais do apenado.
A
situação in concreto, entretanto, confirma o aparente paradoxo, pois não é
incomum a repulsa aos delinqüentes, mesmo aqueles que tenham cumprido a pena
imposta a fim de se reintegrarem à sociedade.
Então a
sociedade condena um cidadão à exclusão, mesmo depois de cumprida a pena a ele
imposta pelo Estado, permanecendo marginalizado?
No mundo
dos fatos, sim, sendo uma realidade que não deve ser ignorada, nem pelo ente
sociedade, tampouco pelos operadores do Direito, principais garantidores do
Estado Democrático de Direito.
São
vários os argumentos que procuram justificar tal situação, indo desde a crise
social existente, em vista dos altos índices de violência, até a precariedade
do sistema prisional, que torna o cumprimento da pena fator de degeneração da
conduta, ocorrendo um desvio maior nos seus atos ao invés de readaptá-los.
É
razoável que se considere a natureza das relações estabelecidas em nossa
sociedade, pois que em moldes capitalistas, imperando a livre iniciativa, a
exclusão social é inevitável, incumbindo ao Estado prover os meios para a
justiça social e a igualdade, com o apoio da sociedade, consubstanciado o
artigo 4º da LEP.
Afirma
ROBERTO LYRA: "É que as estratificações sociais, desde a divisão
estamental até a estritamente classística, determinam pluralismos éticos e
oposições, na avaliação da legitimidade e normalidade das
condutas".(Criminologia Dialética, p. 25)
Deixando
de lado a apreciação pura dos fatos sociais e da criminologia, parece essencial
à sobrevivência da sociedade uma conscientização dos diversos setores dessa
sociedade e dos seus indivíduos acerca da adequada readaptação do apenado.
Diz
CERVINI: "A autêntica ressocialização só será possível quando o indivíduo
a ser ressocializado e o encarregado da ressocialização, também, aceitam ou
compartilhem o mesmo fundamento moral que a norma social de
referência".(Os Processos de Descriminalização, p.35)
Como
atingir essa conscientização?
De
imediato, incumbe aos meios vinculados à essa realidade, como o meio
universitário, em especial os Cursos de Direito, dada sua vinculação à matéria
como objeto, a preocupação em desenvolver essa consciência, aproximando a
teoria vista nos bancos à realidade social, e interferindo num contexto social
carente de ações e soluções.
Convém
ressaltar que não são necessários maiores rumores, mobilizações ou ativismo
político a fim de efetivar tal consciência, basta uma preocupação em aplicar o
ordenamento jurídico, agindo em conformidade com este e seus dogmas, pois que
inafastável instrumento do Estado a fim de cumprir os preceitos estabelecidos
em nossa Constituição.
E porque
tal preocupação deve atingir os estudantes de Direito, que tem a finalidade
principal de assimilar o conhecimento jurídico em teoria, aplicando tal
conhecimento como operadores ativos?
Vislumbra-se aqui duas possibilidades: o acadêmico, visando uma
adequação certa e conseqüente manutenção do ordenamento, além de uma postura
necessária à função de julgar ou representar o direito alheio, adquire um
embasamento teórico que lhe propicie segurança e inabalável consciência, ou, o
acadêmico, deixando-se abalar pela realidade dura e chocante a que teria
acesso, molda de forma inadequada à natureza do ordenamento jurídico sua
consciência e posturas.
Entretanto, tais possibilidades são extremas, sendo que tal extremação
pode decorrer de uma análise superficial do contato do acadêmico com a
realidade social.
Como
então haveria algum benefício na formação dos futuros operadores do Direito,
através deste contato com a realidade social?
A questão
é que não basta o contato com a realidade, pois isso apenas provocaria uma
situação reativa, positiva ou negativa, que aí então vem a abalar a formação do
futuro profissional.
Uma
atenuante de tal impasse seria o acadêmico não apenas presenciar uma situação
determinada, mas, através do incentivo aos estágios, às práticas forenses, aos
projetos de extensão, e em complemento ao aprendizado teórico, experimentar a
pressão das opiniões comuns acerca de um posicionamento imparcial e
desvinculado do fenômeno social, que nem sempre atende aos desejos da sociedade
diretamente, tendo como referência o ordenamento jurídico vigente,
possibilitando que desde já pudesse experimentar lampejos da responsabilidade
que lhe recai sobre os ombros e a necessidade de uma formação moral sólida e
consciente, capaz de proporcionar-lhe a sobrevivência em meio aos conflitos de
interesses e direitos.
De todo o
exposto, o que podemos considerar visando à uma reflexão?
Naturalmente não se esgota aqui todas os pontos de vista acerca do tema,
até porque trata-se de objeto de reflexão, podendo ser ampliado o estudo
jurídico, ingressando no campo da criminologia, sociologia e matérias afins.
Outrossim, serve como simples objeto de reflexão individual sobre um
tema tão importante na vida social e a que as circunstâncias por vezes nos
colocam indiferentes: a incansável luta entre o poder social, no jus puniendi,
através das normas objetivas, e o jus libertatis, com seu poder de direito
subjetivo, debatendo-se frente à possibilidade de exclusão da vida social e
irreversível condição de marginal à sociedade, sempre tendo-se como referência
o ordenamento e o Estado Democrático de Direito que se pretende garantir.
Referências
Bibliográficas:
BITENCOURT, Cézar Roberto. Teoria Geral do Delito. São
Paulo: RT Editora, 1997.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6ª. ed.
São Paulo: Polis – Ed. Da UnB, 1995.
CERVINI, Raúl. Os Processos de Descriminalização. Trad.
Eliana Granja. São Paulo: RT Editora, 1995.
FILHO, Roberto Lyra. Criminologia Dialética. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997.
HOFMEISTER, Carlos Freire. Aspectos Inovadores da Lei de
Execução Penal. Revista da AJURIS nº 50. Porto Alegre: AJURIS, 1994, p.122.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução Penal: Comentários à Lei
nº 7.210 de 11 de julho de 1984. 3ª. ed. São Paulo: Editora Atlas, 1990.
NALINI, José Roberto. A Consciência Moral do Juiz. Revista
da AJURIS nº 61. Porto Alegre: AJURIS, 1994, p. 149.
* Nota do autor: Este é o primeiro artigo escrito e tornado
público, assim, agradeço críticas e/ou sugestões: angelosmar@zipmail.com.br
Retirado de: http://www.ufsm.br/direito/artigos