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A prescrição
Antonio José Miguel Feu Rosa
Vários
jusfilósofos (filósofos do Direito), dentre os quais cumpre destacar o francês
Gabriel Tarde, colocam como elemento fundamental, sobre o qual repousa todo o
Direito punitivo, a reprovação social. Só os fatos que ocasionam clamor público
são punidos pelo Estado. E quanto mais reprovados eles forem, maiores as penas
e mais violenta a ação repressiva do Estado.
Desse raciocínio
derivam logo duas conclusões:
a)
a reprovação da sociedade varia em função da semelhança ou
dessemelhança com o autor ou com a vítima;
b)
b) varia, também, de acordo com o tempo.
De fato, quanto
ao item "a", se o crime é cometido por um estrangeiro contra pessoa
da terra, provoca maior reação da comunidade do que se ambos fossem da
localidade; se o motorista de táxi furta um estrangeiro, todo mundo acha
normal, e muitos até louvam o procedimento de "tirar dinheiro do
gringo"; a sociedade será muito mais complacente no julgamento do
homicídio se a vítima for um indivíduo estranho desconhecido, proveniente de
outro país, sem raiz de espécie alguma na comarca do Júri.
Delimitando
ainda mais o campo de atuação: o assassinato de uma universitária provocará
imensa revolta no campus. Devido à "semelhança" com a vítima, se o julgamento
tiver de ser feito pelos colegas, a grande reprovação social redundará na
condenação máxima possível para o criminoso. O mesmo pode-se aplicar com
referência a todas as classes: crimes contra negros, católicos, judeus,
brancos, homossexuais etc. Na hipótese de ser o criminoso integrante de uma
dessas minorias, a "semelhança" com o autor e
"dessemelhança" com a vítima atrairá pena curta, ou talvez até mesmo
a absolvição.
Quanto ao item
"b", sabe-se perfeitamente que se o criminoso for julgado imediatamente
após o crime receberá, em decorrência da enorme "reprovação social",
pena muito mais exacerbada do que se comparecer a júri uma semana depois; ou um
mês depois; ou um ano depois; ou cinco anos depois. Quanto mais tempo passar,
menor a repulsa da sociedade, chegando até ao esquecimento e ao perdão.
O passar do
tempo produz efeito destruidor sobre todos os sentimentos e paixões. A própria
família da vítima pode chegar ao ponto, como é próprio da natureza humana, de
querer "entregar a Deus" o agravo sofrido, perdoando o criminoso.
Daí originou-se
o instituto da prescrição, que decorre dessa indiferença que se produz na
consciência social, pelo decurso do tempo, tornando inoportuno, inconveniente,
impraticável e ocasionalmente até mesmo injusto prosseguir no exame de atos que
já perderam o valor.
Mas, além da
atenuação ou mesmo do fim da reprovação social, existe outro aspecto a ser
ressaltado. O julgamento de um crime cometido há longos anos constitui inegável
demonstração de fraqueza dos órgãos do Estado, do desaparelhamento ou do mau
funcionamento do Poder punitivo. A própria conveniência aconselha evitar-se
essa exibição de impotência e fragilidade.
Esta é a razão
por que o Estado estabeleceu prazos prescricionais, que variam de acordo com o
crime. Quanto mais grave o crime, mais insistente se mantém sua recordação na
memória do povo. Os pequenos delitos logo caem no esquecimentto; daí, têm o
prazo de prescrição muito curto.
O próprio
andamento do processo em época muito afastada do crime passa a ser difícil, ou
mesmo impossível: testemunhas se mudaram, não podem ser localizadas ou
morreram; detalhes foram esquecidos etc.
No nosso
Direito positivo tudo prescreve: o crime, a ação, e a pena (o ato, a pretensão
punitiva e a pretensão executória).
É matéria de
ordem pública. O réu não pode renunciar à prescrição adquirida e pedir para ser
julgado ou punido. Se as partes não a requerem, deverá ser decretada pelo Juiz,
de ofício.
No Direito
brasileiro nunca houve crimes imprescritíveis, por mais graves que pudessem
ser. Foi a Constituição de 1988 que criou essa esdrúxula novidade, fazendo
surgir a figura da imprescritibilidade em seu art. 5º, incisos XLII, XLIII e
XLIV.
Independentemente
de qualquer análise acerca dos objetos jurídicos tutelados, houve aí, inegavelmente,
mais um dos inúmeros excessos e retrocessos da nova Carta, atentando contra
princípio fundamental do Direito Penal.
Todas as
disposições do Código relativas à prescrição aplicam-se a todos os crimes e
infrações penais, inclusive os constantes de leis especiais (Código Eleitoral,
Lei de Segurança Nacional, Lei das Contravenções Penais, Lei Antitóxicos etc.),
a não ser que haja texto expresso em sentido diverso.
Retirado de: www.saraivajur.com.br