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A aplicabilidade das penas alternativas aos delitos de tóxicos



Kelmy de Araújo Lima



Hodiernamente, é opinião unânime que as cadeias, presídios e casas de detenção, notadamente no Brasil, não oferecem a mínima condição de ressocialização do apenado, servindo, ao contrário, como elemento potencializador da capacidade criminosa do indivíduo que se vê inserido em tais ambientes deletérios.

Com razão, Luiz Vicente Cernicchiaro afirmou que "a execução da pena, no Brasil, evidencia descompasso entre a lei e a realidade. A legislação encerra as recomendações científicas e de tratados internacionais. O cumprimento da pena, no entanto, é problema comovente" .

Diante dessa realidade, a Organização das Nações Unidas (ONU), seguindo a tendência principiológica do direito alternativo, em detrimento do principio da lei e da ordem, tem baixado várias resoluções no sentido de restringir ao máximo a aplicação de penas privativas de liberdade, substituindo-as pelas chamadas penas alternativas.

No Brasil, a defesa do instituto das penas alternativas, como forma de evitar a privação da liberdade, foi considerada pelo Conselho Nacional de Política Criminal, através da Resolução nº 05, de 19 de julho de 1999, umas das diretrizes básicas de Política Criminal a serem implementadas em todo o País.

Nesse contexto, foram editadas as Leis nº 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, e, mais recentemente, a de nº 9.714/98, que modificou os artigos 43, 44, 45, 46, 47, 55 e 57, da parte geral do Código Penal, referente às penas restritivas de direito .

Em número de cinco, as penas restritivas tratadas na referida Lei nº 9.714/98, vão desde a prestação pecuniária até a multa. Sua aplicabilidade, no entanto, está condicionada aos seguintes requisitos: a) que a pena aplicada não seja superior a quatro anos, salvo se crime culposo, b) que o delito não seja praticado com violência (não atinge a ficta) ou grave ameaça a pessoa, c) que o condenado, em principio, não seja reincidente em crime doloso (a exceção está no art. 44, do CP), d) que as circunstancias do art. 59 do CP, exceto as conseqüências e o comportamento da vitima, sejam favoráveis à substituição.

Muito embora haja grande polêmcia quanto à extensão da Lei nº 9.714/98, aos crimes de entorpecentes e, de modo geral, aos chamados crimes hediondos, sobresaindo-se posicionamento no sentido da negativa, inclusive no âmbito do e. STF, a pretensão desse artigo é apoiar tese em contrário.

Com razão, a aplicabilidade da Lei nº 9.714/98 a tais crimes é perfeitamente admissível, uma vez que eventual exclusão de sua abrangência deveria ter sido realizada de forma expressa, o que não ocorreu. Daí, não ser lícito ao interprete atuar onde o legislador não o fez.

Ora, em virtude do princípio da legalidade estrita, bem como da interpretação restritiva dos preceitos de direito penal, afasta-se qualquer possibilidade de interpretação tendente à defender tal vedação.

Ademais, por ser a pena alternativa mais benéfica, há de ser aplicada a regra constante no parágrafo único do art. 2o do CP, uma vez que o termo "de qualquer modo", ali inserido, autoriza sua aplicação à legislação extravagante, consoante o art. 12 do mesmo diploma, e, como dito alhures, a Lei nº 6.368/76, ou mesmo a Lei nº 8070/90, não estabeleceram nenhuma vedação contrária à incidência das penas alternativas.

Por outro lado, se o condenado por crimes hediondos e assemelhados pode ser beneficiado com o livramento condicional, obviamente deve ser-lhe também deferido, desde que preenchidos os requisitos legais, a pena restritiva de direito, uma vez que ambos os institutos são espécies das penas alternativas.

Ressalte-se, outrossim, a inexistência da hipótese de violência ou grave ameaça à pessoa em delitos de mera conduta, como o são aqueles previstos na Lei nº 6.368/75, em seu art. 12.

Assim, se o juiz da causa não encontrou razões que justificassem a exasperação da pena, fixando-a abaixo dos quatro anos, requisito objetivo para a substituição, é por que não encontrou no transgressor culpabilidade suficiente a ensejar reprimenda considerável, devendo aplicar a conversão como forma de fazer-lhe retornar à sociedade.

Nesse diapasão, o e. Superior Tribunal de Justiça, através de sua Sexta Turma, ao julgar o HC n º 9.466/SP, relator o, à época, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, posicionou-se favoravelmente sobre o tema, verbis :



HC - CONSTITUCIONAL - PENAL - CRIME HEDIONDO (LEI 8072/90) - PENAS LTERNATIVAS (LEI Nº 9714/98) - A lei nº 9714/98, encerrando modernas recomendações criminológicas, autoriza aplicar penas alternativas nas condenações até quatro anos; com isso, coloca-se (ou recoloca-se) na sociedade, o condenado para, paulatinamente, reeducar-se para a convivência. incide também nos casos de condenação por crime hediondo, ou a ele equiparados. Tanto assim, a lei, literalmente, exclui as infrações não contempladas: pena superior a quatro anos e o crime cometido com violência ou grave ameaça a pessoa.

(destacou-se)



Vê-se, que a mens legis da Lei dos Crimes Hediondos encontra-se totalmente ultrapassada pelo pensamento hoje dominante, uma vez que se no começo da década de 90 buscava-se exasperar a pena privativa de liberdade e a forma de seu cumprimento, atualmente pretende-se mitiga-la através das penas alternativas.

O encarceramento indiscriminado mostra-se tão fantasioso quanto a figura lombrosiana do criminoso nato. Tanto é assim que o próprio Conselho Nacional de Políticas Criminais, através da pré falada Resolução nº 05, de 19 de julho de 1999, estabeleceu como diretriz básica "alertar para a ineficácia de regramentos normativos que visem a alargar a tipificação penal e oferecer mais rigor no tratamento de certos crimes, especialmente quando venham contrariar o regime progressivo de pena, cientificamente voltado para reintegração social do condenado."

Vive-se, pois, um novo momento histórico, no qual não só os operadores do direito, mas também a sociedade como um todo, devem ter a consciência de que a aplicação desenfreada da pena privativa de liberdade, por ser medida de constrição corporal, é resquício dos primórdios da humanidade, da barbárie, devendo ser somente aplicada em casos extremos, o que não ocorre em relação ao indíviduo condenado pelo delito de entorpecente que, evidentemente, se enquadre nos pressupostos exigidos por lei para a concessão das penas alternativas.





Kelmy de Araújo Lima



Acadêmico de Direito da UFAC

Estagiário do Escritório Jurídico Lourival Marques de Oliveira



Retirado de: http://www.ufac.br/dep/dd