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Agravo em execução: legitimidade do conselho penitenciário







Carlos Lélio Lauria Ferreira

Promotor de Justiça, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Amazonas e Professor de Direito Penitenciário, Penal e Processo Penal.

lelio@argo.com.br





SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Procedimento do Agravo. 3. Agravo e o Incidente de Excesso ou Desvio de Execução. 4. Legitimidade e Interesse para recorrer do Conselho Penitenciário. 5. Considerações finais. 6. Obras consultadas.



1. Introdução



Das decisões proferidas pelo Juiz da Execução Penal no Brasil, caberá Recurso de Agravo, sem efeito suspensivo. É o que dispõe o Art.197, da L.E.P., passando a incidir sobre as hipóteses disciplinadas nos incisos IX, XI, XII, XVII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII e XXIV, do art.581, do C.P.P.



Denominado de Agravo em Execução, esse meio de impugnação é cabível de todas as decisões do Juiz da Execução no procedimento judicial, pela regra disposta nos artigos 66 e 197, da Lei de Execução Penal, de acordo com entendimento majoritário na jurisprudência. Tem característica de inominado, em pouco se diferenciando do Recurso em Sentido Estrito, quer no aspecto ontológico, quer no quadrante formal.



2. Procedimento do Agravo



Considerando ser o Agravo o único recurso cabível na Execução da Pena, abstraindo-se as ações constitucionais de Impugnação, deixou o legislador de disciplinar o procedimento para esse recurso. Essa omissão, mesmo justificada em fatos que antecederam a criação da L.E.P., e as tentativas de reforma do C.P.P., acabou criando dúvidas e divergências na prática da Execução Penal, com posições antagônicas na doutrina e na jurisprudência.



A questão vem sendo resolvida com a aplicação, por analogia, do rito do recurso em sentido estrito, conforme posicionamento adotado no Pretório Excelso, havendo entendimento em sentido contrário de que deve ser adotado o procedimento do Agravo de Instrumento, disciplinado no Art.522 e seguintes do C.P.C., com a redação dada pela Lei nº 9.139/95:



Rito do recurso em sentido estrito no agravo em execução- STF: "Execução penal - Agravo previsto no art.197 da Lei 7.210/84 - Aplicação das disposições referentes ao recurso em sentido estrito e conforme dispõe o art.586 do C.P.P. - Prazo para interposição de cinco dias - Inaplicabilidade da Lei 9.139/95. (...) Aplicam-se ao Agravo previsto no art.197 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) as disposições do CPP referentes ao recurso em sentido estrito. Dessa forma, o prazo para interposição do referido recurso é de 5 (cinco) dias (CPP, art.586) e não de 10 (dez) dias, conforme previsto na Lei 9.139/95, que alterou o Código de Processo Civil" (RT 750/539). TJSP: Como o agravo em execução não foi disciplinado pela nova Lei de Execução Penal, a jurisprudência, por analogia, tem adotado o mesmo procedimento do recurso em sentido estrito, por ser este, sob muitos aspectos, mais favorável ao condenado em face do juízo de retratação"(RT 631/303). TJSP: "Recurso criminal - Agravo - Procedimento - Adoção do aplicável ao recurso em sentido estrito e não do referente ao agravo de instrumento do Código de Processo Civil - Interpretação dos arts.2º da Lei de Execução Penal e 828 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça" (JTJ 206/313). TJRS: "A adoção dos motivos expostos em parecer técnico, secundado pela manifestação do Ministério Público, satisfaz a exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais. O agravo previsto no art.197 da Lei de Execução Penal, conforme reiteradas manifestações da jurisprudência, tem o rito próprio do recurso em sentido estrito disciplinado no Código de Processo Penal. Decisão recente do Supremo Tribunal Federal em tal sentido. Esse recurso tem a peculiaridade de devolver ao próprio órgão recorrido, num primeiro momento, o reexame da questão proposta. Funciona, nessa, como uma espécie de pedido de reconsideração. Via de regra, o recorrente não acrescenta argumento novo nas razões de recurso. Daí o costume de os juizes de 1º grau simplesmente manterem a decisão recorrida, pelos fundamentos já expendidos". TJRS: "Agravo - Lei de Execução Penal - Rito processual a ser seguido - Regime integralmente fechado - Constitucionalidade - Sentença transitada em julgado - Imutabilidade. O rito processual a ser seguido é o previsto no Código de Processo Penal, segundo o art.2º da Lei de Execução Penal. Regime integralmente fechado. Matéria amplamente discutida com jurisprudência já firmada no sentido de sua Constitucionalidade. Fixação do regime inicial do cumprimento de pena. Após fixação na sentença que transitou em julgado, não cabe modificação posterior. Agravo provido" (RJTJERGS 182/58).



Em sentido contrário, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:



Agravo do Processo Civil - STJ: É da competência do Juízo das Execuções o julgamento de pedido de progressão de regime prisional, sendo o recurso cabível da decisão o agravo, sem efeito suspensivo (arts.194 e 197 da Lei de Execução Penal, com aplicação análoga dos arts.522 a 529, do C.P.C.)".



3. Agravo e o Incidente de Excesso ou Desvio de Execução



A execução penal no Brasil, sabemos, está submetida ao controle da legalidade dos atos e termos dos órgãos integrantes, que não podem ultrapassar os limites da pretensão executória, estabelecidos justamente na sentença condenatória transitada em julgado, constituindo o título executivo penal. Quando a autoridade, administrativa ou judicial, ultrapassa ou se afasta desses limites, temos o Excesso ou Desvio de Execução, disciplinado no Art.185, da L.E.P. Nesse particular, não se pode negar que as situações que motivam a interposição do Recurso de Agravo em Execução, em regra, caracterizam excesso ou desvio de execução. É evidente ainda que esse instrumento valioso pode ser muito mais eficaz que o próprio Recurso de Agravo em Execução, na maioria dos casos, por sua celeridade e desnecessidade de preenchimento de pressupostos que este exige e aquele não.



A Lei de Execução Penal, levando em consideração a lesividade que atinge interesses de órgãos e pessoas, estabelece os legitimados a suscitar o Incidente de Excesso ou Desvio de execução.



Art.186. Podem suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução:



I - o Ministério Público;



II - o Conselho Penitenciário;



III - o sentenciado;



IV - qualquer dos demais órgãos da execução penal.



Verificando os órgãos legitimados a suscitar o Excesso ou Desvio de Execução, conclui-se que não há lógica em negar legitimidade ao Conselho Penitenciário para a interposição do Recurso de Agravo em Execução. Estando o Conselho Penitenciário legitimado a suscitar o Incidente de Excesso ou Desvio de Execução e sendo a decisão denegatória, parece claro que este órgão da Execução penal sofre prejuízo e, como interessado, só pode atingir a satisfação de seu anseio por meio do Agravo em Execução, não se vislumbrando, in casu, possibilidade de escolha de outro tipo de tutela jurisdicional ou de procedimento mais apropriado para demonstração de seu inconformismo. Convém salientar a lição de Maurício Zanoide de Moraes acerca do prejuízo formal:



"A idéia de perda, de prejuízo, de gravame e de derrota é imanente à concepção da sucumbência, sempre se ligando a esta de forma implícita ou explícita. Sendo irrelevante se perquirir qual das duas noções (sucumbência ou prejuízo) é a mais importante, nota-se que aquela não pode prescindir deste".



E continua:



"Afere-se o prejuízo pela perda da expectativa jurídica que a parte tinha com o processo; para o autor, uma expectativa jurídica de ganho e, para o réu, em geral, uma expectativa de inalteração de sua esfera jurídica em face do pedido do autor".



O repertório abaixo transcrito robustece esse convencimento:



Cabimento do agravo em execução das decisões de incidentes da execução - STJ: "Penal. Processual. Livramento Condicional. Juízo de retratação. Execução penal. Incidente. Recurso. Habeas Corpus. Cabe agravo, mas sem efeito suspensivo, contra decisão em incidente de execução penal. Lei 7.210/84, art.197. Estão revogadas no C.P.P. as disposições alusivas a recurso em sentido estrito contra decisões no juízo de execução penal. Recurso conhecido, mas improvido" (RHC 6156-MG, DJU de 18.8.97, p.37.900). TACRSP: "Antes da vigência da Lei 7.210/84 era comum a interposição de recurso em sentido estrito da decisão que negava a prisão albergue, recurso esse que era conhecido como apelação, por ser aquela terminativa do processo, consoante o disposto no art.593, II, do C.P.P. e em respeito ao princípio da fungibilidade recursal. Após o advento daquela lei o recurso passou a ser o agravo, dispensado o instrumento, a que ela não alude, por ser desnecessário, uma vez que a decisão é definitiva" (RT 605/334).



4. Legitimidade e Interesse para recorrer do Conselho Penitenciário



A legitimação recursal no Processo Penal está assentada no princípio de que deve o recorrente preencher uma qualidade específica. Para que se alcance uma justiça perfeita seria recomendável ter-se um sistema impugnativo largo e ilimitado, uma vez que uma das finalidades do recurso é servir de meio à depuração das decisões jurisdicionais. Inegavelmente, uma das formas de se garantir essa amplitude impugnativa seria através de uma irrestrita legitimação para recorrer, através de uma atribuição generalizada do poder recursal a todos e a cada um dos membros da coletividade. Uma decisão expurgada de erros não beneficia apenas as pessoas diretamente interessadas, mas refletiria positivamente em todo o corpo social e no exercício estatal do poder jurisdicional.



Exsurge a preocupação de nosso legislador em limitar apenas ao Ministério Público, ao querelante, ao réu, seu procurador ou seu defensor, e, excepcionalmente, ao ofendido, seus sucessores ou seu representante legal, a legitimidade para recorrer.



No que se refere à legitimidade para interpor o Agravo em Execução, pululam dúvidas numa pequena parte da doutrina, tendo a maior parte, curiosamente, silenciado a respeito do tema. Na prática, o Recurso de Agravo em Execução vem sendo interposto basicamente pelo Ministério Público e o condenado. Além deles, possuem legitimidade para interposição o representante do interessado (condenado), seu cônjuge, parente ou descendente, todos na verdade legitimados também a iniciar o procedimento judicial na Execução Penal, na forma do que dispõe o Art.195, da L.E.P.



Quanto ao Conselho Penitenciário e à autoridade administrativa, nega a doutrina legitimidade para a interposição do Agravo em Execução. Uma parte, com a justificativa de que "não há postulações, pedidos, mas propostas que, se desatendidas, não ocasionam ofensa a direito subjetivo daquelas entidades" . Outros, com a tese de que "por não serem parte no processo penal de execução, não possuem interesse e menos ainda legitimidade para recorrer, além do que um ou outro somente poderá formalizar proposta e não requerimento e, ao que tudo indica, com vínculo mais administrativo do que jurisdicional" .



Permissa concessa venia, a questão não está haurida. Quer-nos parecer ter sido dada interpretação obtusa aos artigos 195 e 197, da L.E.P. A discussão sobre a legitimidade para interpor o Agravo em Execução não pode ficar dissociada do exame dos pressupostos processuais dos Recursos em Geral, especialmente a lesividade. Não é sem motivo que a legitimidade e o interesse são tratados como pressupostos recursais subjetivos.



Nos termos do Parágrafo único do Art.577, do C.P.P., não se admite recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão. É importante salientar que a redação do caput do referido dispositivo legal não é taxativa, sendo conferida pela lei, excepcionalmente, legitimidade para recorrer a outras pessoas. Dessa forma, qualquer pessoa do povo está legitimada a recorrer nos seguintes casos:



na hipótese de representação nos termos da Lei nº 1.508, de 19.12.51, que trata de contravenções de jogos de azar;

nos processos de contravenções florestais, nos termos da Lei nº 4.771, de 15.9.65;

da decisão que inclui ou exclui jurado na lista geral, nos termos do Art.439, do C.P.P;

nos casos de prestação de fiança em favor do acusado na hipótese de decretada sua quebra ou perda, nos termos do Art.581, VII, do C.P.P.

Em relação à autoridade administrativa, é razoável admitir a negativa de legitimidade para a interposição do Agravo em Execução, em razão da própria natureza de sua intervenção na Execução Penal. Mas quanto ao Conselho Penitenciário, o tratamento há que ser diferente. Com efeito, é o Conselho Penitenciário órgão consultivo e fiscalizador da execução da pena. Além das atribuições elencadas no Art.70, da L.E.P., incumbe ainda ao Conselho Penitenciário representar para a revogação do livramento condicional (art.143); representar para que sejam modificadas as condições estabelecidas nesse benefício (art.144); emitir parecer sobre a suspensão do curso do livramento condicional (art.145); representar para a declaração de extinção da pena privativa de liberdade ao se expirar o prazo do livramento sem causa de revogação (art.146); propor a modificação das condições da suspensão condicional da pena (art.158, §2º); inspecionar o cumprimento das condições desse benefício (art.158, §3º); suscitar o incidente de excesso ou desvio da execução (art.186, II); propor a anistia (art.187); provocar o indulto individual (art.188), além de outras atribuições não previstas expressamente na L.E.P.



Parece claro, então, que, com todas essas atribuições, não poderia esse órgão da Execução Penal, ficar privado da interposição do Recurso de Agravo em Execução.



A garantia do direito de liberdade física de qualquer indíviduo, injustamente preso, constitui tarefa de qualquer dos órgãos da Execução penal e, sendo o Conselho Penitenciário órgão legitimado a fiscalizar essa atividade em toda a sua extensão, não poderia ficar privado de pedir o reexame de decisões que lhe pareçam injustas, mesmo quando a lesividade de interesse seja reflexa.



Quid juris ? Quis realmente o legislador fazer diferença entre proposta e requerimento ? Pode o intérprete fazer uso dessas acepções para legitimar o recorrente ? A resposta parece clara: NÃO. Absolutamente NÃO. Em primeiro lugar porque uma das acepções do termo propor é justamente requerer em juízo; sustentar. Logo, etimologicamente, parece não haver diferença entre os termos. Em segundo lugar, porque o próprio legislador deixa claro sua intenção na Lei de Execução Penal, quando trata do indulto individual, substituindo aqueles termos por iniciativa, não fazendo distinção quanto ao Ministério Público e ao Conselho Penitenciário:



Art.188. O indulto individual poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa (grifei) do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa.



Não se quer aqui invocar a parêmia qui potest majus, potest et minus , mas é importante destacar o espírito da Lei de Execução penal, sendo oportuno a transcrição de um dos trechos de sua Exposição de Motivos, em que fica bem clara a diferença de tratamento no procedimento executivo penal e na execução no processo civil:



"A impotência da pessoa ou internada constitui poderoso obstáculo à autoproteção de direitos ou ao cumprimento dos princípios de legalidade e justiça que devem nortear o procedimento executivo. Na ausência de tal controle, necessariamente judicial, o arbítrio torna inseguras as suas próprias vítimas e o descompasso entre o crime e sua punição transforma a desproporcionalidade em fenômeno de hipertrofia e de abuso de poder".



5. Considerações finais



Destarte, entendemos estar o Conselho Penitenciário também legitimado a interpor o Recurso de Agravo em Execução, bastando para isso caracterizar o gravame provocado pela decisão em relação àquele órgão. Deve, para isso, preencher o pressuposto processual da capacidade postulatória, podendo o recurso ser impetrado por seu Presidente ou por quem seu Regimento Interno autorizar. Formulado o agravo, deve ser arrazoado por advogado constituído para esse fim. Certamente que não foi intenção do legislador, legitimar o Conselho Penitenciário a suscitar o Incidente de Excesso ou Desvio de Execução e negar-lhe essa legitimação para recorrer, especialmente quando a decisão proferida naquele incidente seja denegatória. Como órgão da execução penal e legitimado a fiscalizar essa atividade, sua atuação não poderia sofrer qualquer tipo de limitação por mera omissão do legislador.



6. Obras consultadas



Doutrina



MIRABETE, Julio Fabrini, Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11.7.84, 9ª edição, São Paulo, Atlas, 2000



MOSSIN, Heráclito Antônio, Recursos em Matéria Criminal, Ed. Atlas, São Paulo, 1997



GRINOVER, Ada Pellegrini, e outros, Recursos no Processo Penal, 2ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997



TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal, vol.4, 21ª edição, São Paulo, 1999



MORAES, Maurício Zanoide, Interesse e Legitimação para recorrer no Processo Penal Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000



KUEHNE, Maurício, Lei de Execução Penal Anotada, 2ª edição, Ed. Juruá, Curitiba, 2000



Legislação



CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1988)



LEI DE EXECUÇÃO PENAL (Lei 7.210, de 11.7.84)



CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO (Decreto-Lei nº 3.689, de 3.10.41)



Carlos Lélio Lauria Ferreira





Retirado de: http://www.internext.com.br/valois