Alterações do Código Penal - Lei nº 9.268, de 1º de abril de 1996
Autor:
*Roberto de Almeida Salles
Data:
01/jun/96
Recentemente, a Lei nº 9.268, de 1º de abril de 1.996, alterou alguns dispositivos do Código Penal Brasileiro. Citada legislação promoveu alterações nos artigos 51, 78, 92, 114 e 117 do Código Penal.
Apreciando
o trabalho do professor e jurista Damásio E. de Jesus que escreveu
notas a respeito das mencionadas alterações nesse espaço
de comunicação, desejo no momento tecer algumas considerações,
notadamente sobre a nova redação dada ao artigo 51 do Código
Penal.Conforme já se sabe, não existe mais a possibilidade
de se converter a pena pecuniária em privativa de liberdade. Também
não será mais possível promover a execução
da pena de multa na forma dos arts. 164 e seguintes da Lei de Execuções
Penais.
Com isso, também
ficou derrogado o art. 85 da recém-editada Lei nº 9.099/95,
que por sua vez trazia a possibilidade de conversão da pena de multa
em detenção, quando houvesse a frustração de
seu pagamento pelo devedor.
Apontou o prof.
Damásio, com grande satisfação, o fim da conversão
da pena de multa em detenção.
Não
posso compartilhar do mesmo sentimento de conquista manifestado pelo citado
jurista, uma vez que vejo essa transformação como uma regressão
em nosso sistema penal e, mais ainda, como a garantia da impunidade a certas
infrações penais.
Essa minha
convicção surge em virtude de alguns aspectos práticos
que, talvez, os nossos parlamentares não tenham percebido, em razão
do acalorado momento de discussão e votação de uma
lei e, notadamente, pelas conveniências políticas que norteiam
a criação de uma norma neste país.
Em contato
com alguns conhecidos Procuradores do Estado tomei conhecimento da existência
de dois aspectos importantes que são levados em consideração
para a execução judicial de um valor pelo Estado e que importam
em restrições às cobranças judiciais feitas
pela Fazenda, de forma a racionalizar o trabalho e, principalmente, diminuir
os gastos do próprio Estado com a propositura e movimentação
das ações judiciais.
A primeira
restrição é de ordem legal. A Lei nº 4.468, de
19 de dezembro de 1.984, em seus artigos 4º e 5º, faculta à
Fazenda Pública cobrar em Juízo somente as dívidas
com valor superior a 30% do maior valor-referência vigente no país.
Outra restrição
imposta à cobrança do Estado combina a prática com
as disposições legais vigentes no país, no que tange
à execução fiscal.
Sabe-se que
o art. 40 da Lei nº6.830/80, que trata das execuções
fiscais, faculta ao magistrado a suspensão do processo pelo prazo
de um ano quando não for encontrado qualquer bem para a penhora,
ou quando o devedor não for localizado. No § 2º do mesmo
dispositivo a determinação é que o feito seja arquivado
se, decorrido o prazo da suspensão, o devedor não for localizado
ou não for encontrados bens para a penhora.
Sabedores dessa
disposição legal e faculdade do magistrado, as próprias
Procuradorias Regionais do Estado já orientam os seus procuradores
para elaborar o pedido de suspensão do processo, nos casos referidos
do art. 40 da Lei das Execuções Fiscais. A orientação
serve para aqueles casos em que as dívidas são pequenas,
embora ultrapasse o valor referido na Lei nº 4.468/84, evitando, assim,
maiores gastos para o próprio Estado.
Atualmente,
para se ter uma idéia, esse expediente é utilizado em dívidas
que não ultrapassam R$ 100,00 a 150,00.
Diante desse
quadro, fácil é perceber que, em se tratando de multas aplicadas
em processo penal, dificilmente haverá a devida cobrança
pelo próprio Estado. Primeiramente, os procuradores terão
que verificar se o valor a ser cobrado ultrapassa ou não o piso
estabelecido na Lei nº4.468/84. Se isso ocorrer, ainda assim haverá
sempre a possibilidade iminente de ocorrer a suspensão e posterior
arquivamento da execução a pedido do próprio Estado.
Isto porque, como se sabe, as multas aplicadas em processo penal raramente
ultrapassam o mínimo legal, ou seja, algo em torno de R$ 37,00,
já que é fixada em vistas à situação
econômica do réu e vivemos em um país miserável.
Além
disso e justamente em virtude do grau de pobreza de nosso povo, dificilmente
a Fazenda encontrará bens dos devedores a penhorar, isso se o devedor
for encontrado, o que também já é raro neste país.
Não
restará, evidentemente, outra solução a não
ser solicitar ao juiz a suspensão do processo e, posteriormente,
o seu arquivamento, permanecendo impune o criminoso.
Não
existe mais, nas mãos do Poder Judiciário e do Ministério
Público, a quem entendo deveria sempre caber a execução
da pena criminal seja qual for a sua espécie, qualquer instrumento
de coação, a forçar o devedor da multa penal, assim
considerado após sentença criminal transitada em julgado
e através do devido processo legal, a seu pagamento.
Tudo leva a
crer que as pequenas importâncias devidas serão esquecidas.
Isso, que por si só, já caracteriza um absurdo muito maior
que o cerceamento da liberdade do inadimplente, irá gerar, com certeza,
desgaste muito grande da Justiça, uma vez que muitos condenados,
não sofrerão, na realidade, punição alguma.
Outro dado
muito grave é que, a meu ver, a nova disposição do
art. 51 do CP, já ameaça até mesmo os Juizados Especiais
Criminais. Nesses órgãos, a quase totalidade dos processos
envolvem a aplicação, através de acordos ou não,
da pena de multa.
O que fazer
se o autor do fato, após celebrar acordo sobre a sua pena de multa,
não a paga?
Segundo entendimento
predominante, remete-se certidão à Fazenda Pública
para que este órgão cobre o valor devido, se for de sua conveniência
dentro dos aspectos já enfocados, acabando, dessa forma, com a celeridade
e todos os demais princípios norteadores dos Juizados Especiais
Criminais.
Isso sem se
falar que uma lei, recém-editada (Lei nº 9.099/95), já
foi em parte revogada, antes mesmo da criação dos Juizados
Especiais Criminais.
Por todos esses
aspectos, entendo que a nova disposição gerou certeza de
impunidade e acarretará grandes transtornos ao Estado, representado
pelo Poder Judiciário, Ministério Público e Procuradoria
do Estado, órgãos que serão tomados de enorme volume
de processos executivos inúteis e que irão atravancar ainda
mais o sistema de nossa Justiça.
Como a lei
já está em vigor e não existe a possibilidade de sua
mudança, pelo menos em curto espaço de tempo, resta-nos apenas
pedir, encarecidamente, que o Estado, através de seus procuradores,
cobrem todo e qualquer valor devido à título de multa aplicada
em processo penal, não deixando escapar impune o seu devedor.
Caso isso não
aconteça, em virtude da alegação de não poder
o Estado cobrar todo e qualquer valor devido, pena de ter um gasto maior
com os processos que com o montante a ser cobrado, é de se esperar
que, na próxima mudança do Código Penal, nossos legisladores
deixem de considerar infrações penais todas as contravenções
e crimes onde existe a possibilidade de aplicação tão
somente da pena de multa, já que o processo penal, atualmente, também
custa mais caro ao Estado que a multa ao final aplicada.
*Roberto de Almeida Salles é Promotor de Justiça na Comarca de Dois Córregos e Professor de Direito Penal na Instituição Toledo de Ensino - ITE, em Bauru - SP
e-mail: fernanda@travelnet.com.br
fernanda@travelnet.com.br |