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A falácia da pena de morte









Carlos Lélio Lauria Ferreira

Promotor de Justiça, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Amazonas e Professor de Direito Penitenciário, Penal e Processo Penal.

lelio@argo.com.br









A divulgação do procedimento que será adotado para a execução de Timothy McVeigh, o maior terrorista da história dos Estados Unidos, autor do atentado que matou 168 pessoas, dezenove delas crianças, e deixou 700 feridos na cidade de Oklahoma em 1995, impressiona e estarrece qualquer pessoa sensível às questões relacionadas aos Direitos Humanos. McVeigh será executado com três injeções letais diante de trinta testemunhas acomodadas em salas envidraçadas, tudo prescrito no Protocolo de Execução, um Manual que prevê um procedimento eficiente e humano nas execuções da Penitenciária Federal de Terre Haute, Estado de Indiana. Eficiente para demonstrar a competência e humano para amenizar a consciência dos executores, tudo justificado na hediondez do ato do terrorista.



O aumento vertiginoso da criminalidade violenta aguilhoa repetidamente os seguidores do Movimento Lei e Ordem. Exigem, num primeiro momento e sob a justificativa de garantir uma sociedade segura, não só a captura, processo e condenação do criminoso, mas a aplicação e execução de pena privativa de liberdade de longa duração, sem direito à transferência para regime menos rigoroso no seu cumprimento. É uma nova concepção do Direito Penal, o do pavor, do terror, do ódio, do medo, da coação, da vingança, abandonando-se a concepção clássica do Direito Penal garantista, fragmentário e de intervenção mínima.



Expande-se, então, a idéia de uma pena realmente eficaz, como solução para a violência que campeia nas ruas, nos lares, na escola, amplificada no tubo da televisão. Exsurge a pena capital como instrumento inibidor dessas condutas. Apresenta-se como remédio eficaz para determinadas chagas do sistema penitenciário na opinião de seus ardorosos defensores. Reconhecidamente reduz a zero a reincidência.



Passagens do Antigo e Novo Testamento são invocadas para justificar a pena de morte. Em Genesis 9:6: "Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; Porque Deus fez o homem conforme a sua imagem". Condutas como raptar uma pessoa, amaldiçoar Pai e Mãe, praticar magia, ter relações íntimas com animais, ver a nudez de sua irmã, praticar o adultério ou o homossexualismo ensejavam a aplicação da punição terminal, defendem os seus adeptos. Se Deus aprova a pena de morte, ela não tem apenas o caráter punitivo mas também o sentido de possibilitar a redenção de alguém que cometa um crime bárbaro. Só Deus pode tirar a vida humana. Logo, a pena de morte é um assassínio praticado pelo Estado. Este, tem o dever ético de prender e zelar pela guarda e ressocialização de seus presos.



Sob o ponto de vista jurídico, há flagrante inconstitucionalidade na instituição da pena de morte no Brasil, pelo intransponível obstáculo do Artigo 5º, inciso XLVII, alínea "a" que exclui expressamente a pena de morte no Brasil, além do Princípio da inviolabilidade do direito à vida e da dignidade da pessoa humana. Mesmo a previsão constitucional da existência da pena de morte em caso de guerra declarada pode ser objeto de arguição de inconstitucionalidade material, aplicando-se o mesmo fundamento quanto à consulta pelo plebiscito.



Frequentemente aponta-se a crise econômica como uma das causas do aumento da criminalidade violenta e, nesse particular, o custo do preso tem sido apresentado como justificativa para a instituição da pena de morte no Brasil, sendo menos oneroso à sociedade condenar à morte e executar um criminoso irrecuperável do que mantê-lo preso, numa análise exclusivamente materialista e monetarista das relações sociais, do ser humano e seu destino. Nesse desfile de argumentos falaciosos, outros são invocados, como "pena de morte em defesa da sociedade" e de que "certos criminosos são irrecuperáveis". Ora, se há investimento na recuperação de lixo, por que não haver na recuperação de seres humanos ? Custa muito mais ao Estado um processo de execução do que manter preso um criminoso. Nos Estados Unidos, um presidiário custa em média US$22 mil por ano, enquanto que um processo de execução custa cerca de US$300 mil. Fala-se ainda que a pena de morte é a única forma de intimidar de fato os criminosos, sem levar em conta as estatísticas que mostram que o índice de criminalidade tem crescido em países que adotaram esse tipo de pena.



No Brasil, há cerca de 230 mil presos, dos quais 75 mil ainda não foram julgados. Num Estado Democrático de Direito, o ideal seria que alguém só fosse preso após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, mas o que ocorre é justamente o contrário: prende-se primeiro, para julgar depois.



Estudos sobre segurança pública mostram que, antes de atacarem uma vítima, os criminosos fazem um cálculo próprio dos investidores do mercado financeiro, analisando a relação custo-benefício da operação. Se o risco de ser preso for alto, o bandido pensa duas vezes antes de agir. Quando o risco é baixo, a audácia e a violência aumentam. No Brasil essas operações têm sido altamente lucrativas já que em razão da inépcia da polícia e da justiça, só 1% dos bandidos violentos cumpre pena. É a chamada cifra negra atestando a falência dos órgãos oficiais de investigação e punição.



Como alternativa à pena de morte, já foi entregue ao Ministro da Justiça há alguns anos, proposta de mudança constitucional criando a prisão perpétua e o trabalho forçado no país para os crimes considerados hediondos, o que encontra obstáculo no texto constitucional, no dispositivo considerado como cláusula pétrea as penas propostas.



Para os crimes não hediondos, já se apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei para a criação de uma forma de "prisão virtual", criando um monitoramento do preso por rede GPS (via satélite), por meio de um chip colocado no condenado, em uma tornozeleira eletromagnética. O preso volta à cela se remover ou violar o aparelho instalado no seu tornozelo. Essa proposta retrata bem a quem nós delegamos o poder de legislar.



Não se pode esquecer que Jesus foi contra a pena de talião, substituindo-a pela lei do amor.



Carlos Lélio Lauria Ferreira







Retirado de: http://www.internext.com.br/valois