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A
maioridade no novo Código Civil e seus efeitos frente ao Código Penal
Advogado em Itajaí (SC), pós-graduando
em Direito Penal Empresarial pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
Apesar do embate que envolve o novo
Código Civil, acerca do mesmo corresponder ou não a uma efetiva atualização
legislativa no âmbito privado, é induvidoso que ele trouxe alterações
significativas, entre elas a que trata da capacidade civil, ao reduzir o tempo
em que cessa a menoridade de 21 para 18 anos (art. 5º, caput).
Pelo
Código Civil de 1916, abaixo dos 16 anos a pessoa era considerada absolutamente
incapaz de exercer seus atos civis; e dos 16 aos 21 anos era considerada
relativamente incapaz. Com a nova redação trazida pela Lei 10.406/02, os
absolutamente incapazes permaneceram abaixo dos 16 anos, contudo os
relativamente incapazes estão compreendidos entre os 16 e os 18 anos de idade.
O
presente artigo visa discutir se a diminuição da maioridade civil para os 18
anos teve influência no Código Penal, especificamente nos artigos que tratam da
atenuante da menoridade (art. 65, I) e da redução do prazo de prescrição pela
menoridade (art. 115).
Para
isso, mister que seja feito uma análise sistemática do instituto que trata da
menoridade civil, no afã de compreender o que realmente objetivou o legislador.
Diz
Silvio Rodrigues (1), acerca dos menores de 16 anos, que a "lei
entende que o ser humano, até atingir esta idade, não alcançou ainda
discernimento para distinguir o que lhe convém ou não; de sorte que,
desprezando sua vontade, impede que atue pessoalmente na vida jurídica"
(45). Quanto aos maiores de 16 e menores de 21 anos, diz que "a lei, neste
caso, admite que o indivíduo já tenha atingido um certo desenvolvimento
intelectual, que, se não basta para dar-lhe o inteiro discernimento de tudo que
lhe convém nos negócios, chega, entretanto, para possibilitar-lhe atuar,
pessoalmente, na vida jurídica".
E
prossegue, o insigne jurista, afirmando que "o legislador, ao arrolar
entre os incapazes referidas pessoas, procura protegê-las. Partindo de que ao
menor falta a maturidade necessária para julgar de seu próprio interesse
(...)" (2).
Caio
Mário da Silva Pereira (3) ensina que "o instituto da incapacidade
foi imaginado e construído sobre uma razão moralmente elevada, que é a proteção
dos que são portadores de uma deficiência juridicamente apreciável. Esta é a
idéia fundamental que o inspira (...). A lei não institui o regime das
incapacidades com o propósito de prejudicar aquelas pessoas que delas padecem,
mas, ao revés, com o intuito de lhe oferecer proteção, atendendo a que uma
falta de discernimento, de que sejam pacientes, aconselha tratamento especial,
por cujo intermédio o ordenamento jurídico procura restabelecer um equilíbrio
psíquico, rompido em conseqüência das condições peculiares dos mentalmente
deficitários".
Em
suma, o instituto da menoridade civil visa proteger aqueles que não têm um
desenvolvimento completo de sua capacidade de raciocínio, do seu intelecto, da
sua compreensão sobre os atos que eventualmente venham a praticar. Pelo Código
de 1916, até os 21 anos entendia-se que a pessoa não detinha capacidade plena,
merecendo, portanto, uma proteção especial.
Já
o Código Penal reconheceu como inimputável o menor de 18 anos. E entre os 18 e
21 anos atribuiu um tratamento mais benéfico, na medida que em seu artigo 65,
I, entendeu como circunstância atenuante da pena ser o agente menor de 21 anos,
na data do fato ilícito. Da mesma forma o artigo 115, o qual diminui pela
metade o prazo prescricional quando o criminoso for, ao tempo do crime, menor
de 21 anos.
Sobre
este benefício que a lei penal trouxe, leciona Aníbal Bruno (4):
"A essa razão de imputabilidade deficiente, embora não propriamente
ausente ou diminuída a ponto de justificar a exclusão da pena ou a sua sensível
redução, vem juntar-se o interesse da ordem jurídica em que se poupe o menor à
ação perversora da prisão, encurtando-lhe quanto possível o período do seu
internamento".
Contudo,
com a diminuição da maioridade civil para os 18 anos, questiona-se se o Código
Penal sofreu ou não alguma influência, no que tange a diminuição do prazo
prescricional e a atenuante para os menores de 21 anos.
Em
suma, os tribunais, pouco a pouco, terão a missão de analisar historicamente se
o limite de 21 anos estipulado pela legislação penal (art. 65, I e 115, CP)
teria se equiparado à maioridade do Código de 1916, ou se o Código Penal, sem
buscar subsídios na legislação civil, estipulou autonomamente esta idade.
Caso
entenda-se que o legislador penal utilizou-se dos mesmos critérios que o
legislador civil, certamente, com a diminuição da maioridade civil para os 18
anos, não deverão ser aplicados os artigos 65, I, e 115, do CP, para os crimes
praticados após 11 de janeiro de 2003, pois, se agora se admite que o indivíduo
com mais de 18 anos já possui, para fins civis, desenvolvimento completo,
porque no âmbito criminal continuar-se-á entendendo que o menor de 21 anos
ainda possui desenvolvimento incompleto?
A
diminuição da maioridade civil só ocorreu em razão de estudos que concluíram
ser a pessoa de 18 anos, nos dias atuais, detentora de um discernimento muito
maior do que aquela de 50 anos atrás, para não irmos mais longe.
Antes,
porém, do advento do novo Código Civil, o Tribunal de Alçada Criminal do Estado
de São Paulo, já decidiu que "a menoridade, é certo, figura como atenuante
em nosso direito desde o Código de 1830. No entanto, não há como se comparar o
desenvolvimento mental, o sentido do certo e do errado, do bem e do mal, que
têm os jovens da atualidade, com aqueles que tinham a mesma faixa de idade há
mais de 100 anos atrás" (5).
Contudo,
esse posicionamento pode ser questionado no fato de que o casamento ou a
emancipação por outra forma não tem o efeito de impedir a aplicação daqueles
artigos, pois neste caso o que prevalece é a menoridade penal e não a civil,
conforme preceitua Julio Fabbrini Mirabete (6), bem como pacífica
jurisprudência nacional.
Ademais,
por serem as regras dos artigos 65, I e 115, do Código Penal, imperativas, de
aplicação obrigatória pelo juiz, ante o benefício que trazem aos condenados,
certamente continuarão sendo aplicadas, porém as decisões clamarão uma
intervenção legislativa a fim de corrigir esta desarmonia legal.
Em
suma, se pensar que a idade de 21 anos, para fins dos artigos 65, I e 115, do
CP, correspondeu a um ato autônomo do legislador, que não levou em consideração
nenhum outro critério, senão o que lhe pareceu viável há época, a alteração da
maioridade civil para os 18 anos não terá nenhum efeito no campo penal.
O
certo, contudo, é que os ramos que compõem o Direito devem ser harmônicos entre
si. Para isso é que a Ciência do Direito objetivou também construir um sistema
jurídico (ordenamento jurídico).
Para Paulo
Dourado de Gusmão (7), "o legislador formula as normas,
enquanto compete à ciência do direito reduzi-las a unidades lógicas, evitando
assim as contradições dentro de uma ordem jurídica. Sistema jurídico é, pois, a
unificação lógica das normas e dos princípios jurídicos vigentes em um país,
obra da ciência do direito. Para obtê-la, elimina o jurista contradições
porventura existentes entre normas e princípios"
Para
concluir, penso que os artigos 65, I e 115, do CP, devem ser aplicados
normalmente, eis que norma imperativa e benéfica aos condenados.
Porém,
necessário que o legislador reavalie, frente à nova sistemática do Código
Civil, se efetivamente as pessoas entre 18 e 21 anos de idade possuem ou não
plena capacidade de discernimento de seus atos. Pelas palavras de Aníbal Bruno,
se possuem ou não "imputabilidade deficiente". Em resumo, merecem ou
não um tratamento diferenciado por parte da legislação penal?
Lembrando
que em Direito, para o mesmo fato não pode haver leituras diferentes.
Notas
01.
Direito civil, V I, 7 ed., SP: Saraiva, 1977. p. 52.
02.
Op. cit. p. 42.
03. Instituições de direito civil, V I, 6
ed., RJ: Forense, 1996. p. 168.
04.
Comentários ao código penal, V II, 1 ed., RJ: Forense, 1969. p. 135.
05.
RT 734/680.
06.
Código penal interpretado, SP: Atlas, 1999. p. 369.
07.
Introdução ao estudo do direito, 24 ed., RJ: Forense, 1999. p. 11.
Retirado de: www.jusnavigandi.com.br