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A carnavalização do ordenamento jurídico e o
Provimento 758/01
O Provimento nº 758/0 regulamenta a fase preliminar do
procedimento dos Juizados Especiais Criminais e permite que Policiais Militares
façam registros de ocorrências policiais menos graves
Higor Vinícius Nogueira Jorge
“Nem deve se confundir celeridade do
processo
judicial com pressa das ações policiais”
(JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO, coronel da reserva da Polícia
Militar)
O Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo,
coronel Rui César Melo, consultou por intermédio de uma representação, a
possibilidade da Corregedoria Geral da Justiça expedir ato para disciplinar a
aplicação do artigo 69 da Lei nº 9.099/95. Esse artigo dispõe que “a autoridade
policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o
encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima,
providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários” (grifo
nosso).
O escopo da representação era incluir no conceito de autoridade
policial, estampado no artigo 69, da Lei supra citada, a figura do agente
Policial Militar, habilitando-o a lavrar Termos Circunstanciados (TC) nas
ocorrências pertinentes aos delitos de menor potencial ofensivo.
Em razão disso, o Conselho Superior da Magistratura aprovou e
assinou no dia 23 de agosto de 2001, o Provimento nº 758/01 que regulamenta a
fase preliminar do procedimento dos Juizados Especiais Criminais e permite que
Policiais Militares façam registros de ocorrências policiais menos graves.
Para avaliar a viabilidade desse Provimento o Secretário da
Segurança Pública editou resolução determinando que na área da 7º Seccional do
Decap e nas cidades de Guarulhos e São José do Rio Preto os Policiais Militares
elaborassem o Termo Circunstanciado.
No meu entendimento esse Provimento representa mais um dos
expoentes daquilo que chamo de “processo de carnavalização do ordenamento jurídico”,
que submete o operador jurídico a um desnorteamento sem precedentes, tudo isso
tendo em vista as atitudes de alguns que legislam ou interpretam as Leis
movidos por interesses pessoais, corporativistas, emotivos, ou para tornar a
prestação jurisdicional mais célere, mesmo que comprometendo a eficácia da
prestação jurisdicional, como ocorre no caso em discussão.
São expoentes desse “processo de carnavalização do ordenamento
jurídico”, a maioria das Leis criadas em virtude da pressão da mídia, como por
exemplo, no caso da falsificação de anticoncepcionais da marca Microvlar, que
ensejou a aprovação da Lei dos remédios (Lei nº 9.677/98), o seqüestro de um
integrante da família Medina, que fez com que aprovassem a “hedionda” Lei dos
crimes hediondos (Lei nº 8.072/90), a morte da atriz Daniela Perez, que em
razão de um movimento liderado por sua mãe, possibilitou a aprovação da nova (e
mais hedionda ainda) Lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.930/94), e o caso da
Favela Naval, em Diadema, tendo ocasionado a aprovação da Lei de tortura (Lei
nº 9.455/97), que pouquíssimas condenações tem gerado.
Embasando um entendimento semelhante, o professor LUIZ FLÁVIO
GOMES, em palestra proferida nas Faculdades Integradas Toledo de Araçatuba
disse que “no ano de 1998, a mídia acreditava que a poluição dos rios e do ar,
apenas existia porque não existia uma lei ambiental unitária no país, então
editou-se esta lei contendo 51 delitos ambientais; após, notaram que estavam
levando muito dinheiro embora do país, em decorrência do narcotráfico,
precisa-se adotar a lei de lavagem de dinheiro; o número de acidentes de
trânsito era aberrante, então criou-se o Código de Transito Brasileiro, e
aumentou as penas, inclusive dobrando a pena do crime culposo no trânsito que é
o dobro do crime culposo, no Código Penal, uma violação ao princípio da
proporcionalidade, mas aumentando tudo, resolve, edita-se o Código de Trânsito
em 22 de janeiro de 1998, num primeiro momento há uma diminuição no número de
acidentes, todavia logo volta ao patamar elevado. BECCARIA já dizia que não é a
severidade das penas que causa uma eficaz resposta da sociedade senão a sua
aplicação imediata e direta”.
Se realizarmos uma análise apurada vislumbraremos que o Provimento
em discussão é destituído de legalidade. Para darmos respaldo a esse
entendimento inicialmente serão expostos os argumentos daqueles que aceitam a
possibilidade do Policial Militar elaborar o Termo Circunstanciado, após, os
argumentos daqueles que pensam de forma diversa, e finalmente apresentaremos a
conclusão.
ARGUMENTOS DAQUELES QUE DEFENDEM A ELABORAÇÃO DO TERMO
CIRCUNSTANCIADO PELO POLICIAL MILITAR:
1. Redução das ocorrências levadas aos abarrotados Distritos
Policiais
A interpretação extensiva do conceito de autoridade policial e a
conseqüente possibilidade do Policial Militar efetuar o registro de infrações
de menor potencial ofensivo reduziria o número de ocorrências levadas aos
abarrotados Distritos Policiais.
2. Diminuição do tempo desperdiçado pelos Policiais Militares
Os policiais não teriam mais que se deslocar até o Distrito
Policial, pois a elaboração do Termo Circunstanciado seria no local da
ocorrência e a polícia estaria realizando um trabalho preventivo e ostensivo
nesse local.
Ao discutir a diminuição do tempo desperdiçado pelos Policiais
Militares, o coronel da PM da reserva e ex-comandante-geral da Polícia Militar
do Estado de São Paulo, CARLOS ALBERTO DE CAMARGO, disse que “apenas para se
ter uma idéia do que essa medida representa em termos de economia de tempo das
viaturas em atividades de registro e conseqüente disponibilização para trabalho
preventivo, basta lembrar que o tempo médio de permanência num distrito
policial para registro desses casos gira em torno de duas horas e meia e, a
cada mês, a Polícia Militar atende em todo Estado a algo próximo de 150 mil
ocorrências. Vale dizer, a cada mês se deixam de realizar, aproximadamente, 350
mil horas de patrulhamento preventivo por conta da desnecessária atividade
cartorial nas infrações menores.”
Seguindo o mesmo entendimento, o presidente da Associação dos
Subtenentes e Sargentos do Estado de São Paulo (ASSPM), sargento HÉLIO CÉSAR DA
SILVA, afirmou que “é de suma importância destacar que a população irá ter uma
economia importante de tempo em relação ao atendimento, pois não será
necessário deslocar-se até o Distrito Policial para um segundo registro do
mesmo fato”.
3. Maior rapidez na solução dos conflitos e contenção dos gastos de
responsabilidade da Administração Pública
O Termo Circunstanciado seria elaborado na hora, sem que as
viaturas e as partes tivessem que se dirigir ao Distrito Policial, ocasionando
a conseqüente celeridade da solução do litígio e a contenção dos gastos de
responsabilidade da administração pública.
4. O Boletim de Ocorrência preenchido pela Polícia Militar é
semelhante ao Termo Circunstanciado
O Boletim de Ocorrência elaborado pelos Policiais Militares é
semelhante ao Termo Circunstanciado e a identificação do fato delituoso,
inicialmente é realizada pelo Policial Militar ao chegar ao local da
ocorrência. É o Policial Militar quem vai decidir a condução ou não das partes
ao Distrito Policial.
5. Efetivação dos princípios orientadores da Lei 9.099/95
A possibilidade do Policial Militar elaborar o termo
circunstanciado se coaduna com os princípios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade que orientam a Lei 9.099/95.
ARGUMENTOS DAQUELES QUE ACREDITAM QUE O POLICIAL MILITAR NÃO PODE
ELABORAR O TERMO CIRCUNSTANCIADO:
1. O conceito de autoridade policial inserido no artigo 69 da Lei
9.099/95 abrange segundo a Constituição Federal, exclusivamente o delegado de
polícia
É missão constitucional da Polícia Militar, o policiamento
ostensivo e preventivo com o objetivo de preservar a ordem pública. Cabe a
Polícia Civil as funções de polícia judiciária, ressalvada a competência da
União e excetuadas as infrações penais militares.
O § 5º do artigo 144 define a competência da Polícia Militar nos
seguintes termos: “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública”.
O § 4o desse mesmo artigo define a competência da Polícia Civil:
“às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares”.
ACHILLES BENEDITO DE OLIVEIRA sustenta a exclusividade do Delegado
de Polícia na direção dos atos de polícia judiciária e utiliza a Constituição
Federal como fundamento. “Os §§ 1o, IV, e 4o, do artigo 144 da Lei Maior,
atribuem ao delegado de polícia exclusividade da direção dos atos de polícia
judiciária e de apuração das infrações penais. Por conseguinte, é a autoridade
policial a única competente para comandar a investigação no sentido de
determinar a autoria, materialidade e circunstâncias em que se desenvolveu a
ação ou omissão criminosa”.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, em seu Código de Processo Penal
Comentado, expressa o seguinte entendimento:
“Ainda há Polícia Civil, mantida pelos Estados, e dirigida por
Delegados de Polícia, cabendo-lhes a função precípua de apurar as infrações
penais e respectivas autorias, ressalvadas as atribuições da Polícia Federal e
as infrações da alçada militar. Também lhe incumbem as funções de ‘Polícia
Judiciária’ consistentes não só naquelas atividades referidas no artigo 13 do
CPP, bem como nas relacionadas no artigo 69 da Lei dos Juizados Especiais
Criminais”.
O desembargador CARLOS AUGUSTO MACHADO FARIA, ao decidir Mandado de
Segurança, no qual Policiais Civis do Distrito Federal pediram liminar contra
ato do Procurador Geral do Distrito Federal, que sugeriu ao Governador a
transferência da competência da Polícia Civil para a Polícia Militar, em
período de greve, assim decidiu: “como a função de Polícia Judiciária é
privativa da Polícia Civil, determino aos impetrados que se abstenham de
praticar ato que atribua a outros servidores, policiais ou não, tal atividade”.
Para juristas como JOSÉ AFONSO DA SILVA, ANTÔNIO EVARISTO DE
MORAIS FILHO e JULIO FABBRINI MIRABETE, apenas a Polícia Civil pode desempenhar
a função de Polícia Judiciária.
Discutindo especificamente o conceito de autoridade policial CARLOS
ALBERTO MARCHI DE QUEIROZ apregoa que a autoridade policial referida pelo
artigo 69, caput, da Lei 9.099/95, é a autoridade policial da unidade policial
da respectiva circunscrição, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de
carreira ou não, não podendo ser o policial de rua que não tem atribuição para
cumprir as diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, nem para
atender ao rito imposto pelo juiz comum, por exemplo o inquérito policial.
2. Autoridade policial e agentes policiais
O Delegado de Polícia desempenha as funções de autoridade policial,
enquanto o Policial Militar no caso em discussão é um agente policial.
No livro denominado “Manual de Derecho Político”, CARLOS RUIZ DE
CASTILHO disse que a autoridade é a pessoa autora de uma decisão, e os agentes
são aqueles com competência técnica, facultativa ou auxiliar. “La autoridad
significa simplemente, y ésta es su acepción etimológica, que se es autor de
una decisión. Es frecuente distinguir em la doctrina española, atendiendo a la
función realizada, funcionarios agentes e funcionarios autoridades. Estos
últimos, representan el imperium del Poder Público. Los primeiros tienen
competencia técnica, facultativa o auxiliar”.
O Delegado de Polícia MARCO ANTÔNIO SCALIANTE FOGOLIN menciona o
professor FREDERICO MARQUES ao dizer que não se deve confundir a “autoridade
policial” e seus “agentes”: “Autoridade Policial é a pessoa que, investida por
Lei, tem seu cargo a direção e mando das atividades de Polícia Judiciária, no
âmbito de sua competência; Agentes Policiais são aqueles encarregados da prática
de atos investigatórios e coativos, para prevenir ou reprimir infrações penais,
sob a direção mediata ou imediata da Autoridade Policial”.
O Delegado de Polícia cita também o ínclito HÉLIO TORNAGHI, que se
manifestou nos seguintes termos: “nem todo o policial é autoridade, mas somente
o que investido do poder público tem a tarefa de perseguir os fins do Estado. Não
é por exemplo autoridade policial um Perito, ainda quando funcionário da
Polícia, como não é um Oficial da Polícia Militar, uma vez que as corporações a
que pertencem são órgãos meios, postos à disposição da Autoridade”.
3. Lesão ao Código de Processo Penal Militar
Em artigo sobre o tema LUIZ CARLOS COUTO defende que além da
Polícia Militar estar agindo inconstitucionalmente, estaria descumprindo duas
normas do Código de Processo Penal Militar, pois a Polícia Militar só pode
realizar a atividade judiciária nos casos de infrações penais militares.
O autor afirma: (se o Policial Militar durante o Inquérito Policial
Militar, se deparar com infração penal que não for de natureza militar) “o §
3º, do Artigo 10, ordena que comunicará o fato a autoridade policial
competente, a quem fará apresentar o infrator e em se tratando de civil, menor
de dezoito anos, a apresentação será feita ao Juiz de Menores, sendo que neste
último caso, não podemos esquecer que vigora hoje, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, onde está previsto um rito todo especial, que determina, conforme
prescreve o Artigo 172, do referido estatuto, que o adolescente apreendido em
flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade
policial competente, para as providências ali elencadas, tais como lavratura de
auto de apreensão ou substituída por boletim de ocorrência circunstanciado,
lembrando que cabe a autoridade policial deliberar a substituição, pois a norma
diz poderá, o que quer dizer uma faculdade e não uma obrigação. Já o § 2º, do
Artigo 247, durante a lavratura do auto de prisão em flagrante delito militar,
se a autoridade militar ou judiciária, verificar a manifesta inexistência de
infração penal militar ou ..., relaxará a prisão. Em se tratando de infração
penal comum, remeterá o preso à autoridade civil competente. Veja aqui, que a
autoridade civil competente é o Delegado de Polícia investido nas suas funções
de Autoridade Policial, a quem cabe tomar as providências de Polícia Judiciária
Comum, de ofício”.
4. Artigo 4o do Código de Processo Penal
O artigo 4o do Código de Processo Penal dispõe que “a polícia
judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas
respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da
sua autoria”.
Se levarmos em consideração essa norma observaremos que nenhum
agente público a não ser o Delegado de Polícia pode desempenhar as funções de
autoridade policial, seja Policial Civil ou Militar, afinal, seria uma
interpretação absurda se entendêssemos que um Policial Militar tivesse
legitimidade para exercer a Polícia Judiciária e realizar a apuração da
infração penal e da sua autoria.
5. Interpretação teleológica do artigo 69 da Lei 9.099/95
Se interpretarmos o artigo 69 da Lei 9.099/95 levando em
consideração a manifesta vontade da Lei (interpretação teleológica), notaremos
que apenas o Delegado de Polícia é autoridade policial para os fins desse
artigo.
O caput desse artigo dispõe que a autoridade policial vai
providenciar as requisições dos exames periciais necessários, e o parágrafo
único dessa norma dispõe que não se imporá fiança, nem prisão em flagrante ao
autor do fato que comparecer imediatamente ao Juizado ou assumir o compromisso
de a ele comparecer.
O Delegado de Polícia é quem providencia as requisições dos exames
periciais necessários, impõe fiança ou elabora o auto de prisão em flagrante.
Assim, é notório que a Autoridade Policial cujo artigo 69 faz
referência é exclusivamente o Delegado de Polícia.
6. Resolução SSP nº 353, de 27/11/95
Em razão da polêmica criada em torno do artigo 69 da Lei 9.099/95,
no que diz respeito ao conceito de autoridade policial, a Secretaria da
Segurança Pública editou a Resolução SSP nº 353 em 27/11/95, que pacificou a
questão.
Essa Resolução determina que a lavratura do Termos Circunstanciado
é de competência privativa do Delegado de Polícia (Art. 1o – O Policial civil
ou militar que tomar conhecimento de prática de infração penal deverá
comunica-la, imediatamente, à autoridade policial da Delegacia de Polícia da
respectiva circunscrição policial.).
É interessante citarmos o parecer sobre o tema em testilha,
elaborado pelo advogado ABRAHÃO JOSÉ KFOURI FILHO, que afirma o seguinte:
“Ousamos registrar, entrementes, nossa perplexidade pela edição do provimento
ter sido provocada diretamente pelo Comandante Geral da Polícia Militar, em
plena vigência de Resolução Secretarial que já esgotara e definira a matéria no
âmbito da Pasta e do Poder Executivo, sem o conhecimento, ao que consta, de seu
chefe – o Secretário da Segurança Pública – a quem está hierarquicamente
subordinado”.
7. Falta de conhecimento técnico-jurídico
Os Delegados de Polícia de carreira tem conhecimento
técnico-jurídico em razão da obrigatoriedade de ser bacharel para desempenhar a
função, o que não ocorre com os Policiais Militares que, em sua maioria, não
têm o conhecimento técnico-jurídico crucial para a tipificação do delito.
A ausência de conhecimento técnico-jurídico do agente público
responsável pela elaboração do Termo Circunstanciado poderia prejudicar a
preservação dos direitos fundamentais do acusado e a instrução do possível
processo penal, como lembra LUCIANO ANDERSON DE SOUZA em artigo sobre o tema.
JULIO FABBRINI MIRABETE afirma que “somente o Delegado de Polícia e
não qualquer agente público investido de função preventiva ou repressiva tem,
em tese, formação técnico profissional para classificar infrações penais”.
O juiz FRANCISCO JOSÉ GALVÃO BRUNOI manifestou sua preocupação com
a falta de estrutura da Polícia Militar asseverando o seguinte:
“Tenho muito respeito pela PM, mas acho que ela não tem estrutura
para exercer essa função. O oficial, que raramente é bacharel em Direito, não
tem conhecimentos técnicos para elaborar o TC”.
Se para um bacharel em direito, muitas vezes é complicado
diferenciar extorsão e roubo, ameaça e coação, estelionato e furto mediante fraude,
apropriação indébita e furto, estelionato e curandeirismo, imagine para um
indivíduo sem conhecimento técnico-jurídico.
8. A competência deve ser definida por Lei
O Provimento definiu a competência para o registro do Termo
Circunstanciado, contudo, para que ocorra a determinação de competência, o
operador do direito não pode presumir ou deduzir por analogia ou extensão, ora
que uma Lei deve estar definindo-a.
MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA citando CAIO TÁCITO afirma que
“dependerá sempre (a competência), no entanto, de determinação legal específica
ou genérica, não podendo se presumida ou deduzida por analogia ou extensão.
Oferecendo respaldo a esse entendimento podemos transcrever o
artigo 87 da Constituição Paulista que dispõe: “Os Juizados Especiais das
Causas Cíveis de Menor Complexidade e das Infrações Penais de Menor Potencial
Ofensivo terão sua composição e competência definidas em lei, obedecidos os
princípios previstos no artigo 98, I, da Constituição Federal”(grifo nosso).
9. Não aceitação da analogia
Não se deve utilizar a analogia, ora que não se está aplicando a
uma hipótese não prevista em Lei a disposição relativa a um caso semelhante,
pois não há lacuna a preencher, tendo em vista que a Resolução SSP nº 353/95
foi baixada em conformidade com a competência deferida pelo artigo 30, da L. C.
851.
10. Aumento dos gastos da Administração Pública
Não é lógico que se monte outra estrutura para efetuar o registro
das ocorrências de baixo potencial ofensivo se a Polícia Civil tem toda essa
estrutura montada
Seguindo o entendimento do coronel da reserva da Polícia Militar,
JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO, “ela (polícia militar) não deve elaborar essa
documentação cartorária pelo simples motivo de que já existem repartição e funcionários
especializados para essas atividades nas delegacias de polícia. Nem deve se
confundir celeridade do processo judicial com pressa das ações policiais”.
11. Resolução do IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil,
ocorrido em agosto de 1997
No IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado nos
dias 29 e 30 de Agosto de 1997, em São Paulo, SP, através do Comunicado de n.º
20, de 16 Out 97, na Resolução de Matéria Criminal, em seu item 7, por maioria
daquele encontro resolveram que “A Autoridade Policial a que se refere à Lei
n.º 9099/95, é o Delegado de Polícia”.
12. O Boletim de Ocorrência preenchido pela Polícia Militar (BO/PM)
é muito mais simples que o Termo Circunstanciado (TC)
O Boletim de Ocorrência preenchido pela Polícia Militar é muito
mais simples que o Termo Circunstanciado.
O BO/PM contém a qualificação das partes, e cada parte descreve
sucintamente a sua versão.
O TC além de conter a qualificação e depoimento das partes, oferece
uma versão completa dos fatos, é assinado por um bacharel em direito e servirá
de fulcro a uma decisão judicial.
Levando em conta as informações e indagações acima referidas,
entendemos que a aplicação desse provimento provocaria excessivos gastos da
Administração Pública e seria um contraposto a celeridade requerida pela Lei
9.099/95.
CONCLUSÃO
Conforme o exposto nos artigos anteriores, podemos concluir que o
ordenamento jurídico deve ser vislumbrado como um todo, respeitando
primordialmente a Constituição Federal, e as normas devem ser interpretadas de
forma teleológica, ou seja, é necessário “precisar a genuína finalidade da
Lei”, como pronunciou FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO.
Nesse contexto, uma interpretação extensiva da norma esculpida no
artigo 69 da Lei 9.099/95, seria uma afronta ao Estado Democrático de Direito e
mais um expoente do “processo de carnavalização do ordenamento jurídico”,
explicitado no primeiro artigo sobre esse tema.
A faculdade da Polícia Militar elaborar o Termo Circunstanciado
representa uma aberração sob o ponto de vista legal e sob o ponto de vista
prático.
Sob o ponto de vista legal é uma afronta a Constituição Federal, ao
Código de Processo Penal Brasileiro ao Código de Processo Penal Militar, a
Constituição do Estado de São Paulo e a Resolução SSP nº 353, de 27/11/95.
Sob o ponto de vista prático seria um absurdo que um agente sem o
conhecimento técnico-jurídico de um bacharel em direito, elaborasse o Termo
Circunstanciado. Facultar ao Policial Militar a elaboração do TC representaria
também mais gastos para a Administração Pública e o tempo dispensado na
elaboração do mesmo poderia ser usado para a execução da atividade ostensiva e
preventiva constitucionalmente prevista como inerente a Polícia Militar.
Nestes termos, entendo que a solução mais plausível é interposição
de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), no Supremo Tribunal Federal
(STF), atitude que já foi tomada pelo advogado WLADIMIR SÉRGIO REALE, advogado
da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP), para
que não advenha o risco de em nome da pressa ou interesses meramente
corporativistas, despojemos de efetividade as importantes funções ostensiva e
preventiva da Polícia Militar e desvirtuemos a atividade judiciária da Polícia
Civil.
PROPOSTAS:
Para que a ordem pública seja preservada, levando em consideração
os direitos e garantias individuais, proporcionando celeridade na prestação
jurisdicional e maior eficiência na atividade policial são necessárias diversas
mudanças na forma de atuação da Polícia, nesse contexto sugerimos:
1. Extinção do BO/PM
No meu entendimento ao invés de possibilitar que a Polícia Militar
elabore o Termo Circunstanciado, a melhor alternativa seria a extinção do
Boletim de Ocorrência elaborado pela Polícia Militar, pois o BO/PM é
absolutamente dispensável.
Os Policiais Militares quando se deparassem com alguma infração
penal, deveriam levar as partes e testemunhas para o Distrito Policial, onde a
Autoridade Policial tomaria as providências cabíveis.
2. Policiais Militares deixem de aguardar a elaboração do Termo
Circunstanciado no Distrito Policial
A atividade policial seria mais célere se os Policiais Militares
após serem ouvidos no Distrito Policial (DP), fossem liberados para retornar a
atividade ostensiva e preventiva, ou seja, eles transportariam as partes e
testemunhas ao DP, seriam ouvidos e depois retornariam a atividade ostensiva e
preventiva de costume.
Retirado de: www.direito.com.br