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A quebra do sigilo bancário por ato do ministério público estadual

 

WALBERTO FERNANDES DE LIMA

 

 

"...todo dever tem sua razão e limite na utilidade social e não pode deixar de ser, portanto, relativo. A noção de dever do silêncio é tudo quanto há de menos absoluto"(NELSON HUNGRIA)
 
 
Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos gerais. 3. A normatização do sigilo bancário (Lei nº 4.595/64). 4. O sigilo bancário e a Constituição Federal de 1988. 5. O artigo 26 da Lei nº 8.625 de 12 de fevereiro de 1993. 6. Sigilo Bancário e a Lei Orgânica do Ministério Público da União. 7. A responsabilidade pelo membro do Ministério Público na quebra do sigilo bancário por ato próprio. 8. Conclusão. 9. Conclusões submetidas a discussão e votação pela Comissão de Trabalho e Plenário do XIV Encontro Estadual do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
 
 

1. Introdução

 

O que nos levou a refletir acerca deste tema foi, sem dúvida, a dificuldade outrora imposta ao membro do Ministério Público, atuante principalmente na área criminal, em coletar o mínimo de provas para a formação de sua opinio delicti e assim dar início a uma ação penal em delitos cuja criação da mente humana sempre exigiu do Promotor de Justiça uma maior mobilidade, consistente esta, muitas das vezes, numa pesquisa aprofundada de dados bancários ou financeiros, fonte de prova em que sempre resvalou, e aí se viu forçado a estagnar, sendo então obrigado a recorrer ao Poder Judiciário para obtenção de ditas informações, carente que era de uma autorização legal para caminhar na busca de elementos de convicção por força própria.

 

Com a promulgação da Carta Magna de 1988, tornou-se difícil a convivência com uma normatização infraconstitucional, neste particular ultrapassada, que não acompanhou a magnanimidade da evolução do Ministério Público, hoje erigido constitucionalmente como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, a quem se incumbiu a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e que por tais razões não poderia ter a sua atividade embaraçada por uma legislação que foi fruto de um período de autoritarismo.

 

Como apropriadamente acentuou Marcio Luis Chila Freyesleben, "...Se toda prova colhida no inquérito se destina ao Ministério Público, pois que detém a palavra final sobre a propositura ou não da ação penal pública, torna-se imprescindível um maior comprometimento do Promotor de Justiça com a investigação criminal."

 

Neste contexto, o necessário comprometimento do Promotor de Justiça com a investigação criminal, apto a definir o ajuizamento ou não de uma ação penal, somente seria viável mediante ao acesso às informações tidas como sigilosas.

 

2. Aspectos gerais

 

Acerca das raízes do sigilo bancário, merece realce o magistério de ESTEBAN COTTELY, citado por Álvaro Mello Filho, onde em sua preleção destaca que a primeira instituição bancária no sentido moderno foi o Banco de São Jorge, que teve sua origem nos anos de 1147-1148, e que impunha o dever de segredo a seus empregados, os quais deviam jurar e conservar em sigilo tudo o que soubessem a respeito dos atos e documentos da instituição e de seus clientes.

 

Com a transformação progressiva das normas jurídicas chegou-se à idéia de que a proteção das informações bancárias do cidadão, traduzida no sigilo, importaria, em verdade, na tutela de um direito subjetivo constitucional consolidado no direito à intimidade.

 

Neste sentido, somos partidários do pensamento de que o legítimo direito do cidadão não repousa no sigilo como um ato isolado e insuperável, e sim na privacidade como consequência de condutas lícitas, as quais, se revestidas de legalidade, gozarão da proteção constitucional inserta no inciso X, do artigo 5º da vigente Carta Magna.

 

Assim entendido, não há como negar-se que a Constituição Federal de 1988 procurou garantir a intimidade do cidadão inserindo-a no capítulo destinado a preservação dos direitos e deveres individuais e coletivos.

 

Todavia, é necessário frisar-se que este direito à intimidade, no que se refere ao dever do sigilo bancário, não é, nem poderia ser, absoluto, posto que sempre lhe será exigível curvar-se a um interesse maior quando este disser respeito à coletividade. É o secular princípio de que o interesse público sempre se sobrepõe ao interesse particular.

 

3. A normatização do sigilo bancário (Lei nº 4.595/64)

 

Com lastro neste raciocínio, a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que traçou a coluna vertebral do sigilo bancário, se preocupou em criar-lhe freios, delineando para aquela época uma forma para sua existência, onde as ressalvas à regra do segredo evidenciavam desde logo que este não tinha sua origem para ocultar fatos, cuidando de deixar evidente que a publicização destes fatos é que recobria tais revelações de um caráter de excepcionalidade.

 

Com efeito, reza o artigo 38 da Lei nº 4.595/64:

 

"Art.38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
 
§ 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.
 
§ 3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (artigo53 da Constituição Federal e Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central do Brasil.
§ 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente."
 

Destarte, as instituições financeiras se viram obrigadas a conservar o sigilo em suas operações, somente lhes sendo lícito prestar informações acerca das contas e dados de seus clientes nas hipóteses previstas no citado dispositivo legal.

 

Como bem pode notar-se, o legislador da época não incluiu o Ministério Público dentre aqueles entes que, por exceção, estavam autorizados a promover a quebra do sigilo bancário.

 

Contudo, na legislatura seguinte, através do § 2º do artigo 4º da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, que disciplinou o mercado de capitais, restou determinado que os referidos dados seriam encaminhados ao Parquet quando através dos mesmos o Banco Central tomasse conhecimento de crime a ser perseguido por ação penal pública.

 

"Art.4º....................................
 
§ 2º Quando, no exercício das suas atribuições, o Banco Central tomar conhecimento de crime definido em lei como de ação pública, oficiará ao Ministério Público para instalação de inquérito policial."
 

Contraditoriamente, não desejou o legislador incluir o Parquet dentre aqueles entes investidos de autoridade para quebra do sigilo bancário, porém, logo a seguir, admitiu por lei que esta Instituição se constituía no repositório das provas coligidas, a quem as mesmas seriam entregues para a propositura de uma ação penal, revelando, assim, ao órgão ministerial, informações que até então lhe eram sigilosas.

 

Fazia-se então presente a seguinte situação:

 

a) num primeiro momento, a possibilidade de quebra do sigilo pelo Poder Judiciário, função que na raiz lhe seria atípica, visto que pelo princípio da imparcialidade, tal órgão que é constitucionalmente inerte, participaria da fase pré-processual e investigatória;

 

b) em segundo plano, tinha-se a autorização de quebra do sigilo pelo Poder Legislativo, através das Comissões Parlamentares de Inquérito, onde uma vez concluído o procedimento o mesmo seria remetido ao Ministério Público para as providências cabíveis;

 

c) por fim, seria ainda possível o rompimento do sigilo por agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados, ou seja, agentes administrativos, quando existisse processo instaurado, o que equivale dizer, órgãos auxiliares de um processo, cuja deflagração, via de regra, pertencia ao Ministério Público.

 

Delineado este quadro, nele somente não se inseriu o órgão do Ministério Público (Estado-Administração), o qual, justamente, se erigia como elo de ligação entre os fatos formadores do conjunto probatório - por ser parte legítima para propositura de uma ação penal - e a prestação da tutela jurisdicional (Estado-Juiz).

 

Com o advento da Lei Complementar nº 40/81 , conferiu o legislador ao Ministério Público o poder de requisição de diligências e documentos, subtraindo-lhe, todavia, de forma expressa, a prerrogativa de exercer tal poder nos casos em que a lei resguardasse o direito ao sigilo.

 

Eis o que registrava o referido dispositivo do texto legal:

 

"Art.15. São atribuições dos membros do Ministério Público:
 
I- promover diligências e requisitar documentos, certidões e informações de qualquer repartição pública ou órgão federal, estadual ou municipal, da administração direta ou indireta, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo e de segurança nacional, podendo dirigir-se diretamente a qualquer autoridade"(grifamos).
 

Nada obstante, com o crescimento acelerado da macrocriminalidade e do crime organizado, o legislador teve que mitigar o dever do sigilo, pelo que, ao editar a Lei 7.492/86 (que definiu os Crimes contra o Sistema Financeiro - reafirmando aquelas prerrogativas insertas na Lei Complementar nº 40/81 de requisitar diligências, informações e documentos) inovou no sentido de que, nos crimes previstos no referido texto legal, seria cabível ao Ministério Público Federal a quebra do sigilo bancário por ato próprio, independentemente de qualquer requerimento ao Poder Judiciário.

 

Dispõe o texto:

 

"Art.29 - O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência relativa a prova dos crimes previstos nesta lei.
 
Parágrafo único - O sigilo dos serviços e operações financeiras não pode ser invocado como óbice ao atendimento da requisição prevista no "caput" deste artigo."
 

4. O sigilo bancário e a Constituição Federal de 1988

 

Promulgada a Carta Constitucional de 1988, o Ministério Público se afigurou, sem que possa contestar-se, como a Instituição que mais se modernizou, vindo a se apresentar à sociedade como seu legítimo defensor.

 

Sendo assim, a Carta Constitucional insculpiu em seu artigo 129, inciso VI:

 

"Art.129. São funções institucionais do Ministério Público:
...........................................
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;"
 

Instada a se manifestar, já que oficiada pela 1ª Central de Inquéritos, em razão de uma instituição bancária ter se negado a fornecer extratos de Caderneta de Poupança para instruir um inquérito policial, a Assessoria de Direito Público da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro firmou sua posição acerca da interpretação do mencionado dispositivo constitucional.

 

Na oportunidade, sustentou-se em parecerque a Carta Magna entregou à lei a criação das normas regentes da requisição de documentos, e sendo a atual restritiva (Lei Complementar nº 40/81, artigo 15, inciso I), esta se constituiria no balizamento de atuação do Parquet, até que nova legislação viesse a ser editada.

 

Desta maneira restou redigido o seguinte:

 

"...Verifica-se in casu a incidência do fenômeno da recepção. A nova Constituição atribuiu a Lei o estabelecimento das normas disciplinadoras da requisição de documentos. Ora, a norma vigente é restritiva, averbe-se, inconvenientemente restritiva, porém é o parâmetro de atuação do Parquet que deve ser respeitado. Se há proibição de requisição de documentos que violem o sigilo bancário diretamente pelo Ministério Público somente lhe resta, até que a nova Lei venha a ser editada, proceder de tal forma."
 

Em síntese, entenderam os ilustres pareceristas que o citado dispositivo da Constituição Federal se configurava numa norma constitucional de eficácia contida, quer dizer, regra de aplicação direta e imediata, cuja eficácia poderia ser reduzida ou restringida nos casos e na forma que a lei assim estabelecesse.

 

Neste caso, a norma reguladora do aludido comando constitucional seria aquela de caráter restritivo inserta no artigo 15, inciso I, da Lei Complementar nº 40/81, frise-se, como muito bem acentuado no parecer, "inconvenientemente restritiva", porém aplicável, visto que a nova Carta Magna recepcionou os instrumentos normativos anteriores até que nova lei tivesse a sua edição.

 

Admitida esta regra de hermenêutica, ainda assim fazia-se presente uma situação incoerente, posto que era mantido ao Parquet o limite do segredo quando a Lei Maior, através do § 3º do artigo 58, incumbiu às Comissões Parlamentares de Inquérito de lhe remeterem as suas conclusões para que, se assim fosse do seu entendimento, promovesse a responsabilidade civil ou criminal dos infratores, dispositivo que, mutatis mutandis, foi repetido na Constituição do Estado do Rio de Janeiro (artigo 109, § 3º, CE).

 

Estabeleceu a Constituição Federal:

 

"Art.58....................................
 
§ 3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridade judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."
 

Ora, se anteriormente à propositura da ação penal não existia para o Parquet a barreira do sigilo, em razão de receber do Legislativo todas as informações objeto de segredo, pareceu-nos claro que não poderia perdurar uma situação legal em que se mantivesse ao Ministério Público, como regra geral, o obstáculo do sigilo bancário por ter sido do desejo do Constituinte permitir a Instituição o contato com estes dados antes da instauração de um processo.

 

Destarte, entendíamos que uma nova legislação, ainda que no âmbito institucional, deveria ser logo elaborada no sentido de ampliar ao Parquet estadual o acesso por ato próprio aos dados bancários ou financeiros, de modo que assim pudesse exercer plenamente, e com a celeridade exigível, a grandeza de seu munus, sendo que a futura legislação infraconstitucional consagraria a interpretação do sistema como um todo, na exata forma em que foi positivado na Carta Magna, findando por enfatizar os princípios valorizados pelo Constituinte em relação ao Ministério Público, em especial, a liberdade de atuação na obtenção da prova, principalmente na fase pré-processual (artigo 129, incs. VI, VII e VIII, da CF/88).

 

Afirmamos no parágrafo anterior que uma nova legislação deveria vir para ampliar o acesso do Parquet aos dados financeiros ou bancários, porque a nível de Ministério Público Estadual a quebra do sigilo já era permitida a este pela avançada legislação menorista.

 

Conforme o disposto no artigo 201, inciso VI, alíneas b e c da Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente - passou a ser função do Promotor de Justiça, com atribuição junto à Justiça da Infância e da Juventude, requisitar informações e documentos as entidades públicas ou privadas, mesmo nas hipóteses de sigilo, tendo ainda o § 4º estabelecido a responsabilização do órgão ministerial pelo uso indevido destes dados sigilosos.

 

 

"Art. 201 - Compete ao Ministério Público:
..........................................
 
VI - instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los:
..........................................
 
b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias;
 
c) requisitar informações e documentos a particulares e instituições privadas;
..........................................
 
§ 4º - O representante do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, nas hipóteses legais de sigilo;"
 

Cumpre salientar, que esta possibilidade de quebra do sigilo bancário pelo membro do Parquet Estadual ficou limitada aos casos em que tais dados dissessem respeito exclusivamente a menores, exatamente por vir prevista no seio de uma legislação específica que textualmente condicionou a sua aplicação às hipóteses relacionadas à criança e ao adolescente.

 

"Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente."

 

 

5. O artigo 26 da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993

 

Com a edição da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que dispôs sobre as normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, encontra-se superada qualquer controvérsia acerca do poder de requisição por membro do Ministério Público dos Estados que importe na quebra de qualquer sigilo como regra geral, ante o que ficou consagrado no artigo 26 do aludido texto legal.

 

 

"CAPÍTULO IV
 
DAS FUNÇÕES DOS ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO
 
SEÇÃO I
 
DAS FUNÇÕES GERAIS
 
...........................................
 
Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
 
I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:
...........................................
 
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
...........................................
 
II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir os procedimentos ou processo em que oficie;
...........................................
 
§ 2º O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo."(grifamos)
 

Conforme consta do inciso II do artigo 26 da LONMP, qualquer membro do Ministério Público, vale dizer, qualquer Promotor de Justiça no âmbito de suas atribuições, poderá requisitar diretamente informações ou documentos às entidades privadas, bancárias ou financeiras, para instruir procedimento ou processo em que esteja trabalhando.

 

Com este dispositivo, logrou-se aparelhar legalmente o Ministério Público para requisitar extratos ou saldos bancários, contratos de abertura de contas, financiamentos, empréstimos ou qualquer outra operação bancária ou financeira, até mesmo um simples cartão de autógrafos, que muita das vezes requisitado pelo Parquet no curso de um inquérito policial para realização do exame grafotécnico era recusado pelas instituições bancárias, as quais se escudavam na alegação da quebra do sigilo bancário.

 

Vale ressaltar, que esta possibilidade de quebra do sigilo veio registrada na parte final do § 2º do artigo 26, pois, a exemplo da legislação menorista, se a lei admitiu a responsabilização do membro do Ministério Público pelo uso indevido das informações ou documentos obtidos, inclusive nas hipóteses legais de sigilo, é porque este, naturalmente, adquiriu o poder de requisitar tais dados tornando-se assim responsável pelo seu uso inadequado.

 

Apesar do novel texto legal ser de uma clareza indiscutível, não tardou a surgir uma instituição bancária preocupada em interpretar o dito comando normativo na forma de seu peculiar interesse.

 

Desta sorte, em razão de ter sido instaurado inquérito policial para apurar possível fato-crime de corrupção passiva por parte de policiais civis, o Promotor de Justiça em exercício junto à 17ª Promotoria de Investigação Penal da 1ª Central de Inquéritos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro requisitou a determinado banco extrato completo e detalhado da conta-corrente do então Indiciado, sendo que a referida instituição bancária se negou a prestar as informações exigidas.

 

Com o fim de amparar judicialmente a sua descabida pretensão, a renitente instituição impetrou uma ordem de HABEAS CORPUS PREVENTIVO junto à 3ª Câmara Criminal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cujos argumentos, em síntese, situaram-se na interpretação de que, face o artigo 192 da Constituição Federal exigir lei complementar para organizar o Sistema Financeiro Nacional, a Lei nº 4.595/64, que abordou anteriormente a matéria, foi recepcionada como lei complementar pelo ordenamento constitucional vigente.

 

Sendo assim, concluiu o Impetrante que o comando normativo infraconstitucional em tela, por vir corporificado no bojo de uma legislação ordinária (Lei nº 8.625/93) seria hierarquicamente inferior, portanto, inepto a derrogar o artigo 38 da Lei 4.595/64, hoje com foro de lei complementar.

 

Prestadas as informações pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro através da Coordenadoria das Centrais de Inquéritos, tratou o Parquet Fluminense de espancar esta teratológica interpretação ao colocar, com êxito, que a problemática do sigilo bancário, suas dimensões e limitações, nada tinha a ver com a organização do do Sistema Financeiro, sendo, sim, matéria atinente à privacidade, à vida privada dos indivíduos, com a respectiva garantia constitucional dentre os direitos e garantias individuais fundamentais (como por nós salientado no início deste trabalho).

 

Sustentou por fim a Coordenadoria, com não rara acuidade, que o artigo 38 da Lei 4.595/64, embora topograficamente inserido neste diploma legal, não constituía dispositivo atinente à organização do Sistema Financeiro e por esta razão poderia ser modificado por lei ordinária, visto não existir hierarquia formal entre lei complementar e ordinária, mas apenas campos materiais diversos, pelo que, não estando o sigilo bancário abrangido em dito campo material reservado à lei complementar, poderia ser, como efetivamente o foi, disciplinado em lei ordinária.

 

Em pioneiro acórdão acerca do tema, visto que tratou exclusivamente da aplicação do artigo 26 da Lei nº 8.625/93, os Exmºs. Srs. Desembargadores integrantes da 3ª Câmara Criminal Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiram de forma unânime, ao apreciarem o mérito da mencionada ordem de "Habeas Corpus", não ser correta a alegação de que a Lei nº 4.595/64 teria se convertido em complementar com o advento da Constituição Federal.

 

Reconheceu ainda a Corte Superior Fluminense, que o Ministério Público Estadual tem por si o artigo 26, inciso II, e § 2º, da Lei nº 8.625, de 12-2-93, que lhe permite a requisição de informações e documentos a entidades privadas para instruir procedimentos ou processos em que oficie, inclusive nas hipóteses legais de sigilo, ficando responsável pelo uso indevido do material recebido, inexistindo, portanto, qualquer ofensa à Carta Magna.

 

Conforme destacado por Márcio Luis Chila Freyesleben, em decisão semelhante do Tribunal de Alçada de Minas Gerais também ficou reconhecido ao Ministério Público dos Estados o poder de requisitar informações que antes não lhe eram acessíveis diante da barreira do sigilo bancário.

 

 

"A Constituição Federal alterou a Lei nº 4.595/64, ampliando as funções do Ministério Público, derrogados os dispositivos que o impediam de agir com liberdade na defesa dos interesses sociais.
 
É defeso às instituições financeiras negar informações ao Ministério Público sob a alegação de sigilo bancário, respondendo o promotor em havendo uso indevido do material requisitado."
 

Vale a reprodução de parte do voto do relator Exmº Juiz Francisco Brito:

 
"Essas atribuições - as do inciso VIII, artigo 129 CF - "conferidas aos membros do MP devem ser entendidas de maneira ampla, sem o que estariam impedidos de exercer suas funções com toda a amplitude, a pretexto de que haveria o sigilo bancário (é o caso em apreço) a osbtaculize que informações consideradas indispensáveis à instrução do processo criminal sejam fornecidas, e, assim, nada poderia fazer.
 
É de se ressaltar que a Lei nº 4.595 é de 1964, e a carta Magna de 1988 ampliou as funções do MP, revogando tudo o que antes impedia o membro do Parquet de agir com liberdade na defesa dos interesses da sociedade que representa."
 

Já estando assentado nos Tribunais este entendimento acerca da quebra do sigilo bancário pelo Ministério Público dos Estados, nem se diga, caso alguém possa imaginar ao interpretar o inciso II do artigo 26 da LONMP, que tal poder de requisição de informações e documentos limitou-se às entidades privadas, isto porque, em relação às entidades públicas, semelhante previsão normativa restou consignada na alínea b, inciso I, do mesmo dispositivo legal.

 

Pela simples leitura do determinativo legal em destaque, poderá notar-se que o legislador, lançando mão dos mesmos princípios norteadores, adotou para o inciso I idêntico poder de requisição conferido ao Parquet no inciso II do artigo 26 da LONMP, quando tratou das entidades privadas, pelo que assim cuidou de preservar ao Ministério Público o poder de exigir legalmente informações, exames periciais e documentos, também às autoridades federais, estaduais ou municipais, bem como aos órgãos e entidades públicas, sejam elas da administração direta, indireta ou fundacional e até mesmo aos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

Ainda em referência ao artigo 26, I, da LONMP, cumpre ressaltar que, para se ter o referido dispositivo em sintonia com todo o artigo torna-se necessário ao intérprete buscar socorro em duas regras de hermenêutica a fim de possibilitar que a norma tenha a sua perfeita aplicação.

 

Quando o legislador usou a expressão "... e outras medidas" no inciso I da Lei 8.625/93, em verdade referiu-se a todas as demais providências relativas ao inquérito civil e, por assim agir, ofertou ao hermeneuta a oportunidade de recorrer ao uso da interpretação analógica, posto que a uma fórmula casuística fez com que se seguisse outra de caráter genérico.

 

Na singular doutrina de CARLOS MAXIMILIANO, temos que aqui "... O legislador declara apenas um caso especial; porém a idéia básica deve ser aplicada na íntegra em todas as hipóteses que na mesma cabem. Para alcançar este objetivo, dilata-se o sentido ordinário dos termos adotados pelo legislador; também se induz de disposições particulares um princípio amplo."

 

Sendo assim, a lei inicialmente se preocupou com o inquérito civil, tratando de afirmar logo em seguida as prerrogativas ministeriais para todas as "outras medidas" atinentes àquele.

 

Todavia, no mesmo inciso, houve referência por parte do legislador aos "procedimentos administrativos pertinentes".

 

Ora, quando a lei se reportou aos procedimentos administrativos pertinentes, obviamente o fez em alusão a todos os outros que não se referissem ao inquérito civil, e dentre estes outros, as peças de informação penal preparatória no âmbito do próprio Ministério Público, isto porque, em relação aquele, ou seja, o inquérito civil, já havia utilizado-se da fórmula genérica outras medidas para expressar os seus desdobramentos e aplicações múltiplas, uma vez que não poderia inserir na norma a totalidade dos casos que lhe fossem suscetíveis.

 

Neste particular, cabe destacar, que a referência feita a "outras medidas" diz respeito a qualquer procedimento administrativo inerente ao inquérito civil, já que toda providência ministerial neste sentido será sempre de natureza administrativa, a exceção de quando tiver que propor uma medida judicial.

 

Entendido isto, não se pode aceitar que a expressão procedimento administrativo toca direta e exclusivamente ao inquérito civil, sendo então de melhor doutrina admiti-la como alusão a toda e qualquer atividade administrativa afeta às funções ministeriais.

 

Desta maneira, para alcançar a intenção do legislador acerca da mencionada expressão "procedimentos administrativos pertinentes", cumprirá ao hermeneuta se valer da interpretação estrita, com o que disporá de meios a adequá-la ao restante do texto.

 

Somente assim poderá ser compreendida a aludida "pertinência", vale dizer, para que a mesma seja admitida, deverá corresponder, não ao inquérito civil, porém, como dito, às demais funções do Ministério Público, visto que delas tratou o "caput" do artigo 26 e o Capítulo IV, ambos da Lei nº 8.625/93.

 

Neste último caso, o legislador foi além do que seria necessário para exprimir a sua vontade, uma vez que poderia ter consignado naquela oportunidade tão-somente o termo "procedimentos administrativos" (como feito no Estatuto da Criança e do Adolescente), pelo que agora competirá ao intérprete se abster de aplicar o sentido literal da norma, com a finalidade de que a precisão reclamada venha com o emprego dos elementos lógicos, considerando-se, assim, os fatores jurídicos-sociais que influíram para elaborar a regra positiva, relacionada esta com as novas funções institucionais e prerrogativas do Ministério Público.

 

No dizer do preclaro CARLOS MAXIMILIANO: "... Optava-se pela exegese restritiva, quando a fórmula era ampla em excesso, uma linguagem imprecisa fazia compreender no texto mais do que planejaram incluir no mesmo: potius dixit quam voluit - disse mais do que pretendeu exprimir".

 

Acresce ainda o citado autor, que "...Nem tudo o que está escrito prevalece como Direito; nem o que não está escrito, deixa de constituir matéria jurídica. Anterior e superior à palavra é a idéia de quem preceitua."

 

Outra não poderia ser a forma de interpretar-se a referida regra legal, pois, do contrário, teríamos a incongruência de ver as entidades privadas sob o poder de requisição do Ministério Público e deste poder desviarem-se justamente as entidades públicas, as quais, sublinhe-se, deveriam se interessar pela transparência de suas operações, jungidas que estão aos princípios básicos da administração pública como os da legalidade, moralidade e finalidade.

 

Consectário natural da adoção deste comportamento de exceção em relação às entidades públicas, seria o fato de que as mesmas iriam por terminar abrigando aqueles agentes empenhados em ocultar as suas atividades ilícitas.

 

Como derradeira argumentação a demonstrar a quebra do sigilo bancário por ato do Ministério Público dos Estados em relação as referidas entidades públicas, temos o fato de que se tornaria impossível a cisão do artigo 26 da LONMP para dele separar-se o parágrafo segundo, o qual trata da possibilidade do rompimento do sigilo pelo Parquet.

 

É inegável que o aludido parágrafo segundo se referiu a toda e qualquer hipótese de requisição de documentos ou informações previstas no artigo 26, inclusive aquela inserta na alínea b do inciso I.

 

Logo, se a responsabilização firmada no § 2º do artigo 26 da Lei nº 8.625/93 é aplicável ao inciso I, letra b, do mesmo dispositivo legal, é porque admitiu-se a possibilidade da quebra do sigilo também em relação às entidades públicas.

 

Finalmente, lapidar síntese de CARLOS MAXIMILIANO serve para demonstrar que o preceito aplicado às entidades privadas, relativo ao rompimento do sigilo, admite as interpretações acima apregoadas relacionadas às entidades públicas:

 

"...Quando a lei, ou ato, estatue sobre um assunto como princípio ou origem, suas disposições aplicam-se a tudo que do mesmo assunto deriva lógica e necessariamente."
 

6. Sigilo bancário e a Lei Orgânica do Ministério Público da União

 

Editado o novo estatuto do Ministério Público da União, não se teve mais como questionar a outorga ao Parquet do poder de vencer a redoma do sigilo bancário.

 

Consignou o texto:

 

"CAPÍTULO II
DOS INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO
 
...........................................
 
Art.8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
 
...........................................
 
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
 
...........................................
 
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas.
 
...........................................
 
§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção do sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.
 
...........................................
 
§ 5º As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitação justificada."
 

Como registrado anteriormente, ao Ministério Público da União já era permitido imiscuir-se nas confidências bancárias (Lei nº 7.492/86 - artigo 29), o que deve restar destacado, é que com o advento desta nova lei orgânica afastou-se por derradeiro qualquer discussão acerca da abrangência da norma, visto que a mesma buscou logo ditar que se faria incidir tanto em relação as entidades públicas quanto as privadas.

 

Consolidado este posicionamento, a tudo aquilo que antes defendemos por variadas razões, vale dizer, que ao Parquet estadual era cabível conhecer de informações bancárias nos procedimentos em que oficiasse, deve agora ser acrescido que, em sendo realizada a conjugação do texto legal que rege o Ministério Público da União, com a regra inserta no artigo 80 da Lei nº 8.625/93, sepultam-se de vez todas as controvérsias, para que se torne definitiva a autorização ao Ministério Público dos Estados o acesso àqueles dados bancários ou financeiros, o que até então lhe era proibido.

 

 

"Art. 80. Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União."
 
 

Aliás, em sendo aplicável subsidiariamente o estatuto do Ministério Público da União, o membro do Ministério Público Estadual ao requisitar documentos ou informações às entidades bancárias ou financeiras, deverá valer-se do disposto no § 5º do artigo 8º da Lei Complementar nº 75/93 e fixar o prazo para o respectivo atendimento, que poderá ser até de dez dias, o qual admitirá ainda uma prorrogação desde que a solicitação seja feita justificadamente.

 

Constituindo-se a requisição numa ordem legal para o cumprimento de uma providência emanada de quem dispõe de autoridade para determinar a medida, neste caso, o órgão de execução do Ministério Público dos Estados, o não-atendimento à mesma pela entidade bancária (que deverá estar ciente inequivocamente através do destinatário encarregado de cumprir a determinação) irá caracterizar o delito de desobediência, posto que agora o ordenamento jurídico impõe àquele o dever de acatar o conteúdo da referida ordem ministerial.

 

 

7. A responsabilidade pelo membro do Ministério Público na quebra do sigilo bancário por ato próprio

 

 

Como dito em oportunidade anterior, o § 2º do artigo 26 da LONMP previu expressamente a responsabilização do membro do Ministério Público pelo uso indevido das informações e documentos que lhe chegassem ao conhecimento através de sua requisição, inclusive nos casos de sigilo.

 

Com a edição deste preceito legal, buscou o legislador repetir uma forma de controle ao poder de requisição ministerial, como feito no Estatuto da Criança e do Adolescente, sem que tenha se preocupado em traçar o alcance para a aludida responsabilização.

 

Ao nosso ver, dada a relevância deste poder ministerial, sempre que um membro do Parquet pretender efetuar uma requisição que importe na quebra de um sigilo, por tratar-se de interferência num direito subjetivo constitucional, deverá ter fundadas razões para a prática da mesma, cuidando de verificar, pelo menos, da presença do fumus boni iuris num juízo prelibatório, para ao final instrumentalizar seu ato através de uma promoção fundamentada.

 

Por estes motivos, defendemos que cada membro do Ministério Público deve pautar a sua conduta no sentido de velar pela manutenção do caráter sigiloso do fato, tomando as providências necessárias para que tais informações ou documentos sejam utilizados exclusivamente nos limites de sua atribuição, e a eles somente tenham acesso as partes legítimas na causa, em típico exemplo de segredo de justiça, sendo que, assim agindo, afastará a possibilidade de sua responsabilização.

 

Aliás, em nada se inova, uma vez que dito procedimento tem semelhante previsão no § 1º do artigo 38 da Lei nº 4.595/64.

 

O que importa, é que em se tratando da obtenção de documentos ou informações consideradas pela lei como confidenciais, procure o Ministério Público na fase pré-processual preservar o sigilo acerca destes, zelando pelo seu segredo até que venha a deflagrar uma ação penal ou requerer o arquivamento do procedimento, quando então os referidos dados passarão à vigilância imediata do Poder Judiciário.

 

 

8. Conclusão

 

 

Sem dúvida, a Lei nº 8.625/93 veio consolidar uma posição institucional de há muito reclamada pelos membros do Parquet no que verse acerca da quebra do sigilo bancário, pois, apesar de ser o destinatário do inquérito policial, muita das vezes se via compelido a recorrer ao Poder Judiciário para conclusão deste, quando na verdade lhe cabia dirigir e zelar pelas investigações até o encerramento do procedimento.

 

Com a vigência da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, o sigilo bancário não se apresenta mais como um limite a atuação do órgão ministerial estadual em sua atividade persecutória relativa à prova, devendo hoje conjugar-se as exceções previstas nos §§ 1º, 3º e 5º do artigo 38 da Lei nº 4.595/64, p. único do artigo 29 da Lei nº 7.492/86, alíneas b e c do inciso VI do artigo 201 da Lei nº 8.069/90, e incisos II e IV, e § 2º do art. 8º da Lei Complementar nº 75/93, com aquelas insertas nos incisos I e II, e § 2º do artigo 26, e artigo 80 ambos da Lei nº 8.625/93, sendo que o não-atendimento à requisição do Parquet importará na prática de crime de desobediência.

 

Por fim, resta a cada Promotor de Justiça, daqui para adiante, com a sobriedade e a responsabilidade que é peculiar ao cargo, fazer valer o texto legal, utilizando, se necessário, de todos os instrumentos jurídicos para imperatividade deste preeminente poder ministerial, sem nunca perder de vista que a sua conduta deverá estar sempre voltada para um interesse único, qual seja, a defesa dos interesses da sociedade.

 

9. Conclusões submetidas a discussão e votação pela Comissão de Trabalho e pelo Plenário do XIV ENCONTRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO:

 

I - Na esfera estadual, o Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 201, inciso IV, alíneas b e c, da Lei nº 8.069/90, permitiu pioneiramente aos membros do Ministério Público dos Estados, com atribuição junto à Justiça da Infância e da Juventude, a promoverem a quebra do sigilo bancário, autorizando-lhes a requisitar informações e documentos às entidades públicas e privadas nos casos relacionados especificamente à criança e ao adolescente;

 

II - O artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.625/93 (LONMP), aparelhou legalmente o Ministério Público dos Estados a requisitar às entidades privadas, bancárias ou financeiras, documentos ou informações, em procedimentos ou processos em que oficie, inclusive na hipóteses legais de sigilo;

 

III - Ao editar o artigo 26, inciso I, alínea b, da Lei nº 8.625/90, o legislador lançou mão dos mesmos princípios norteadores adotados em relação às entidades privadas, autorizando, de igual forma, aos membros do Ministério Público dos Estados a promoverem a quebra do sigilo bancário em relação às entidades públicas;

 

IV - A expressão"...procedimentos administrativos pertinentes...", inserta no inciso I do artigo 26 da Lei nº 8.625/93, deve ser entendida como alusão a qualquer atividade administrativa afeta às funções ministeriais, posto que é destas funções que trata o Capítulo IV e o artigo 26, "caput", do referido texto legal. Conseqüentemente, o poder de requisição do Ministério Público Estadual, inclusive nos casos de quebra de sigilo, não se limitou às hipóteses atinentes ao inquérito civil, estendendo-se, pois, a toda atividade de persecução que o Parquet instaure ou participe;

 

V - O § 2º do artigo 26 da Lei nº 8.625/93, a exemplo do disposto no § 4º do artigo 201 da Lei nº 8.069/90 - ECA -, estabeleceu a responsabilização do membro do Ministério Público Estadual pelo uso indevido das informações recebidas e que eram sigilosas, razão pela qual, ao requisita-las, deverá fazê-lo de forma fundamentada, zelando pelo seu segredo até que venha a deflagrar uma ação ou requerer o arquivamento do procedimento;

 

VI - O artigo 80 da Lei nº 8.625/93 ao estabelecer a aplicação subsidiaria das normas da Lei Orgânica do Ministério Público Federal ao Ministério Público dos Estados, afastou qualquer questionamento acerca da possibilidade de quebra do sigilo bancário pelo Parquet Estadual, visto que o dito rompimento do segredo teve sua previsão no artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º da referida lei complementar, tanto em relação as entidades privadas quanto as públicas;

 

VII - Em sendo aplicável subsidiariamente o Estatuto do Ministério Público da União, deverá o Promotor de Justiça, com fundamento no § 5º do artigo 8º do mencionado texto legal, estabelecer o prazo, de até no máximo 10(dez) dias, o qual poderá comportar uma prorrogação, para o cumprimento de sua requisição, sendo que se esta não for atendida pelo requisitado no termo fixado incidirá o mesmo na prática do crime de desobediência;

 

VIII- As exceções relativas a autorização da quebra do sigilo bancário, previstas nos §§ 1º, 3º e 5º do artigo 38 da Lei nº 4595/64; parágrafo único do artigo 29 da Lei nº 7.492/86; alíneas b e c do inciso VI, do artigo 201 da Lei nº 8.069/90; e incisos II e IV, e § 2º do art.8º da Lei Complementar nº 75/93, hoje devem ser conjugadas com os dispositivos legais previstos na Lei nº 8.625/93 - artigo 26, incisos I e II, § 2º, e artigo 80 - que trata da organização do Ministério Público dos Estados, e assim não pode ser oposta a exceção do sigilo bancário ao Parquet Estadual por entidades públicas ou privadas.

 

Outubro de 1993.

Retirado de: http://www.amperj.org.br/associados/dalla/artigo10.htm