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A FALTA DE JUSTA CAUSA PARA INÍCIO OU PROSSEGUIMENTO DE AÇÃO PENAL- REQUISITOS- DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA.

 

 

ELIANE ALFRADIQUE

 

 

 

O Trancamento do inquérito policial ou da ação penal deflagrados com o oferecimento da denúncia e seu regular recebimento pelo juiz, reclamam ausência de base para denúncia, ou de defeitos formais para seu prosseguimento. Necessário se faz, que o acervo indiciário coligido pela autoridade contenha suporte fático-jurídico para que seja dada continuidade à ação penal contra o imputado.

 

No Capítulo X do Código de Processo Penal, quando trata do HABEAS CORPUS E SEU PROCESSO, mormente no artigo 648, percebe-se que o inciso I do mencionado artigo não está em consonância com os julgados de nossos Tribunais, isto porque, as decisões impõem limite e restrições, onde o texto da lei é claro. Estes julgados não se amoldam ao comando normativo ínsito no artigo 648, abaixo trancrito, que de forma clara prescreve:

 

“Art. 648- A coação considerar-se-á ilegal:

I) Quando não houver justa causa;

Em assim sendo, torrenciais julgados vêm entendendo que o Habeas Corpus não é a via adequada para trancamento do inquérito e ou ação penal por falta de justa causa. Se o art. 648 do CPP diz que a coação é considerada ilegal quando não houver justa causa, mister que haja uma perfeita interpretação do contido no artigo sob comento, para encontrar-se a justa aplicação do preceito estatuido em lei. Como leciona Magalhães Noronha (Curso de Direito Penal, Saraiva, 17ª Ed., 1986, p. 414): “Justa Causa é o fato cuja ocorrência torna lícita a coação”, a contrario sensu, a falta de justa causa se caracteriza pela ilicitude da coação. Assim, a primeira hipótese em que é cabível a concessão do habeas corpus, em decorrência de constrangimento ilegal, nos termos do dispositivo de lei, é a falta de Justa Causa. Uma clara referência a ausência do Fumus Bonis Juris para a prisão, inquérito ou ação penal, ou qualquer constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Em regra, o HC não é meio para trancar o Inquérito Policial já que, para a instauração do procedimento investigatório, havendo elementos que indiquem a ocorrência de fato que, em tese, constitua ilícito penal, e indícios que apontem determinada pessoa como participante do fato típico e antijurídico, a autoridade policial tem por obrigação sua apuração. Se houve impetração nesse sentido, para o deferimento fundado na falta de justa causa, é necessário que ela resulte nítida, patente, incontroversa, translúcida, não ensejando uma profunda valoração da prova ou um revolvimento probatório.

 

Figurando no art. 648 do CPP, que a coação considerar-se-á ilegal quando não houver justa causa, o primeiro aspecto a ser considerado será no sentido de determinar-se o que seja justa causa. O significado de causa é fornecido pelo próprio Código Penal, art. 13, 2ª parte, considerando-a como “a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. E no que concerne ao conceito de justo e do injusto, não se pretende adentrar na análise filosófica do tema. Basta que se saiba que o justo está intimamente relacionado com o certo, com aquilo que poderá e deverá ser feito, sem causar lesão ao Direito de quem quer que seja.

 

Nessa ordem de idéias, a coação considerada ilegal será aquela exercida sem que haja um motivo lícito, conforme o Direito, restringindo total ou parcialmente a liberdade de locomoção. Bento de Faria entende faltar justa causa “se o ato de que se queixa o cidadão ou não tem a sanção da lei ou não satisfaz seus requisítos”. Acrescenta-se, requisítos de fundo e de forma, que embora apareçam tênues no processo criminal, são elementares, tendo em vista que no processo criminal, se encontram, de um lado, o Estado e o jus puniendi, de outro, o acusado, que não pode ser afrontado em seus direitos fundamentais quando não há base para a ação penal. Só é exigido que a falta de justa causa deverá ser visível , ressaltar claramente do pedido. A contestação ao fato de que o remédio heróico não é sede para apreciação da coação por falta de justa causa, não procede. A se sustentar tal situação, o preceito legal do art. 648, inciso I, seria letra morta. Torna-se mister um revolvimento nos conceitos, para que a análise de uma alegação de falta de justa causa seja apreciada com critério, objetivando uma prestação jurisdiconal justa e eqüanime.

 

Relativamente a este assunto, leciona Julio Fabrini Mirabete, em sua obra “Código de Processo Penal Anotado, Ed. Atlas, 3ª ed., p. 760”:

“…somente se justifica a concessão de habeas corpus por falta de justa causa para a ação penal quando ela é evidente, ou seja, quando a ilegalidade é evidenciada pela simples exposição dos fatos com o reconhecimento de que há imputação de fato atípico ou da ausência de qualquer elemento indiciário que fundamente a acusação. É possível, entretanto verificar perfunctoriamente os elementos em que se sustenta a denúncia ou a queixa, para reconhecimento da “fumaça do bom direito”, mínimo demonstrador da existência do crime e da autoria, sem o qual há falta de justa causa para a ação penal. Há constrangimento ilegal quando o fato imputado não constitui, em tese, ilícito penal, ou quando há elementos inequívocos, sem discrepância, de que o agente atuou sob uma causa excludente da ilicitude. Não se pode, todavia, pela via estreita do mandamus, trancar ação penal quando seu reconhecimento exigir um exame aprofundado e valorativo da prova dos autos. Nada impede, em tese, que a sentença transitada em julgado seja rescindida por Habeas Corpus, como nas hipóteses de: “existência de nulidade radical, ou na ausência de criminalidade do fato que resulta patente da mera exposição dos fatos. Não é admissível, pois, quando a impetração impõe questão de alta indagação, exigindo reexame da prova”. Acrescente-se que em caso de prescrição e de reconhecimento de que houve arquivamento implícito em relação a um ou mais denunciados, há que se reconhecer que ai, não há reexame de prova e, sim, fatos verificáveis através de documentos que acompanhem o mandamus.

 

Coerente neste caso é afirmar-se que há falta de justa causa, quando o constrangimento, a ilegalidade, a coação, não tem um motivo legal.

 

Espínola Filho atribuia ao requisito da idoneidade, uma das condições para que a ação penal se inaugurasse contra alguém.

 

“Sem a idoneidade, o processo se transforma em uma coação ilegal art. 648, I, do CPP, em um indevido processo ilegal, claro que amparado por habeas corpus, garantia constitucional com natureza de ação constitucional penal, que precisa ser respeitado pelos aplicadores do Direito, no sentido de que o referido art. 648, I, perderá sua natureza caso não haja uma razoável amplitude em sua interpretação, para que a liberdade, direito supremo, possa ter garantia rápida e eficaz que a liberdade merece. Roberto Lyra ensina: “Pedi sempre o arquivamento dos inquéritos policiais ou peças de investigação, quando não se caracterizava, a rigor, Justa Causa para a denúncia”.

 

Rui Barbosa ensinava que “coação poe ser definida como a pressão empregada em condições de eficácia contra a liberdade no exercício de um direito, enquanto a violência é o uso da força material ou oficial, sob quaisquer das duas formas, em grau eficiente para evitar, contrariar ou dominar p exercício de um direito”.

 

O ilustre Promotor de Justiça Afrânio Silva Jardim retrata em sua lição a fibra vital do conceito de justa causa, considerando-a quarta condição da ação:

“Justa causa é suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado. Tal lastro probatório nos é fornecido pelo inquérito policial ou pelas peças de informação, que devem acompanhar a acusação penal, arts. 12,39, parágrafo 5º, e 46, parág. 1º do CPP”.

 

Weber Martins Batista, citando Ada Grinover, em decisão do TACRIM/SP, entendeu correto o não recebimento de denúncia sem esse princípio de prova, pois a mera suposição “não justifica o desencadeamento de um processo criminal, que representa, por si só, um dos maiores dramas para a pessoa humana. Por isso é que um mínimo de “fumo de bom direito” há de exigir-se, para que se leve adiante o processo”. (Ac. Unânime, 2ª Câm., Rel. Juiz Amaral Salles, JUTA 67/225).

 

A denúncia deve reportar-se a um fato delituoso, corroborado, quantum satis, por elementos probatórios idôneos. O ato acusatório deve basear-se pelo menos em indícios no que concerne à autoria. Por exercitar seu controle de viabilidade da ação penal, o judiciário pode e deve examinar a prova que sustenta uma denúncia, para reconhecimento da fumaça do bom direito, o mínimo demonstrador daquelas circunstâncias: existência do crime e autoria. É isso é possível no âmbito do habeas corpus, quando se evidencia situação que dispensa aprofundado exame de provas”. (AC. de 18/04/1085, Rel. Juiz Lustosa Goulart, ADV, 23.311).

 

Para o oferecimento de uma denúncia, cuja responsabilidade assume de seu próprio punho, o Promotor, exige sempre a maior ponderação, leciona Roberto Lyra. O Código de Processo Penal estabelece os requisitos da denúncia, que torna inepta e fica sujeita à rejeição in limine se não os satisfizer, exige-se a maior prudência em evitar denúncias temerárias O Promotor Público tem a responsabilidade direta de fazer assentar-se nos bancos dos réus, de incluir nos arquivos de identificação criminal de expor a ônus, vexames e escândalos de um processo criminal o denunciado. É bem sério o dever de atender às imposições de sua consciência, como órgão da ação penal, medida extrema e excepcional que inspira a mais delicada compenetração das responsabilidades funcionais, doutrina Roberto Lyra.

 

Em não sendo restrição do art. 648, I do CPP, quanto à justa causa ser apreciada em via de Habeas Corpus, quando demandar exame valorativo da prova ou outras questões de maior complexidade, há que se entender que na própria decisão do HC, deva vir assinalado que “existe a coação”, dependendo de postulação em outra sede. Não é questão de prova, mas de direito probatório- que comporta deslinde em habeas corpus, a de saber se é admissível rechaçar de pronto a ilegalidade contida na ação penal. Como exemplos, poder-se-ia citar se é admissível a pronúncia fundada em dúvida declarada com relação à existência material do crime e a resposta é negativa, porque vigora a seu prol não o aforismo in dubio pro societatis, que malgrado as críticas procedentes à sua consistência lógica, se afigura injusto e nessa esteira permite a continuidade da coação ilegal contra o imputado. Citemos, verbi gratia, caso concreto em que o imputado foi pronunciado, apesar de o titular da ação penal ter requerido a impronúncia por falta de indícios que levasse aquele imputado a uma decisão fulminante. Verdadeira coação, que se o julgador entendeu fazer “vista grossa”, o representante do Parquet teria que se insurgir diante dessa atitude centralizadora. Pois, na verdade, o convencimento do juiz, exigido na lei, não é obviamente a convicção íntima do jurado, que os princípios repeliriam, mas convencimento fundado na prova, sem paixão ou parcialidade, donde, a exigência que ai cobre tanto a da existência do crime, quanto da ocorrência de indícios de autoria, de que o juiz decline, na decisão, “os motivos do seu convencimento”. A presente ação penal está fulminada de coação ilegal a ser reconhecida pela via do mandamus, não dependendo de exame de prova valorativa, mas de tão somente, cotejar o parecer do Promotor de Justiça e a decisão de pronúncia. Constituindo neste caso, uma agressão ao interesse social e uma aberração jurídica com característica de abuso de poder, sanável por via do recurso em sentido estrito ou por Habeas Corpus, com base na falta de justa causa.

 

Cite-se, também a guisa de elucidação de matéria tão delicada, o fato real de um imputado que figurou no caderno informativo policial, como testemunha e após a denúncia pelo crime de latrocínio, vem aos autos um aditamento à denúncia, agora já não pelo crime de latrocínio e sim, de homicídio, já ai, para incluir a testemunha como agente ativo, sem prova nova, ou melhor, inovadora. Neste caso, houve inquestionavelmente o ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO, sanável o constrangimento, por via de HC, por caracterizar coação ilegal e a falta de justa causa resta patente, translúcida, não dependente de valoração da prova.

 

É válido nestas considerações, transcrever lição de Magalhães Noronha quando é definido o conceito de processo como “o conjunto de atos legalmente ordenados, para a apuração do fato, da autoria e a exata aplicação da lei. O fim é este; a descoberta da verdade, o meio”. Nesta linha de raciocínio, se o processo contiver atos ilegalmente determinados, a coação se configura e o meio de deter a ilegalidade é o Habeas Corpus, até porque no art. 648, I, não faz qualquer restrição a impedir o uso do remédio urgente.

 

O Superior Tribunal de Justiça por suas Turmas, vem decidindo que:

“A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade”. (HC 23714/RS, Rel. Ministro Gilson Dipp, STJ, 5ª Turma).

 

“O trancamento da ação penal, medida de exceção que é, somente cabe, consoante entendimento sufragado no âmbito desta Corte Superior de Justiça, nas hipóteses em que se demonstrar, na luz da evidência, primus ictu oculi, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade”. (HC 20121/MS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, STJ).

 

“O trancamento de ação penal por falta de justa causa, postulada na via estreita do habeas corpus, somente se viabiliza quando, pela mera exposição dos fatos na denúncia, se constata que há imputação de fato penalmente atípico ou que inexiste qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito pelo paciente”. (RHC 11852/MG, Rel. Ministro Vicente Leal, STJ, 6ª Turma).

 

Sabido que o habeas corpus se apresenta como o remédio apto a, prontamente, fazer cessar, ou impedir, a restrição ou anulação da liberdade individual, oriundas de violência ou coação ilegais, pôde escrever Pimenta Bueno (Apontamentos sobre o processo penal brasileiro, 2ª ed., 1857, p. 209): “do exame,tanto das leis estrangeiras como das nossas, vê-se claramente que esta valiosa garantia constitucional é conferida não somente contra a prisão arbitrária, e sim contra todo o constrangimento ilegal, ou ele provenha de uma detenção injusta, ou de ser ela verificada em lugar ilegítimo, ou resulte de uma atividade forçada, ou opressão que comprima indevidamente a liberdade do cidadão, ou do homem”.

Evidencia-se ante aos inúmeros casos de pedidos para reconhecimento de coação ilegal, pela via do habeas corpus, que seja dado um maior dimensionamento ao writ para maior abrangência desses casos, pois o que é insustentável é a permanência da coação. O axioma a ser usado é daha mihi facta dabo tibi jus (dá-me os fatos que eu te darei o direito).

 

A despeito de haver justa causa para a coação, e emanar esta de autoridade competente, torna-se ela ilegal, no sentido de justificar a concessão de ordem de habeas corpus, eis se vincule a processo judicial nulo, pois, se a nulidade é de fundo ou simplesmente de forma, há falta de justa causa, a ser reconhecida através do writ. Se, porém, a autoridade permite que o processo atravesse seus trâmites, afetado de nulidade, sem a sanar, sem a fazer suprir, o Habeas Corpus pode intervir para fazer cessar esse constrangimento.

 

No escopo de maior abrangência dos julgados de nossos Tribunais, registra-se que em casos concretos que se amoldaram à real interpretação do inciso I do art. 648 do CPP, como veremos:

“JUSTA CAUSA__ Inexistência para a ação penal- Infrações atribuidas aos pacientes (falsidade documental e uso de documento falso)- Delitos que reclamam o dolo para a sua configuração- Inexistência na espécie- Habeas Corpus concedido- Inteligência do art. 648, inciso I do CPP”.Tanto a falsificação documental quanto o uso de documento falso reclamam para a sua configuração o dolo, ao menos genérico, que inexistindo acarreta o trancamento da ação penal, por falta de JUSTA CAUSA. (TJSP/HC141.223, Rel. Des. Dalmo Nogueira- RT 535/280).

 

“JUSTA CAUSA - Ação Penal- Inexistência pretendida para a condenação- Habeas Corpus concedido- Inteligência do art. 648, I, do CPP.Em habeas corpus se infirma a sentença condenatória quando se constate a ocorrência, no processo, de nulidade radical, ou quando a ausência de criminalidade seja de primeira evidência, decorrendo da simples exposição do fato. (TACSP/HC 89.324- Rel. Juiz Cunha Camargo- RT 542/369).

 

“JUSTA CAUSA- Inexistência para a ação penal- Paciente que, pelo mesmo fato, antes capitulado como receptação, fora absolvido por sentença transitada em julgado- Nova denúncia,agora pelo delito de furto- Inadmissibilidade- Concessão do HABEAS CORPUS para seu trancamento- Inteligência do art. 648, I, e art.384, perágrafo único, do CPP”.Receptação e furto integrando o mesmo fato, absolvido o acusado do primeiro delito, por decisão transitada em julgado, não pode, sem ofensa à coisa julgada, ser denunciado pelo segundo, dada a existência na espécie do “bis in idem”. (TACSP/HC 91.354- Rel. Juiz Geraldo Pinheiro- RT 531:338). Aditando-se em referendo ao presente decisum, é de todo pertinente citar a Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto de San Jose da Costa Rica (1969) que edita em seu art. 8º, nº 13, no Capítulo das Garantias Individuais que “O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

 

“JUSTA CAUSA - EXISTÊNCIA- Paciente que nenhuma participação teve no delito descrito na denúncia - Incêndio doloso- Erro técnico que lhe é atribuido que em nada teria influido no evento- Trancamento da ação penal com referência ao mesmo- Concessão de Habeas Corpus para esse efeito- Inteligência do art. 648, I, do CPP”.Não se justifica a inclusão do paciente na denúncia, demonstrando que nenhuma participação teve no delito que ela pretende apurar. ( TJSP/HC 140.885 - Rel. Des. Cunha Bueno- RT 535/268).

 

Inexistindo, portanto, sequer indício de delito que se pretende apurar, prescrição da pretensão punitiva, ausência de tipicidade do fato, erros de forma e de fundo, como já comentados, levam ao trancamento da ação penal, se tiver sido iniciada e o trancamento do inquérito policial, este, baseado em falta de tipicidade, prescrição da ação.

 

Cite-se aqui, um exemplo de arbitrariedade que gerou um decreto de prisão preventiva contra um imputado a partir de um depoimento de testemunha tomado na madrugada, sem que o imputado tivesse ciência desse fato. Prova ilícita que fez originar a restrição da liberdade, produzida com “contornos legais”. Aqui, é caso de falta de justa causa a ser corrigida no writ constitucional, porque trata-se de não ato, não-prova, de um nada jurídico, que se remete à categoria da inexistência jurídica. A conseqüência da inexistência jurídica, consiste em que o ato, carecendo dos elementos que o caracterizariam como ato processual, é ineficaz desde sua origem. As provas ilícitas, portanto, devem ser consideradas como inexistentes e totalmente ineficazes, retroagindo a sua ineficácia ao momento de seu nascedouro.Neste caso, o habeas corpus para suspender, e, afirme-se, até mesmo trancar a ação por inadequação dos trâmites às normas legais, por eiva de dúvida e parcialidade da ação penal, e esta, baseada em provas obtidas ilicitamente, torna ineficazes todos os atos praticados a partir de então, e a anulação dos mesmos é decisão justa. Aplica-se a Teoria americana dos “fruits of the poisonous tree”(frutos de uma árvore venenosa).

 

Como diz Roscoe Pound, “a liberdade sob a lei implica em aplicação sistemática de tal força (da sociedade sobre os indíviduos), de tal sorte que seja uniforme, igual, previsível, resultando da razão e baseando-se em fundamentos compreensíveis, mais do que ao capricho ou impulso ou deixando de ouvir inteira e imparcialmente a todos quantos por ela venham a ser afetados, bem como em compreensão dos fatos que justifiquem uma ação oficial”. (in Desenvolvimento das Garantias Constitucionais da Liberdade, Ibrasa, 1965, p.5).

 

 

Rui Barbosa advertia: “onde quer que haja um direito individual violado, há de haver um recurso judicial para a debelação da injustiça, este é o princípio fundamental de todas as constituições livres”.

Arrematando estas breves considerações sobre o tema é valioso citar as palavras de José Saramago, in Juízes para a Democracia, que com maestria assim se expressa:

“A justiça continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em ação, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste”.

 

Assim sendo, o que não se recomenda, em tema de Habeas Corpus, é que se proceda à análise valorativa da prova. Mas O que não se deve excluir, e até mesmo, firmar-se, é a necessidade de assim agir, se a tanto o exigir a realização do supremo ideal de Justiça.

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

a) BATISTA,Weber Martins, Direito Penal e Direito Processual Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1997,p.546.

b) BUENO Pimenta, Apontamentos sobre o Processo Penal Brasileiro, 12ª ed., 1857, p.209.

c) Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto de San Jose da Costa Rica (1969).

d) ESPÍNOLA, Eduardo Filho, Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Borsoi, 1965, p.745.

e) JARDIM, Afrânio Silva, Direito Processual Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1999.

f) LYRA, Roberto, Criminologia, Rio de Janeiro, 1957.

g) LYRA, Roberto, Novo Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1980.

h) LYRA, Roberto, Teoria e Prática da Promotoria Pública, Rio Grande do Sul, 1989.

i) MIRABETE, Júlio Fabrini, Código de Processo Penal Anotado, Atlas, 3ª ed., p.760.

j) NORONHA Magalhães, Curso de Direito Penal, Saraiva, 17ª ed., 1986, p. 414).

k) RESCOE Pound, Desenvolvimento das Garantias Constitucionais da Liberdade, Ibrasa, 1965, p. 5.

l) BARBOSA RUI, Obras Completas, vol. 20, t. 4., 1893, p. 142, Imprensa).

m) Jurisprudência dos Tribunais Superiores, Tribunais Estaduais e Federais (Anotações no texto).