A
DELINQÜÊNCIA E O DIREITO PENAL Carlos Roberto Souza
da Silva
"Amaldiçoam
as devastações que o rio trás com as cheias,
mas não se lembram das margens que o comprimem."
O
indivíduo para viver em sociedade não desfruta de
plena liberdade. As limitações impostas a cada um
estão para atender ao bem estar do grupo. Dessa forma, cada
ente do corpo social entrega parte de sua liberdade pretendendo
que a coletividade coexista harmoniosamente. Essa "entrega"
pretende que o indivíduo atinja, através do grupo, a
felicidade, a conservação e a evolução.
Para
tal, os homens contratam-se uns com os outros. Prometem
respeitarem-se mutuamente e buscarem juntos o bem de ambos e de
todos, pois contratam-se com todos. Como em um contrato
sinalagmático, são iguais, são livres dentro
dos limites do que contatam e têm obrigações
recíprocas.
Para promoverem-se, delegam a um Ser
Livre de Paixões, o gerenciamento das autonomias que
individualmente cederam ao grupo. E por todos os entes do grupo
terem contrato entre si, é cedida a vontade do grupo. Esse
Ser idôneo age em nome de todos os contratantes, através
da vontade do grupo, buscando o bem comum.
Sendo os
signatários iguais, todos tem os mesmos direitos e deveres.
As oportunidades dentro do grupo são iguais. Cabendo ao
Gerenciador das vontades, garantir a permanência da
igualdade para todos. Com as mesmas oportunidades no grupo, o
pacto se preserva, amplia e atinge o seu fim: O Bem Comum. O
contrato será legítimo enquanto a Entidade fictícia,
garantir, liberdade, preservação e igualdade de
oportunidade.
Concentremo-nos no acima exposto.
O
colossal contraste que impera no ventre de nossa sociedade é
certamente a maior causa do aumento do crime no Brasil.
O
fenômeno sociopolítico do crime, deixa claro a inútil
tentativa de atribuir ao Direito Penal, tornando certas condutas
delituosas, a solução da criminalidade.
Aumenta
a cada dia a dúvida em saber se o Estado é ou não
suficiente para garantir a conservação de seus
cidadãos, um dos princípios do pacto social. E a
cada dia o Estado se monstra mais omisso e insuficiente.
Apresenta-se desinteressado com a origem da delinqüência,
restringindo-se tão somente em tipificar condutas como
criminosas. O Estado está impotente e desacreditado.
"Não
foi tal descrença que precipitou o movimento que tornou-se
historicamente conhecido como Revolução Francesa?
Não seria o crime a revolução que se opera
entre a sociedade injustiçada, apenas em moldes diferentes
aos da ocorrida na Europa?" A essa indagação de
Paulo Roberto Probst, temos a resposta no dia a dia Nacional.
O
crescente desnivelamento social e o aumento dos miseráveis,
não é o único, mas certamente a causa mais
objetiva do aumento da delinqüência. Tentar atribuir ao
Direito Penal a responsabilidade para conter a criminalidade, é
negar o menos caso do Estado para com as desigualdades sociais. O
Direito Penal não é uma panacéia.
Baccaria
coloca-nos que "consultemos a história e veremos que
as leis, que são ou deveriam ser pactos entre homens
livres, não passam geralmente, de instrumentos das paixões
de uns poucos, ou nascem da necessidade fortuita e passageira."
Nossa sociedade apresenta uma ruptura do pacto social, ao
codificar suas cláusulas par servir a uma
minoria.
Ensinou-nos Montesquieu que na Democracia "O
amor pela Democracia é o amor pela igualdade,... todos
devem gozar das mesmas felicidades e regalias".
Não
sabemos, todavia, até que ponto o pacto social no Brasil
está ameaçado, pois nossos cidadãos, donos de
enorme verve e humor, e grandes ironizadores de suas próprias
tragédias e misérias, pouco sabem e muito ignoram
acerca de nossa realidade.
O trato social deve ser
preservado a bem da perpetuação da sociedade.
Qualquer agressão ao pacto necessita de uma sanção
correspondente ao valor da ofensa. A pena entra , então,
como forma inibidora da usurpação ao depósito
das liberdades renunciadas.
Alguns juristas defendem a
despenalização corajosa para o país. Mas será
possível manter a sociedade de pé sem pena?
O
fim da pena é reeducar. Já vai longe o tempo da
vingança privada ou estatal. Mas o que vemos objetivamente
é a vingança. Se a pena tem o escopo de reeducar,
como conceber cárceres cheios que mais assemelham-se a
depósitos de restos humanos, onde a indiferença do
corpo político, crescentemente ineficaz em sua função
repressora, traduz pela indignidade e pela infâmia que ferem
o contrato social de maneira tão evidente como o faz a
conduta criminosa.
Alguns, buscando solução
para o problema da delinqüência, oferecem para debate
tema tão horrendo quanto o próprio crime: a pena de
morte. Entendemos que a pena de morte feri o pacto social. Ora, se
o homicídio é repudiado pelos contratantes, não
pode o corpo depositário arvora-se em praticá-lo e
agir contra as disposições do trato social. Como
poderia a sociedade atual ter a morte provocada como valor de sua
existência. A pena capital é mais uma demonstração
de impotência política frente a crescente miséria
e consenqüentemente a delinqüência. Certamente
prevendo as paixões sociais, o Poder Constituinte de 88,
mostrando-se sensível à Declaração
Universal dos Direitos dos Homens, considerou o valor da vida como
Cláusula Pétrea, o que torna impossível,
juridicamente, qualquer emenda ou lei que tente instituir a pena
de morte.
A pena moderna, posto que civilização
atual não pode formalmente admitir que sofrimento e miséria
sejam objetivos máximos, deve reeducar o delinqüente.
Mas como reeducar se o seu escopo parece sucumbir ante o quadro
dantesco de nossas instituições. O problema é
muito mais político e social que jurídico.
Não
podemos chegar ao ponto de cegarmo-nos para o delinqüente. O
que se põe em debate é saber se o delinqüente é
por si criminoso ou se é um aborto social. Acreditamos em
ambas. Há aquele que conscientemente, mesmo reunindo todas
as condições para fazer um julgamento pacífico
de seus atos, mesmo com uma educação e um
conhecimento social nítido e não apresentando nenhum
desnível psicológico, põe-se a contrariar a
norma jurídica; há outro que apesar de estar no
grupo social, é dele a margem. Não corre em seu
curso, não desfruta de seu benefícios. Mas por estar
alí, a margem da sociedade, vê o rio passar e dele
quer fazer parte. Por não reunir as condições
exigidas para usufruir do que é posto para aquela sociedade
ou dela participar, procura ele de outros meios, destoando dos
padrões morais e normativos da sociedade. Este delinqüente
apresenta-se das mais variadas formas, mas tem geralmente a mesma
origem: a desigualdade social, a instabilidade social, as
misérias, as privações. No primeiro caso
acreditamos que há um criminoso, nos demais, um desajustado
social. No primeiro a sanção, nos demais
reeducação.
Por fim, entendemos não
ser o Direito Penal a panacéia para o fenômeno social
crime. É o crime conseqüência política e
social. Tem sua origem na desigualdade social, na miséria e
no descaso do Estado. A reabilitação do delinqüente
não será conseguida em depósitos humanos onde
valores se misturam e corrompem-se. Não se consegue a
reeducação, apenas guarda-se o agente do delito em
cárceres que o faz mais violento, enfraquecendo seus
valores. Devolve-se-o ao corpo social mais violento, indignado e
nocivo. A pena capital não seria, apesar dessa realidade,
uma solução, pois os valores de nossa civilização
estariam corrompidos se assim fosse.
Em fim concluímos
que a educação é solução para o
crime; a reeducação além de cara é
estruturalmente falida. Só a educação pode
dar a cada homem o direito da igualdade, o direito de ser parte do
copo social; é a educação, na concepção
de Montesquieu, o elo que prepara-nos para sermos
cidadão.
BIBLIOGRAFIA
O CONTRATO SOCIAL;
Jean-Jacques Rousseau; O ESPÍRITO DAS LEIS;
Charles-Luois de Secondat, Barão de La Bréde e de
Montesquieu; DOS DELITOS E DAS PENAS: UM BREVE ESTUDO DAS TESES
BECCARIANAS E A REALIDADE BRASILEIRA; Paulo Roberto Probst -
Artigo colhido na INTERNET.
Carlos
Roberto Souza da Silva Aluno do 2.º ano da Faculdade
de Direito de Sete Lagoas-MG
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