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A TRADIÇÃO DO "PENDURA"
Luiz Flávio Borges D’Urso
No
dia 11 de agosto comemoramos a fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil, criados
por ato do Imperador Dom Pedro I, que estabeleceu:
"Dom Pedro Primeiro por graça de
Deus e unanime aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor
Perpétuo do Brasil. Fazemos saber a todos os nossos súditos, que a Assembléia
Geral Decretou e nós queremos a lei seguinte: Art. 1º - Crear-se-hão dous
cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de São Paulo e outro na de
Olinda, e neles no espaço de cinco anos e em nove Cadeiras, se ensinarão as
matérias seguintes...... Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos onze dias do mês
de agosto de mil oitocentos e vinte e sete, Sexto da Independência. IMPERADOR
PEDRO PRIMEIRO".
A
partir dessa data foram abertas as portas para que os brasileiros pudessem
estudar ciências jurídicas e sociais em sua terra natal. Assim, o dia 11 de
agosto tornou-se a data mais significativa para o contexto jurídico brasileiro,
sempre comemorada, perpetuando a tradição do pendura entre os acadêmicos de
direito.
De
origem não muito bem definida, conta-se que o pendura pode ter nascido de
uma antiga prática dos proprietários que formulavam convites para que os
acadêmicos, seus clientes, viessem brindar a fundação dos cursos jurídicos, no
dia 11 de agosto, em seus restaurantes, oferecendo-lhes, gentilmente, refeição
e bebida.
Com
o passar dos tempos, os convites diminuíram e foram acabando, obrigando assim
os acadêmicos que se auto-convidassem.
Graças
a essa iniciativa, a tradição foi mantida até nossos dias, consistindo em
comer, beber e não pagar, solicitando que a conta seja "pendurada".
Tudo isso, é claro, envolvido num imenso clima de festa.
O
verdadeiro pendura, segundo a tradição, deve ser iniciado discretamente,
com a entrada no restaurante, sem alarde, em pequenos grupos, para não chamar a
atenção. As roupas devem ser compatíveis com o local escolhido.
Deve-se
procurar uma mesa em local central, quanto mais visível melhor. Prossegue-se,
com bastante calma, observando-se cuidadosamente o cardápio, inclusive os
preços, que sabe não irá desembolsar. O pedido deve ser normal, discreto, sem
exageros, admitindo-se inclusive camarões e lagostas.
Quanto
à bebida, os jovens devem ser comedidos, pois dela necessitam para
"aquecer" suas cordas vocais, preparando-as para o discurso de
agradecimento ao gentil "convite" da casa, todavia, a bebida em
demasia, pode transformar o discurso e o pendura num desastre.
Ao
final, quando satisfeitos, após evidentemente a inevitável sobremesa, pede-se a
conta, lembrando-se de um detalhe que faz parte da tradição e não pode ser
desrespeitado, que é o pagamento dos 10% da gorjeta do garçom.
Após
isso, o líder e orador, deverá levantar-se e começar a discursar, sempre
saudando o estabelecimento e seu proprietário, agradecendo o
"convite" e a hospitalidade, enaltecendo a data, os colegas, a
faculdade de origem, o Direito e a Justiça, tudo isso, sob o estímulo dos
aplausos e brindes dos demais colegas do grupo.
Esse
é o verdadeiro pendura, que pode ser aceito ou rejeitado. Caso aceito, ficará
um sabor de algo faltante! Agora se rejeitado, deve partir dos estudantes de
direito a iniciativa de chamar a polícia e de preferência dirigindo-se todos à
Delegacia mais próxima, o que lhes dará alguma vantagem pela neutralidade do
terreno.
Existem
também, outras modalidades do pendura, que são distorções da tradição,
conhecidas pelas alcunhas "troglodita" e "diplomática".
A
primeira, "troglodita", bastante primitiva, consiste em, após a
refeição, sair correndo do restaurante, levando no peito tudo e todos que
estiverem a sua frente, nivelando os estudantes ao "gatuno" que foge
para não ser apanhado, cometendo algo errado. Esta modalidade deve ser evitada,
pois tal conduta poderá caracterizar o crime de dano, caso algo seja destruído.
Note-se
que não há crime na tradição do pendura, pois o delito preconizado pelos
pendureiros frustrados – aqueles que sempre desejaram pendurar, sem coragem
para tal --, confunde-se com o tipo penal no qual o sujeito realiza refeição
sem que tenha condições para seu pagamento, caracterizando o crime.
No
pendura, a refeição é realizada, todavia, o estudante deverá ter consigo
dinheiro, cheque ou cartão de crédito, portanto, meios para pagar a refeição,
descaracterizando o tipo penal e afastando o delito, de modo que, embora tenha
condições para pagar, não o fará em respeito à tradição.
Na
outra modalidade, "diplomática", mais pacífica, a diplomacia
determina que os acadêmicos devam solicitar reservas, revelando o pendura
e somente com a concordância do proprietário, fazem a refeição e saciam sua
fome, mas não a tradição, posto que fica o estudante de direito nivelado ao que
mendiga um prato de comida.
Todas
inovações devem ser evitadas, preservando-se a tradição do pendura, com
o indispensável discurso, rememorando o papel daqueles "moços" que
fizeram os caminhos de nosso país, estimulando, assim, o empenho destes outros
"moços", jovens, para que transformem os destinos da nação!
Luiz
Flávio Borges D’Urso
advogado criminalista, presidente da Associação
Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC, professor de Direito Penal,
Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP,
presidente do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São
Paulo,
mestre e doutorando em Direito Penal pela USP e
presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM
Retirado de: http://www.geocities.com/CollegePark/Lab/7698/dp2.htm