Buscalegis.ccj.ufsc.br
Bacharel em Direito, técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral
do Ceará
Sumário:. 1.Pena de multa: conceito, características, finalidade e importância. 2.Cálculo da pena de multa no Código Penal. Adoção do método trifásico. 3.Pena de multa no Código Eleitoral. Peculiaridades. 4.Conclusão. 5.Notas. 6.Bibliografia.
1. Pena de multa: conceito, características, finalidade e
importância.
Segundo
Sebastian Soler, "pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através
da ação penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ilícito,
consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo fim é evitar novos delitos1."
Outrossim,
há de se afirmar que, em conformidade com a tendência de adoção de políticas
criminais mais humanitárias, onde se destaca a corrente denominada "Nova
Defesa Social" de Marc Ancel, a finalidade precípua de qualquer sanção
criminal deve ser a readaptação do condenado à sociedade.
Na
multa - uma das espécies de pena previstas na nossa legislação e consistente em
diminuição patrimonial do criminoso revertida em favor do Fundo Penitenciário -
este importante elemento ressocializador não desponta tão cristalino, restando
o escopo suplementar de imposição de castigo, nítido caráter de ressarcimento à
sociedade, além de considerável fator inibitório de cometimento de novos
delitos.
Os
defensores de sua aplicação apregoam suas vantagens, tais como eficiente
punição à cupidez e ganância motivadoras de determinados delitos, menor
onerosidade ao aparelho repressivo estatal e, nos casos em que aplicada como
substituição à pena privativa de liberdade, afastar o condenado das prisões,
hodiernamente verdadeiras escolas de ensino e aperfeiçoamento da conduta
criminosa.
2. Cálculo da pena de multa no Código Penal. Adoção do
método trifásico.
A
pena de multa pode ser cominada como sanção principal, alternativa ou
cumulativamente com a pena privativa de liberdade ou aplicada em substituição
desta2.
Abandonando
o antigo sistema de tarifamento, a reforma do Código Penal, levada a efeito em
1984, adotou o critério do dia-multa, devendo o seu montante ser calculado de
acordo com a nova redação do disposto no art. 49 e §§:
1º Passo: Arbitra-se o número
de dias-multa, o qual não poderá ser menor que 10 (dez) e nem maior que 360
(trezentos e sessenta) dias-multa;
2º Passo: Calcula-se o valor
do dia-multa, que deverá estar compreendido entre os limites de um 1/30 (um
trigésimo) e 05 (cinco) vezes o valor do salário mínimo;
3º Passo: Chega-se ao
montante da pena de multa, multiplicando-se o número de dias-multa pelo valor
do dia-multa.
Saliente-se
que não há nenhuma divergência doutrinária ou jurisprudencial quanto ao cálculo
do valor do dia-multa (segundo passo). O mesmo deve ser calculado de acordo com
capacidade econômica do infrator.
Todavia,
em relação ao número de dias-multa, não há entendimento pacífico no tocante à
possibilidade da dosimetria do mesmo com esteio na culpabilidade do
delinqüente. Há três orientações:
1ª orientação: Tal qual o
arbitramento do valor do dia-multa, há de se levar em consideração somente a
capacidade econômica do condenado. Quanto maior esta for, tanto maior será o
número de dias-multa. Para os seus defensores, não se deve perquirir acerca da
culpabilidade do infrator para imposição desta espécie de pena;
2ª orientação: O quantum de
dias-multa deve ser calculado de acordo com a culpabilidade do agente,
levando-se em conta apenas as circunstâncias judiciais contidas no caput
do art. 59 do Código Penal, ou seja, o correspondente à primeira fase do método
trifásico;
3ª orientação: Para cálculo
do número de dias-multa, adota-se integralmente o critério trifásico disposto
no art. 68 do Código Penal e aplicado no cálculo da pena privativa de
liberdade. Desta forma, a partir do mínimo cominado em abstrato (10
dias-multa), o juiz fixará um número base de dias-multa, levando em consideração
as circunstâncias judiciais3 (art. 59, caput, CP). Posteriormente,
verificará a ocorrência de agravantes (art. 61 e 62 do CP) e atenuantes
genéricas (art. 65 e 66 do CP) e, por último, tornará a quantidade de
dias-multa definitiva, fazendo incidir as causas de diminuição e aumento de
pena dispersas tanto na Parte Geral, quanto na Parte Especial do diploma
mencionado.
A
primeira corrente, minoritária, em que se perfilha Fernando Capez4,
entende que o único critério a ser verificado pelo prudente arbítrio do juiz na
fixação da quantidade dos dias-multa deve ser a situação econômica do réu.
Contudo,
tal entendimento pode levar à imposição de multas elevadas e desproporcionais a
autores de infrações de pouca ofensividade, simplesmente por serem os mesmos
possuidores de consideráveis recursos financeiros.
A
segunda corrente, na qual está incluído o Professor Damásio de Jesus, pugna
pela idéia de que, conquanto o critério para fixação do quantum seja a
culpabilidade do agente, deve ser afastado do cálculo a incidência das
"genéricas" e causas de aumento e diminuição de pena.
Pode-se
criticar esta equivocada posição com o seguinte exemplo: duas pessoas, de igual
capacidade econômica e cujas circunstâncias objetivas e subjetivas de suas
condutas ilícitas (previstas no art. 59 do CP) em tudo se assemelham, praticam
delitos idênticos em contextos fáticos diversos, sendo que um deles repara o
dano voluntariamente até o recebimento da denúncia5. Consoante os
adeptos da segunda orientação, analisadas apenas as circunstâncias judiciais,
os dois teriam a mesma pena de multa prolatada nas suas respectivas sentenças
condenatórias!
Para
evitar tais aberrações, que se consubstanciam em afronta aos princípios constitucionais
da isonomia e da individualização da pena, é forçoso concluir que a terceira
corrente é a que melhor se coaduna com os anseios de distribuição de justiça.
O
julgador, diante dos fatos e provas apresentados e colacionados ao processo, com
esteio no seu livre convencimento motivado, tem a árdua tarefa final de fixar a
pena. Contudo, tal atividade necessita de um norte, de um parâmetro respaldado
pela lei para dar a cada um o quantidade correta da reprimenda a ser imposta
pelo Estado ao infrator (concreção do princípio constitucional da
individualização da pena).
Dessarte,
a baliza do juiz, propulsor da justiça, só pode e deve ser o método trifásico
idealizado por Nélson Hungria, o único que distribui de forma justa a aplicação
da pena ao caso concreto e, vale dizer, inclusive a de multa.
3. Pena de multa no Código Eleitoral. Peculiaridades.
O
art. 286 do Código Eleitoral traça disposições genéricas para a aplicação da
pena de multa nos crimes previstas em seu texto.
O
caput do citado artigo preceitua que a quantidade de dias-multa é de, no
mínimo, 01(um) dia-multa e, no máximo, 300 (trezentos) dias-multa.
Acrescente-se que, no Código Eleitoral, a pena pecuniária não é cominada de
forma indeterminada como no CP, sendo a sanção prevista dentro de um intervalo mínimo
e máximo de dias-multa.
O
§ 1º, por sua vez, trata do valor do dia-multa, o qual deve ser fixado segundo
o prudente arbítrio do juiz, levando-se em conta as condições pessoais e
econômicas do condenado e tal valor não pode ser inferior a 1/30 (um trigésimo)
do salário-mínimo, nem superior ao valor de 01(um) salário-mínimo mensal.
Dessume-se, pois, que a culpabilidade do infrator foi desconsiderada para o
cálculo da pena pecuniária.
Restam
patentes as distinções entre os dois textos legais em tela, quanto à cominação
e a aplicação da pena de multa. E não há de se discordar da plena vigência dos
referidos dispositivos da Lei 4.737/65. O art. 12 do Código Penal afirma que
"as regras gerais deste Código [penal] aplicam-se aos fatos incriminados
por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso". De fato,
conquanto o Código Eleitoral não possua parte geral própria, tal como ocorre na
Lei das Contravenções Penais ou no Código Penal Militar, os comandos insertos
no art. 286 e §§ são normas gerais de aplicação restrita à referida lei.
4. Conclusões.
Diante
do ordenamento atualmente vigente, o sistema mais adequado às necessidades de
uma política criminal inibitória de delinqüência, com fins de aplicação da
sanção pecuniária, é o de dias-multa, o qual correlaciona o quantum a
ser pago pelo condenado à remuneração pelo seu trabalho diário.
O
correto critério para a fixação da quantidade de dias- multa é o critério
trifásico, já que desta forma se chega a aplicação de uma pena individualizada,
mais justa, baseada na culpabilidade e atenta aos princípios constitucionais.
O
Código Eleitoral não considera a culpabilidade para fixação da pena de multa,
mas tão somente a capacidade econômica do condenado. Por conseguinte, já que o
julgador não pode verificar as particularidades psicossocioculturais do
infrator, o referido Estatuto não permite a distribuição da pena de forma
eqüitativa, abrindo caminho para injustiças e reprimendas destoantes.
Acrescente-se
que o mesmo diploma comina a pena de multa de forma determinada, dentro de
limites máximo e mínimo, os quais acabam por restringir ainda mais a atividade
de dosagem da pena por parte do magistrado.
Por
fim, há de se concluir que já é tempo, tendo em vista as mudanças surgidas com
a supramencionada reforma de 1984, de semelhante revisão do Código Eleitoral no
tocante à cominação da multa, adequando-o para uma correta e justa concreção da
tarefa estatal de punir.
5. Notas
1.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17. ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2001. p. 246.
2.
O art. 60, § 2 º do Código Penal dispõe sobre a substituição da pena privativa
de liberdade pela pena de multa: "A pena privativa de liberdade aplicada,
não superior a 6 (seis) meses, pode ser substituída pela de multa, observados
os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste Código".
3.
São circunstâncias judiciais: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do agente, os motivos, circunstâncias e conseqüências
do crime e o comportamento da vítima.
4.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1. p.
381.
5.
No caso, restaria configurado o arrependimento posterior, causa de diminuição
de pena levada em consideração na terceira fase do método trifásico. Preceitua
o art. 16: "Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à
pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou
da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois
terços".
6. Bibliografia.
MIRABETE,
Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17. ed. rev. e atual. até outubro de
2000. São Paulo: Atlas, 2001. 453 p.
CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1 603 p.
Retirado
de: www.jusnavigandi.com.br