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A carnavalização do ordenamento jurídico e o Provimento 758/01
O Provimento nº 758/0 regulamenta a fase preliminar do procedimento dos Juizados Especiais Criminais e permite que Policiais Militares façam registros de ocorrências policiais menos graves

Higor Vinícius Nogueira Jorge 

 

 

  “Nem deve se confundir celeridade do processo
   judicial com pressa das ações policiais”
  (JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO, coronel da reserva da Polícia Militar)
  
  O Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, coronel Rui César Melo, consultou por intermédio de uma representação, a possibilidade da Corregedoria Geral da Justiça expedir ato para disciplinar a aplicação do artigo 69 da Lei nº 9.099/95. Esse artigo dispõe que “a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários” (grifo nosso).
  O escopo da representação era incluir no conceito de autoridade policial, estampado no artigo 69, da Lei supra citada, a figura do agente Policial Militar, habilitando-o a lavrar Termos Circunstanciados (TC) nas ocorrências pertinentes aos delitos de menor potencial ofensivo.
  Em razão disso, o Conselho Superior da Magistratura aprovou e assinou no dia 23 de agosto de 2001, o Provimento nº 758/01 que regulamenta a fase preliminar do procedimento dos Juizados Especiais Criminais e permite que Policiais Militares façam registros de ocorrências policiais menos graves.
  
  Para avaliar a viabilidade desse Provimento o Secretário da Segurança Pública editou resolução determinando que na área da 7º Seccional do Decap e nas cidades de Guarulhos e São José do Rio Preto os Policiais Militares elaborassem o Termo Circunstanciado.
  
  No meu entendimento esse Provimento representa mais um dos expoentes daquilo que chamo de “processo de carnavalização do ordenamento jurídico”, que submete o operador jurídico a um desnorteamento sem precedentes, tudo isso tendo em vista as atitudes de alguns que legislam ou interpretam as Leis movidos por interesses pessoais, corporativistas, emotivos, ou para tornar a prestação jurisdicional mais célere, mesmo que comprometendo a eficácia da prestação jurisdicional, como ocorre no caso em discussão.
  São expoentes desse “processo de carnavalização do ordenamento jurídico”, a maioria das Leis criadas em virtude da pressão da mídia, como por exemplo, no caso da falsificação de anticoncepcionais da marca Microvlar, que ensejou a aprovação da Lei dos remédios (Lei nº 9.677/98), o seqüestro de um integrante da família Medina, que fez com que aprovassem a “hedionda” Lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90), a morte da atriz Daniela Perez, que em razão de um movimento liderado por sua mãe, possibilitou a aprovação da nova (e mais hedionda ainda) Lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.930/94), e o caso da Favela Naval, em Diadema, tendo ocasionado a aprovação da Lei de tortura (Lei nº 9.455/97), que pouquíssimas condenações tem gerado.
   Embasando um entendimento semelhante, o professor LUIZ FLÁVIO GOMES, em palestra proferida nas Faculdades Integradas Toledo de Araçatuba disse que “no ano de 1998, a mídia acreditava que a poluição dos rios e do ar, apenas existia porque não existia uma lei ambiental unitária no país, então editou-se esta lei contendo 51 delitos ambientais; após, notaram que estavam levando muito dinheiro embora do país, em decorrência do narcotráfico, precisa-se adotar a lei de lavagem de dinheiro; o número de acidentes de trânsito era aberrante, então criou-se o Código de Transito Brasileiro, e aumentou as penas, inclusive dobrando a pena do crime culposo no trânsito que é o dobro do crime culposo, no Código Penal, uma violação ao princípio da proporcionalidade, mas aumentando tudo, resolve, edita-se o Código de Trânsito em 22 de janeiro de 1998, num primeiro momento há uma diminuição no número de acidentes, todavia logo volta ao patamar elevado. BECCARIA já dizia que não é a severidade das penas que causa uma eficaz resposta da sociedade senão a sua aplicação imediata e direta”.
   Se realizarmos uma análise apurada vislumbraremos que o Provimento em discussão é destituído de legalidade. Para darmos respaldo a esse entendimento inicialmente serão expostos os argumentos daqueles que aceitam a possibilidade do Policial Militar elaborar o Termo Circunstanciado, após, os argumentos daqueles que pensam de forma diversa, e finalmente apresentaremos a conclusão.
  
  
  ARGUMENTOS DAQUELES QUE DEFENDEM A ELABORAÇÃO DO TERMO CIRCUNSTANCIADO PELO POLICIAL MILITAR:
  
  1. Redução das ocorrências levadas aos abarrotados Distritos Policiais
  A interpretação extensiva do conceito de autoridade policial e a conseqüente possibilidade do Policial Militar efetuar o registro de infrações de menor potencial ofensivo reduziria o número de ocorrências levadas aos abarrotados Distritos Policiais.
  
  2. Diminuição do tempo desperdiçado pelos Policiais Militares
  Os policiais não teriam mais que se deslocar até o Distrito Policial, pois a elaboração do Termo Circunstanciado seria no local da ocorrência e a polícia estaria realizando um trabalho preventivo e ostensivo nesse local.
  Ao discutir a diminuição do tempo desperdiçado pelos Policiais Militares, o coronel da PM da reserva e ex-comandante-geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, CARLOS ALBERTO DE CAMARGO, disse que “apenas para se ter uma idéia do que essa medida representa em termos de economia de tempo das viaturas em atividades de registro e conseqüente disponibilização para trabalho preventivo, basta lembrar que o tempo médio de permanência num distrito policial para registro desses casos gira em torno de duas horas e meia e, a cada mês, a Polícia Militar atende em todo Estado a algo próximo de 150 mil ocorrências. Vale dizer, a cada mês se deixam de realizar, aproximadamente, 350 mil horas de patrulhamento preventivo por conta da desnecessária atividade cartorial nas infrações menores.”
  Seguindo o mesmo entendimento, o presidente da Associação dos Subtenentes e Sargentos do Estado de São Paulo (ASSPM), sargento HÉLIO CÉSAR DA SILVA, afirmou que “é de suma importância destacar que a população irá ter uma economia importante de tempo em relação ao atendimento, pois não será necessário deslocar-se até o Distrito Policial para um segundo registro do mesmo fato”.
  
  3. Maior rapidez na solução dos conflitos e contenção dos gastos de responsabilidade da Administração Pública
  O Termo Circunstanciado seria elaborado na hora, sem que as viaturas e as partes tivessem que se dirigir ao Distrito Policial, ocasionando a conseqüente celeridade da solução do litígio e a contenção dos gastos de responsabilidade da administração pública.
  
  4. O Boletim de Ocorrência preenchido pela Polícia Militar é semelhante ao Termo Circunstanciado
  O Boletim de Ocorrência elaborado pelos Policiais Militares é semelhante ao Termo Circunstanciado e a identificação do fato delituoso, inicialmente é realizada pelo Policial Militar ao chegar ao local da ocorrência. É o Policial Militar quem vai decidir a condução ou não das partes ao Distrito Policial.
  
  5. Efetivação dos princípios orientadores da Lei 9.099/95
  A possibilidade do Policial Militar elaborar o termo circunstanciado se coaduna com os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade que orientam a Lei 9.099/95.
  
  
  ARGUMENTOS DAQUELES QUE ACREDITAM QUE O POLICIAL MILITAR NÃO PODE ELABORAR O TERMO CIRCUNSTANCIADO:
  
  1. O conceito de autoridade policial inserido no artigo 69 da Lei 9.099/95 abrange segundo a Constituição Federal, exclusivamente o delegado de polícia
  É missão constitucional da Polícia Militar, o policiamento ostensivo e preventivo com o objetivo de preservar a ordem pública. Cabe a Polícia Civil as funções de polícia judiciária, ressalvada a competência da União e excetuadas as infrações penais militares.
  O § 5º do artigo 144 define a competência da Polícia Militar nos seguintes termos: “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”.
  O § 4o desse mesmo artigo define a competência da Polícia Civil: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
  ACHILLES BENEDITO DE OLIVEIRA sustenta a exclusividade do Delegado de Polícia na direção dos atos de polícia judiciária e utiliza a Constituição Federal como fundamento. “Os §§ 1o, IV, e 4o, do artigo 144 da Lei Maior, atribuem ao delegado de polícia exclusividade da direção dos atos de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Por conseguinte, é a autoridade policial a única competente para comandar a investigação no sentido de determinar a autoria, materialidade e circunstâncias em que se desenvolveu a ação ou omissão criminosa”.
  FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, em seu Código de Processo Penal Comentado, expressa o seguinte entendimento:
  “Ainda há Polícia Civil, mantida pelos Estados, e dirigida por Delegados de Polícia, cabendo-lhes a função precípua de apurar as infrações penais e respectivas autorias, ressalvadas as atribuições da Polícia Federal e as infrações da alçada militar. Também lhe incumbem as funções de ‘Polícia Judiciária’ consistentes não só naquelas atividades referidas no artigo 13 do CPP, bem como nas relacionadas no artigo 69 da Lei dos Juizados Especiais Criminais”.
  O desembargador CARLOS AUGUSTO MACHADO FARIA, ao decidir Mandado de Segurança, no qual Policiais Civis do Distrito Federal pediram liminar contra ato do Procurador Geral do Distrito Federal, que sugeriu ao Governador a transferência da competência da Polícia Civil para a Polícia Militar, em período de greve, assim decidiu: “como a função de Polícia Judiciária é privativa da Polícia Civil, determino aos impetrados que se abstenham de praticar ato que atribua a outros servidores, policiais ou não, tal atividade”.
   Para juristas como JOSÉ AFONSO DA SILVA, ANTÔNIO EVARISTO DE MORAIS FILHO e JULIO FABBRINI MIRABETE, apenas a Polícia Civil pode desempenhar a função de Polícia Judiciária.
  Discutindo especificamente o conceito de autoridade policial CARLOS ALBERTO MARCHI DE QUEIROZ apregoa que a autoridade policial referida pelo artigo 69, caput, da Lei 9.099/95, é a autoridade policial da unidade policial da respectiva circunscrição, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de carreira ou não, não podendo ser o policial de rua que não tem atribuição para cumprir as diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, nem para atender ao rito imposto pelo juiz comum, por exemplo o inquérito policial.
  
  2. Autoridade policial e agentes policiais
  O Delegado de Polícia desempenha as funções de autoridade policial, enquanto o Policial Militar no caso em discussão é um agente policial.
  No livro denominado “Manual de Derecho Político”, CARLOS RUIZ DE CASTILHO disse que a autoridade é a pessoa autora de uma decisão, e os agentes são aqueles com competência técnica, facultativa ou auxiliar. “La autoridad significa simplemente, y ésta es su acepción etimológica, que se es autor de una decisión. Es frecuente distinguir em la doctrina española, atendiendo a la función realizada, funcionarios agentes e funcionarios autoridades. Estos últimos, representan el imperium del Poder Público. Los primeiros tienen competencia técnica, facultativa o auxiliar”.
   O Delegado de Polícia MARCO ANTÔNIO SCALIANTE FOGOLIN menciona o professor FREDERICO MARQUES ao dizer que não se deve confundir a “autoridade policial” e seus “agentes”: “Autoridade Policial é a pessoa que, investida por Lei, tem seu cargo a direção e mando das atividades de Polícia Judiciária, no âmbito de sua competência; Agentes Policiais são aqueles encarregados da prática de atos investigatórios e coativos, para prevenir ou reprimir infrações penais, sob a direção mediata ou imediata da Autoridade Policial”.
   O Delegado de Polícia cita também o ínclito HÉLIO TORNAGHI, que se manifestou nos seguintes termos: “nem todo o policial é autoridade, mas somente o que investido do poder público tem a tarefa de perseguir os fins do Estado. Não é por exemplo autoridade policial um Perito, ainda quando funcionário da Polícia, como não é um Oficial da Polícia Militar, uma vez que as corporações a que pertencem são órgãos meios, postos à disposição da Autoridade”.
  
  3. Lesão ao Código de Processo Penal Militar
  Em artigo sobre o tema LUIZ CARLOS COUTO defende que além da Polícia Militar estar agindo inconstitucionalmente, estaria descumprindo duas normas do Código de Processo Penal Militar, pois a Polícia Militar só pode realizar a atividade judiciária nos casos de infrações penais militares.
  O autor afirma: (se o Policial Militar durante o Inquérito Policial Militar, se deparar com infração penal que não for de natureza militar) “o § 3º, do Artigo 10, ordena que comunicará o fato a autoridade policial competente, a quem fará apresentar o infrator e em se tratando de civil, menor de dezoito anos, a apresentação será feita ao Juiz de Menores, sendo que neste último caso, não podemos esquecer que vigora hoje, o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde está previsto um rito todo especial, que determina, conforme prescreve o Artigo 172, do referido estatuto, que o adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade policial competente, para as providências ali elencadas, tais como lavratura de auto de apreensão ou substituída por boletim de ocorrência circunstanciado, lembrando que cabe a autoridade policial deliberar a substituição, pois a norma diz poderá, o que quer dizer uma faculdade e não uma obrigação. Já o § 2º, do Artigo 247, durante a lavratura do auto de prisão em flagrante delito militar, se a autoridade militar ou judiciária, verificar a manifesta inexistência de infração penal militar ou ..., relaxará a prisão. Em se tratando de infração penal comum, remeterá o preso à autoridade civil competente. Veja aqui, que a autoridade civil competente é o Delegado de Polícia investido nas suas funções de Autoridade Policial, a quem cabe tomar as providências de Polícia Judiciária Comum, de ofício”.
  
  4. Artigo 4o do Código de Processo Penal
  O artigo 4o do Código de Processo Penal dispõe que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
   Se levarmos em consideração essa norma observaremos que nenhum agente público a não ser o Delegado de Polícia pode desempenhar as funções de autoridade policial, seja Policial Civil ou Militar, afinal, seria uma interpretação absurda se entendêssemos que um Policial Militar tivesse legitimidade para exercer a Polícia Judiciária e realizar a apuração da infração penal e da sua autoria.
  
  5. Interpretação teleológica do artigo 69 da Lei 9.099/95
  Se interpretarmos o artigo 69 da Lei 9.099/95 levando em consideração a manifesta vontade da Lei (interpretação teleológica), notaremos que apenas o Delegado de Polícia é autoridade policial para os fins desse artigo.
  O caput desse artigo dispõe que a autoridade policial vai providenciar as requisições dos exames periciais necessários, e o parágrafo único dessa norma dispõe que não se imporá fiança, nem prisão em flagrante ao autor do fato que comparecer imediatamente ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer.
  O Delegado de Polícia é quem providencia as requisições dos exames periciais necessários, impõe fiança ou elabora o auto de prisão em flagrante.
  Assim, é notório que a Autoridade Policial cujo artigo 69 faz referência é exclusivamente o Delegado de Polícia.
  
  6. Resolução SSP nº 353, de 27/11/95
  Em razão da polêmica criada em torno do artigo 69 da Lei 9.099/95, no que diz respeito ao conceito de autoridade policial, a Secretaria da Segurança Pública editou a Resolução SSP nº 353 em 27/11/95, que pacificou a questão.
  Essa Resolução determina que a lavratura do Termos Circunstanciado é de competência privativa do Delegado de Polícia (Art. 1o – O Policial civil ou militar que tomar conhecimento de prática de infração penal deverá comunica-la, imediatamente, à autoridade policial da Delegacia de Polícia da respectiva circunscrição policial.).
  É interessante citarmos o parecer sobre o tema em testilha, elaborado pelo advogado ABRAHÃO JOSÉ KFOURI FILHO, que afirma o seguinte: “Ousamos registrar, entrementes, nossa perplexidade pela edição do provimento ter sido provocada diretamente pelo Comandante Geral da Polícia Militar, em plena vigência de Resolução Secretarial que já esgotara e definira a matéria no âmbito da Pasta e do Poder Executivo, sem o conhecimento, ao que consta, de seu chefe – o Secretário da Segurança Pública – a quem está hierarquicamente subordinado”.
  
  7. Falta de conhecimento técnico-jurídico
  Os Delegados de Polícia de carreira tem conhecimento técnico-jurídico em razão da obrigatoriedade de ser bacharel para desempenhar a função, o que não ocorre com os Policiais Militares que, em sua maioria, não têm o conhecimento técnico-jurídico crucial para a tipificação do delito.
  A ausência de conhecimento técnico-jurídico do agente público responsável pela elaboração do Termo Circunstanciado poderia prejudicar a preservação dos direitos fundamentais do acusado e a instrução do possível processo penal, como lembra LUCIANO ANDERSON DE SOUZA em artigo sobre o tema.
  JULIO FABBRINI MIRABETE afirma que “somente o Delegado de Polícia e não qualquer agente público investido de função preventiva ou repressiva tem, em tese, formação técnico profissional para classificar infrações penais”.
  O juiz FRANCISCO JOSÉ GALVÃO BRUNOI manifestou sua preocupação com a falta de estrutura da Polícia Militar asseverando o seguinte:
  “Tenho muito respeito pela PM, mas acho que ela não tem estrutura para exercer essa função. O oficial, que raramente é bacharel em Direito, não tem conhecimentos técnicos para elaborar o TC”.
   Se para um bacharel em direito, muitas vezes é complicado diferenciar extorsão e roubo, ameaça e coação, estelionato e furto mediante fraude, apropriação indébita e furto, estelionato e curandeirismo, imagine para um indivíduo sem conhecimento técnico-jurídico.
  
  8. A competência deve ser definida por Lei
  O Provimento definiu a competência para o registro do Termo Circunstanciado, contudo, para que ocorra a determinação de competência, o operador do direito não pode presumir ou deduzir por analogia ou extensão, ora que uma Lei deve estar definindo-a.
  MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA citando CAIO TÁCITO afirma que “dependerá sempre (a competência), no entanto, de determinação legal específica ou genérica, não podendo se presumida ou deduzida por analogia ou extensão.
  Oferecendo respaldo a esse entendimento podemos transcrever o artigo 87 da Constituição Paulista que dispõe: “Os Juizados Especiais das Causas Cíveis de Menor Complexidade e das Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo terão sua composição e competência definidas em lei, obedecidos os princípios previstos no artigo 98, I, da Constituição Federal”(grifo nosso).
  
  9. Não aceitação da analogia
  Não se deve utilizar a analogia, ora que não se está aplicando a uma hipótese não prevista em Lei a disposição relativa a um caso semelhante, pois não há lacuna a preencher, tendo em vista que a Resolução SSP nº 353/95 foi baixada em conformidade com a competência deferida pelo artigo 30, da L. C. 851.
  
  10. Aumento dos gastos da Administração Pública
  Não é lógico que se monte outra estrutura para efetuar o registro das ocorrências de baixo potencial ofensivo se a Polícia Civil tem toda essa estrutura montada
  Seguindo o entendimento do coronel da reserva da Polícia Militar, JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO, “ela (polícia militar) não deve elaborar essa documentação cartorária pelo simples motivo de que já existem repartição e funcionários especializados para essas atividades nas delegacias de polícia. Nem deve se confundir celeridade do processo judicial com pressa das ações policiais”.
  
  11. Resolução do IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, ocorrido em agosto de 1997
  No IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado nos dias 29 e 30 de Agosto de 1997, em São Paulo, SP, através do Comunicado de n.º 20, de 16 Out 97, na Resolução de Matéria Criminal, em seu item 7, por maioria daquele encontro resolveram que “A Autoridade Policial a que se refere à Lei n.º 9099/95, é o Delegado de Polícia”.
  
  12. O Boletim de Ocorrência preenchido pela Polícia Militar (BO/PM) é muito mais simples que o Termo Circunstanciado (TC)
  O Boletim de Ocorrência preenchido pela Polícia Militar é muito mais simples que o Termo Circunstanciado.
  O BO/PM contém a qualificação das partes, e cada parte descreve sucintamente a sua versão.
  O TC além de conter a qualificação e depoimento das partes, oferece uma versão completa dos fatos, é assinado por um bacharel em direito e servirá de fulcro a uma decisão judicial.
  Levando em conta as informações e indagações acima referidas, entendemos que a aplicação desse provimento provocaria excessivos gastos da Administração Pública e seria um contraposto a celeridade requerida pela Lei 9.099/95.
  
  
  CONCLUSÃO
  
   Conforme o exposto nos artigos anteriores, podemos concluir que o ordenamento jurídico deve ser vislumbrado como um todo, respeitando primordialmente a Constituição Federal, e as normas devem ser interpretadas de forma teleológica, ou seja, é necessário “precisar a genuína finalidade da Lei”, como pronunciou FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO.
   Nesse contexto, uma interpretação extensiva da norma esculpida no artigo 69 da Lei 9.099/95, seria uma afronta ao Estado Democrático de Direito e mais um expoente do “processo de carnavalização do ordenamento jurídico”, explicitado no primeiro artigo sobre esse tema.
  A faculdade da Polícia Militar elaborar o Termo Circunstanciado representa uma aberração sob o ponto de vista legal e sob o ponto de vista prático.
  Sob o ponto de vista legal é uma afronta a Constituição Federal, ao Código de Processo Penal Brasileiro ao Código de Processo Penal Militar, a Constituição do Estado de São Paulo e a Resolução SSP nº 353, de 27/11/95.
  Sob o ponto de vista prático seria um absurdo que um agente sem o conhecimento técnico-jurídico de um bacharel em direito, elaborasse o Termo Circunstanciado. Facultar ao Policial Militar a elaboração do TC representaria também mais gastos para a Administração Pública e o tempo dispensado na elaboração do mesmo poderia ser usado para a execução da atividade ostensiva e preventiva constitucionalmente prevista como inerente a Polícia Militar.
   Nestes termos, entendo que a solução mais plausível é interposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), no Supremo Tribunal Federal (STF), atitude que já foi tomada pelo advogado WLADIMIR SÉRGIO REALE, advogado da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP), para que não advenha o risco de em nome da pressa ou interesses meramente corporativistas, despojemos de efetividade as importantes funções ostensiva e preventiva da Polícia Militar e desvirtuemos a atividade judiciária da Polícia Civil.
  
  
  PROPOSTAS:
  
   Para que a ordem pública seja preservada, levando em consideração os direitos e garantias individuais, proporcionando celeridade na prestação jurisdicional e maior eficiência na atividade policial são necessárias diversas mudanças na forma de atuação da Polícia, nesse contexto sugerimos:
  
  1. Extinção do BO/PM
  No meu entendimento ao invés de possibilitar que a Polícia Militar elabore o Termo Circunstanciado, a melhor alternativa seria a extinção do Boletim de Ocorrência elaborado pela Polícia Militar, pois o BO/PM é absolutamente dispensável.
  Os Policiais Militares quando se deparassem com alguma infração penal, deveriam levar as partes e testemunhas para o Distrito Policial, onde a Autoridade Policial tomaria as providências cabíveis.
  
   2. Policiais Militares deixem de aguardar a elaboração do Termo Circunstanciado no Distrito Policial
   A atividade policial seria mais célere se os Policiais Militares após serem ouvidos no Distrito Policial (DP), fossem liberados para retornar a atividade ostensiva e preventiva, ou seja, eles transportariam as partes e testemunhas ao DP, seriam ouvidos e depois retornariam a atividade ostensiva e preventiva de costume.
  
  
  

 

Retirado de: www.direito.com.br