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A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E O ECA


Lilyan Cordeiro Mourão


INTRODUÇÃO

Tramitam pelo Congresso Nacional duas Propostas de Emenda à Constituição de 1988 que visam a redução para 16 anos da maioridade penal. Hoje a maioridade penal se dá quando a pessoa completa 18 anos, isto porque o critério adotado pelo legislador nacional foi o critério etário.

Atualmente o adolescente menor de 18 anos que cometa crime ou contravenção penal não pode ser punido segundo às normas do CPB, mas a ele cabem as medidas sócio-educativas estabelecidas pelo ECA.

O crescente aumento da população jovem-infratora e o clamor da sociedade por mais segurança e mais justiça, resultaram nas propostas já referidas.

No entanto, cabe aqui uma pequena distinção entre inimputabilidade penal e impunidade. A inimputabilidade - causa de exclusão da responsabilidade penal - não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social. A circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante a Corte Penal não o faz irresponsável. Ao contrário do que erroneamente se propala, o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente faz estes jovens, entre l2 e l8 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades e, em caso de infração, prevê medidas sócio-educativas, inclusive com privação de liberdade.

DAS PROPOSTAS DE EMENDA

A redução da maioridade penal é um tema polêmico, por muitos criticado e por outros defendido. Esse tema foi discutido em audiência pública realizada pela Comissão de Constituição e Justiça, em 18 de novembro de 1999, onde predominou a opinião dos que defendem a redução da maioridade penal. Após essa audiência foram editadas duas propostas de emenda, que seguem transcritas abaixo:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 18, DE 1999.

(Do Senador Romero Jucá)

Altera a redação do art. 228 da Constituição Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional.


Art. 1º O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:

"Art. 228.

......................................

Parágrafo único. Nos casos de crimes contra a vida ou o patrimônio, cometidos com violência, ou grave ameaça à pessoa, são penalmente inimputáveis apenas os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial."

Art. 2º Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação.

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 20, DE 1999.

(Do Senador José Roberto Arruda)

Altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo para dezesseis anos a idade para imputabilidade penal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda constitucional.

Art. 1º O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos são penalmente imputáveis quando constatado seu amadurecimento intelectual e emocional, na forma da lei (NR).

Art. 2º Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.

Atualmente a maioridade penal se dá quando a pessoa completa 18 anos - critério etário - o que é, verdadeiramente, uma ficção, pois convencionou-se que exatamente a zero hora do dia do aniversário, no qual a pessoa completa 18 anos, como num passe de mágica, aquele indivíduo passa a compreender tudo o que faz, ao contrário do minuto anterior, quando ainda não havia completado a maioridade, não entendendo o que fizera; ficção essa que já não atende a modernidade.

Nessas propostas raciocina-se que o jovem com 16 anos sabe muito bem o que está fazendo, de modo que a maioridade penal deve ser rebaixada para aquela idade, asseverando que um jovem de 16 anos e meio, que mata, deveria ser tratado como se adulto fosse, isto é, tratando-o como maior para efeitos penais e tal se dá com o rebaixamento da maioridade penal brasileira. Esse raciocínio traz o mesmo equívoco observado anteriormente, pois também, num passe de mágica o jovem com 15 anos, onze meses e vinte nove dias não entenderia sua conduta, ao passo que instantes depois, ao completar 16 anos, passaria a compreender o caráter criminoso de sua ação, permanecendo a ficção jurídica.

Alguns países que enfrentaram esse mesmo problema encontraram um critério talvez mais justo e adequado, a ensejar a possibilidade da verificação, caso a caso, se o adolescente, quando do cometimento de um delito poderia entender o caráter criminoso daquela conduta, bastando para tanto uma verificação interdisciplinar, envolvendo aspectos psicológicos, psiquiátricos, sociológicos, jurídicos, etc. Assim, tais países fixaram uma idade como patamar mínimo, em idade bastante baixa, por exemplo, 12 anos e a partir dessa idade base, poder-se-á atribuir responsabilidade penal, desde que o indivíduo entenda o que fez, verificação realizada naquele exame.

Dessa forma, poderá haver pessoas com a mesma idade cronológica, contudo, com capacidade de entendimento diversas, a ensejar responsabilização também diferenciada. Trata-se do critério bio-etário ou bio-psicológico.

O foco e o valor nuclear dos atuais projetos de rebaixamento da idade da plena responsabilidade penal é um só: quanto mais cedo o agente é responsabilizado, melhor é para a sociedade, que teria instrumentos mais eficazes e duros no combate à criminalidade.

Nestes termos, para quem defende o rebaixamento, as mudanças ocorridas na sociedade contemporânea (velocidade das transformações tecnológicas, acesso às informações) teriam como conseqüência o discernimento entre o certo e o errado em idade cada vez mais tenra e, como conseqüência, a necessidade da plena responsabilização penal em idades inferiores a dezoito anos.

Há um erro crucial nestes projetos e nestas escolhas: as estratégias de contenção ou de repressão duras, em idades cada vez menores, longe de diminuir ou controlar a escalada do crime, traz como conseqüência a inserção antecipada da criança ou do adolescente no mundo da criminalidade, ou seja, na realidade de um sistema penitenciário onde o "crescimento", a "coragem", significa praticar delitos cada vez mais graves para atingir o suposto "respeito" daqueles que controlam a "lei do cárcere". É fácil de visualizar esse resultado: o modelo da FEBEM, cada vez mais assemelhado a um cárcere juvenil, traz como efeito a reprodução dos problemas clássicos, sejam as chamadas "rebeliões" ou tentativas de fuga em massa, sejam as "escolas" informais da criminalidade, onde a internação, nos moldes em que é praticada, serve como ensino fundamental do crime.

No entanto, o Brasil dispõe da legislação da melhor qualidade para superar esta realidade, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo pressuposto é exatamente a prevenção e a proteção integral da criança e do adolescente, como seres em desenvolvimento.

O ECA, para além do extenso capítulo pertinente aos atos infracionais e seu tratamento, exige da família, do Estado e da sociedade que, de maneira ativa, implementem todas as iniciativas necessárias à efetivação da prioridade integral, assegurada pela Constituição Federal à infância e à adolescência. Resumidamente, se a família, o Estado e a sociedade cumprirem seus deveres de maneira adequada, os atos infracionais tendem a entrar em queda absolutamente significativa. E, ainda, quando se constatem casos de graves infrações, tem que se exigir a intervenção de profissionais cada vez mais qualificados para, com rigor, buscarem o resgate e a ressocialização do adolescente autor de ato infracional.

DO ECA

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a idade limite para a maioridade penal, classificando como imputáveis penalmente os menores de 18 anos de idade. O ECA, por sua vez, em consonância com a Constituição, propôs a responsabilização do adolescente (12 a 18 anos) autor de ato infracional, prevendo seis diferentes medidas sócio-educativas. Nos casos de maior gravidade, o adolescente pode cumprir medida sócio-educativa de privação de liberdade.

Em seu Título III, o ECA trata das medidas a serem tomadas nos casos em que adolescentes ou crianças cometem crimes ou contravenções, estes são tecnicamente denominados pelo ECA de atos infracionais (art. 103).

No art. 104, o ECA repete o que já se encontra no art. 228 da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei."

E como se pode perceber o ECA vai mais além, propondo que os adolescentes e crianças infratores se sujeitem às medidas nele previstas. Quando se tratar de ato infracional cometido por criança (art. 105), a esta corresponderão as medidas previstas no art. 101:

"Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - abrigo em entidade;
VIII - colocação em família substituta.

Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade."

Por ser a criança, um ser frágil e mais facilmente moldado, ao ato infracional praticado por criança, cabe aplicação de medida protetiva e não punidora.

Verificada a prática de ato infracional cometido por adolescente, ao mesmo poderão ser aplicadas as medidas constantes do art. 112 do ECA, entre elas a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional, e ainda qualquer das medidas previstas no art. 101, I a VI, acima transcrito.

A medida de advertência prevista no ECA consiste em admoestação, ou seja, a leitura do ato cometido e o comprometimento de que a situação não se repetirá. Assim, atos infracionais como de adolescente que cometa, pela primeira vez, lesões leves em outro ou vias de fato, podem levar a aplicação desta medida.

O ECA prevê a medida de reparação de dano no caso de infrações com reflexos patrimoniais. Citem-se os delitos de trânsito, abrangendo as lesões culposas, o homicídio culposo, a direção perigosa e a falta de habilitação.

A prestação de serviços à comunidade é a realização de tarefas gratuitas de interesses gerais por período não superior a seis meses.

A liberdade assistida consiste em submeter o adolescente, após entregue aos responsáveis, ou após liberação do internato, à assistência - inclusive vigilância discreta - com o fim de impedir a reincidência e obter a certeza da reeducação. Tem o prazo fixado em seis meses, admitindo a prorrogação.

O ECA prevê também o regime de semiliberdade onde o adolescente permanece internado, podendo, contudo, realizar atividades externas, como a escolarização e a profissionalização. Não há prazo de duração determinado, dependendo de avaliação pelo setor responsável.

A medida de internação é a mais grave dentre as medidas socioeducativas, constituindo em medida privativa de liberdade. Difere do regime de semiliberdade, tendo em vista que, neste, se dispensa autorização judicial para a saída. O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-a a três princípios: 1) o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão-somente para a necessidade de readaptação do adolescente; 2) o da excepcionalidade, no sentido de que deve ser a última medida a ser aplicada pelo Juiz quando da ineficácia de outras; e 3) o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação deve exceder a três anos.

Como percebe-se, o adolescente infrator já encontra no ECA sua responsabilização, havendo até a possibilidade do mesmo ser privado de sua liberdade por um período de 3 anos.

CONCLUSÃO

Hoje a maioridade penal se dá quando a pessoa completa 18 anos, isto porque o critério adotado pelo legislador nacional foi o critério etário, o qual estabelece uma idade definida como sendo um verdadeiro marco a dividir a compreensão das coisas, podendo ser responsabilizado por elas e, antes desse marco, como se não entendesse sua conduta.

Por outro lado, cresce assustadoramente o número de adolescentes que cometem crimes dos mais diversos graus de perversidade, o que tem promovido na sociedade um desejo cada vez maior de justiça e punição para esses adolescentes infratores, que acabou culminando em propostas de emendas à Constituição Federal visando à redução da maioridade penal para 16 anos.

No entanto, faz-se necessária a observância de que, em nosso atual sistema jurídico, o adolescente infrator já é responsabilizado por seus atos, pois o ECA já os trata como sujeitos de direitos e responsabilidades, prevendo medidas sócio-educativas, inclusive com privação de liberdade para o adolescente infrator.

Parece que aplicar as disposições atuais do Estatuto da Criança e do Adolescente trará resultados muito mais eficazes a curto, médio e longo prazo. Educar é uma tarefa difícil, delicada e exigente, pois requer total disponibilidade de quem tem esta missão. Porém, seguramente, produz uma sociedade mais equilibrada e menos violenta.

Para tanto o que necessitamos é de compromisso com a efetivação plena do Estatuto da Criança e do Adolescente em todos os níveis - sociedade e Estado - fazendo valer este que é um instrumento de cidadania e responsabilização - de adultos e jovens.

A opção por um tratamento diferenciado ao jovem infrator resulta de uma disposição política do Estado, na busca de uma cidadania que se perdeu - ou jamais foi conquistada.

Demonstrado está que inimputabilidade penal não é sinônimo de impunidade ou irresponsabilidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente oferece uma resposta aos justos anseios da sociedade por segurança e, ao mesmo tempo, busca devolver a esta mesma sociedade pessoas capazes de exercer adequadamente seus direitos e deveres de cidadania.

Reformar a Constituição Federal para reduzir a idade de imputabilidade penal, hoje fixada em 18 anos, significa um retrocesso. A criminalidade juvenil crescente há de ser combatida em sua origem - a miséria e a deseducação. Não será jogando jovens de 16 anos no falido sistema penitenciário que se poderá recuperá-los. Mesmo aqueles de difícil prognóstico recuperatório a sociedade tem o dever de investir, porque a porcentagem daqueles que se regeneram - dentro de uma correta execução da medida que foi aplicada - faz-se muito maior e justifica plenamente o esforço. Se não se pensar assim, amanhã estar-se-á desejando a redução da idade de imputabilidade penal para doze anos, e depois para menos.

Essa questão da maioridade penal no Brasil, ainda será muito discutida, mas não se pode esquecer que o rebaixamento dessa idade implica no envio de seus contemplados para o sistema penitenciário, que certamente está tão necrosado, senão pior que o sistema FEBEM.

Falar em redução da maioridade penal no Brasil é perpetuar a falta de perspectiva de vida para milhares de jovens. A realidade das prisões no país, sistema absolutamente falido e que condena na sua maioria pobres, já não é novidade. Destinar adolescentes cada vez mais jovens para este modelo é andar para trás.

Lilyan Cordeiro Mourão, UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC
FACULDADE DE DIREITO, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

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