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A indisponibilidade da ação
penal - enfoque anterior e em face da Lei 9.099/95.
Rogério Schietti Machado Cruz
I. INTRODUÇÃO
A história do processo penal tem sido marcada por um flutuante
enfoque quanto ao modo de atuar o Direito Penal, revelando-se sempre presente o
conflito entre o poder punitivo do Estado e o direito à liberdade do cidadão.
Sabe-se que o
Direito Penal é concretizável unicamente através de outro ramo das Ciências
Jurídicas, o Direito Processual Penal. Por força da civilizada idéia da nulla
poena sine iudicium, banida está qualquer forma de imposição de sanção
penal que não através do exercício do processo penal, visto, a um só tempo,
como instrumento necessário para a realização do ius puniendi do Estado,
e como garantia do cidadão contra quem se pretende exercitar aquele direito.
Forçoso,
todavia, reconhecer que o processo penal é sentido de forma diversa pelos que o
protagonizam. Na feliz observação de PEDRO J. BERTOLINO (EL DEBIDO PROCESO
PENAL, LEP, p. 110), "O processo penal é para o imputado um assunto
vital, já que nele estão em jogo sempre valores pessoais fundamentais, como a
vida, a liberdade, a segurança, a honra etc. Por outro lado, sob a ótica do
Estado, o processo penal é sempre um assunto meramente cotidiano".
Reconhece-se,
inegavelmente, que o valor liberdade possui, atualmente, dimensão nunca antes
conquistada pela humanidade, grassando leis nacionais, tratados e convenções
internacionais dedicados à proteção da libertas.
Por força dessa
aquisição do acervo espiritual da humanidade, os diversos ordenamentos
processuais das sociedades civilizadas, notadamente do mundo ocidental, têm
conferido tratamento jurídico correspondente à indisponibilidade de tão
precioso bem. A espelhar semelhante preocupação, recordemos as sábias palavras
de RUI BARBOSA (Apud Tourinho Filho, Processo Penal, v. 4, p. 403):
"O paciente pode, até, não requerer a liberdade; pode,
resignado ou indignado, desprezá-la. É indiferente. A liberdade não entra no
patrimônio particular, como as cousas que estão no comércio, que se trocam,
vendem ou compram; é um verdadeiro condomínio social; todos o desfrutam, sem que
ninguém o possa alienar; e se o indivíduo, degenerado, a repudia, a comunhão,
vigilante, a reivindica".
Como decorrência
da importância de tal valor, quase todos os Códigos de Processo Penal
consagram, a favor do acusado, garantias tais como: defesa técnica necessária e
efetiva, proibição de reformatio in pejus, presunção de não
culpabilidade, igualdade das partes, limites na busca da prova, ampla defesa,
contraditório, duplo grau de jurisdição, juiz natural, publicidade dos atos
processuais etc.
Inobstante essa
profusão de direitos a tutelar a liberdade do indivíduo, percebemos que em
alguns países de reconhecida tradição democrática - como, v.g, os EUA - ao lado
dessa maciça proteção das liberdades do homem, caminham institutos que não
parecem coadunar com os valores conquistados pela humanidade no terreno
jurídico.
Nesses povos, é
sabido, transige-se com a liberdade do homem com a mesma desenvoltura de um
comerciante. Permite-se que homens públicos, investidos de autoridade estatal,
decidam, sem qualquer controle legal, o destino da liberdade alheia, motivados,
amiúde, por conveniências de ordem política e sob uma ótica utilitarista.
Em outras
sociedades, em nome da excessiva preocupação com o controle formal da
criminalidade e com a garantia da ordem pública, dispensa-se tratamento
uniforme a situações que, todavia, são evidentemente diversas no que concerne à
lesividade da conduta humana. Busca-se, com o mesmo rigor e com base nos mesmos
procedimentos burocráticos, a punição de todo e qualquer ilícito, sem qualquer
margem de discricionariedade, ou sem qualquer alternativa atinente à forma de
proceder.
II. PRINCIPAIS MODELOS
No cenário dos
principais países civilizados do ocidente, relativamente à obrigatoriedade ou
não de exercer o poder punitivo do Estado, temos:
1. Nos EUA, a
organização judicial lastreada no modelo paleorepressivo da law and order
dispende cerca de cem bilhões de dólares ao ano, gerando o encarceramento de
mais de um milhão e quinhentas mil pessoas, além de outras três milhões e
seiscentas mil em regime de prova ou livramento condicional, número que não é
ainda maior graças ao uso da extremada discricionariedade conferida ao prosecutor.
Este, como se sabe, estabelece suas prioridades, avalia os possíveis resultados
de suas ações e decide quem deve merecer barganha ou quem deve ser, a todo
custo, processado com todos os rigores da lei estadunidense.
Abrem-se, no
terreno dessa discricionariedade (plea bargaining), possibilidades de
negociação quanto à pena a ser imposta, quanto ao crime a ser objeto de
confissão (plea guilty), quanto às condições de cumprimento da pena etc., tudo
sob a batuta incontrolável do prosecutor, que somente necessita do
assentimento do acusado, confirmada diante do juiz.
2. Na FRANÇA,
que apresenta um modelo ainda dissonante dos seus vizinhos do continente
europeu, já que, ainda com fortes resquícios do inquisitorialismo, consagra o
Juizado de Instrução, permite-se ao Ministério Público proceder ao arquivamento
do caso (classement sans suite), por critérios de oportunidade e conveniência
do Parquet, que, todavia, vê-se obrigado a levar até o seu natural desfecho a
ação penal instaurada.
3. Na ALEMANHA,
berço da ciência processual, adota-se a obrigatoriedade da ação penal como
regra, permitindo-se, porém, ao representante do Parquet o não exercício do ius
puniendi nas hipóteses de criminalidade de bagatela, de que se considera
exemplo típico, naquele país, o furto de produtos em grandes supermercados.
Além disso, permite-se a suspensão do processo, contra injunções e regras de
conduta, em crimes de média potencialidade lesiva.
4. Na AUSTRIA,
ao lado da obrigatoriedade da ação penal, prevê-se a permissão, ao órgão de
persecução penal oficial, para não desencadear o poder punitivo quando se
tratar de infração "sem dignidade penal".
5. Na HOLANDA,
onde, segundo menciona MANUEL DA COSTA ANDRADE (CONSENSO E OPORTUNIDADE, in O
NOVO PROCESSO PENAL, Almedina, Coimbra, p. 342), apresentam-se as soluções mais
próximas da clássica e dilatada plea bargaining do direito
norte-americano.
6. Na ESPANHA,
embora com pouco espaço de consenso reservado na Ley de Enjuiciamiento Criminal
aos representantes do Ministério Público, prevê-se a adoção de um procedimento
abreviado, em que se elimina, diante da anuência das partes, a fase probatória,
passando-se, de imediato, à prolação da sentença.
7. Na ITÁLIA,
que, juntamente com a Espanha, possui a obrigatoriedade da ação penal como
norma constitucional (art. 112 da Constituição Republicana de 1948),
consagrou-se, no novo Código de Processo Penal de 1988, novos procedimentos
(alguns já existentes, de forma incipiente, no regime anterior) de abreviação
dos prazos e fases processuais, destacando-se o pattegiamento, de que é
maior expressão o instituto da "applicazione della pena su richiesta
delle parti", pelo qual evita-se o processo penal clássico, mediante a
sujeição do imputado a uma pena de no máximo dois anos de prisão, com
possibilidade de sua suspensão sob condições.
8. Em PORTUGAL,
também brindado com novo ordenamento processual (CPP de 1987), prevê-se não
apenas o poder ao Ministério Público de arquivar, unilateralmente,
procedimentos investigatórios relativos a crimes punidos com pena não superior
a 6 meses (e desde que a culpa seja diminuta, o dano ter sido reparado e não se
opuserem as exigências de recuperação do agente e da prevenção geral) como,
ainda, adota-se a suspensão do processo, para crimes punidos com pena de prisão
até 3 anos, mediante injunções e regras de conduta, instituto quase idêntico ao
congênere tedesco.
Percebe-se,
pois, de uma maneira nítida, forte tendência dos países europeus em adotarem
novos modelos de justiça muito próximos uns dos outros, diferenciando-se apenas
na amplitude dos institutos, que, em última análise, se destinam a
a) evitar o
exercício da ação penal (com o arquivamento de autos de investigação, com base
em critérios geralmente relacionados à ínfima lesão jurídica do crime);
b) eliminar o
processo criminal clássico (através de procedimentos sumários ou abreviados);
c) impedir a
emissão de sentença condenatória ou a fixação da pena (por meio de condições
que, cumpridas durante a suspensão do processo, causam a extinção da
punibilidade).
III. JUSTIFICATIVAS PARA A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL
Dentre inúmeros outras justificativas ou fatores que contribuíram
para se mitigar o princípio em questão, enumero seis, a saber:
1.
Direito Penal como ultima ratio.
Tendência
inevitável em quase todos os países civilizados diz respeito à idéia de
repensar a função e os limites de incidência do Direito Penal. Não cabe mais ao
Direito Penal regular, como ainda o faz, conflitos de escassa lesividade
social, muitos deles tendo como base fatos tolerados pela sociedade, e outros,
decorrentes não do fato em si, mas o modo-de-ser do agente.
Com tal visão
intervencionista do Direito Penal, já se puniram, e ainda se punem em vários
ordenamentos jurídicos, condutas como adultério, homossexualismo, prostituição,
vadiagem, mendicância, pequenas ofensas verbais, embriaguez, vias de fato e
tantos outros tipos penais desse jaez.
Em oposição a
essa cultura, medidas concretas têm sido adotadas, no campo do direito
punitivo, tais como descriminalização de certas condutas, diminuição de penas,
aumento dos casos em que a punição da conduta depende de representação do
ofendido, substituição de penas privas de liberdade por sanções alternativas
etc.
2. Princípio da
proporcionalidade, como gerador de soluções diferenciadas.
Significativa construção
do pensamento jurídico contemporâneo foi a incorporação da idéia da
proporcionalidade ou da razoabilidade das normas jurídicas, a exigir que a
intervenção do Estado na esfera dos direitos fundamentais se realize em
proporção adequada aos fins perseguidos.
Têm-se acentuado
vozes em reclamo de um direito apoiado em critérios de racionalidade e justiça
material. O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade - expressões de
conteúdo similar, cultivadas nos EUA e na Alemanha, respectivamente - vestiu a
garantia do devido processo legal, de antiga origem (1215), com adornos
materiais, ultrapassando as exigências de mera observância a procedimentos
estabelecidos em lei (procedural due process of law) e atingindo critérios
axiológicos de aferição das normas (substantive due process of law).
Se no terreno do
Direito Penal, Montesquieu e Beccaria já acentuavam a necessidade de que as
penas fossem correspondentes à gravidade dos delitos - conselho ainda hoje não
observado em alguns tipos penais - no campo do Processo Penal, intimamente
ligado à tábua das liberdades públicas, a literatura jurídica e a práxis
judiciária têm pugnado pelo uso de critérios racionais na busca de uma justiça
mais célere, eficiente e, ao mesmo tempo, garantidora dos direitos fundamentais
do cidadão.
Nesse passo,
tem-se notado que não se pode dispensar igual tratamento processual a situações
tão díspares. Não se pode utilizar um rito procedimental ordinário, com
cognição e atividade processuais dilatadas, repleto de formalismos, para a
apuração de infrações penais de escassa lesividade social, o que representa,
tanto para o Estado como para o indigitado infrator, um dispêndio desnecessário
de atos e tempo processuais.
Surgem, assim,
procedimentos mais rápidos para infrações penais mais leves; concentração de
atos, eliminação de prazos, oralidade, simplicidade, informalidade etc, tudo em
nome de um tratamento desigual para situações desiguais, conferindo, por
conseguinte, maior racionalidade no uso do instrumento de atuação do Direito
Penal.
3. Soluções
consensuais como forma de pacificação social
Outra importante
realização nas reformas processuais dos países ocidentais tem sido a adoção da
justiça de consenso, com maior ou menor extensão, a depender da política
criminal estabelecida em cada Estado. Na medida em que a jurisdição, a par do
seu escopo jurídico, não prescinde também da função social de pacificação dos
conflitos, há que se buscar um resultado processual que não apenas decida a
lide, mas que procure atingir uma efetiva solução para o litígio que preexistiu
à relação processual.
Para tanto,
soluções consensuadas - desde que, evidentemente, tomadas de maneira
transparente, sob a fiscalização da autoridade judiciária competente, e com
prévio conhecimento, pelo imputado, do alcance da medida e dos direitos
renunciados - estimulam o bom relacionamento entre os protagonistas do crime,
eliminando ou minimizando a frieza e a distância naturalmente ocorrentes.
Outrossim, reforça-se o efeito pedagógico da sanção penal, que deixa de ser
imposta e passa a ser aceita pelo infrator, com possibilidade, inclusive, da
participação da vítima, esse personagem quase sempre esquecido no script do
Processo Penal.
4. Economia
processual
Outra notória
constatação é a de que se avoluma a cada dia o custo da Justiça, com a prática
de atos muitas das vezes desnecessários, mas que decorrem de um modelo legal
burocratizado e arcaico.
Nos dias atuais,
dormimos sábios e acordamos ignorantes, tamanha a rapidez dos acontecimentos.
Embora tenhamos
a possibilidade de atualizarmos o Direito através de sua releitura lastreada
nos critérios de hermenêutica, preferimos, na mor das vezes, trilhar os mesmos
caminhos, repletos de dogmas e concepções anacrônicas, que, diante do dinamismo
dos tempos modernos, devem ceder lugar ao uso de mecanismos inteligentes e
aptos a fornecerem uma prestação jurisdicional justa e eficaz.
Programas de
qualidade total, modernização administrativa, uso de novas tecnologias e da
informática têm sido a palavra de ordem na busca da otimização da Justiça.
5. Necessidade
de repensar o modelo clássico
Induvidosamente,
o modelo clássico de persecução apresenta defeitos e incongruências
gravíssimas, a exigirem r eformas legislativas, ao lado de mudança na atitude
mental dos aplicadores do Direito.
Sem olvidar que
"a forma, inimiga mortal do arbítrio, é irmã gêmea da liberdade",
no dizer de Ihering, o modelo tradicional de persecução penal peca pelo excesso
de formalismo, o que produz resultados nefastos não apenas para a administração
da Justiça mas, principalmente, para o próprio cidadão que deveria ter na forma
apenas uma garantia para sua proteção contra eventuais arbítrios do Estado.
O resultado mais
visível e prejudicial aos interesses superiores da Justiça é a demora na
prestação jurisdicional. Vários documentos de regência internacional ocupam-se
da questão relativa aos prazos de encerramento de processos criminais. Vale,
como menção exemplificativa, citar o Pacto de San Jose da Costa Rica, ou
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, vigente no ordenamento jurídico
nacional por força do Decreto 678/92.
Prevê tal
documento internacional, no seu art. 7.5 , que " Toda pessoa detida ou
retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra
autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser
julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo
de que prossiga o processo..."
Legítimas,
dessarte, as tentativas de criarem-se procedimentos mais expeditos objetivando
o atingimento de resultado quase idêntico ao que decorreria do uso do esquema
processual clássico , mas com a vantajosa economia de atos inúteis. Essa via
alternativa é mais reclamada principalmente nas situações em que, diante da evidência
das provas e da quase inevitabilidade de uma condenação, o próprio acusado
expressa o intuito de não submeter-se às cerimônias degradantes de um processo
criminal que o estigmatiza perante seu grupo social.
6.
Descarcerização
Ainda como um
dos inúmeros motivos para se mitigar o dogma da indisponibilidade da ação penal
- e aqui encerramos, por falta de espaço, essa superficial incursão neste
subitem da nossa exposição - sobressaem as tendências atuais de busca de
soluções alternativas ao modelo retributivo que prevalece na concepção da pena.
Tal modelo se estrutura de tal modo a gerar, quase que como uma natural
conseqüência, a privação da liberdade humana como a principal e mais usual das
sanções penais.
Imagino,
pessoalmente, que a repugnância que hoje nutrimos pelo regime da escravidão a
que o ser humano era legalmente submetido até o século passado em vários países
que, mesmo então, se rotulavam como democráticos, será igualmente sentida pelas
gerações futuras em relação aos depósitos de homens e mulheres a que chamamos
de cadeias e penitenciárias. A humanização dos presídios - que somente
continuarão a ter sua existência justificada para abrigarem, provisoriamente,
pessoas de comportamento violento incompatível com a vida em sociedade - e a forma
menos rancorosa de identificar o criminoso passam a ser objetivo de uma
civilização da era de aquários. Ver o criminoso como um doente da alma, cuja
cura depende, acima de tudo, de um fluxo de energia positiva emanada de toda a
sociedade, através de iniciativas que façam o infrator perceber uma outra
alternativa ao seu marginal modo-de-vida, muitas vezes aceito livremente, por
desvio de caráter, mas outras vezes virtualmente imposto por fatores estranhos,
mas dominantes sobre a sua pífia vontade.
Entrementes,
percebemos, de imediato, a nítida preocupação dos governantes, e até mesmo de
alguns setores mais conservadores da sociedade, em reservar, a infratores de
menor potencial ofensivo, tipos de sanções penais alternativas, sob a ótica de
um Direito Penal Premial, em que se objetiva dar ao infrator estímulos para, em
troca de uma sanção menos grave, aceitar a reprimenda como forma de recompor os
efeitos de sua reconhecida conduta ilícita.
IV. O MODELO ORTODOXO, ANTES DA L. 9.099/95
Após essa visão
panorâmica sobre a abrangência do princípio da indisponibilidade da ação penal
no direito comparado, e mencionar algumas das justificativas para a busca de
formas alternativas ao modelo clássico de persecução penal, estamos preparados
para voltar nossos olhos para a realidade brasileira.
Até o advento da
Lei 9.099/95, dispúnhamos de um modelo ortodoxo de processo penal, centrado na
obrigatoriedade e na indisponibilidade da ação penal. Cabe aqui diferenciar
duas idéias que se completam, mas que, a rigor, possuem alcance diverso. Uma
coisa é o princípio da obrigatoriedade (ou legalidade) da ação penal pública;
outra coisa é o princípio da indisponibilidade da ação penal pública. Este
último deveria ser empregado para referir-se à ação penal já instaurada que não
mais pode ser retratrada ou abandonada. Aquele, significando que o órgão
oficial do Estado, ao tomar conhecimento de uma infração penal, é obrigado a
desencadear os atos de persecução, que não podem ser evitados por critérios de
conveniência ou oportunidade administrativa. Da obrigatoriedade da ação penal
pública decorre, logicamente, a indisponibilidade dessa ação. A justificar
ambos os princípios está a idéia de que o poder punitivo do Estado não pode ser
orientado por critérios de discricionariedade.
Feito esse
esclarecimento, percebemos que o norte de atuação do Ministério Público, para
todo e qualquer crime, era, diante da existência comprovada de um crime e de
indícios de sua autoria, promover a ação penal nos moldes clássicos e,
necessariamente, conduzi-la até o seu termo final, a sentença de mérito.
Isso não impedia
- e não impede - que se promova o arquivamento de inquéritos policiais ou de
peças de informação diante de uma das seguintes hipóteses:
1. falta de
prova da existência do crime e de indícios suficientes de sua autoria (fumus
boni iuris);
2. falta de
condição de exercício da ação penal ou de pressuposto processual impeditivo à
relação processual;
3. presença de
causa extintiva da punibilidade, como, v.g., a prescrição.
4. não
caracterização de crime na conduta apurada.
Em tais
situações determinantes do arquivamento do inquérito policial não há violação,
à evidência, do princípio da obrigatoriedade da ação penal, que não significa
dever de denunciar em todo em qualquer caso. Como bem acentua WEBER MARTINS,
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, " dever de
denunciar, perdõe-me o truísmo, não significa mais que dever de denunciar
quando for o caso de denunciar" (Apud Afrânio Jardim, DIREITO
PROCESSUAL PENAL, Forense, p. 161).
V. O SISTEMA ATUAL, ENXERTADO PELA LEI 9.099/95.
A introdução, em
nosso sistema jurídico, da Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Cíveis e
Criminais, permitiu que tenhamos hoje três modalidades de persecução penal,
correspondentes ao tipo de crime cometido.
Podemos afirmar
que, implicitamente, o legislador dividiu a criminalidade em três graus de
lesividade jurídica ou de potencialidade ofensiva:
a) crimes de
menor potencial ofensivo, para os quais admitiu um procedimento extremamente
concentrado, com a possibilidade de composição civil e/ou penal, ou,
eventualmente, a via expedita do procedimento sumaríssimo;
b) crimes de
médio potencial ofensivo, aos quais a Lei 9.099/95 reservou o instituto - que
deveria vir regulado em lei própria, pois nada tem a ver com Juizados Especiais
- da suspensão condicional do processo; e
c) crimes de
alto potencial ofensivo, em relação aos quais nada mudou, permanecendo o mesmo
modelo punitivo regido pela obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal,
em toda a sua pureza.
Cumpre-me,
agora, iniciar a abordagem da última parte da exposição, procurando delinear as
principais mudanças ocorridas com o novo modelo de persecução penal, no que
concerne, especificamente, ao princípio da indisponibilidade (lato sensu)
da ação penal pública.
VI. TEMOS DISCRICIONARIEDADE REGULADA NA AÇÃO PENAL PÚBLICA?
A literatura
jurídica - salvo raras exceções - e a práxis judiciária posteriores à Lei
9.099/95 têm afirmado que, sob o novo regime legal, a ação penal pública
relativa a crimes de menor potencial ofensivo passou a ser regida pelo
princípio da oportunidade ou discricionariedade regulada (ou regrada),
expressão usual em outros países.
Todavia,
conforme procurarei demonstrar, o uso de tal expressão pode ser equívoco na medida
em que transmite a idéia de que o Ministério Público pode deixar de postular o
exercício do ius puniendi do Estado, na forma e nas hipóteses reguladas
em lei, mesmo se presentes as condições para a ação penal.
Neste ponto,
cabe-me retornar, brevemente, aos modelos alemão e português de processo penal
para concluirmos que a discricionariedade regulada da ação penal pública, em
outros países, tem amplitude diferente da nossa.
De fato, tanto
em Portugal quanto na Alemanha dispõe o Ministério Público da faculdade de
promover o arquivamento do inquérito policial, ou de fazê-lo mediante a
aceitação, pelo conjecturado autor do fato, de determinadas condições, que,
ressalte-se, não são consideradas sanções penais, embora a estas equivalam funcionalmente.
O exercício de
tal faculdade está condicionado à verificação de fatos previstos em lei -
bagatela do crime, v.g. - a restringir, nos limites legais, a liberdade do
Ministério Público, que seria absoluta na hipótese de adotar-se o modelo francês
ou o norte-americano.
Portanto, na
Alemanha e em Portugal, citados como exemplos, pode o Parquet, de modo regulado
pela lei processual penal, deixar de exercer o ius puniendi. Logo, é
correto dizer que nesses países, como em muitos outros, vige, para determinadas
hipóteses, o princípio da discricionariedade regulada ou regrada.
No Brasil,
todavia, o sistema se apresenta de outro modo, pois continua a lei a impor ao
Parquet o exercício do ius puniendi , diante da prova do crime e de
indícios suficientes de sua autoria documentados em inquérito policial ou peças
de informação, e presentes as condições para o exercício da ação penal.
Não permite a
lei brasileira que o Ministério Público arquive o inquérito policial por mera
conveniência institucional, o que seria a consagração do princípio da
oportunidade pura, tal qual ocorre nos EUA. Também não permite a nossa lei que
o membro do Parquet arquive o inquérito policial, presentes certas
circunstâncias autorizadoras previstas em lei, tais como reparação do dano,
culpa diminuta e condições subjetivas favoráreis do agente (conforme prevê o
art. 75 do CPP português), o que seria adotar, aí sim, o princípio da
oportunidade regrada.
A Lei 9.099/95
não permitiu ao Ministério Público, ao contrário do que possa parecer, promover
o arquivamento do inquérito policial fora das hipóteses de que já falamos. O
art. 24 do Código de Processo Penal continua vigendo, cumprindo ao Ministério
Público promover, com exclusividade, a ação penal pública, sem juízo de
oportunidade ou conveniência.
Em verdade - e
aqui reside o ponto nodal da questão - quando o Ministério Público oferece
proposta de aplicação imediata de pena de multa ou restritiva de direitos ao
autor do fato, está exercitando o poder-dever de punir do Estado. O autor do
fato está aceitando submeter-se a um sanção penal. Há um pedido, há partes
legítimas e há órgão investido de jurisdição para apreciar e homologar o
acordo. Logo, há relação processual triangular e, por que não dizer, há o
exercício da ação penal, através de um procedimento extremamente concentrado,
fora dos padrões clássicos, mas que atinge o mesmo objetivo, qual seja, impor
àquele que infringiu a lei penal uma sanção.
A diferença está
exatamente nos estímulos que a lei oferece ao autor do fato para sujeitar-se a
uma pena sem a verificação, nos moldes tradicionais, de sua culpa.
Na linha do
Direito Penal Premial, a Lei 9.099/95 concede ao autor do fato a livre escolha
para optar:
a) por um
procedimento em que, oferecida e recebida a denúncia, serão praticados atos de
instrução - concentrados é bem verdade - seguidos de uma sentença que, sendo
condenatória, trará consigo todos os seus naturais efeitos penais e
extrapenais, ou
b) por um
procedimento em que, mediante sua expressa aceitação, lhe resultará a imposição
de uma sanção penal alternativa - diversa da privativa de liberdade - sem os
seus naturais efeitos, já que não importará reincidência, não servirá como
título executívo no juízo cível, valendo apenas para impedir novo benefício no
prazo de cinco anos.
Abro, aqui, mais
um parêntesis para rebater críticas de que a aplicação imediata de pena nos
moldes da L. 9.099/95 importaria a inflição de pena sem o devido processo legal
(nulla poena sine iudicium) e sem a comprovação da culpa (nulla poena
sine culpa).
O devido
processo legal é precisamente o que a lei estabelece, ou seja, o autor do fato
aceita uma pena mediante proposta apresentada pelo Ministério Público e
homologada pelo Juiz. Este é o devido processo legal, não havendo qualquer
resvalo no que dispõem os artigos 5º, inciso LIV e 98 da Constituição Federal.
O fato de inexistir denúncia formal do Ministério Público não implica dizer que
inexiste processo. É óbvio que não falamos do processo clássico, mas como negar
a existência de um processo, cuja existência, como sabemos, pressupõe tão
somente um pedido (aplicação imediata da pena), partes (Ministério Público e
autor do fato) e õrgão investido de jurisdição (Juiz)?. Mesmo na concepção de
E. Fazzalari , para quem só há processo se presente o contraditório, não
poderíamos deixar de considerar que os debates em torno da espécie e quantidade
da pena - que, não devemos jamais olvidar, é aceita e não imposta - formam um
contraditório limitado, que poderá, evidentemente, estender-se também para a discussão
da prova e da culpa do autor do fato, bastando a este recusar a proposta
formulada pelo Parquet.
Importa
destacar, aliás, que o Ministério Público, ao formular proposta de aplicação
imediata da pena ao autor do fato, não deixa de imputar a este uma acusação,
embora não a formalize em uma peça. Como bem acentuam AFRÂNIO SILVA JARDIM e
LUIZ FLÁVIO GOMES, o Promotor de Justiça, ao fazer a proposta, deve, oralmente,
dizer ao autor do fato que as provas reunidas nos autos indicam que ele cometeu
um determinado crime de menor potencial ofensivo, em circunstâncias que devem
ser mencionadas ao autor do fato, o que autoriza o Ministério Público a propor
a aplicação imediata de uma pena. Essa informal narrativa não deixa de ser uma
imputação, um exercício do ius puniendi, na medida em que imputa um
crime ao indigitado autor do fato e lhe oferece uma sanção penal.
Não podemos
continuar a raciocinar com base em uma estrutura que não mais existe. Não
devemos rechaçar novos padrões de legalidade simplesmente porque rompem com um
modelo erguido sobre formas cristalizadas na nossa cultura.
Se voltarmos os
olhos para o direito de outros povos, verificaremos que soluções ainda mais
heterodoxas têm sido adotadas, com a chancela das respectivas cortes
constitucionais.
Na Itália, por
exemplo, existe instituto análogo ao da nossa transação penal. Trata-se da
"applicazione della pena su richiesta delle parti", que
permite, ainda na fase das investigações preliminares - que corresponderia ao
nosso inquérito policial - o acertamento de uma pena pelas partes, com o
detalhe de que o pedido pode ser formulado por escrito, sem necessidade da
nossa mais garantidora audiência preliminar.
E o que dizer do
instituto da condenação por decreto , também presente na Alemanha e na França,
forma sumaríssima de persecução penal em que o Juiz, em infrações de escassa
lesividade social e mediante requerimento do Ministério Público, emite um
decreto de condenação ao imputado, que toma conhecimento da condenação a
posteriori, sem qualquer contraditório? Se concorda com os termos da
condenação - limitada a uma pena de multa - o decreto vale como sentença
condenatória. Caso oponha resistência, o decreto é anulado e o processo toma um
dos outros ritos previstos no Código de Processo Penal.
Imagino qual
seria a reação, entre nós, se adotássemos similar instituto.
Portanto, não
procede a afirmação de que a transação penal ofende o devido processo penal.
Comentada a
primeira crítica, vejamos porque também não tem agasalho jurídico a outra pecha
de inconstitucionalidade do instituto regulado no art. 76 da Lei 9.099/95,
relativa à impossibilidade de inflição de pena sem a comprovação da culpa (nulla
poena sine culpa).
Por um lado,
poderíamos perfilhar o entendimento doutrinário, de que é um dos expoentes o
Professor LUIZ FLÁVIO GOMES, segundo o qual o autor do fato, embora não deva
reconhecer sua culpa explicitamente, ao aceitar uma sanção penal admite alguma
responsabilidade pelo fato.
De outro lado,
poderíamos relativizar aquela regra sob a justificativa de que a lei, ao criar
um mecanismo de assunção de pena sem a comprovação cabal da culpa do imputado,
o fez para beneficiar este, evitando sua sujeição a atos processuais
estigmatizantes, que redundariam provavelmente em resultado mais grave, no que
concerne aos efeitos penais e extrapenais do provimento judicial. Dessa forma,
permitiu a lei ao imputado sujeitar-se livremente a uma pena sem litigar e sem
assumir, explicitamente, sua culpa, algo muito próximo do instituto do nolo
contendere do direito norte-americano.
A propósito,
menciona a doutrina que a Corte Suprema dos EUA já se pronunciou, no denominado
"caso Alford", pelo cabimento da admissão de culpa (plea guilty) com
a ressalva, pelo imputado, de que se considera inocente.
Fechando mais esse
parêntesis, podemos concluir o presente tópico reafirmando que, ao propor a
aplicação imediata de pena alternativa ao autor do fato, o Ministério Público
não está deixando de exercer e concretizar o poder-dever de punir do Estado,
mas apenas fazendo-o de modo diverso do modelo tradicional. É mais acertado
sustentar, então, que permanece vigendo o princípio da obrigatoriedade da ação
penal pública - que passa a adotar uma alternativa à forma clássica de
persecução penal - ao invés de importarmos a idéia da discricionariedade
regrada ou regulada, que, como procurei demonstrar, não se aplica ao instituto
da transação penal (art. 76 da L. 9099/95).
VII. INDISPONIBILIDADE E SUSPENSÃO DO PROCESSO
Vejamos, agora,
de que forma o princípio da indisponibilidade da ação penal pública há de ser
visto diante do art. 89 da Lei 9.099/95, que trata da suspensão condicional do
processo.
Alguns autores,
quando do surgimento do instituto, procuraram identificá-lo com o probation
system do direito anglo-saxão. Respondeu-se, então, a tal comparação com a
lembrança de que no probation, o juiz emite um decreto de condenação,
mas, antes de definir o quantum da pena, suspende o processo.
O fato é que
vários ordenamentos prevêem instituto similar, como já tive oportunidade de aludir,
brevemente, no início da exposição.
Deveras, aqui e
em outros povos percebeu-se a necessidade e a conveniência de se permitir a
suspensão do processo, nas hipóteses de pequena e média criminalidade, mediante
o cumprimento, pelo acusado, de algumas condições, durante certo período de
tempo, com subsequente extinção da punibilidade, ante o adimplemento das
obrigações aceitas pelo réu.
As maiores
diferenças percebidas nos paradigmas consultados dizem respeito às condições
assumidas pelo acusado, bem mais criativas e inteligentes que as positivadas no
nosso diploma legal.
A título de
curiosidade, faço menção a duas condições previstas no art. 281 do Código de
Processo Penal de Portugal, as quais, se adotadas pelo nosso legislador, talvez
gerassem protestos veementes de setores da doutrina nacional. Refiro-me às
obrigações de não exercer o imputado determinadas profissões e de não residir
em certos lugares ou regiões, dispostas no item 2 do referido dispositivo do
CPP português.
A propósito,
conta-se que, em uma cidade do interior de Minas Gerais, um Juiz fixou, como
uma das condições para a acusada ter o processo suspenso, não freqüentar o
prostíbulo da cidade, condição esta que ali é imposta, automaticamente, a todo
acusado que recebe o benefício do art. 89 da Lei 9.099/95. O detalhe
significativo desta passagem é que a acusada em questão foi proibida de
frequentar sua própria moradia, já que se tratava de prostituta que ali residia
e trabalhava.
Impende
evidenciar, acerca do tema em estudo, que, ao contrário do que percebemos em
relação ao instituto da aplicação imediata de pena - que, como ressaltado, não
desobrigou o Ministério Público de orientar-se pela regra da obrigatoriedade da
ação penal púlbica - a introdução da suspensão condicional do processo em nosso
sistema implicou a adoção, para os crimes de menor e médio potencial ofensivo,
do princípio da disponibilidade da ação penal, assim entendido como a
possibilidade de ser a ação suspensa antes de seu termo final.
Deixemos claro
que indisponibilidade da ação penal não significa dever de pugnar,
invariavelmente, pela condenação do acusado. Prova disso é que, inobstante o
Código de Processo Penal afirmar que o Ministério Público não poderá desistir
da ação penal (art. 42) ou do recurso interposto (art. 576) - eis a idéia do
que seja indisponibilidade da ação penal -, prevê a possibilidade do juiz
condenar o réu mesmo diante da postulação absolutória do Promotor de Justiça
(art. 385).
A partir da
vigência da Lei 9.099/95, o poder-dever de punir do Estado é relativizado. Ao
invés de objetivar a aplicação de uma pena, permite-se que esta seja obviada
pelo simples cumprimento de condições aceitas pelo acusado, durante período de
2 a 4 anos, após o qual extingue-se a punibilidade, se satisfeitas as obrigações.
Isso equivale a
dizer que o Estado abre mão da sua pretensão punitiva, através de iniciativa
exclusiva do Ministério Público, que deixa de praticar atos persecutórios
naturalmente tendentes à obtenção de uma sanção penal. Aí, portanto, residiria
a disponibilidade da ação penal pública.
Não há
propriamente uma desistência da ação penal, porque isso implicaria que o
Ministério Público abandonasse a causa, liberando o acusado de qualquer ônus
processual ou penal. Em verdade, o Ministério Público, ao propor a suspensão
condicional do processo, está oferecendo ao acusado uma permuta: ao invés de
sujeitar-se ao processo e a uma provável pena, sujeita-se tão somente a
condições, que, embora possam ser vistas como equivalentes funcionais de uma
sanção penal, com esta não se confundem.
Percebam que, na
transação penal prevista no art. 76 da Lei 9.099/95, o Ministério Público não
abre mão do exercício da pretensão punitiva, não desonera o autor do fato de
sofrer uma pena, a qual é-lhe oferecida como forma de evitar o desgaste de um
processo e os efeitos decorrentes de uma possível sentença condenatória.
Na suspensão
condicional do processo, embora não haja propriamente uma desistência da ação
penal, o exercício do ius accusationis é suspenso com o propósito de
evitar-se a condenação e, por conseguinte, a sanção penal correspondente ao
crime imputado ao réu.
Essas são
algumas das possíveis considerações que poderiam ser feitas acerca do tema que
me foi reservado, a par de outras que venham a surgir do debate que
promoveremos a seguir.
Como diagnóstico
final, acho que o Brasil deu um passo adiante. É bem verdade que a Lei 9.099/95
é repleta lacunas e imperfeições técnicas, nada que não possa, todavia, ser
reparado com uma reforma legislativa. Mas o espírito da lei é altamente
positivo, e devemos, segundo creio, extrair dela o máximo que ela nos pode
oferecer. Por que não seguirmos a sabedoria da imagem traçada por JOSÉ CARLOS
BARBOSA MOREIRA?
O BOM MÚSICO,
EXÍMIO NA INTERPRETAÇÃO DOS MAIS AVANÇADOS COMPOSITORES DE NOSSOS DIAS, NÃO
HESITA EM RETORNAR, DE VEZ EM QUANDO, AO REPERTÓRIO TRADICIONAL E TOCAR UMA
PEÇA DE MOZART OU BEETHOVEN. APENAS, PROVAVELMENTE, SUA EXECUÇÃO JÁ NÃO SERÁ A
MESMA: ELE HÁ DE LER A PARTITURA COM OUTROS OLHOS. ASSIM TAMBÉM POSSAMOS NÓS
OUTROS, PROCESSUALISTAS, REVISITANDO LUGARES VENERÁVEIS, DIVISAR NA PAISAGEM
CORES ATÉ ENTÃO DESPERCEBIDAS, E ESCOLHER AS TINTAS ADEQUADAS PARA REVELAR
NOVAS TONALIDADES (Processo Civil Hoje, apud Direito e Processo, José R. Santos
Bedaque, Malheiros, p.44).
Os senhores
talvez estejam frustrados por não terem sido abordados vários aspectos práticos
da Lei dos Juizados Especiais, que têm surgido principalmente no meio
judiciário. Preferi um enfoque acadêmico do tema porque se trata de uma Semana
Inaugural da Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios, razão pela qual não me ocupei de enfocar os inúmeros problemas de
aplicabilidade da Lei 9.099/95, tarefa, aliás, que seria, em meu entender, de
um lado impossível de ser ultimada, dada a limitação do tempo de que dispomos,
e, doutra parte, também pouco produtiva, porquanto teríamos que elencar as
infindáveis questões excogitadas pela doutrina pátria, e, num cansativo e pouco
científico trabalho de compilação, mencionar quais têm sido as soluções
apresentadas pelos vários autores que já escreveram a respeito.
Colocando-me,
porém, à disposição para debater pontos polêmicos da Lei 9.099/95, volto a
agradecer à direção da Escola Superior do Ministério Público, nas pessoas da
Dra. Eunice Amorim de Souza e do Dr. José Brito da Cunha Júnior, pela honra e a
confiança do convite, e a este seleto público, pela atenção e paciência com que
me escutaram.
Palestra
proferida na Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios.
Rogério Schietti Machado Cruz
Promotor de
Justiça do MPDFT
Fonte:
http://www.geocities.com/CapitolHill/Lobby/1647/artigo16.htm