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A natureza jurídica da decisão proferida em sede de transação penal

 

Humberto Dalla Bernardina de Pinho*

 

Assunto que há muito vem levando os doutrinadores a infindáveis discussões jurídicas consiste em estabelecer-se qual é a natureza jurídica da decisão que, acatando a proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público e aceita pela defesa, aplica a chamada sanção penal consensual.

 

Ou, por outro lado, como se classifica a decisão que rejeita tal proposta, mesmo que estejam de acordo ambas as partes.

 

Comecemos pela primeira hipótese.

 

Nesse passo, Ada Pellegrini Grinover e Lucas Pimentel de Oliveira sustentam tratar-se de sentença homologatória de transação penal com eficácia de título executivo. Afirmam esses doutrinadores que essa sentença é espécie nova de decisão em âmbito processual penal.

 

Para Paulo de Tarso Brandão, Damásio E. de Jesus e Cláudio Antônio Soares Levada, trata-se de sentença meramente declaratória.

 

Cezar Bitencourt afirma ser essa decisão uma sentença declaratória constitutiva.

 

Geraldo Prado, Marino P. Filho, Sidnei Beneti e Lycurgo de Castro Santos afirmam tratar-se de sentença condenatória.

 

Weber Martins Batista e Julio Fabrini Mirabete entendem existir na espécie sentença condenatória imprópria.

 

O Professor Mirabete assim aduz seu entendimento:

"Por disposição expressa, a sentença homologatória da transação não tem os efeitos civis (art. 76, parágrafo 6º), como previsto para a sentença penal condenatória (art. 91, I, do Código Penal, art. 63 do Código de Processo Penal). Fica excluída, também, a possibilidade de invocação do art. 584, III, do Código de Processo Civil, que considera como título executivo judicial a sentença homologatória de transação. Assim, a vítima e os demais interessados deverão propor ação de conhecimento no juízo cível para obter a reparação dos danos e outros efeitos civis.
Sendo genérico o dispositivo, ao se referir a 'efeitos civis', também não gera a sentença homologatória da transação a perda dos instrumentos ou produto do crime (art. 91, 'a' e 'b', do Código Penal). Também se pode afirmar que, tratando-se de sentença condenatória imprópria, não causa a sentença os efeitos civis e administrativos previstos no art. 92, do Código Penal, eventualmente aplicáveis ao autor da infração de menor potencial ofensivo, mesmo porque tais efeitos não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença (art. 92, parágrafo único, do Código Penal)."
 

Pedro Demercian afirma tratar-se de instrumento de controle jurisdicional da legalidade do acordo, não fazendo coisa julgada material.

 

 Maurício Kuehne considera a decisão uma sentença aplicadora de pena.

 

A par da enorme controvérsia que cerca o tema, temos para nós que a decisão do Juiz que acata a proposta formulada pelo Ministério Público e aceita pela Defesa, tem a natureza jurídica de sentença penal condenatória.

 

É sentença porque põe termo a um procedimento, analisando seu conteúdo meritório (no caso o preenchimento dos requisitos para a concessão da transação penal e fixação da pena a ser cumprida). É também condenatória porque impõe uma sanção, e esse fato independe, a nosso ver, de tal imposição ser consensual ou não. Ademais, se tal decisão pode ser executada, só pode se tratar de uma decisão condenatória, nos moldes da tradicional teoria geral do processo .

 

Nessa linha de raciocínio, não enxergamos qualquer impedimento a que uma decisão seja simultaneamente homologatória e condenatória. Trata-se de inovação trazida ao ordenamento pátrio pela Lei nº 9.099/95 e aplicável no âmbito do denominado espaço de consenso.

 

Nesse sentido colho recente Decisão proferida pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça que veio ao encontro de nosso modesto posicionamento.

 

"SENTENÇA. HOMOLOGAÇÃO PENAL. NATUREZA JURÍDICA.
A sentença homologatória da transação penal gera eficácia de coisa julgada material, impedindo a instauração da ação penal no caso de descumprimento da pena alternativa aceita pelo autor do fato. Assim, tendo a sentença homologatória da transação penal natureza condenatória, o descumprimento da pena de multa aplicada pelo Juizado Especial Criminal deve receber o mesmo tratamento pelo Juizado Criminal Comum, aplicando-se o art. 51 do CP com a redação dada pela Lei nº 9.268/96. Após a vigência da referida Lei, a pena de multa passou a ser considerada tão-somente dívida de valor, sendo revogadas as hipóteses de conversão em pena privativa de liberdade ou restrição de direitos. Logo, a pena de multa não cumprida no prazo legal deve ser inscrita na dívida ativa da Fazenda Pública. (REsp 194.637-SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 20/4/1999 e referido no Informativo STJ nº 15). (grifos nossos)"
 

Entretanto é preciso remarcar a extensão desse efeito condenatório.

 

Em regra a decisão que homologa a transação reveste-se do efeito condenatório genérico. Não tem ela o condão de gerar efeitos específicos, por ausência de previsão legal para a espécie, como aliás salienta o Professor Mirabete, no excerto acima transcrito.

 

Nesse mesmo sentido, com acerto já decidiu o Egrégio Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, como se afere da seguinte ementa:

 

"A sentença homologatória de transação penal não pode ter o efeito de condenação do artigo 91, II 'a', porque não cabe interpretação extensiva contra o réu. Ademais, a sentença não pode ir além do que foi acordado pelas partes. (impedir a restituição de arma apreendida)"
 

Relacionada à questão da natureza jurídica da sentença que decide a questão da transação penal, encontramos a seguinte indagação: O Juiz, ao homologar a transação, pode alterar os limites da proposta feita pelo Ministério Público?

 

Damásio E. de Jesus, Maurício R. Lopes e Paulo de Tarso Brandão entendem que pode o Juiz alterar os limites dessa proposta somente para reduzi-la quando lhe parecer excessivamente gravosa ao autor do fato, cabendo entretanto recurso de apelação dessa decisão.

 

Ada Pellegrini Grinover, Weber Martins Batista, Lucas Pimentel de Oliveira, Marino P. Filho, Sidnei Beneti, Pedro Demercian, Cezar Bitencourt e Julio Fabrini Mirabete afirmam que o Juiz não pode alterar os limites da proposta.

 

Tais doutrinadores, com acerto a nosso ver, sustentam, via de regra que o Juiz deve verificar tão-somente a legalidade da adoção da medida proposta, já que trata-se de conciliação entre as partes.

 

Além disso, caso avalie o valor da proposta, interferindo na transação, o Juiz estará ofendendo o princípio do devido processo legal e ferindo o princípio da imparcialidade e o sistema acusatório, em que é nítida a separação entre as funções do Ministério Público e o Poder Judiciário, além de estar inviabilizando a própria consensualidade do ato, pois estará deixando de homologar um acordo de vontades para impor a sua vontade, o que nos parece inaceitável.

 

De se ressaltar, entretanto, que a própria Lei nº 9.099/95 prevê uma hipótese onde o Juiz poderá alterar os termos da proposta. Trata-se do disposto no Artigo 76, § 1º, verbis:

 

"Art. 76 - Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.§ 1º - Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade." (grifos nossos)
 

Entretanto, para que tal hipótese se verifique, é necessário que o Ministério Público tenha formulado proposta de aplicação de pena de multa. Não reputamos cabível tenha o Parquet se manifestado no sentido de se aplicar pena restritiva de direitos e o Juiz modificado a proposta ex-officio para pena de multa. Tal atitude representaria grave atentado ao preceito consubstanciado no artigo 129, inciso I, da Carta Magna.

 

Finalmente, ainda em sede doutrinária, numerosos autores vêm discutindo acerca da natureza jurídica da decisão que não homologa a transação penal, rejeitando, assim, o pactuado pelas partes.

 

Logo após o advento da Lei surgiu posição, sem autoria determinada, sustentando tratar-se de mera decisão administrativa, já que se entendia não haver ainda, nessa fase, relação processual instaurada.

 

Damásio de Jesus e Weber Martins Batista afirmam tratar-se de sentença.

 

Ada Pellegrini Grinover e Pedro Demercian sustentam haver na espécie decisão interlocutória.

 

Paulo de Tarso Brandão diz tratar-se de decisão suis generis.

 

Entendemos ser mais acertada a posição da Professora Ada P. Grinover neste caso. A não homologação da transação assemelha-se à decisão que rejeita a denúncia (cf. explicação à nota nº 15).

 

Nesse caso, face a não inserção da hipótese no rol taxativo do artigo 581 do Código de Processo Penal, parece-nos razoável a utilização da apelação subsidiária como via recursal mais adequada.

 

Esses, em apertada síntese, os comentários que reputamos relevantes acerca de tão controvertido tema.

 

 

 

(*) O autor é Promotor de Justiça e Assessor Especial de Investigações Penais da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Mestre e Doutorando em Direito, Professor Assistente do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da UERJ, Professor da Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Professor Convidado dos Cursos de Mestrado em Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Cândido Mendes e do Curso de Pós-Graduação lato sensu da Faculdade de Direito da Uerj, Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e da União dos Juristas Católicos do Estado do Rio de Janeiro.

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Retirado de:http://www.amperj.org.br/associados/dalla/artigo32.htm