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Os precedentes do Tribunal Penal Internacional, seu estatuto e sua relação com a legislação brasileira
Acadêmica de Direito na Feevale, Novo
Hamburgo (RS)
Sumário: 1 Evolução Histórica dos Tribunais Criminais Internacionais 1.1 Tribunal Militar de Nuremberg 1.1.1 Dos Crimes Julgados 1.1.2 Argumentos Contrários ao Tribunal Militar em Nuremberg 1.2 Tribunal Militar de Tóquio 1.3 Tribunal para Antiga Iugoslávia 1.3.1 Diferenças entre o Tribunal de Nuremberg e o da Ex-Iugoslávia 1.4 Tribunal para Ruanda 1.5 Tribunal para Serra Leoa 2 Tribunal Penal Internacional – TPI 2.1 Características Gerais do TPI 2.2 Ilegalidade dos Tribunais Ad Hoc 2.3 Posições Contrárias ao TPI 2.4 TPI e a Legislação Nacional CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Introdução
Desde
que o ser humano começou a viver em sociedade surgiram guerras entre os grupos
distintos. Com o passar dos tempos a civilização evoluiu e com isso, cada vez
mais, aumentaram os conflitos. Cotidianamente milhões de pessoas são vítimas de
atrocidades inimagináveis que chocam intensamente a consciência do mundo. Estes
crimes tão graves configuram um risco a paz, bem-estar e segurança da
humanidade não podendo ficar impunes e devendo ser a todo custo impedidos,
tomando-se para isso tanto medidas nacionais quanto internacionais. Uma
promessa para acabar com essas guerras é o Tribunal Penal Internacional.
O
presente trabalho tem por finalidade analisar o Estatuto de Roma, instrumento jurídico
que fundamenta o Tribunal Penal Internacional, relacionando-o a questões
controversas que surgem em decorrência da sua ratificação pelo Brasil e sua
característica inédita no cenário mundial de constituir-se na primeira corte
penal permanente para julgamento de indivíduos que cometam, dentre outros,
crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade.
Assim,
a partir do desenvolvimento de uma retrospectiva histórica sobre os tribunais
criminais que já foram criados, notadamente, o Tribunal de Nuremberg, Tóquio,
Tribunal Criminal para a Ex-Iugoslávia, Ruanda e Serra Leoa, analisaremos os
motivos pelos quais tais tribunais sempre tiveram sua legitimidade questionada
e porque o Tribunal Penal Internacional pode ser considerado a solução para os
conflitos armados da nossa era.
1 Evolução Histórica dos Tribunais Criminais Internacionais
O
tribunal criminal internacional mais antigo de que se tem notícia aconteceu em
1474, em Breisach (Alemanha). Ele era composto por 27 juízes do sacro Império
Romano e julgou e condenou, por violações a leis humanas e divinas, Peter von
Hagenbach, seu crime constituiu em autorizar que suas tropas estuprassem e
matassem civis inocentes e saqueassem propriedades.
Em
1689 o Conde Rosen foi privado do seu posto militar por James II da Inglaterra
por ser o responsável por um sítio tirano contra Londonderry e pela morte de
civis. No século XVIII aconteceram diversos julgamentos, onde foram réus
pessoas acusadas por tribunais ingleses e norte-americanos de terem praticado
faltas internacionais. Em 1872 o suíço Moynier lança a idéia de um tribunal
internacional composto por cinco membros, sendo dois nomeados pelos
beligerantes e três neutros.
Depois
da 1ª Guerra Mundial o Tratado de Versalhes previu que o Kaiser Guilherme II
violou leis de guerra por isso seria preso e julgado o que nunca chegou a
acontecer, ele refugiou-se nos Países Baixos onde passou o resto da vida sem
que alguém solicitasse a sua entrega. Nunca chegou a ser criado um tribunal
para julgar os alemães que tinham cometido crimes de guerra, quem os julgou foi
o Supremo Tribunal Alemão e dos 20.000 acusados inicialmente 21 foram julgados
e somente 13 condenados e a penas de poucos anos.
Em
1919 um comissão reconheceu que o massacre promovido pelos turcos contra
600.000 armênios fosse julgado por configurar uma violação de leis e costumes
de guerra, só que o Tratado de Sèrvres (1923) que seria o alicerce do
julgamento não chegou a ser ratificado e o Tratado de Lausanne (1927) anistiou
os turcos.
Em
1937 a Sociedade das Nações elaborou a convenção sobre Terrorismo onde estava
contido o estatuto de um tribunal criminal internacional permanente, mas a
única nação a ratificá-lo foi a Índia e esse tribunal nunca saiu do papel.
Foi
somente com a 2ª Guerra Mundial que tiveram início às jurisdições penais
internacionais, com a criação dos Tribunais de Nuremberg e Tóquio e a partir
daí também vieram às opiniões contrárias aos tribunais criminais
internacionais, baseadas principalmente na soberania estatal. Neste mesmo
período emerge a necessidade de proteger os direitos humanos e chega-se à
conclusão que o Estado é o maior transgressor destes direitos e garantias
fundamentais, sendo assim não poderá caber unicamente a ele o dever de zelar
por estes direitos.
A
concepção de um tribunal permanente para julgar crimes de guerra veio em 1948
na Convenção para Repressão e Prevenção do Crime de Genocídio, quando as Nações
Unidas incumbiram seus especialistas de debater a criação de um tribunal
criminal internacional permanente. As conclusões a que eles chegaram foram
tornadas públicas em 1950, mas esta corte não vingou. A Assembléia Geral na
época formou uma Comissão, mediante a resolução 177 de 21 de novembro de 1947,
para permitir a criação de uma jurisdição criminal internacional, de uma Câmara
Criminal na Corte internacional de Justiça e para copilar os Crimes contra Paz
e a Segurança da Humanidade. No decorre da Guerra Fria essa idéia foi esquecida
mas com seu fim foi recuperada porque os países recém emancipados, e de imensa
carga ideológica, tinham fortes tendências nacionalistas o que fez começarem a
surgir conflitos étnicos, político-geográficos, e religiosos que colocavam em
risco a paz mundial. A concepção dos tribunais ad hoc para
ex-Iugoslávia e para a Ruanda reascenderam definitivamente os esforços para um
tribunal criminal internacional permanente.
Em
1950 a Comissão começou a elaboração dos princípios do direito internacional
reconhecidos pelos instrumentos e julgamentos de Nuremberg e o modelo do Código
de ofensas contra a Paz e Segurança da Humanidade e expõe a Assembléia Geral. O
projeto de estatuto de uma corte penal internacional foi confeccionado em 1951
e alterado em 1953. Em 1954 o projeto do Código foi tornado inviável pela
Resolução 897, de 4 de dezembro de 1954, por não haver acordo sobro o conceito
de agressão.
Em
1989 e 1990 a Assembléia Geral solicitou a Comissão que a comunicasse sobre a
possibilidade criar eu tribunal criminal internacional para cuidar de crimes de
tráfico de drogas, idéia que não se concretizou.
Em
1990 a Comissão de Direito Internacional demonstrou, perante a Assembléia
Geral, apoiar um tribunal para processar os Crimes contra Paz e Segurança da
Humanidade. Foi mais ou menos nesta época que emergiram os conflitos da antiga
Iugoslávia e da Ruanda.
A
Assembléia Geral da ONU pediu que a comissão permanecesse com seus trabalhos,
depois disso a Comissão em conferência habilitou o projeto de um estatuto para
uma corte penal internacional e solicitou que fosse chamada uma Conferência de
Plenipotenciários para verificar os trabalhos e preparar uma convenção para
implantação do Tribunal Penal Internacional.
No
período de 1995 até 1998 a Assembléia Geral formou dois comitês que trabalharam
por 13 semanas em Nova York, na sede da ONU, para dar origem ao Anteprojeto do
Estatuto para o Tribunal Penal Internacional, essa tarefa foi completa em 13 de
abril de 1998 quando começou a Conferência Diplomática de Plenipotenciários
sobre o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional.
1.1
Tribunal Militar de Nuremberg
No
decorrer da 2ª Grande Guerra, os aliados e os governos europeus exilados
debateram sobre o que seria feito com os líderes nazistas depois de terminada a
guerra. A princípio muitos viam os crimes como residindo além dos limites da
justiça, consideravam o que ocorria como assunto político ao invés de
dimensioná-lo como tema legal. Tanto a URSS quanto a França eram partidárias
das execuções e os EUA defendiam que houvesse um julgamento.
De
17 de julho a 8 de agosto de 1945 os aliados reuniram-se na Inglaterra na
conferência de Postdam e firmaram a Carta de Londres do Tribunal Militar Internacional,
dando origem ao Tribunal de Nuremberg para punir os criminosos de guerra das
Potências Européias do Eixo. Por se tratar de um julgamento ex post facto
a carta que o constitui o cito tribunal tem peculiaridade de não trazer
palavras como lei e código, mesmo porque não havia nem código nem lei a
prevendo um julgamento nestes termos.
A
Carta de Londres prevê as regras do processo de julgamento para Nuremberg,
entre estes não houve a previsão e o enquadramento de nenhum crime como de organizações,
mesmo assim seis organizações foram citadas na Carta. A Carta diz que crimes
contra a humanidade são: "assassínio, exterminação, escravização,
deportação e outros atos inumanos cometidos contra alguma população de civis
antes ou durante a guerra, ou perseguições políticas, raciais ou religiosas a
grupos em execução ou em conexão com alguns crimes da jurisdição do Tribunal
Militar Internacional com ou sem violação da lei doméstica do país onde
perpetrarem."
O
Tribunal Militar Internacional mesclou os direitos civil europeu com o
anlglo-americano e os réus foram denunciados pela aniquilação de milhões de
pessoas e também por haverem preparado e disseminado a guerra no continente
europeu. Ele era composto por 4 juízes titulares e 4 suplentes, indicados pelos
Estados Unidos, França, Inglaterra e URSS e sua presidência não era fixa. A
acusação tinha a tarefa de provar que os réus tiveram livre arbítrio ao optar
por entrar na organização criminosa e que sabiam dos objetivos ilícitos quando ingressaram.
O
Tribunal de Nuremberg entrou em funcionamento em 20 de outubro de 1945 julgando
24 membros do partido e do governo nazista e 8 organizações acusadas de crimes
de guerra. Deste total de pessoas julgadas boa parte eram médicos que foram
qualificados como criminosos de guerra por causa das experiências feitas em
humanos. Muitos outros médicos trabalhavam nos campos de concentração fazendo o
mesmo tipo de experiências, só que quando a guerra acabou já tinham escapado ou
ido trabalhar em outro país. Os médicos nazistas da Alemanha arquitetaram e
executaram programas pró-eutanásia e buscaram a morte dos que eles viam como
improdutivos para a vida, em grande parte os retardados e doentes mentais e os
prejudicados fisicamente. Nas experiências eram usados, sem permissão, os
prisioneiros que estavam em campos de concentração e que acabavam, em grande
parte, morrendo ou ficando com seqüelas. Essas pessoas eram na maioria
poloneses, romanos, russos, judeus e egípcios.
Em
1 de outubro de 1946 o veredicto foi dado pelo Tribunal juntamente com um
documento chamado de código de Nuremberg, onde se fixou uma advertência
internacional em relação à ética no que envolve a pesquisa com seres humano. O
Tribunal se pronunciou absolvendo 5 réus, condenando 7 a pena de prisão e o
restante deles a morte por enforcamento e condenando 4 organizações. O Tribunal
tentou adaptar o Direito Internacional as leis internas do território Alemão,
fundamentando-se no fato de que as 4 potências que agora o ocupavam eram o
governo do território.
Em
1945 o Conselho de Controle aprovou a Lei n° 10 que tinha caráter retroativo e
dava aos Tribunais Alemães competência para julgar seus cidadãos e previa que
os tribunais além dela poderiam chegar a aplicar leis alemãs. Em fins de 1950
já haviam sido condenados por estes tribunais, baseados na Lei n°10, 5.288
pessoas, mas a partir daí os crimes nazistas poderiam ser julgados conforme as
leis penais alemãs. O resultado foi que de 1950 até 1955 o número de condenações
baixou para 628. Os russos condenaram a inicialmente 25 anos de prisão os
soldados que tinham feito prisioneiros e que cumpriram os trabalhos forçados na
URSS. Em 1950 os soviéticos enviaram para Alemanha 10.513 prisioneiros para que
ali cumprissem suas sentenças. Em 1955 muitos crimes prescreveram e só se
poderia julgar os homicídios com premeditação. Julgamentos ocorreram na década
de 60 e em 1965 a prescrição dos crimes de assassinato foi prorrogada.
De
1945 até 1949 os diferentes governos militares julgaram 5.006 pessoas, destas
794 foram sentenciadas a morte e 486 foram executadas, e quase todos foram
soltos até 1956.
1.1.1
Dos Crimes Julgados
Robert
Jackson, membro da Suprema Corte de Justiça da Associação dos Estados Unidos da
América do Norte e principal acusador dos EUA, via no Tribunal Militar de
Nuremberg uma possibilidade de criar uma lei internacional para dar fim aos
acontecimentos da guerra. Fica claro que a base deste raciocínio é bastante
duvidosa quando visto que os ganhadores promoveram um julgamento divergente do
direito e das regras internacionais de guerra existentes. Estados Unidos,
França, Inglaterra e Rússia para determinar a culpa alemã acusaram os réus de
conspiração, de ter dado início à guerra e por ter cometido crimes de guerra e
contra a humanidade. Os alemães, derrotados na 2ª Guerra Mundial foram julgados
por quatro crimes diferentes: conspiração, crimes contra a paz, crimes de
guerra e crimes contra a humanidade.
a)
Conspiração
Os
crimes de plano comum ou conspiração (common plan or conspiracy) são
previstos unicamente no direito anglo-americano sem ter qualquer igual no
direito europeu. Seria algo parecido de uma forma distante com bando e
quadrilha tipificados no direito nacional.
b)
Crimes contra a paz
Os
crimes contra a paz (crimes against peace) são os que se referem a
administrar, preparar, incitar e dar continuidade à guerra. Esse crime foi
previsto anteriormente pelo Pacto Briand-Kellog (27 de agosto de 1928 – Paris)
que não tinha previsão de sanção.
c)
Crimes de guerra
Os
crimes de guerra (war crimes) consistem em infrações aos costumes e lei
de guerra, abrangendo ainda maus-tratos, homicídio, deportação de civis dos
territórios ocupados para trabalhos forçados ou para trabalhos de prisioneiros
de guerra ou de pessoas no mar, morte de reféns, saques de bens tanto públicos
quanto privados, aniquilação de aldeias e cidades por motivo fútil ou que não
se amare por exigências militares.
d)
Crimes contra a humanidade
A
primeira vez que se julgaram crimes contra a humanidade foi em Nuremberg. Os crimes
against humanity sãos homicídios, extermínios, escravizações, deportações e
todo e qualquer outro ato desumano ou cruel contra civis praticados antes ou no
decorrer da guerra. Se enquadram neste tipo de crime também perseguições
políticas, raciais e religiosas quando praticadas em decorrência de um crime
que seja conexo ou que esteja na jurisdição do tribunal.
1.1.2
Argumentos Contrários ao Tribunal Militar em Nuremberg
Alguns
sustentam que na corte em Nuremberg aconteceu uma justiça parcial num tribunal
de exceção criado pelos vitoriosos, e que existem inúmeras razões para duvidar
dos critérios usados. O próprio rol de acusados é contestado, como também o
fato de os acusados estarem sendo julgados por violar as leis internacionais,
muito embora tais leis tenham sido criadas por Estados e não por indivíduos e
após já haverem ocorrido todos os fatos. Muitos são da opinião de que os
acusados deveriam ser julgados com as leis de seus próprios países e não em
julgamento fundamentado em uma ordem instituída depois da guerra.
Na
instituição do Tribunal o princípio do Direito Penal nullum crimen nulla
poena sine lege foi completamente esquecido, como também foi esquecido que
no Direito Internacional a responsabilidade é do Estado e não das pessoas.
Embora os vencedores também tivesse cometido crimes durante a guerra nenhum
deles foi julgado e há quem sustente que os atos praticados pelo alemães eram
só ilícitos e não criminosos.
1.2
Tribunal Militar de Tóquio
O
Tribunal de Tóquio também foi criado para julgar crimes cometidos na 2ª Guerra
Mundial e seguiu os mesmos moldes do Tribunal de Nuremberg.
Ele
foi fundado por uma proclamação do General MacArthur, que atuou como
comandante-em-chefe dos Aliados, estabelecendo o estatuto que é muito parecido
com Nuremberg. A corte era composta por Austrália, Canadá, China, EUA,
Filipinas, França Grã-Bretanha, Holanda, Índia, Nova Zelândia e URSS e julgou
ao todo 25 acusados. O presidente do Tribunal era nomeado pelo Comandante
Supremo e o Chefe da Acusação era norte-americano. Cada réu teve um advogado
norte-americano e um japonês o que é ilógico visualizando-se que os EUA eram um
dos acusadores. O Japão chegou a promulgar uma lei dizendo que tomaria a
responsabilidade pelo julgamento dos criminosos, pretendia com isso abrigar-se
no princípio de que uma pessoa não pode ser julgada mais de uma vez pelo mesmo
crime mas não obteve o resultado esperado. Aconteceram também julgamentos
realizados pela Austrália, China, EUA, Filipinas, França, Grã-Bretanha, Holanda
e URSS.
O
tribunal tentou adaptar as leis japonesas ao Direito Internacional baseando-se
no acordo firmado pelo país com os vencedores e que previa a formação de um
tribunal internacional.
1.3
Tribunal para Antiga Iugoslávia
Em
1991 começou uma grande guerra entre a Bósnia e a Sérvia e em 1993 a Bósnia
sofreu ataque que partiu da Croácia. Neste mesmo ano o CIJ ordenou que fosse
dado fim ao genocídio na Bósnia (Bósnia X Sérvia).
Os
acontecimentos que deram origem à beligerância foram graves crimes contra os
Direitos Humanos. O pior dos crimes foi à perseguição étnica aos albaneses que
aconteceu antes e durante a intervenção da OTAN. A OTAN também praticou
delitos, o principal foi o sistema de guerra usado (bombardeio de mísseis B-2
de grande altitude e dos mísseis Tomahawk, lançados de navio do Mar Adriático)
que se enquadra em ataque indiscriminado a civis e militares, por não existir
como precisar os alvos que poderiam ser tanto um estoque de armamentos quanto
um hospital.
Em
1992, a Resolução 780 do Conselho de Segurança da ONU solicitava que Boutros
Boutros-Ghali, Secretário Geral na ocasião, formasse uma comissão de
especialistas incumbidos de desvendar os acontecimentos da Iugoslávia. O
relatório prévio da comissão, de 9 de fevereiro de 1993 (S 252754), levou o
Conselho de Segurança a instituir provisoriamente um tribunal internacional.
Em
22 de fevereiro de 1993 foi criado pelo Conselho de Segurança da ONU, através
da Resolução 808, um tribunal internacional ad hoc, o Tribunal
Internacional para o Julgamento dos Crimes contra a Humanidade no Território da
Antiga Iugoslávia, que teve seu estatuto redigido em 3 meses. Esta Corte se
ocupará dos crimes cometidos de 1 de janeiro de 1991 até o final da guerra, ela
não tem jurisdição internacional, é a justiça sendo exercida por um poder
superior e alguns nomes de pouca expressão podem ser absolvidos.
O
Tribunal é formado por 2 câmaras de 3 juízes e uma corte de apelação, que é a
mesma do Tribunal de Ruanda.
Segundo
a imprensa, em 1997, 10 croata-bósnios acusados de crimes se apresentaram
espontaneamente para julgamento. As provas foram divididas em: as que dão
amparo satisfatório à educação; e aquelas que estão além de qualquer dúvida
razoável. A liberdade do juízo termina onde começam os direitos dos acusados e
o ônus da prova cabe ao acusado que é posto em regime de acusação prontamente
em uma Câmara de 1ª Instância. No que tange ao Direito Penal não é permitido o
uso de analogia, porém pode se fazer uso dela no Direito Processual Penal e o
Tribunal adotou o princípio de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez
pelo mesmo crime. Em 1998 dois bósnio-hezergovinos muçulmanos e um
bósnio-croata foram julgados culpados. Em 1999 pela primeira vez um Chefe de
Estado que está no poder é alvo de uma acusação, o acusado é o sérvio Slobodan
Milosevic.
O
ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic está sendo julgado, desde 12 de
fevereiro de 2002 (nove meses depois de ter sido preso e enviado para a Corte
de Haia) por 66 crimes, entre eles crimes contra a humanidade, genocídio e
infração as leis de guerra na Bósnia, Croácia e em Kosovo. Mais de 200 mil
pessoas morreram.
Em
sua defesa disse que a retirada dos albaneses em Kosovo, em 1999, foi causada
pelos bombardeios da OTAN e pela ameaça do Exército de Libertação de Kosovo.
Milosevic fez sua defesa investindo contra a OTAN, os EUA e o ocidente.
Na
acusação Carla del Ponte disse que a limpeza étnica "revelou uma
selvageria medieval e uma crueldade calculada que vão além do que costuma
acontecer numa guerra." A promotora disse ainda que os crimes
praticados na ex-Iugoslávia ofendem a todos "onde quer que a gente viva
porque esses crimes atacaram os princípios fundamentais dos Direitos Humanos e
da dignidade humana".
Os
acusadores agora precisam provar a ligação entre Milosevic e os crimes
denunciados. Como todos os crimes seguiam a mesma linha de ação de abusos aos
direitos humanos, estupros, tortura, execuções sumárias é de se concluir que
Milosevic comandava ou ao menos tinha ciência destas crueldades, mas deve se
provar essa responsabilidade de comando. Antes de tudo há necessidade de
legitimar o tribunal comprovando que os crimes em questão são de dimensão que
dê razão a sua existência. Em segundo lugar tenta-se provar que os crimes eram
elementos de um plano que Milosevic tinha de criar A Grande Sérvia, agrupando
territórios sérvios, da Bósnia e Croácia, e pondo fim à autonomia de Kosovo.
Mais
de 300 pessoas foram chamadas pela acusação para serem testemunhas, mas
Milosevic não quis advogado e está se defendendo sozinho por não achar o
tribunal competente para julgá-lo pela forma como combatia o terrorismo. Em 1
ano e meio ou 2 anos a contar do seu início o julgamento deve ter um desfecho.
1.3.1
Diferenças entre o Tribunal de Nuremberg e o da Ex-Iugoslávia
Uma
grande diferença entre o Tribunal Criminal Internacional que a ONU criou para antiga
Iugoslávia e o Tribunal Militar de Nuremberg é que o primeiro é uma corte
internacional civil enquanto que a segunda é militar. Outro fator importante é
que em Nuremberg os vencedores julgaram os vencidos e isso não é a realidade do
que acontece com os réus da antiga Iugoslávia.
Em
Nuremberg houve facilidade na obtenção de provas, audiência das testemunhas e
prisão dos acusados. Atualmente é difícil conseguir provas documentais e o
depoimento das testemunhas passou a possuir grande valor. Acrescenta-se a isso
o fato de que o tribunal criado pela ONU só pode se envolver em crimes
praticados em determinado território, enquanto que no tribunal militar julgou
os crimes sem fazer nenhuma distinção geográfica. Outra diferença reside no
fato de que no tribunal da 2ª Grande Guerra foram julgadas tanto pessoas quanto
organizações e no tribunal da ex-Iugoslávia são julgadas somente pessoas.
Hoje
o tribunal criminal julga crimes contra a lei de guerra, as transgressões
graves da Convenção de Genebra, crimes contra a humanidade e genocídio. Na
Alemanha ainda não se falava em genocídio e julgaram-se crimes contra a lei de
guerra, a paz e contra a humanidade e crimes de guerra.
Outro
ponto onde os dois tribunais divergem é no que diz respeito ao estupro, que não
era visto como crime no tribunal militar, mas é considerado pelas corte atuais
um crime contra a humanidade se praticado em tempo de guerra.
Em
Nuremberg existiram várias condenações à pena capital, pena que hoje não é mais
aplicada.
1.4
Tribunal para Ruanda
A
pedido do governo de Ruanda o Conselho de Segurança da ONU instituiu, a partir
da Resolução 955, de 8 de novembro de 1994, fundar o Tribunal Internacional
para o Julgamento dos Crimes contra a Humanidade Cometidos no Território da
Ruanda e Cometidos por Cidadãos Ruandeses no Território dos Estados Vizinhos,
cujo estatuto foi redigido em dois meses.
Em
4 de setembro de 1998, pela primeira vez um tribunal criminal internacional
aplicou a Convenção de 1948 sobre Genocídio, condenando o réu confesso Jean
Kambanda à prisão perpétua. Ele foi ministro do governo provisório de Ruanda em
l994, ocasião em que 1 milhão de pessoas foram mortas.
Tanto
o estatuto do tribunal da Ruanda como o da antiga Iugoslávia não trazem penas
específicas para cada delito, ferindo o princípio da individualização das penas
na medida que quem decide qual delas aplicar são os juízes.
O
tribunal não foi criado para julgar crimes de guerra, mesmo porque se trata de
uma guerra interna, mas para julgar violações graves ao Direito Internacional
como punições coletivas, terrorismo, tomada de reféns e pilhagem.
O
órgão tem duas câmaras de 1ª instância e uma de apelação que é a mesma da corte
criada para a ex-Iuguslávia. O procurador é desvinculado do tribunal.
1.5
Tribunal para Serra Leoa
Mesmo
com a diminuição dos recursos financeiros para esse tipo de corte Kofi Annan,
Secretário Geral da ONU, aprovou a criação de um tribunal ad hoc que
julgará os crimes de guerra em Serra Leoa. Busca-se com isso aplicar sanções
aos responsáveis pela guerrilha civil que vem devastando a nação na última
década.
2 Tribunal Penal Internacional – TPI
2.1
Características Gerais do TPI
O
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional foi criado por uma convenção
multilateral e aprovado por uma Conferência Diplomática de Plenipotenciários
das Nações Unidas sobre o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional
que se realizou de 15 de junho até 17 de julho de 1998, data em que o Estatuto
foi aprovado por 120 votos a favor, 7 contra (China, Estados Unidos, Filipinas,
Índia, Israel, Sri Lanka e Turquia) e 21 abstenções, e previa que o TPI
efetivamente existiria quando conseguisse 60 ratificações e enquanto isso não
acontecia o Estatuto ficou depositado em Nova York.
Em
Nova York, no dia 11 de abril de 2002, Bósnia, Bulgária, Camboja, Congo,
Eslováquia, Irlanda, Jordânia, Mongólia, Niger e Romênia ratificaram o TPI, que
obteve assim número maior de países que concordam com o estabelecimento do
Tribunal do que seria necessário para seu funcionamento.
O
TPI não contará com polícia própria, muito embora possa decretar a prisão
preventiva dos suspeitos da autoria de crimes, para prendê-los contará com a
polícia do local onde se acha o suspeito.
A
criação do TPI põe fim à arbitrariedade da formação de tribunal ad hoc
que só tem origem depois dos conflitos internacionais.
O
TPI não deve investigar crimes antes do final de 2003. Os 18 juízes e o
promotor-chefe serão eleitos pela Assembléia de Estados-partes do TPI e terão
mandato de 9 anos sendo vedado mais de um juiz de cada nacionalidade e também a
reeleição. Provavelmente nenhum brasileiro ocupará estes lugares porque apesar
de o país ter assinado o Estatuto em 2000 e de ter feito parte da sua
elaboração só o ratificou em fins de junho de 2002, não fazendo parte das 60
primeiras assinaturas. Isso se deve ao fato de conflitos entre as normas
internas brasileiras e as do Tribunal, assunto que será abordado
posteriormente.
Todos
os países que ratificaram o Estatuto de Roma podem apresentar denúncias contra
seus cidadãos ou contra estrangeiros que tenham cometidos arbitrariedades em
seu território, e qualquer um, mesmo Chefes de Estado, podem ser alvo de
acusações e julgamentos no TPI.
Tanto
o Conselho de Segurança da ONU quanto o promotor-chefe, assim como os
Estados-partes tem legitimidade para oferecer casos ao TPI. O Conselho pode até
mesmo, obtendo consenso entre seus membros permanentes, suspender ou impedir
que se inicie um julgamento, retardando-o por até 12 meses renováveis, desde
que veja neste julgamento uma ameaça à estabilidade e a paz internacional. A
Rússia, os EUA e a China têm 3 dos 5 votos permanentes do Conselho e embora não
tenham ratificado o TPI exercem influência sobre ele.
O
Estatuto de Roma não pode ser qualificado nem como um recurso processual nem
como um recurso, ele é um meio para criar uma jurisdição internacional no
âmbito penal.
O
Estatuto de Roma compõe-se de preambulo de 128 artigos que se dividem em 13
capítulos:
-
Capítulo I-Criação do Tribunal (art. 1 a 4);
-
Capítulo II-Competência, admissibilidade e direito aplicável (art. 5 a 21);
-
Capítulo III-Princípio gerais de direito penal (art. 22 a 33);
-
Capítulo IV-Composição e administração do Tribunal (art. 34 a 52);
-
Capítulo V-Inquérito e procedimento criminal (art. 53 a 61);
-
Capítulo VI-O julgamento (art. 62 a 76);
-
Capítulo VII-As penas (art. 77 a 80)
-
Capítulo VIII-Recurso e Revisão (art. 81 a 85);
-
Capítulo IX-Cooperação internacional e auxílio judiciário (art. 86 a 102);
-
Capítulo X-Execução da pena (art. 103 a 111);
-
Capítulo XI-Assembléia dos Estados Partes (art. 112);
-
Capítulo XII-Financiamento (art. 113 a 118); e
-
Capítulo XIII-Cláusulas Finais (art 119 a 128).
O
preâmbulo anuncia o empenho dos Estados para formar um TPI permanente e
independente que se some às jurisdições penais nacionais, que tenham
competência sobre indivíduos no que trata dos crimes mais graves que atingem a
comunidade internacional.
Em
seu artigo 3° o Estatuto estabelece que a sede do TPI será em Haia, na Holanda,
que fica desde já conhecida como Estado anfitrião. Ele adota princípios
basilares do Direito Penal ao prever que um crime deve sempre se enquadrar no
tipo penal, não sendo permitida analogia, quando expressa que alguém condenado
pelo tribunal será punido conforme previsão do estatuto, e ao negar a
possibilidade de julgar crimes cometidos antes do início do funcionamento do
tribunal.
No
artigo 26 o Estatuto de Roma estabelece que a idade mínima para que alguém seja
submetido a sua jurisdição é 18 anos e no artigo 31 diz que não haverá
responsabilidade criminal para quem sofrer de enfermidade ou de deficiência
mental que não permita perceber ou deter a conduta ilícita, para quem estiver
intoxicado, desde que não tenha se intoxicando visando cometer o ilícito, para
quem agir em defesa própria ou de terceiro e para quem praticar o crime sob
forma de coação.
Conforme
o artigo 34 o TPI será composto por 4 órgãos: a presidência; uma seção de
recursos, uma de primeira instância e uma de questões preliminares; um gabinete
do promotor; e uma secretaria.
O
promotor, segundo artigo 42 será eleito por voto secreto da maioria absoluta
dos votos da Assembléia dos Estados-partes. Cabe a ele recolher informações
comprovadas para examinar, investigar e exercer a ação penal junto ao tribunal,
tudo dentro dos princípios de liberdade, de consciência e de imparcialidade.
As
investigações do TPI devem ser iniciadas pelo procurador. Ele deverá nortear os
trabalhos das autoridades policiais balizando-se no artigo 53 do estatuto. Se
achar necessário prosseguir a investigação por crer que há provas para gerar
uma ação penal deve expor seus motivos a uma Câmara de Pré-Julgamento que
avaliará e fiscalizará todo o procedimento de instrução, sendo comprovadas as
acusações o acusado será levado a juízo. O Conselho de Segurança da ONU e os
Estados-partes também podem iniciar investigações. O Conselho pode relatar uma
situação ao TPI desencadeando sua jurisdição e o Estado pode oferecer denuncia
ao promotor, que deve ser anexada aos elementos que comprovem dando assim
impulso a investigação.
O
Estatuto ainda prevê no artigo 64, 6 que adotará medidas de proteção do
argüido, testemunhas e vítimas.
Conforme
o artigo 77 as penas aplicáveis são prisão perpétua, prisão máxima de 30 anos,
multa, perda de produtos, bens e haveres provenientes do crime. O condenado
pode apelar para que seu processo seja reavaliado e sempre que surgir uma nova
prova pode haver revisão criminal.
O
artigo 17 do Estatuto trata dos pressupostos de admissibilidade para que o
tribunal haja em cada no caso, ele diz que o TPI só pode julgar um crime que o
Estado onde ocorreu o crime e o de nacionalidade dos autores não queira ou não
seja capaz de julgar, há complementaridade. O Estatuto também está atento para
a hipótese de existir procedimentos internos viciados, dirigidos de forma
irregular por um país, ocasião em que a corte poderá intervir.
Uma
questão que merece ser abordada é a possibilidade de uma decisão transitada em
julgado no país ser futuramente reavaliada pelo TPI. Essa possibilidade de fato
existe se for comprovado que a absolvição do réu foi uma decisão viciada, neste
caso o TPI poderia acusar o réu novamente e desconsiderar a decisão do país,
mesmo porque não há coisa julgada para o Direito Internacional.
O
TPI traz no artigo 36, 3 que será formado por penalistas que tenham experiência
comprovada e moral intocada, que desejem apenas aplicar o direito da melhor
forma possível, sem ideologizar os julgamentos.
O
artigo 120 nega a possibilidade de serem admitidas reservas ao Estatuto de
Roma.
Existirá
uma Assembléia de Estados-partes, onde cada um deles terá um representante e
direito a um voto. Essa Assembléia se reunirá no mínimo uma vez por ano na sede
do tribunal ou na sede da ONU e sua função é traçar linhas de orientação para
melhor administração do TPI e aprovação do seu orçamento.
Aos
Estados-membros cabe ainda financiar as despesas do TPI, função que também cabe
a ONU.
No
artigo 5° do Estatuto estão elencados os crimes que, quando mais graves e
afetarem toda Comunidade Internacional, são da competência do TPI e nos artigos
seguintes encontramos suas definições, são eles os crimes de genocídio, crimes
contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.
a)
Crime de genocídio
Abrange
atos praticados visando destruir, na totalidade ou em parte, um grupo nacional,
étnico, racial ou religioso. Usa a mesma definição encontrada na
Convenção de l948.
b)
Crimes contra a humanidade
São
atos cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra a
população civil ou militar. São exemplos o assassinato, a escravidão, qualquer
prisão visando às normas internacionais, violação, tortura, apartheid,
escravidão sexual, prostituição forçada, etc.
c)
Crimes de guerra
São
violações graves as Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, ou seja,
atos praticados contra pessoas o bens protegidos por essa convenção. São
exemplo o homicídio internacional, destruição de bens não justificada pela
guerra, deportação, forçar prisioneiros a servir nas forças inimigas, etc.
d)
Crime de Agressão
Não
há definição de agressão no estatuto, seu exercício está condicionado à
aprovação pelo TPI de uma emenda que contenha definição.
A
doutrina e prática internacionais nunca obtive consenso quanto ao crime de
agressão. A princípio as controvérsias eram fruto do fato da guerra ser ilícita
como meio para resolver conflitos internacionais.
A
idéia de Santo Agostinho de guerra justa baseada na idéia de que seria
preferível os justos dominarem os injustos do que o contrário, surtiu enorme
influência, principalmente sobre os ocidentais, mas essa idéia foi combatida
pelos humanistas do norte que viam a guerra sempre como um crime. O artigo 2°
§4 da Carta das Nações Unidas considera a guerra um meio ilícito de solução de
controvérsias.
Embora
seja uma grande vitória o estabelecimento do TPI existem críticas ao fato de no
Estatuto de Roma não haver menção a alguns crimes graves que são considerados
por muitos como crimes contra a humanidade. Fala-se aqui em crimes ambientais
internacionais, crimes internéticos transnacionais, tráfico internacional de
entorpecentes e lavagem internacional de dinheiro.
2.2
Ilegalidade dos Tribunais Ad Hoc
Os
tribunais ad hoc criados pelo Conselho de Segurança da ONU são
diferentes do Tribunal Penal Internacional, não tendo assim jurisdição
internacional, neste tribunais a justiça é exercida por um poder superior e
alguns nomes de pouca expressão podem ser absolvidos.
Há
necessidade de um órgão jurisdicional que independa da iniciativa do Conselho
de Segurança da ONU e que não esteja sujeito a qualquer influência ou
ingerência política ou econômica deste órgão, visto que não é admissível
amparar ali todo o sistema internacional de proteção aos direitos garantias
fundamentais.
Esses
tribunais ad hoc são resultado de um momento, viciados na pressão da
opinião pública, aborrecida por testemunhar massacres pelos meios de comunicação.
As cortes ad hoc não possuem todo aparato financeiro, jurisdicional, de
pessoal e de capacidade adequada para execução das sentenças.
O
Tribunal de Nuremberg não respeitou nem o princípio da legalidade nem o
princípio da anterioridade da lei penal, por não existir nem lei, nem tratado,
nem qualquer outra legislação antevendo os crimes. A isso se soma o fato de ser
uma corte de exceção composta pelos vencedores que tentavam aparentar uma
legalidade e uma legitimidade que nunca existiram, tudo não teria passado de
uma vingança mascarada. Além disso a responsabilidade internacional é
unicamente do Estado, não podendo os indivíduos serem responsabilizados por
ela. Por fim os vencedores tinham cometido barbaridades semelhantes durante a
guerra que nunca chegaram a ser julgadas.
O
Conselho de Segurança da ONU não tem função judicial e os tribunais que criou
são baseados na possibilidade que tem de criar órgãos subsidiários.
Os
tribunais ad hoc são instalados em alguns casos em outros não, são
parciais e há perigo de excesso, não tem consistência na interpretação e
aplicação do Direito Internacional porque são criados para casos específicos e
com juízes distintos, são elaborados depois de terminada a guerra e organizados
pelos vencedores.
2.3
Posições Contrárias ao TPI
Alguns
países têm se mostrado contrários ao TPI, os EUA e a Rússia assinaram o
estatuto da corte mas não o ratificaram e a China não o assinou. Os EUA até,
durante as reuniões preparatórias, exigiu que seus funcionários, militares e
autoridades não estejam dentro do campo de ação jurisdicional do TPI, ao menos
até a ratificação norte-americana ao tratado.
Os
EUA haviam assinado o estatuto no último dia do mandato de Bill Clinton mas
George W. Bush tirou esta assinatura e até mesmo lida com a possibilidade de
abandonar todas as missões de paz se não obtiver imunidade.
Se
EUA, Rússia, China, Índia e Paquistão, países que historicamente tem sido palco
ou que tem gerado as maiores violações aos direitos humanos, ingressassem no
TPI seria uma forma de deter os abusos cometidos pelo poderio econômico em todo
o mundo.
Esses
países que se negam a assinar ou ratificar o Estatuto de Roma vêem nele uma
ameaça a sua soberania interna, mas para Sylvia Steiner atualmente os tribunais
ad hoc são uma ameaça ainda maior, pois tem superioridade sobre a
jurisdição estatal enquanto que o TPI tem somente caráter complementar.
A
soberania é indispensável aos Estados desde a sua formação, ela é o poder que
eles possuem de organização jurídica e de exigir que no seu território suas
decisões sejam cumpridas dentro dos fins éticos de convivência. Para ser
soberano o Estado deve ser também supremo, ou seja, nada no plano interno pode
contrariar sua decisões e no plano externo o Estado deve ser igual aos demais
membros da comunidade internacional. Esses conceitos estão entrando em colapso
à medida que se torna impossível manter a idéia de soberania estatal em
harmonia com a ordem internacional.
Segundo
M. Cherif Bassiouni os Estados que se opõe ao TPI ou temem que seus
funcionários e mandatários respondam por violações internacionais amparadas
pelo TPI, visto que desde a 2ª Guerra Mundial grande número de líderes tem sido
parte na violação de princípios internacionais, ou acreditam que a jurisdição
penal internacional possa criar obstáculo aos Estados por simples questões
políticas, problema que pode ser resolvido selecionando-se as garantias que
serão provisionadas e desenvolvidas como prevenção.
2.4
TPI e a Legislação Nacional
O
princípio pacta sunt servada diz que compromissos assumidos devem ser
cumpridos e os Estados-partes do Estatuto de Roma assumiram o dever de cooperar
no ajuizamento e investigação dos crimes, sendo assim, devem seguir todos os
seus preceitos.
Por
meio de seu corpo diplomático o Brasil participou, e com destaque, da Comissão
Preparatória para o Estabelecimento de um TPI. Nossos diplomatas fizeram o
possível para realizar o artigo 7 do Ato das Disposições Transitórias da
Constituição Federal ("O Brasil propugnará pela formação de um tribunal
internacional dos direitos humanos").
Em
7 de fevereiro de 2000 o Brasil assinou o Estatuto de Roma, mas só em 20 de
junho de 2002 o ratificou. Essa demora se deu principalmente porque existem
aparentemente grandes divergências entre o Estatuto de Roma e o Direito
Brasileiro, a primeira delas diz respeito à extradição, proibida pelo ar. 5°,
LI e LII da Constituição Federal de 1998 e a segunda delas diz respeito à
prisão perpétua, proibida pelo art. 5°, XL, VII, b também da Carta Maior de
1998.
A
maioria da doutrina considera que a extradição e a entrega são figuras
jurídicas diferentes. Enquanto na extradição existe o auxílio mútuo entre dois
países onde um confia ao outro uma pessoa, na entrega o Estado estaria se
sujeitando a uma vontade judicial proveniente de uma corte internacional, da
qual ele mesmo é membro. Em outras palavras a extradição configura uma
cooperação horizontal, visto que os entes de Direito Internacional estão em
mesmo plano hierárquico e entrega é uma forma de cooperação vertical, onde os
sujeitos de Direito Internacional estão em níveis hierárquicos diferentes.
As
dúvidas envolvendo a proibição de prisão perpétua são facilmente esclarecidas
quando a questão é vista pelo ângulo de que os crimes previstos no Estatuto são
diferentes dos previstos em legislação nacional, logo as punições também podem
discordar das internas. Sylvia Steiner expõe que é necessário um estudo mais
minucioso sobre se o preceito da norma nacional tem aplicabilidade na jurisdição
internacional, isso sempre sem esquecer que "é também princípio
inscrito no texto constitucional o de que o pais se rege no plano
internacional, pela prevalência dos direitos humanos. Cogita-se das hipótese de
que a vedação constitucional dirige-se apenas ao legislador interno, não
impedindo assim a submissão do pais e de seus nacionais às previsões de uma
Corte supranacional, não é de ser afastado de plano".
O
deputado Nilmário Miranda defende a posição de que há compatibilidade entre os
ordenamentos jurídicos internacional e brasileiro. Ele argumenta que a
extradição se refere à relação entre sujeitos de Direito Internacional que tem
igualdade de soberania e a entrega tem caráter complementar e excepcional na
jurisdição do TPI, visto que só será realizada se o Estado demonstrar-se
incapaz ou não quiser julgar o crime cometido. Para justificar a prisão
perpétua ele argumenta que a Constituição Federal rege apenas o direito interno
do país, enquanto que o estatuto rege um sistema de jurisdição penal
internacional. Ou seja, sistemas diferentes, normas diferentes.
Outro
ponto em que o TPI e a Lei Maior aparentemente se opõe diz respeito à previsão
de foro privilegiado, mas André de Carvalho Ramos argumenta que esta previsão
se limita à ordem jurídica interna, não cabendo a internacional. Para ele o
Estatuto de Roma se adapta plenamente a Constituição Brasileira pois ele vê no
Estatuto de Roma um tratado de direitos humanos, o que se enquadra no artigo
4°, II da Constituição Federal de 1988, que diz que "A República
Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes
princípios:.. . prevalência dos direitos humanos".
O
tipo penal é a norma que traça de uma forma abstrata, os comportamentos que configuram
crime. Quando alguém comete, no caso concreto, uma conduta que se enquadre na
norma há a chamada tipicidade. Segundo a legislação nacional não existe crime
sem tipificação, por isso é preciso não deixar lacunas para assegurar que as
normas darão bons resultados e nenhum crime ficará sem previsão legal, pois
apesar dos crimes de guerra, contra a humanidade, de genocídio de agressão não
terem relação imediata com o Brasil de hoje pode não ser exatamente assim
amanhã.
Com
a ratificação do Estatuto de Roma a nossa legislação exige que seja adequada a
nova realidade. A necessidade de tipificar os crimes de competência do TPI e
adaptar o processo penal para o uso da jurisdição interna. A maior lacuna no
direito brasileiro diz respeito aos crimes conta a humanidade. O genocídio não
é tipificado de forma clara na legislação brasileira e os crimes militares
praticados em guerra estão previstos no Código Penal Militar, muito embora os
crimes de guerra não estejam.
CONCLUSÃO
O
homem contemporâneo globalizou a informação, a economia, as línguas, a
políticas entretanto até o início deste século não havia globalizado a proteção
à vida.
O
Tribunal Penal Internacional foi criado para que este bem, o mais importante
bem da pessoa humana, não continue a mercê dos caprichos políticos das
potências mundiais, e para que os responsáveis por crimes que tanto ferem a
humanidade não fiquem na impunes.
O
Brasil é parte neste novo passo da justiça mundial que promete ser um marco
para que os crimes que, principalmente no século passado, feriram profundamente
a dignidade humana e o próprio conceito de humanidade.
Basta
agora que os Estados adaptem suas legislações para essa nova realidade e que os
crimes do passado fiquem só na lembrança dos mais velhos e nos livros de
história.
NOTAS
01.
Promotora-chefe do o Tribunal Internacional para o Julgamento dos Crimes contra
a Humanidade no Território da Antiga Iugoslávia.
Sylvia Steiner é desembargadora do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região e representante do Brasil na Comissão
Preparatória do Tribunal Penal Internacional, especialista em Direito Penal
pela UnB e mestre em Direito Internacional pela USP, membro do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais e da Associação Juízes para a Democracia.
M. Cherif Bassiouni foi relator do
Estatuto de Roma.
Nilmário Miranda exerce seu terceiro
mandato na Câmara dos Deputados pelo Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais.
Foi Deputado Estadual Constituinte (1987-1991), tendo exercido a liderança do
PT entre 1989 e 1990 na Assembléia Legislativa.
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Retirado de: www.jusnavigandi.com.br