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Os precedentes do Tribunal Penal Internacional, seu estatuto e sua relação com a legislação brasileira

 

Cristina Caletti

Acadêmica de Direito na Feevale, Novo Hamburgo (RS)

 

Sumário: 1 Evolução Histórica dos Tribunais Criminais Internacionais 1.1 Tribunal Militar de Nuremberg 1.1.1 Dos Crimes Julgados 1.1.2 Argumentos Contrários ao Tribunal Militar em Nuremberg 1.2 Tribunal Militar de Tóquio 1.3 Tribunal para Antiga Iugoslávia 1.3.1 Diferenças entre o Tribunal de Nuremberg e o da Ex-Iugoslávia 1.4 Tribunal para Ruanda 1.5 Tribunal para Serra Leoa 2 Tribunal Penal Internacional – TPI 2.1 Características Gerais do TPI 2.2 Ilegalidade dos Tribunais Ad Hoc 2.3 Posições Contrárias ao TPI 2.4 TPI e a Legislação Nacional CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Introdução

            Desde que o ser humano começou a viver em sociedade surgiram guerras entre os grupos distintos. Com o passar dos tempos a civilização evoluiu e com isso, cada vez mais, aumentaram os conflitos. Cotidianamente milhões de pessoas são vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam intensamente a consciência do mundo. Estes crimes tão graves configuram um risco a paz, bem-estar e segurança da humanidade não podendo ficar impunes e devendo ser a todo custo impedidos, tomando-se para isso tanto medidas nacionais quanto internacionais. Uma promessa para acabar com essas guerras é o Tribunal Penal Internacional.

            O presente trabalho tem por finalidade analisar o Estatuto de Roma, instrumento jurídico que fundamenta o Tribunal Penal Internacional, relacionando-o a questões controversas que surgem em decorrência da sua ratificação pelo Brasil e sua característica inédita no cenário mundial de constituir-se na primeira corte penal permanente para julgamento de indivíduos que cometam, dentre outros, crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade.

            Assim, a partir do desenvolvimento de uma retrospectiva histórica sobre os tribunais criminais que já foram criados, notadamente, o Tribunal de Nuremberg, Tóquio, Tribunal Criminal para a Ex-Iugoslávia, Ruanda e Serra Leoa, analisaremos os motivos pelos quais tais tribunais sempre tiveram sua legitimidade questionada e porque o Tribunal Penal Internacional pode ser considerado a solução para os conflitos armados da nossa era.

1 Evolução Histórica dos Tribunais Criminais Internacionais

            O tribunal criminal internacional mais antigo de que se tem notícia aconteceu em 1474, em Breisach (Alemanha). Ele era composto por 27 juízes do sacro Império Romano e julgou e condenou, por violações a leis humanas e divinas, Peter von Hagenbach, seu crime constituiu em autorizar que suas tropas estuprassem e matassem civis inocentes e saqueassem propriedades.

            Em 1689 o Conde Rosen foi privado do seu posto militar por James II da Inglaterra por ser o responsável por um sítio tirano contra Londonderry e pela morte de civis. No século XVIII aconteceram diversos julgamentos, onde foram réus pessoas acusadas por tribunais ingleses e norte-americanos de terem praticado faltas internacionais. Em 1872 o suíço Moynier lança a idéia de um tribunal internacional composto por cinco membros, sendo dois nomeados pelos beligerantes e três neutros.

            Depois da 1ª Guerra Mundial o Tratado de Versalhes previu que o Kaiser Guilherme II violou leis de guerra por isso seria preso e julgado o que nunca chegou a acontecer, ele refugiou-se nos Países Baixos onde passou o resto da vida sem que alguém solicitasse a sua entrega. Nunca chegou a ser criado um tribunal para julgar os alemães que tinham cometido crimes de guerra, quem os julgou foi o Supremo Tribunal Alemão e dos 20.000 acusados inicialmente 21 foram julgados e somente 13 condenados e a penas de poucos anos.

            Em 1919 um comissão reconheceu que o massacre promovido pelos turcos contra 600.000 armênios fosse julgado por configurar uma violação de leis e costumes de guerra, só que o Tratado de Sèrvres (1923) que seria o alicerce do julgamento não chegou a ser ratificado e o Tratado de Lausanne (1927) anistiou os turcos.

            Em 1937 a Sociedade das Nações elaborou a convenção sobre Terrorismo onde estava contido o estatuto de um tribunal criminal internacional permanente, mas a única nação a ratificá-lo foi a Índia e esse tribunal nunca saiu do papel.

            Foi somente com a 2ª Guerra Mundial que tiveram início às jurisdições penais internacionais, com a criação dos Tribunais de Nuremberg e Tóquio e a partir daí também vieram às opiniões contrárias aos tribunais criminais internacionais, baseadas principalmente na soberania estatal. Neste mesmo período emerge a necessidade de proteger os direitos humanos e chega-se à conclusão que o Estado é o maior transgressor destes direitos e garantias fundamentais, sendo assim não poderá caber unicamente a ele o dever de zelar por estes direitos.

            A concepção de um tribunal permanente para julgar crimes de guerra veio em 1948 na Convenção para Repressão e Prevenção do Crime de Genocídio, quando as Nações Unidas incumbiram seus especialistas de debater a criação de um tribunal criminal internacional permanente. As conclusões a que eles chegaram foram tornadas públicas em 1950, mas esta corte não vingou. A Assembléia Geral na época formou uma Comissão, mediante a resolução 177 de 21 de novembro de 1947, para permitir a criação de uma jurisdição criminal internacional, de uma Câmara Criminal na Corte internacional de Justiça e para copilar os Crimes contra Paz e a Segurança da Humanidade. No decorre da Guerra Fria essa idéia foi esquecida mas com seu fim foi recuperada porque os países recém emancipados, e de imensa carga ideológica, tinham fortes tendências nacionalistas o que fez começarem a surgir conflitos étnicos, político-geográficos, e religiosos que colocavam em risco a paz mundial. A concepção dos tribunais ad hoc para ex-Iugoslávia e para a Ruanda reascenderam definitivamente os esforços para um tribunal criminal internacional permanente.

            Em 1950 a Comissão começou a elaboração dos princípios do direito internacional reconhecidos pelos instrumentos e julgamentos de Nuremberg e o modelo do Código de ofensas contra a Paz e Segurança da Humanidade e expõe a Assembléia Geral. O projeto de estatuto de uma corte penal internacional foi confeccionado em 1951 e alterado em 1953. Em 1954 o projeto do Código foi tornado inviável pela Resolução 897, de 4 de dezembro de 1954, por não haver acordo sobro o conceito de agressão.

            Em 1989 e 1990 a Assembléia Geral solicitou a Comissão que a comunicasse sobre a possibilidade criar eu tribunal criminal internacional para cuidar de crimes de tráfico de drogas, idéia que não se concretizou.

            Em 1990 a Comissão de Direito Internacional demonstrou, perante a Assembléia Geral, apoiar um tribunal para processar os Crimes contra Paz e Segurança da Humanidade. Foi mais ou menos nesta época que emergiram os conflitos da antiga Iugoslávia e da Ruanda.

            A Assembléia Geral da ONU pediu que a comissão permanecesse com seus trabalhos, depois disso a Comissão em conferência habilitou o projeto de um estatuto para uma corte penal internacional e solicitou que fosse chamada uma Conferência de Plenipotenciários para verificar os trabalhos e preparar uma convenção para implantação do Tribunal Penal Internacional.

            No período de 1995 até 1998 a Assembléia Geral formou dois comitês que trabalharam por 13 semanas em Nova York, na sede da ONU, para dar origem ao Anteprojeto do Estatuto para o Tribunal Penal Internacional, essa tarefa foi completa em 13 de abril de 1998 quando começou a Conferência Diplomática de Plenipotenciários sobre o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional.

            1.1 Tribunal Militar de Nuremberg

            No decorrer da 2ª Grande Guerra, os aliados e os governos europeus exilados debateram sobre o que seria feito com os líderes nazistas depois de terminada a guerra. A princípio muitos viam os crimes como residindo além dos limites da justiça, consideravam o que ocorria como assunto político ao invés de dimensioná-lo como tema legal. Tanto a URSS quanto a França eram partidárias das execuções e os EUA defendiam que houvesse um julgamento.

            De 17 de julho a 8 de agosto de 1945 os aliados reuniram-se na Inglaterra na conferência de Postdam e firmaram a Carta de Londres do Tribunal Militar Internacional, dando origem ao Tribunal de Nuremberg para punir os criminosos de guerra das Potências Européias do Eixo. Por se tratar de um julgamento ex post facto a carta que o constitui o cito tribunal tem peculiaridade de não trazer palavras como lei e código, mesmo porque não havia nem código nem lei a prevendo um julgamento nestes termos.

            A Carta de Londres prevê as regras do processo de julgamento para Nuremberg, entre estes não houve a previsão e o enquadramento de nenhum crime como de organizações, mesmo assim seis organizações foram citadas na Carta. A Carta diz que crimes contra a humanidade são: "assassínio, exterminação, escravização, deportação e outros atos inumanos cometidos contra alguma população de civis antes ou durante a guerra, ou perseguições políticas, raciais ou religiosas a grupos em execução ou em conexão com alguns crimes da jurisdição do Tribunal Militar Internacional com ou sem violação da lei doméstica do país onde perpetrarem."

            O Tribunal Militar Internacional mesclou os direitos civil europeu com o anlglo-americano e os réus foram denunciados pela aniquilação de milhões de pessoas e também por haverem preparado e disseminado a guerra no continente europeu. Ele era composto por 4 juízes titulares e 4 suplentes, indicados pelos Estados Unidos, França, Inglaterra e URSS e sua presidência não era fixa. A acusação tinha a tarefa de provar que os réus tiveram livre arbítrio ao optar por entrar na organização criminosa e que sabiam dos objetivos ilícitos quando ingressaram.

            O Tribunal de Nuremberg entrou em funcionamento em 20 de outubro de 1945 julgando 24 membros do partido e do governo nazista e 8 organizações acusadas de crimes de guerra. Deste total de pessoas julgadas boa parte eram médicos que foram qualificados como criminosos de guerra por causa das experiências feitas em humanos. Muitos outros médicos trabalhavam nos campos de concentração fazendo o mesmo tipo de experiências, só que quando a guerra acabou já tinham escapado ou ido trabalhar em outro país. Os médicos nazistas da Alemanha arquitetaram e executaram programas pró-eutanásia e buscaram a morte dos que eles viam como improdutivos para a vida, em grande parte os retardados e doentes mentais e os prejudicados fisicamente. Nas experiências eram usados, sem permissão, os prisioneiros que estavam em campos de concentração e que acabavam, em grande parte, morrendo ou ficando com seqüelas. Essas pessoas eram na maioria poloneses, romanos, russos, judeus e egípcios.

            Em 1 de outubro de 1946 o veredicto foi dado pelo Tribunal juntamente com um documento chamado de código de Nuremberg, onde se fixou uma advertência internacional em relação à ética no que envolve a pesquisa com seres humano. O Tribunal se pronunciou absolvendo 5 réus, condenando 7 a pena de prisão e o restante deles a morte por enforcamento e condenando 4 organizações. O Tribunal tentou adaptar o Direito Internacional as leis internas do território Alemão, fundamentando-se no fato de que as 4 potências que agora o ocupavam eram o governo do território.

            Em 1945 o Conselho de Controle aprovou a Lei n° 10 que tinha caráter retroativo e dava aos Tribunais Alemães competência para julgar seus cidadãos e previa que os tribunais além dela poderiam chegar a aplicar leis alemãs. Em fins de 1950 já haviam sido condenados por estes tribunais, baseados na Lei n°10, 5.288 pessoas, mas a partir daí os crimes nazistas poderiam ser julgados conforme as leis penais alemãs. O resultado foi que de 1950 até 1955 o número de condenações baixou para 628. Os russos condenaram a inicialmente 25 anos de prisão os soldados que tinham feito prisioneiros e que cumpriram os trabalhos forçados na URSS. Em 1950 os soviéticos enviaram para Alemanha 10.513 prisioneiros para que ali cumprissem suas sentenças. Em 1955 muitos crimes prescreveram e só se poderia julgar os homicídios com premeditação. Julgamentos ocorreram na década de 60 e em 1965 a prescrição dos crimes de assassinato foi prorrogada.

            De 1945 até 1949 os diferentes governos militares julgaram 5.006 pessoas, destas 794 foram sentenciadas a morte e 486 foram executadas, e quase todos foram soltos até 1956.

            1.1.1 Dos Crimes Julgados

            Robert Jackson, membro da Suprema Corte de Justiça da Associação dos Estados Unidos da América do Norte e principal acusador dos EUA, via no Tribunal Militar de Nuremberg uma possibilidade de criar uma lei internacional para dar fim aos acontecimentos da guerra. Fica claro que a base deste raciocínio é bastante duvidosa quando visto que os ganhadores promoveram um julgamento divergente do direito e das regras internacionais de guerra existentes. Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia para determinar a culpa alemã acusaram os réus de conspiração, de ter dado início à guerra e por ter cometido crimes de guerra e contra a humanidade. Os alemães, derrotados na 2ª Guerra Mundial foram julgados por quatro crimes diferentes: conspiração, crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

            a) Conspiração

            Os crimes de plano comum ou conspiração (common plan or conspiracy) são previstos unicamente no direito anglo-americano sem ter qualquer igual no direito europeu. Seria algo parecido de uma forma distante com bando e quadrilha tipificados no direito nacional.

            b) Crimes contra a paz

            Os crimes contra a paz (crimes against peace) são os que se referem a administrar, preparar, incitar e dar continuidade à guerra. Esse crime foi previsto anteriormente pelo Pacto Briand-Kellog (27 de agosto de 1928 – Paris) que não tinha previsão de sanção.

            c) Crimes de guerra

            Os crimes de guerra (war crimes) consistem em infrações aos costumes e lei de guerra, abrangendo ainda maus-tratos, homicídio, deportação de civis dos territórios ocupados para trabalhos forçados ou para trabalhos de prisioneiros de guerra ou de pessoas no mar, morte de reféns, saques de bens tanto públicos quanto privados, aniquilação de aldeias e cidades por motivo fútil ou que não se amare por exigências militares.

            d) Crimes contra a humanidade

            A primeira vez que se julgaram crimes contra a humanidade foi em Nuremberg. Os crimes against humanity sãos homicídios, extermínios, escravizações, deportações e todo e qualquer outro ato desumano ou cruel contra civis praticados antes ou no decorrer da guerra. Se enquadram neste tipo de crime também perseguições políticas, raciais e religiosas quando praticadas em decorrência de um crime que seja conexo ou que esteja na jurisdição do tribunal.

            1.1.2 Argumentos Contrários ao Tribunal Militar em Nuremberg

            Alguns sustentam que na corte em Nuremberg aconteceu uma justiça parcial num tribunal de exceção criado pelos vitoriosos, e que existem inúmeras razões para duvidar dos critérios usados. O próprio rol de acusados é contestado, como também o fato de os acusados estarem sendo julgados por violar as leis internacionais, muito embora tais leis tenham sido criadas por Estados e não por indivíduos e após já haverem ocorrido todos os fatos. Muitos são da opinião de que os acusados deveriam ser julgados com as leis de seus próprios países e não em julgamento fundamentado em uma ordem instituída depois da guerra.

            Na instituição do Tribunal o princípio do Direito Penal nullum crimen nulla poena sine lege foi completamente esquecido, como também foi esquecido que no Direito Internacional a responsabilidade é do Estado e não das pessoas. Embora os vencedores também tivesse cometido crimes durante a guerra nenhum deles foi julgado e há quem sustente que os atos praticados pelo alemães eram só ilícitos e não criminosos.

            1.2 Tribunal Militar de Tóquio

            O Tribunal de Tóquio também foi criado para julgar crimes cometidos na 2ª Guerra Mundial e seguiu os mesmos moldes do Tribunal de Nuremberg.

            Ele foi fundado por uma proclamação do General MacArthur, que atuou como comandante-em-chefe dos Aliados, estabelecendo o estatuto que é muito parecido com Nuremberg. A corte era composta por Austrália, Canadá, China, EUA, Filipinas, França Grã-Bretanha, Holanda, Índia, Nova Zelândia e URSS e julgou ao todo 25 acusados. O presidente do Tribunal era nomeado pelo Comandante Supremo e o Chefe da Acusação era norte-americano. Cada réu teve um advogado norte-americano e um japonês o que é ilógico visualizando-se que os EUA eram um dos acusadores. O Japão chegou a promulgar uma lei dizendo que tomaria a responsabilidade pelo julgamento dos criminosos, pretendia com isso abrigar-se no princípio de que uma pessoa não pode ser julgada mais de uma vez pelo mesmo crime mas não obteve o resultado esperado. Aconteceram também julgamentos realizados pela Austrália, China, EUA, Filipinas, França, Grã-Bretanha, Holanda e URSS.

            O tribunal tentou adaptar as leis japonesas ao Direito Internacional baseando-se no acordo firmado pelo país com os vencedores e que previa a formação de um tribunal internacional.

            1.3 Tribunal para Antiga Iugoslávia

            Em 1991 começou uma grande guerra entre a Bósnia e a Sérvia e em 1993 a Bósnia sofreu ataque que partiu da Croácia. Neste mesmo ano o CIJ ordenou que fosse dado fim ao genocídio na Bósnia (Bósnia X Sérvia).

            Os acontecimentos que deram origem à beligerância foram graves crimes contra os Direitos Humanos. O pior dos crimes foi à perseguição étnica aos albaneses que aconteceu antes e durante a intervenção da OTAN. A OTAN também praticou delitos, o principal foi o sistema de guerra usado (bombardeio de mísseis B-2 de grande altitude e dos mísseis Tomahawk, lançados de navio do Mar Adriático) que se enquadra em ataque indiscriminado a civis e militares, por não existir como precisar os alvos que poderiam ser tanto um estoque de armamentos quanto um hospital.

            Em 1992, a Resolução 780 do Conselho de Segurança da ONU solicitava que Boutros Boutros-Ghali, Secretário Geral na ocasião, formasse uma comissão de especialistas incumbidos de desvendar os acontecimentos da Iugoslávia. O relatório prévio da comissão, de 9 de fevereiro de 1993 (S 252754), levou o Conselho de Segurança a instituir provisoriamente um tribunal internacional.

            Em 22 de fevereiro de 1993 foi criado pelo Conselho de Segurança da ONU, através da Resolução 808, um tribunal internacional ad hoc, o Tribunal Internacional para o Julgamento dos Crimes contra a Humanidade no Território da Antiga Iugoslávia, que teve seu estatuto redigido em 3 meses. Esta Corte se ocupará dos crimes cometidos de 1 de janeiro de 1991 até o final da guerra, ela não tem jurisdição internacional, é a justiça sendo exercida por um poder superior e alguns nomes de pouca expressão podem ser absolvidos.

            O Tribunal é formado por 2 câmaras de 3 juízes e uma corte de apelação, que é a mesma do Tribunal de Ruanda.

            Segundo a imprensa, em 1997, 10 croata-bósnios acusados de crimes se apresentaram espontaneamente para julgamento. As provas foram divididas em: as que dão amparo satisfatório à educação; e aquelas que estão além de qualquer dúvida razoável. A liberdade do juízo termina onde começam os direitos dos acusados e o ônus da prova cabe ao acusado que é posto em regime de acusação prontamente em uma Câmara de 1ª Instância. No que tange ao Direito Penal não é permitido o uso de analogia, porém pode se fazer uso dela no Direito Processual Penal e o Tribunal adotou o princípio de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Em 1998 dois bósnio-hezergovinos muçulmanos e um bósnio-croata foram julgados culpados. Em 1999 pela primeira vez um Chefe de Estado que está no poder é alvo de uma acusação, o acusado é o sérvio Slobodan Milosevic.

            O ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic está sendo julgado, desde 12 de fevereiro de 2002 (nove meses depois de ter sido preso e enviado para a Corte de Haia) por 66 crimes, entre eles crimes contra a humanidade, genocídio e infração as leis de guerra na Bósnia, Croácia e em Kosovo. Mais de 200 mil pessoas morreram.

            Em sua defesa disse que a retirada dos albaneses em Kosovo, em 1999, foi causada pelos bombardeios da OTAN e pela ameaça do Exército de Libertação de Kosovo. Milosevic fez sua defesa investindo contra a OTAN, os EUA e o ocidente.

            Na acusação Carla del Ponte disse que a limpeza étnica "revelou uma selvageria medieval e uma crueldade calculada que vão além do que costuma acontecer numa guerra." A promotora disse ainda que os crimes praticados na ex-Iugoslávia ofendem a todos "onde quer que a gente viva porque esses crimes atacaram os princípios fundamentais dos Direitos Humanos e da dignidade humana".

            Os acusadores agora precisam provar a ligação entre Milosevic e os crimes denunciados. Como todos os crimes seguiam a mesma linha de ação de abusos aos direitos humanos, estupros, tortura, execuções sumárias é de se concluir que Milosevic comandava ou ao menos tinha ciência destas crueldades, mas deve se provar essa responsabilidade de comando. Antes de tudo há necessidade de legitimar o tribunal comprovando que os crimes em questão são de dimensão que dê razão a sua existência. Em segundo lugar tenta-se provar que os crimes eram elementos de um plano que Milosevic tinha de criar A Grande Sérvia, agrupando territórios sérvios, da Bósnia e Croácia, e pondo fim à autonomia de Kosovo.

            Mais de 300 pessoas foram chamadas pela acusação para serem testemunhas, mas Milosevic não quis advogado e está se defendendo sozinho por não achar o tribunal competente para julgá-lo pela forma como combatia o terrorismo. Em 1 ano e meio ou 2 anos a contar do seu início o julgamento deve ter um desfecho.

            1.3.1 Diferenças entre o Tribunal de Nuremberg e o da Ex-Iugoslávia

            Uma grande diferença entre o Tribunal Criminal Internacional que a ONU criou para antiga Iugoslávia e o Tribunal Militar de Nuremberg é que o primeiro é uma corte internacional civil enquanto que a segunda é militar. Outro fator importante é que em Nuremberg os vencedores julgaram os vencidos e isso não é a realidade do que acontece com os réus da antiga Iugoslávia.

            Em Nuremberg houve facilidade na obtenção de provas, audiência das testemunhas e prisão dos acusados. Atualmente é difícil conseguir provas documentais e o depoimento das testemunhas passou a possuir grande valor. Acrescenta-se a isso o fato de que o tribunal criado pela ONU só pode se envolver em crimes praticados em determinado território, enquanto que no tribunal militar julgou os crimes sem fazer nenhuma distinção geográfica. Outra diferença reside no fato de que no tribunal da 2ª Grande Guerra foram julgadas tanto pessoas quanto organizações e no tribunal da ex-Iugoslávia são julgadas somente pessoas.

            Hoje o tribunal criminal julga crimes contra a lei de guerra, as transgressões graves da Convenção de Genebra, crimes contra a humanidade e genocídio. Na Alemanha ainda não se falava em genocídio e julgaram-se crimes contra a lei de guerra, a paz e contra a humanidade e crimes de guerra.

            Outro ponto onde os dois tribunais divergem é no que diz respeito ao estupro, que não era visto como crime no tribunal militar, mas é considerado pelas corte atuais um crime contra a humanidade se praticado em tempo de guerra.

            Em Nuremberg existiram várias condenações à pena capital, pena que hoje não é mais aplicada.

            1.4 Tribunal para Ruanda

            A pedido do governo de Ruanda o Conselho de Segurança da ONU instituiu, a partir da Resolução 955, de 8 de novembro de 1994, fundar o Tribunal Internacional para o Julgamento dos Crimes contra a Humanidade Cometidos no Território da Ruanda e Cometidos por Cidadãos Ruandeses no Território dos Estados Vizinhos, cujo estatuto foi redigido em dois meses.

            Em 4 de setembro de 1998, pela primeira vez um tribunal criminal internacional aplicou a Convenção de 1948 sobre Genocídio, condenando o réu confesso Jean Kambanda à prisão perpétua. Ele foi ministro do governo provisório de Ruanda em l994, ocasião em que 1 milhão de pessoas foram mortas.

            Tanto o estatuto do tribunal da Ruanda como o da antiga Iugoslávia não trazem penas específicas para cada delito, ferindo o princípio da individualização das penas na medida que quem decide qual delas aplicar são os juízes.

            O tribunal não foi criado para julgar crimes de guerra, mesmo porque se trata de uma guerra interna, mas para julgar violações graves ao Direito Internacional como punições coletivas, terrorismo, tomada de reféns e pilhagem.

            O órgão tem duas câmaras de 1ª instância e uma de apelação que é a mesma da corte criada para a ex-Iuguslávia. O procurador é desvinculado do tribunal.

            1.5 Tribunal para Serra Leoa

            Mesmo com a diminuição dos recursos financeiros para esse tipo de corte Kofi Annan, Secretário Geral da ONU, aprovou a criação de um tribunal ad hoc que julgará os crimes de guerra em Serra Leoa. Busca-se com isso aplicar sanções aos responsáveis pela guerrilha civil que vem devastando a nação na última década.

2 Tribunal Penal Internacional – TPI

            2.1 Características Gerais do TPI

            O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional foi criado por uma convenção multilateral e aprovado por uma Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas sobre o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional que se realizou de 15 de junho até 17 de julho de 1998, data em que o Estatuto foi aprovado por 120 votos a favor, 7 contra (China, Estados Unidos, Filipinas, Índia, Israel, Sri Lanka e Turquia) e 21 abstenções, e previa que o TPI efetivamente existiria quando conseguisse 60 ratificações e enquanto isso não acontecia o Estatuto ficou depositado em Nova York.

            Em Nova York, no dia 11 de abril de 2002, Bósnia, Bulgária, Camboja, Congo, Eslováquia, Irlanda, Jordânia, Mongólia, Niger e Romênia ratificaram o TPI, que obteve assim número maior de países que concordam com o estabelecimento do Tribunal do que seria necessário para seu funcionamento.

            O TPI não contará com polícia própria, muito embora possa decretar a prisão preventiva dos suspeitos da autoria de crimes, para prendê-los contará com a polícia do local onde se acha o suspeito.

            A criação do TPI põe fim à arbitrariedade da formação de tribunal ad hoc que só tem origem depois dos conflitos internacionais.

            O TPI não deve investigar crimes antes do final de 2003. Os 18 juízes e o promotor-chefe serão eleitos pela Assembléia de Estados-partes do TPI e terão mandato de 9 anos sendo vedado mais de um juiz de cada nacionalidade e também a reeleição. Provavelmente nenhum brasileiro ocupará estes lugares porque apesar de o país ter assinado o Estatuto em 2000 e de ter feito parte da sua elaboração só o ratificou em fins de junho de 2002, não fazendo parte das 60 primeiras assinaturas. Isso se deve ao fato de conflitos entre as normas internas brasileiras e as do Tribunal, assunto que será abordado posteriormente.

            Todos os países que ratificaram o Estatuto de Roma podem apresentar denúncias contra seus cidadãos ou contra estrangeiros que tenham cometidos arbitrariedades em seu território, e qualquer um, mesmo Chefes de Estado, podem ser alvo de acusações e julgamentos no TPI.

            Tanto o Conselho de Segurança da ONU quanto o promotor-chefe, assim como os Estados-partes tem legitimidade para oferecer casos ao TPI. O Conselho pode até mesmo, obtendo consenso entre seus membros permanentes, suspender ou impedir que se inicie um julgamento, retardando-o por até 12 meses renováveis, desde que veja neste julgamento uma ameaça à estabilidade e a paz internacional. A Rússia, os EUA e a China têm 3 dos 5 votos permanentes do Conselho e embora não tenham ratificado o TPI exercem influência sobre ele.

            O Estatuto de Roma não pode ser qualificado nem como um recurso processual nem como um recurso, ele é um meio para criar uma jurisdição internacional no âmbito penal.

            O Estatuto de Roma compõe-se de preambulo de 128 artigos que se dividem em 13 capítulos:

            - Capítulo I-Criação do Tribunal (art. 1 a 4);

            - Capítulo II-Competência, admissibilidade e direito aplicável (art. 5 a 21);

            - Capítulo III-Princípio gerais de direito penal (art. 22 a 33);

            - Capítulo IV-Composição e administração do Tribunal (art. 34 a 52);

            - Capítulo V-Inquérito e procedimento criminal (art. 53 a 61);

            - Capítulo VI-O julgamento (art. 62 a 76);

            - Capítulo VII-As penas (art. 77 a 80)

            - Capítulo VIII-Recurso e Revisão (art. 81 a 85);

            - Capítulo IX-Cooperação internacional e auxílio judiciário (art. 86 a 102);

            - Capítulo X-Execução da pena (art. 103 a 111);

            - Capítulo XI-Assembléia dos Estados Partes (art. 112);

            - Capítulo XII-Financiamento (art. 113 a 118); e

            - Capítulo XIII-Cláusulas Finais (art 119 a 128).

            O preâmbulo anuncia o empenho dos Estados para formar um TPI permanente e independente que se some às jurisdições penais nacionais, que tenham competência sobre indivíduos no que trata dos crimes mais graves que atingem a comunidade internacional.

            Em seu artigo 3° o Estatuto estabelece que a sede do TPI será em Haia, na Holanda, que fica desde já conhecida como Estado anfitrião. Ele adota princípios basilares do Direito Penal ao prever que um crime deve sempre se enquadrar no tipo penal, não sendo permitida analogia, quando expressa que alguém condenado pelo tribunal será punido conforme previsão do estatuto, e ao negar a possibilidade de julgar crimes cometidos antes do início do funcionamento do tribunal.

            No artigo 26 o Estatuto de Roma estabelece que a idade mínima para que alguém seja submetido a sua jurisdição é 18 anos e no artigo 31 diz que não haverá responsabilidade criminal para quem sofrer de enfermidade ou de deficiência mental que não permita perceber ou deter a conduta ilícita, para quem estiver intoxicado, desde que não tenha se intoxicando visando cometer o ilícito, para quem agir em defesa própria ou de terceiro e para quem praticar o crime sob forma de coação.

            Conforme o artigo 34 o TPI será composto por 4 órgãos: a presidência; uma seção de recursos, uma de primeira instância e uma de questões preliminares; um gabinete do promotor; e uma secretaria.

            O promotor, segundo artigo 42 será eleito por voto secreto da maioria absoluta dos votos da Assembléia dos Estados-partes. Cabe a ele recolher informações comprovadas para examinar, investigar e exercer a ação penal junto ao tribunal, tudo dentro dos princípios de liberdade, de consciência e de imparcialidade.

            As investigações do TPI devem ser iniciadas pelo procurador. Ele deverá nortear os trabalhos das autoridades policiais balizando-se no artigo 53 do estatuto. Se achar necessário prosseguir a investigação por crer que há provas para gerar uma ação penal deve expor seus motivos a uma Câmara de Pré-Julgamento que avaliará e fiscalizará todo o procedimento de instrução, sendo comprovadas as acusações o acusado será levado a juízo. O Conselho de Segurança da ONU e os Estados-partes também podem iniciar investigações. O Conselho pode relatar uma situação ao TPI desencadeando sua jurisdição e o Estado pode oferecer denuncia ao promotor, que deve ser anexada aos elementos que comprovem dando assim impulso a investigação.

            O Estatuto ainda prevê no artigo 64, 6 que adotará medidas de proteção do argüido, testemunhas e vítimas.

            Conforme o artigo 77 as penas aplicáveis são prisão perpétua, prisão máxima de 30 anos, multa, perda de produtos, bens e haveres provenientes do crime. O condenado pode apelar para que seu processo seja reavaliado e sempre que surgir uma nova prova pode haver revisão criminal.

            O artigo 17 do Estatuto trata dos pressupostos de admissibilidade para que o tribunal haja em cada no caso, ele diz que o TPI só pode julgar um crime que o Estado onde ocorreu o crime e o de nacionalidade dos autores não queira ou não seja capaz de julgar, há complementaridade. O Estatuto também está atento para a hipótese de existir procedimentos internos viciados, dirigidos de forma irregular por um país, ocasião em que a corte poderá intervir.

            Uma questão que merece ser abordada é a possibilidade de uma decisão transitada em julgado no país ser futuramente reavaliada pelo TPI. Essa possibilidade de fato existe se for comprovado que a absolvição do réu foi uma decisão viciada, neste caso o TPI poderia acusar o réu novamente e desconsiderar a decisão do país, mesmo porque não há coisa julgada para o Direito Internacional.

            O TPI traz no artigo 36, 3 que será formado por penalistas que tenham experiência comprovada e moral intocada, que desejem apenas aplicar o direito da melhor forma possível, sem ideologizar os julgamentos.

            O artigo 120 nega a possibilidade de serem admitidas reservas ao Estatuto de Roma.

            Existirá uma Assembléia de Estados-partes, onde cada um deles terá um representante e direito a um voto. Essa Assembléia se reunirá no mínimo uma vez por ano na sede do tribunal ou na sede da ONU e sua função é traçar linhas de orientação para melhor administração do TPI e aprovação do seu orçamento.

            Aos Estados-membros cabe ainda financiar as despesas do TPI, função que também cabe a ONU.

            No artigo 5° do Estatuto estão elencados os crimes que, quando mais graves e afetarem toda Comunidade Internacional, são da competência do TPI e nos artigos seguintes encontramos suas definições, são eles os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.

            a) Crime de genocídio

            Abrange atos praticados visando destruir, na totalidade ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Usa a mesma definição encontrada na Convenção de l948.

            b) Crimes contra a humanidade

            São atos cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra a população civil ou militar. São exemplos o assassinato, a escravidão, qualquer prisão visando às normas internacionais, violação, tortura, apartheid, escravidão sexual, prostituição forçada, etc.

            c) Crimes de guerra

            São violações graves as Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, ou seja, atos praticados contra pessoas o bens protegidos por essa convenção. São exemplo o homicídio internacional, destruição de bens não justificada pela guerra, deportação, forçar prisioneiros a servir nas forças inimigas, etc.

            d) Crime de Agressão

            Não há definição de agressão no estatuto, seu exercício está condicionado à aprovação pelo TPI de uma emenda que contenha definição.

            A doutrina e prática internacionais nunca obtive consenso quanto ao crime de agressão. A princípio as controvérsias eram fruto do fato da guerra ser ilícita como meio para resolver conflitos internacionais.

            A idéia de Santo Agostinho de guerra justa baseada na idéia de que seria preferível os justos dominarem os injustos do que o contrário, surtiu enorme influência, principalmente sobre os ocidentais, mas essa idéia foi combatida pelos humanistas do norte que viam a guerra sempre como um crime. O artigo 2° §4 da Carta das Nações Unidas considera a guerra um meio ilícito de solução de controvérsias.

            Embora seja uma grande vitória o estabelecimento do TPI existem críticas ao fato de no Estatuto de Roma não haver menção a alguns crimes graves que são considerados por muitos como crimes contra a humanidade. Fala-se aqui em crimes ambientais internacionais, crimes internéticos transnacionais, tráfico internacional de entorpecentes e lavagem internacional de dinheiro.

            2.2 Ilegalidade dos Tribunais Ad Hoc

            Os tribunais ad hoc criados pelo Conselho de Segurança da ONU são diferentes do Tribunal Penal Internacional, não tendo assim jurisdição internacional, neste tribunais a justiça é exercida por um poder superior e alguns nomes de pouca expressão podem ser absolvidos.

            Há necessidade de um órgão jurisdicional que independa da iniciativa do Conselho de Segurança da ONU e que não esteja sujeito a qualquer influência ou ingerência política ou econômica deste órgão, visto que não é admissível amparar ali todo o sistema internacional de proteção aos direitos garantias fundamentais.

            Esses tribunais ad hoc são resultado de um momento, viciados na pressão da opinião pública, aborrecida por testemunhar massacres pelos meios de comunicação. As cortes ad hoc não possuem todo aparato financeiro, jurisdicional, de pessoal e de capacidade adequada para execução das sentenças.

            O Tribunal de Nuremberg não respeitou nem o princípio da legalidade nem o princípio da anterioridade da lei penal, por não existir nem lei, nem tratado, nem qualquer outra legislação antevendo os crimes. A isso se soma o fato de ser uma corte de exceção composta pelos vencedores que tentavam aparentar uma legalidade e uma legitimidade que nunca existiram, tudo não teria passado de uma vingança mascarada. Além disso a responsabilidade internacional é unicamente do Estado, não podendo os indivíduos serem responsabilizados por ela. Por fim os vencedores tinham cometido barbaridades semelhantes durante a guerra que nunca chegaram a ser julgadas.

            O Conselho de Segurança da ONU não tem função judicial e os tribunais que criou são baseados na possibilidade que tem de criar órgãos subsidiários.

            Os tribunais ad hoc são instalados em alguns casos em outros não, são parciais e há perigo de excesso, não tem consistência na interpretação e aplicação do Direito Internacional porque são criados para casos específicos e com juízes distintos, são elaborados depois de terminada a guerra e organizados pelos vencedores.

            2.3 Posições Contrárias ao TPI

            Alguns países têm se mostrado contrários ao TPI, os EUA e a Rússia assinaram o estatuto da corte mas não o ratificaram e a China não o assinou. Os EUA até, durante as reuniões preparatórias, exigiu que seus funcionários, militares e autoridades não estejam dentro do campo de ação jurisdicional do TPI, ao menos até a ratificação norte-americana ao tratado.

            Os EUA haviam assinado o estatuto no último dia do mandato de Bill Clinton mas George W. Bush tirou esta assinatura e até mesmo lida com a possibilidade de abandonar todas as missões de paz se não obtiver imunidade.

            Se EUA, Rússia, China, Índia e Paquistão, países que historicamente tem sido palco ou que tem gerado as maiores violações aos direitos humanos, ingressassem no TPI seria uma forma de deter os abusos cometidos pelo poderio econômico em todo o mundo.

Esses países que se negam a assinar ou ratificar o Estatuto de Roma vêem nele uma ameaça a sua soberania interna, mas para Sylvia Steiner atualmente os tribunais ad hoc são uma ameaça ainda maior, pois tem superioridade sobre a jurisdição estatal enquanto que o TPI tem somente caráter complementar.

            A soberania é indispensável aos Estados desde a sua formação, ela é o poder que eles possuem de organização jurídica e de exigir que no seu território suas decisões sejam cumpridas dentro dos fins éticos de convivência. Para ser soberano o Estado deve ser também supremo, ou seja, nada no plano interno pode contrariar sua decisões e no plano externo o Estado deve ser igual aos demais membros da comunidade internacional. Esses conceitos estão entrando em colapso à medida que se torna impossível manter a idéia de soberania estatal em harmonia com a ordem internacional.

            Segundo M. Cherif Bassiouni os Estados que se opõe ao TPI ou temem que seus funcionários e mandatários respondam por violações internacionais amparadas pelo TPI, visto que desde a 2ª Guerra Mundial grande número de líderes tem sido parte na violação de princípios internacionais, ou acreditam que a jurisdição penal internacional possa criar obstáculo aos Estados por simples questões políticas, problema que pode ser resolvido selecionando-se as garantias que serão provisionadas e desenvolvidas como prevenção.

            2.4 TPI e a Legislação Nacional

            O princípio pacta sunt servada diz que compromissos assumidos devem ser cumpridos e os Estados-partes do Estatuto de Roma assumiram o dever de cooperar no ajuizamento e investigação dos crimes, sendo assim, devem seguir todos os seus preceitos.

            Por meio de seu corpo diplomático o Brasil participou, e com destaque, da Comissão Preparatória para o Estabelecimento de um TPI. Nossos diplomatas fizeram o possível para realizar o artigo 7 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal ("O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos").

            Em 7 de fevereiro de 2000 o Brasil assinou o Estatuto de Roma, mas só em 20 de junho de 2002 o ratificou. Essa demora se deu principalmente porque existem aparentemente grandes divergências entre o Estatuto de Roma e o Direito Brasileiro, a primeira delas diz respeito à extradição, proibida pelo ar. 5°, LI e LII da Constituição Federal de 1998 e a segunda delas diz respeito à prisão perpétua, proibida pelo art. 5°, XL, VII, b também da Carta Maior de 1998.

            A maioria da doutrina considera que a extradição e a entrega são figuras jurídicas diferentes. Enquanto na extradição existe o auxílio mútuo entre dois países onde um confia ao outro uma pessoa, na entrega o Estado estaria se sujeitando a uma vontade judicial proveniente de uma corte internacional, da qual ele mesmo é membro. Em outras palavras a extradição configura uma cooperação horizontal, visto que os entes de Direito Internacional estão em mesmo plano hierárquico e entrega é uma forma de cooperação vertical, onde os sujeitos de Direito Internacional estão em níveis hierárquicos diferentes.

            As dúvidas envolvendo a proibição de prisão perpétua são facilmente esclarecidas quando a questão é vista pelo ângulo de que os crimes previstos no Estatuto são diferentes dos previstos em legislação nacional, logo as punições também podem discordar das internas. Sylvia Steiner expõe que é necessário um estudo mais minucioso sobre se o preceito da norma nacional tem aplicabilidade na jurisdição internacional, isso sempre sem esquecer que "é também princípio inscrito no texto constitucional o de que o pais se rege no plano internacional, pela prevalência dos direitos humanos. Cogita-se das hipótese de que a vedação constitucional dirige-se apenas ao legislador interno, não impedindo assim a submissão do pais e de seus nacionais às previsões de uma Corte supranacional, não é de ser afastado de plano".

            O deputado Nilmário Miranda defende a posição de que há compatibilidade entre os ordenamentos jurídicos internacional e brasileiro. Ele argumenta que a extradição se refere à relação entre sujeitos de Direito Internacional que tem igualdade de soberania e a entrega tem caráter complementar e excepcional na jurisdição do TPI, visto que só será realizada se o Estado demonstrar-se incapaz ou não quiser julgar o crime cometido. Para justificar a prisão perpétua ele argumenta que a Constituição Federal rege apenas o direito interno do país, enquanto que o estatuto rege um sistema de jurisdição penal internacional. Ou seja, sistemas diferentes, normas diferentes.

            Outro ponto em que o TPI e a Lei Maior aparentemente se opõe diz respeito à previsão de foro privilegiado, mas André de Carvalho Ramos argumenta que esta previsão se limita à ordem jurídica interna, não cabendo a internacional. Para ele o Estatuto de Roma se adapta plenamente a Constituição Brasileira pois ele vê no Estatuto de Roma um tratado de direitos humanos, o que se enquadra no artigo 4°, II da Constituição Federal de 1988, que diz que "A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:.. . prevalência dos direitos humanos".

            O tipo penal é a norma que traça de uma forma abstrata, os comportamentos que configuram crime. Quando alguém comete, no caso concreto, uma conduta que se enquadre na norma há a chamada tipicidade. Segundo a legislação nacional não existe crime sem tipificação, por isso é preciso não deixar lacunas para assegurar que as normas darão bons resultados e nenhum crime ficará sem previsão legal, pois apesar dos crimes de guerra, contra a humanidade, de genocídio de agressão não terem relação imediata com o Brasil de hoje pode não ser exatamente assim amanhã.

            Com a ratificação do Estatuto de Roma a nossa legislação exige que seja adequada a nova realidade. A necessidade de tipificar os crimes de competência do TPI e adaptar o processo penal para o uso da jurisdição interna. A maior lacuna no direito brasileiro diz respeito aos crimes conta a humanidade. O genocídio não é tipificado de forma clara na legislação brasileira e os crimes militares praticados em guerra estão previstos no Código Penal Militar, muito embora os crimes de guerra não estejam.

CONCLUSÃO

            O homem contemporâneo globalizou a informação, a economia, as línguas, a políticas entretanto até o início deste século não havia globalizado a proteção à vida.

            O Tribunal Penal Internacional foi criado para que este bem, o mais importante bem da pessoa humana, não continue a mercê dos caprichos políticos das potências mundiais, e para que os responsáveis por crimes que tanto ferem a humanidade não fiquem na impunes.

            O Brasil é parte neste novo passo da justiça mundial que promete ser um marco para que os crimes que, principalmente no século passado, feriram profundamente a dignidade humana e o próprio conceito de humanidade.

            Basta agora que os Estados adaptem suas legislações para essa nova realidade e que os crimes do passado fiquem só na lembrança dos mais velhos e nos livros de história.

NOTAS

            01. Promotora-chefe do o Tribunal Internacional para o Julgamento dos Crimes contra a Humanidade no Território da Antiga Iugoslávia.

            Sylvia Steiner é desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e representante do Brasil na Comissão Preparatória do Tribunal Penal Internacional, especialista em Direito Penal pela UnB e mestre em Direito Internacional pela USP, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e da Associação Juízes para a Democracia.

            M. Cherif Bassiouni foi relator do Estatuto de Roma.

            Nilmário Miranda exerce seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados pelo Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais. Foi Deputado Estadual Constituinte (1987-1991), tendo exercido a liderança do PT entre 1989 e 1990 na Assembléia Legislativa.

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