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A justiça é lenta e a injustiça é rápida
 

Daniel Leopoldo do Nascimento



O personagem Orestes, interpretado pelo ator Paulo José, da novela da TV Globo "Por Amor", no Capítulo do dia 11.03.98, afirmou que a "Justiça é lenta e a injustiça é rápida". Essa declaração merece uma melhor reflexão.

A Justiça é lenta, principalmente, porque vive sob o estigma do recurso pelo recurso. O Código de Processo Civil brasileiro, versando sobre os processos de conhecimento (ordinário e sumaríssimo), de execução, cautelar, bem como dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e voluntária, permite aos demandantes (autor, réu e terceiros interessados) uma série de procedimentos que, na maioria das vezes, afogam o Judiciário e retardam as decisões de mérito. Por exemplo: o tempo no judiciário é inversamente proporcional ao tempo na informática. No primeiro, três anos eqüivale a um ano, enquanto no segundo um quadrimestre corresponde a um ano, ou seja, os avanços tecnológicos que ocorreriam no espaço de doze meses ocorrem em quatro meses, assim sendo a evolução que ocorreria em três anos ocorre, hoje, em um ano.

A temática processual se alastra desde a petição inicial, até os agravos de instrumentos ou regimentais, retidos ou não, apelações, embar-gos de declaração, de divergência, de terceiros, infringentes, à execução, à arrematação e à adjudicação, recursos adesivos, principais, especiais, extraordinários, ordinários, reexames necessários (recursos "ex offícios"), suspensões de segurança, e se perpetuam em impugnações ao valor da causa, exceções de incompetência (absoluta ou relativa), impedimentos e suspeições, reconvenções, e outros atrelados às respostas dos réus/autores.

O duplo grau de jurisdição, alicerçado nos princípios do "tantum devolutam quantum appellatum", quer nos casos de recursos vo-luntários quer nos obrigatórios - "ex offícios", retardam a prestação jurisdicional buscada pelos suplicantes. Nos tribunais os processos se avolumam, seja por falta de recursos humanos (magistrados e serventuários), seja logísticos (instalações, equipamentos e materiais) ou financeiros. Os tribunais, ceteris paribus, não têm condições de absorverem as demandas nascidas diuturnamente nas instâncias inferiores das diversas Unidades Federadas.

Pois bem, essa confusa sistemática processual provoca nos postulantes descrença, inconformismo e impaciência, considerando que os pro-cessos que estrangulam o aparelhamento jurisdicional pátrio permanecem, em média, três anos na fase cognitiva (processo de conhecimento) e mais três anos na fase executória (processo de execução). Se a demanda depender de pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, à exceção dos créditos de natureza alimentícia, esse tempo será acrescido de dois ou mais anos, uma vez que os créditos ficarão adstritos exclusiva-mente a ordem cronológica da apresentação dos repugnantes e famigerados Precatórios (dependente, inclusive, da data de sua apresentação - antes ou após 1º de julho). Nesse interregno, dez ou mais anos de sofrida espera, a situação fática dos suplicantes se altera inevitavelmente. O titular do direi-to, se vivo ainda estiver, pronunciará em alto e bom tom: "A Justiça tarda, mas não falha". Ora, se ela tarda, ao ponto de não atender os anseios dos interessados, ela é falha, e se é falha, logo é injusta. A cada dia que se deixa de fazer justiça, perpetua-se, por omissão, a injustiça. Livrai-nos, Senhor, da injustiça nossa de cada dia.

A solução dessa problemática passará, necessariamente, pela modificação estrutural do Poder Judiciário. Acabar com os juízos monocráti-cos contribuiria significativamente para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário. As decisões monocráticas, com as devidas exceções, no regime atual, não têm nenhum efeito prático-operacional, isto porque elas não têm força executiva definitiva, dessa forma são postergadas e, na maioria dos casos, vergonhosamente descumpridas, afrontadas e desrespeitadas. Se as decisões monocráticas não têm força executiva definitiva, porque razão existem então os juízos monocráticos ? No modelo, ora em estudo, as decisões em 1ª instância seriam proferidas por órgãos colegiados e não haveria efeito suspensivo, somente o devolutivo.

O aparelhamento jurisdicional do futuro contemplará tão-somente decisões colegiadas. Os processos, quer de conhecimento, quer de exe-cução, cautelares ou especiais, deverão originariamente ser apresentados e julgados por órgãos colegiados (tribunais de justiça, de alçada, regionais federais, regionais do trabalho, etc.). Das decisões tomadas por maioria pelas Turmas desses órgãos colegiados caberão recursos para o Pleno, sendo que as decisões unanimes dessas Turmas caberão tão-somente recursos para o STJ ou, então, para o STF, dependendo da matéria.

O objetivo prático desse modelo jurídico-institucional é cortar caminhos, diminuir distâncias, ganhar tempo, fazer justiça. Por exemplo: Se o reajuste dos servidores públicos federais de 28,86% tivesse sido apresentado e julgado originariamente pelos tribunais regionais federais, após dois anos a causa já teria sido julgada, também, pelo STF, e não haveria esse massacre psico-jurídico que levou mais de cinco intermináveis anos para concluir, em sede de embargos de declaração - valha-me Deus - que desse percentual deverá ser deduzido os reajustes que porventura foram recebi-dos pelos servidores demandantes após janeiro/93, muito embora a legislação superveniente não tenha previsto esse procedimento. O que a lei não determina, não cabe ao interprete determinar, sob pena de se ferir mortalmente o princípio da legalidade. Observe-se, por oportuno, que o processo ainda se encontra na fase cognitiva, falta ainda a de execução, que levará, por certo, mais dois a três anos, sem contar que o pagamento, das impor-tâncias atrasadas, será feito mediante precatório, na forma do art. 100 da CF/88, ou seja: mais dois anos, no mínimo.

A decisão do STF que julgou os embargos de declaração, deixou a comunidade jurídica perplexa e preocupada, uma vez que, a pretexto de esclarecer ou completar o julgado, alterou o mérito do acórdão embargado. Esse recurso é cabível quando houver, na sentença ou no acórdão, obscu-ridade ou contradição, ou quando for omitido ponto sobre o qual deveria pronunciar-se o juiz ou tribunal, à inteligência das disposições contidas nos incisos I e II, do art. 535 do CPC, logo, não é meio hábil ao reexame da causa, devem-se observar os limites traçados no referido artigo (obscuridade, dúvida, contradição, omissão e, por construção pretoriana integrativa, a hipótese de erro material). Tratam-se de apelos de integração - não de subs-tituição. A jurisprudência é predominante no sentido de que não pode o acórdão de embargos de declaração alterar o julgado. Teotônio Negrão, em seu livro "Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor", 26ª edição, editora Saraiva, pág. 429, comentando o art. 535, nota 3, diz: "A pretexto de esclarecer ou completar o julgado, não pode o acórdão de embargos de declaração alterá-lo (RTJ 90/659, RT 527/240, JTA 103/343). Se fizer, poderá ser cassado em recurso especial (RSTJ 21/289, 24/400; STJ-2ª Turma, R.Esp.6.276-PB, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 12.12.90, deram provimento, v.u., DJU 4.2.91, p. 569, 2ª col., em.), ou desconstituído através de rescisória (JTA 108/390).

No presente feito, não caberia recurso especial do acórdão dos embargos de declaração (art. 105, inciso III, da CF/88). In tese, caberia tão-somente ação rescisória para desconstituí-lo (art. 102, inciso I, alínea "J", CF/88). Todavia, a apresentação de ação rescisória a ser julga-da pelo próprio STF, que já definiu sua posição por maioria (6 a 5), não é remédio jurídico recomendável, pois seria fomentar a indústria do recurso pelo recurso, atrasando ainda mais o desfecho da lide.

Aguarda-se, com ansiedade, a publicação do acórdão dos embargos de declaração a ser redigido pelo Exmº Sr. Min. Relator Ilmar Galvão. É lamentável que os entendimentos tenham sido mudados abruptamente. A Ciência do Direito está de luto, pois a justiça, in casu, foi tarda e falha.

Contudo, no momento, os telespectadores global estão realmente preocupados com o destino do personagem "Helena", interpre-tado por Regina Duarte, face a trama armada pelo autor Manoel Carlos. Houve ou não crime na troca de identidade das crianças ? Caso positivo, existem fortes atenuantes, principalmente a forte emoção. Que o caso não se repita, não se deve fazer apologia de fato delituoso. Todavia, o persona-gem não quis o resultado, mas assumiu o risco de produzi-lo. Afinal, Helena errou, mas quem não erra "Por Amor".
 
 

Daniel Leopoldo do Nascimento

Estudante de Direito da UNB (Brasília), 8º Semestre, bacharelando de 1998.
 

retirado de: http://www.neofito.com.br/artigos/juridi54.htm