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A importância das abordagens biológicas no estudo do crime

Cristina Queirós
Assistente da Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Universidade do Porto
Membro do Centro de Ciências do Comportamento Desviante

 
 



Resumo

Enfatiza-se a importância das abordagens biológicas no estudo do crime, efectuando-se uma breve análise histórica do seu aparecimento e uma descrição dos diferentes estudos empíricos efectuados. Classificam-se estes em quatro grandes categorias segundo o tipo de factores apresentados como «causa» biológica do crime (factores genéticos, bioquímicos, neurológicos e psicofisiológicos), apresentando a metodologia e resultados obtidos. Criticam-se os estudos apresentados à luz da transição entre a «biologia das causas» para a «biologia dos processos» e defende-se a concepção do sujeito criminoso como um ser biopsicossocial no qual devem ser considerados a personalidade, o acto e a significação.

Palavras-chave: estudos empíricos, biologia, crime.

Introdução

Quando se aborda o fenómeno crime, uma das questões mais frequentemente colocadas é a das suas razões ou causas, sendo comum ouvir como resposta que é porque os sujeitos são fracos, são maus ou são anormais (Cooke, Baldwin & Howison, 1990). No entanto a resposta parece ter de ser bem mais complexa, implicando estudar o sujeito criminoso, de modo a dar conta de todos os factores que influenciam o seu comportamento. Tenta-se seguidamente demonstrar a necessidade de incluir as abordagens biológicas no estudo do crime.

A utilização do actual paradigma científico, o paradigma sistémico-comunicacional-informacional (Agra, 1986), permite ter uma visão complexa do ser humano, pois ao considerá-lo como um sistema biopsicossocial, realça não só a existência dos níveis biológico, psicológico e social, separadamente, mas também a articulação e comunicação entre eles. Num comportamento complexo e problemático como é o crime, a complexidade do sistema biopsicossocial torna--se particularmente importante, pois para intervir é necessário conhecer os diferentes níveis do sistema humano e a importância de cada um deles no comportamento do sujeito.

Um dos níveis mais criticado e desvalorizado é o nível biológico. Defender a existência e a importância das abordagens biológicas no estudo do crime implica entrar num tema polémico, frequentemente utilizado pelos meios de comunicação social como explicação securizante de casos pontuais (1). No entanto, convém não esquecer que esta utilização da biologia como justificação do comportamento não é recente, pois há bem menos de um século quer a biologia, quer o darwinismo social serviram de base para o colonialismo, o racismo e a procura da raça pura (Mednick, Moffitt & Stack, 1987). Contudo, não considerar este nível, elimina à partida um dos elementos do triplo sistema, o sistema biopsicossocial.

Efectuando uma breve análise histórica, as abordagens biológicas do crime parecem ter tido origem na crença popular «o criminoso já nasce assim», na qual se assume que este teria determinados traços físicos que o caracterizam especificamente e o tornam diferente dos outros seres humanos (Mannheim, 1984). No século XVIII esta crença transformou-se numa hipótese cientificamente estudada pela Frenologia (fundada por Gall) que estudava o carácter e as funções intelectuais do Homem a partir da conformação do crânio, pressupondo que o cérebro é a sede da alma. No âmbito da Frenologia muitos trabalhos foram efectuados (ex.: Lavater, Joseph, Caldwell, Spurzheim e Broca, in Mannheim, 1984) e embora alguns tenham estudado sujeitos criminosos, nenhum autor ficou tão célebre como Lombroso (1901), que juntamente com os seus discípulos Ferri e Garofalo desenvolveu toda uma teoria que relacionava o crime com características corporais, acreditando que existia um tipo antropológico distinto que definia o «criminoso nato», sendo este um indivíduo propenso a praticar determinados crimes, e não um doente (que se podia curar) ou um culpado (que se podia castigar). Deste modo definiram não só os sinais físicos (ex.: nariz torcido, molares salientes, estrabismo), como também os sinais psíquicos (ex.: ausência de sensibilidade moral, manifestações de vaidade), dizendo que o criminoso seria um tipo atávico, isto é, um indivíduo no qual haveria uma regressão ao Homem primitivo ou mesmo a formas pré-humanas (2).

A teoria de Lombroso foi muito criticada pelos seus métodos e conclusões, tendo contudo a grande vantagem de iniciar a aplicação das abordagens biológicas no estudo do crime, nível que dominou até cerca de 1940, dando em seguida lugar às abordagens de tipo psicológico até cerca de 1960, e posteriormente às de tipo sociológico. A partir de 1980, constatando-se o fracasso de cada uma destas abordagens na explicação isolada que apresentam, assiste-se à revalorização das abordagens biológicas, não enquanto dado isolado mas integradas noutras perspectivas e essencialmente em articulação com o actual paradigma científico.

Apesar das críticas e do descrédito, mesmo depois da década de quarenta continuaram a ser realizados estudos empíricos de tipo biológico, surgindo também algumas abordagens teóricas. Dentro destas salientam-se Kretschmer (1954), que defendia a importância da estrutura corporal (sobretudo através da noção de inferioridade constitucional) em todos os estudos do comportamento humano, seja este desviante ou normal. Também Exner (1957) defendia a existência de um ramo do saber, intitulado «Biologia Criminal», que se ocuparia do estudo do sujeito e do seu contexto, vendo não só as condições físico-fisiológicas do criminoso, mas também do seu meio ambiente, como é o caso do clima (3). Por fim, Resten (1959) considerava que a «Caracterologia» era fundamental para a noção de responsabilidade do crime, tentando identificar os factores biológicos que condicionam o comportamento humano, e defendendo a existência de especialistas em «Caracterologia» para ajudar os magistrados.

No que se refere a trabalhos empíricos, as críticas foram ainda mais fortes, e como exemplo pode ser referida a investigação de Sandberg e col. (1961, in Mednick, 1987) na qual os autores defenderam a existência de uma ligação entre o comportamento agressivo e violento e a presença dos cromossomas XYY no genótipo do sujeito. De imediato outros investigadores (Kessler & Moos, 1970, e Witkin et al., 1977, ambos in Mednick, 1987) tentaram demonstrar que o estudo anterior não podia ser generalizado, sendo mesmo proposta a abolição das investigações biológicas no estudo do crime (Sarbin & Miller, 1970, in Mednick, 1987), pois estas seriam imorais e cientificamente não éticas, devendo o estudo do crime restringir-se às causas sociais, económicas e políticas. Mais recentemente, Mednick e col. (1984), efectuaram um extenso estudo a partir do qual concluíram que as crianças adoptadas são mais influenciadas para o crime se os seus pais biológicos tiverem cometido crimes. Ainda antes do estudo ser divulgado, um elemento da American Civil Liberties Union reagiu às conclusões apresentadas referindo publicamente que estas não eram válidas pois o estudo carecia de evidência científica (Mednick, 1987).

Perante estes casos pode concluir-se que qualquer tentativa de explicação biológica do crime desencadeia geralmente um juízo prévio de rejeição, traduzindo este um receio de que o enfatizar do nível biológico provoque atitudes de pouca abertura face ao criminoso, baseando-se esta atitude na crença de que seria difícil alterar o que é determinado biologicamente. São então realçadas as investigações sobre factores psicológicos ou sociais, pressupondo-se que estas permitiriam mais facilmente intervenções a nível da prevenção do crime. Esta rejeição ainda se mantém actualmente, pois de cada vez que são divulgadas bases biológicas do comportamento desviante (ex.: alterações genéticas associadas ao comportamento violento, Bader, 1994) reacende-se o debate sobre a validade e o interesse das abordagens biológicas.

Apesar de toda a controvérsia surgida em torno das abordagens biológicas do crime, numerosos estudos foram realizados a partir da década de quarenta, podendo estes ser agrupados em quatro grandes categorias, consoante os factores que associam à «causa» do crime : genéticos, bioquímicos, neurológicos e psicofisiológicos. Para cada uma destas categorias é seguidamente apresentada a metodologia utilizada e os principais resultados obtidos.

1. Factores genéticos

Os estudos incluídos nesta categoria utilizam como metodologia os estudos de gémeos e estudos de adopção.

Nos estudos que utilizam gémeos (Cloninger & Gottesman, 1987; Mednick, Gabrielli & Hutchings, 1987; Mednick & Kandel, 1988) foi encontrado o dobro da correlação para o comportamento criminoso (4) destes, por oposição a irmãos não gémeos. Comparando gémeos monozigóticos e dizigóticos, os monozigóticos apresentam o dobro de correlações no comportamento criminoso, salientando os diferentes estudos a existência de factores genéticos no crime.

No entanto, esta conclusão é geralmente questionada com o argumento de que os gémeos são geralmente tratados de modo igual pelos adultos, o que explicaria a elevada correlação. São então defendidos os estudos de adopção, que utilizam sujeitos que não conhecem os seus pais biológicos, bem como sujeitos que ignoram que são adoptados, permitindo separar efeitos ambientais e efeitos genéticos. Este tipo de trabalhos demonstrou (Mednick, Gabrielli & Hutchings, 1984) que existe uma elevada correlação entre pais biológicos com comportamento criminoso e os seus filhos adoptados por outras famílias, apesar de não existir correlação entre o tipo de crimes cometidos pelos pais biológicos e o tipo de crimes cometidos pelos seus filhos adoptados. Parece também existir uma relação mais forte entre a mãe biológica com comportamento criminoso e o seu filho adoptado (Baker e col., 1989), do que entre pai e filho, o que sugere uma transmissão genética associada ao cromossoma X. Além disso, a criminalidade dos pais parece também estar mais fortemente associada com a criminalidade dos filhos depois da puberdade destes e não antes, verificando-se também que, apesar de muitos adolescentes não cometerem crimes antes da puberdade, a maioria dos criminosos adultos já apresentavam estes comportamentos na adolescência (Cloninger & Gottesman, 1987). Num estudo mais recente (Bader, 1994) foi demonstrada numa família holandesa a transmissão genética associada ao cromossoma X de um comportamento criminoso estereotipado (agressão impulsiva, piromania, violação e exibicionismo), expresso apenas pelos elementos do sexo masculino, sugerindo de novo a existência de factores genéticos.

Apesar dos dados obtidos apontarem de facto para a existência de factores genéticos, o papel do ambiente parece também ser determinante, pois Cadoret e col. (1990), num estudo com crianças adoptadas filhas de pais biológicos com comportamentos criminosos verificaram que quando os pais adoptivos pertenciam a meios sócio-economicamente desfavorecidos as crianças apresentavam mais comportamentos criminosos do que aquelas cujos pais adoptivos pertenciam a classes de estatuto sócio-económico superior.

Deste modo, parece poder-se concluir que existe um factor transmitido geneticamente que aumentaria a susceptibilidade da criança apresentar comportamentos criminosos, podendo esta susceptibilidade ser concretizada se as condições ambientais lhe forem favoráveis. Apresentam-se seguidamente os factores bioquímicos.

2. Factores bioquímicos

Os estudos inseridos neste grupo utilizam como metodologia os doseamentos sanguíneos, tendo como objectivo identificar a quantidade de determinadas substâncias no organismo, incluindo-se nas mais referidas o colesterol e o açúcar (a nível metabólico), as hormonas (a nível neuroendócrino) e alguns neurotransmissores (a nível neuroquímico).

Assim, a nível metabólico os estudos sobre colesterol mostram que a pouca quantidade deste na corrente sanguínea está positivamente correlacionada com o comportamento criminoso (Virkkunen, 1987), apresentando os criminosos menor quantidade de colesterol no sangue do que os sujeitos não criminosos. A menor quantidade de açúcar no sangue é também associada ao comportamento criminoso (Virkkunen, 1987).

Como o álcool é frequentemente relacionado com o comportamento criminoso, foi também estudada a sua associação com o açúcar e com o colesterol. No que se refere ao açúcar, foi demonstrado (Virkkunen, 1987) que fisiologicamente o álcool facilita a diminuição do açúcar na corrente sanguínea por inibição da produção de glucose hepática. Deste modo, o álcool ao fazer diminuir a quantidade de açúcar no sangue pode ser apontado como um factor facilitador do crime. Relativamente ao colesterol (Virkkunen, 1987), a relação entre este e o álcool parece ser mais complexa, surgindo o colesterol como uma substância altamente discriminativa, permitindo isolar dois grupos de sujeitos, raramente distinguidos a propósito do crime: os sujeitos que apresentam um comportamento violento sob a influência do álcool e os que, ingerindo álcool, não apresentam comportamento violento. Os primeiros apresentam um menor nível de colesterol do que os segundos e estes menor nível do que os sujeitos não delinquentes, verificando-se que a maior violência aparece associada a menor quantidade de colesterol.

Em trabalhos mais recentes, Foster e Spitz (1994) demonstraram a existência de alterações bioquímicas específicas num grupo de sujeitos com comportamentos agressivos, enquanto Pihl e Ervin (1990), estudando o cabelo de criminosos violentos e não violentos, encontraram níveis de chumbo e cádmio, que apesar de se situarem nos padrões considerados normais distinguiam os dois grupos, apresentando os criminosos violentos níveis inferiores destas substâncias.

No que diz respeito ao nível neuroendócrino, a hormona mais estudada é a testosterona, sendo geralmente utilizados dois tipos de população: criminosos e sujeitos não criminosos, recolhendo para os criminosos dados sobre o seu crime, enquanto para os não criminosos são usados questionários sobre agressividade. Assim, nas investigações que utilizam sujeitos não criminosos os resultados são muito variáveis e até contraditórios, concluindo-se por vezes que não há correlações entre testosterona e agressividade ou então que existem correlações positivas elevadas (Rubin, 1987). Nos trabalhos realizados com criminosos (Olweus, 1987; Rubin, 1987; Schalling, 1987) os resultados são mais consistentes, e apesar de por vezes não serem significativos, referem que os criminosos apresentam maior nível de testosterona do que os sujeitos não criminosos, existindo também correlações positivas elevadas entre esta hormona e a agressividade avaliada através de questionários. Por fim, a nível das hormonas femininas há poucos estudos efectuados e estes centram-se na progesterona, apresentando resultados inconsistentes (Rubin, 1987; Widom & Ames, 1988) e associando essencialmente o crime às fases do ciclo menstrual ou à menopausa.

Relativamente ao estudos de tipo neuroquímico, é amplamente reconhecido que as influências neuroquímicas no comportamento ocorrem desde o desenvolvimento intra-uterino do sistema nervoso. Deste modo, situações que afectem o normal desenvolvimento do sistema nervoso afectam o seu funcionamento futuro, como por exemplo a subnutrição, que segundo alguns autores estaria associada a maior agressividade (Rubin, 1987). Algumas das substancias mais estudadas (Rubin, 1987; Magnusson, 1988; Virkkunen, 1988; Bader, 1994) são a serotonina, que existiria em menor quantidade nos criminosos, o ácido fenilacético, que existiria em maior quantidade nos criminosos e a norepinefrina, que apresentaria correlações positivas significativas com o crime. Num estudo de revisão de literatura sobre a relação entre a quantidade de monoaminaoxidase e o crime, Ellis (1991) refere que é possível concluir que a baixa actividade desta substância de neurotransmissão aparece associada à desinibição do comportamento, reflectindo contudo na sua ligação com o crime influências da serotonina e de hormonas sexuais.

Como conclusão deste tipo de estudos parece poder dizer-se que existem de facto alterações bioquímicas que constituiriam um fundo biológico que desencadearia comportamentos criminosos, dependendo estes contudo da associação deste nível com outros factores como a ingestão de álcool. Convém também referir que este nível tem sofrido uma rápida evolução, pois à medida que os conhecimentos bioquímicos avançam tem sido possível esclarecer alguns resultados contraditórios e reformular algumas interpretações, reconhecendo-se ainda que os mesmos mecanismos moleculares podem produzir efeitos diferentes em vários indivíduos, consoante o meio, as experiências anteriores e as características individuais. Descrevem-se em seguida os factores neurológicos.

3. Factores neurológicos

Os estudos que se enquadram nesta categoria socorrem-se sobretudo de testes neuropsicológicos (ex.: Bateria Neuropsicológica de Luria, Teste de Retenção Visual de Benton) que utilizam num modelo experimental, efectuando comparações entre sujeitos criminosos e não criminosos.

Este tipo de estudos (Buikhuisen, 1987; Hare & Connolly, 1987; Nachshon & Denno, 1987; Pincus, 1993) associa as desordens do comportamento a lesões cerebrais, essencialmente no hemisfério esquerdo, e como esta associação é mais frequente em sujeitos de classes sociais economicamente desfavorecidas, há autores (Mannheiem, 1984) que sugerem como explicação o facto dos sujeitos destas classes terem mais dificuldade no tratamento destas lesões, o que favoreceria as dificuldades de aprendizagem e a não interiorização das normas, levando ao desenvolvimento do comportamento criminoso.

Dos vários resultados obtidos os criminosos são caracterizados como apresentando dificuldades na capacidade de compreensão e de manipulação de material conceptual, dificuldade em tarefas de ligação sequencial e de organização perceptual, alterações do processamento da informação visual, dificuldades no desempenho de tarefas que implicam altos níveis de atenção e concentração, problemas de aprendizagem, fraco desempenho em tarefas ligadas ao hemisfério esquerdo e preferência pelo uso da mão e pé esquerdos, mas não do olho esquerdo.

Os estudos referem também que a maior parte das disfunções neuropsicológicas encontradas estão associadas a alterações no lobo frontal e nos lobos temporais. Como o lobo frontal comanda a regulação e inibição de comportamentos, a formação de planos e intenções, e a verificação do comportamento complexo, as suas lesões têm como consequência dificuldades de atenção, concentração e motivação, aumento da impulsividade e da desinibição, perda do auto-controlo, dificuldades em se culpabilizar, desinibição sexual, dificuldade de avaliação das consequências das acções praticadas, aumento do comportamento agressivo e aumento da sensibilidade ao álcool (sintomas positivamente correlacionados com o comportamento criminoso), bem como incapacidade de aprendizagem com a experiência (sintoma correlacionado positivamente com a alta incidência de recidivas entre alguns tipos de criminosos). Os lobos temporais regulam a vida emocional, sentimentos e instintos, e comandam as respostas viscerais a alterações ambientais, apresentando as suas lesões também inúmeras consequências, de que se destacam a dificuldade de experienciar emoções, como o medo e outras emoções negativas, com a consequente incapacidade de desenvolvimento do sentimento de medo das sanções, que parece também ser frequente nos criminosos.

Como conclusão pode dizer-se que neste tipo de estudos o crime é associado a lesões em áreas cerebrais específicas, apesar dos conhecimentos de tipo neurológico terem já renunciado à descoberta de centros nervosos específicos no comando de um determinado comportamento, embora continuem a considerar o cérebro como o instrumento que permite o diálogo entre o indivíduo e meio. Apresentam-se em seguida os factores psicofisiológicos.

4. Factores psicofisiológicos

Os estudos que fazem parte desta categoria baseiam-se essencialmente na mediação da activação do sistema nervoso central (isto é, da intensidade da resposta), através de índices fisiológicos, como por exemplo a Actividade Eléctrica da Pele, o Electroencefalograma e o Electrocardiograma, trabalhando sobretudo em contexto laboratorial.

Os estudos efectuados demonstraram que quer a activação tónica (reacção global do sujeito na ausência de estimulação específica) quer a activação fásica (reacção a estimulação específica) é menor nos criminosos, apresentando estes menor ritmo cardíaco, menor nível de condutância da pele e maior tempo de resposta na actividade eléctrica da pele, bem como registos electroencefalográficos com anormalidade, sendo estas mais graves nos criminosos com recidivas (Fowles, 1980; Hemming, 1981; Raine & Venables, 1984; Satterfield, 1987; Venables, 1987; Volavka, 1987; Hodgins & Grunau, 1988; Milstein, 1988; Raine, 1988; Venables, 1988; Buikhuisen, Eurelings-Bontekoe & Host, 1989; Patrick, Cuthbert & Lang, 1994).

Alguns estudos trabalharam também com crianças e adolescentes, tomando em consideração a maturação do sistema nervoso, e demonstrando que a menor intensidade de resposta encontrada nos adultos criminosos pode não ter sido típica destes na infância, havendo estudos (Magnusson, 1988) que demonstraram que as crianças com comportamentos considerados desviantes apresentam maior activação do sistema nervoso. No entanto estudos longitudinais (Raine, Venables & Williams, 1990 e 1995) demonstraram que adolescentes com comportamentos antisoc-iais e que posteriormente vieram a cometer crimes (recolhas de dados efectuadas com doze anos de diferença) apresentavam sempre significativamente menor activação cardiovascular e electrodérmica do que os que não cometeram crimes, sugerindo os autores que existiria uma predisposição biológica e que os elevados níveis de activação impediriam os sujeitos de passar de comportamentos anti-sociais para comportamentos criminosos.

Os dados obtidos por este tipo de estudos caracterizam os criminosos como tendo menor intensidade de resposta a nível fisiológico, sendo contudo necessário alargar os estudos longitudinais de modo a verificar se este padrão é estável e anterior à maturação do sistema nervoso, bem como definir com rigor o que se entende por comportamento desviante na criança.

Após a apresentação dos quatro tipo de factores biológicos extraem-se seguidamente algumas conclusões.

Conclusões

Através da apresentação das quatro categorias citadas é possível constatar que foram realizados diferentes estudos, e apesar das metodologias utilizadas e dos resultados poderem ser por vezes questionados, nem todos poderão ser apontados como científica e metodologicamente incorrectos, demonstrando que de facto existem factores biológicos implicados no crime, sejam estes identificados como genes, hormonas, neurotransmissores, etc.

Constata-se também que, apesar de alguns estudos não referirem apenas as variáveis biológicas, mas também as variáveis psicológicas e contextuais, a divulgação dos seus dados é efectuada segundo uma lógica reducionista e determinista, tentando estabelecer uma causalidade linear entre factores biológicos e o crime, e contribuindo deste modo para a rejeição das abordagens biológicas no estudo do crime. Funcionando de acordo com esta perspectiva linear, se um sujeito cometeu um crime porque as suas características biológicas assim o determinam, e se estas são fáceis de identificar (ex.: medir a quantidade de açúcar e de colesterol), porque não prevenir o crime, alimentando adequadamente os sujeitos que apesar de não terem ainda cometido crimes possam apresentar estas características ? Avançando um pouco mais, porque não efectuar terapias genéticas no embrião para os sujeitos que apresentam a este nível alterações identificadas como características do criminoso ? Perante estas questões levanta-se uma outra, que é da liberdade individual, remetendo esta para a certeza do comportamento ser determinado unicamente por factores biológicos. Ora esta ideia é completamente rejeitada até pelos próprios geneticistas, que distinguem genótipo (informação inscrita nos genes) e fenótipo (tradução exterior dessa informação), relativizando os factores biológicos e considerando a influência de outros factores, como por exemplo os culturais. Esta rejeição tem também uma tradução actual na teoria da epigénese por estabilização selectiva, defendida por Changeux (1985) e segundo a qual, de um conjunto de sinapses neuronais estipulado geneticamente, irão estabilizar apenas algumas, escolhidas em função da estimulação do meio. Ou seja, é rejeitada a ideia do nível biológico como único e principal determinante do comportamento, vendo este como alvo de influências de múltiplos níveis em interacção.

Então, explicar o comportamento apenas a partir de factores biológicos não parece ser um bom método, pois qualquer comportamento, incluindo o comportamento criminoso, é considerado como um conjunto de inúmeros processos em complexa interacção. Estes processos são muitas vezes visíveis através dos seus produtos, que a nível biológico podem ser as hormonas, os genes, o ritmo cardíaco, etc, podendo estes ser medidos através de técnicas desenvolvidas para o efeito. No entanto são apenas produtos e atrás deles escondem-se os processos, que muitas vezes são desconhecidos e aos quais se pretende chegar. Além disso, convém não esquecer que o conhecimento da biologia do crime é obtido apenas a partir dos sujeitos identificados, desconhecendo-se se os sujeitos que cometem crimes e nunca foram identificados possuem também estas características. É também importante distinguir o tipo de crime (ex.: homicídio ou corrupção), bem como a situação em que ocorre (ex.: crime cometido impulsivamente ou cuidadosamente planeado).

Deste modo, a perspectiva biológica utilizada pelos vários estudos descritos pode ser considerada como uma «biologia das causas», que tenta ver os produtos por si e não como manifestação de processos desconhecidos. A alternativa a esta perspectiva é a «biologia dos processos», que começa a ser utilizada actualmente, e que socorrendo--se do estudo dos produtos tenta conhecer os processos que os determinam, utilizando uma causalidade circular e complexa através da qual tenta integrar e articular os factores biológicos com os restantes níveis do comportamento humano.

A nível da biologia do crime alguns passos têm sido dados, considerando que é necessário incluir as bases biológicas do crime, mas em interacção com outros factores (Farrington, 1987; Raine & Dunkin, 1990; Farrington, 1991), não esquecendo que o todo o indivíduo é um ser biológico em interacção com o meio (Karli, 1990), e também exigindo um maior rigor nestes estudos do que aquele que é utilizado na fisiologia clássica (Reilly, 1991).

Em suma, pode-se concluir que as abordagens biológicas, apesar de serem geralmente vistas como polémicas e assustadoras, também são importantes no estudo e na compreensão do crime, não devendo nem ser negadas nem sobrevalorizadas. Então, interpretando os factores biológicos como um dos níveis da personalidade do sujeito (segundo a teoria do sujeito autopoiético, na qual a personalidade é apresentada como um sistema auto-organizador constituído por níveis, Agra, 1990) será possível articular o nível biológico com outros níveis da personalidade, bem como com os níveis do acto transgressivo e com o significado deste (Agra, 1990). Deste modo, funcionando de acordo com o actual paradigma científico (paradigma sistémico-comunicacional-informacional) o fenómeno crime pode ser considerado como um sistema complexo através do qual será possível efectuar troca e articulação de conhecimentos entre os vários tipos de saber, nunca esquecendo que a Biologia nada pode desculpar.

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