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A ACTIVIDADE DE SEGURANÇA PRIVADA E OS SEUS LIMITES
1 – À primeira vista, o recurso a formas de segurança privada surge como um anacronismo no quadro do moderno Estado de direito democrático. Na verdade, tendo o Estado contemporâneo reservado para si o monopólio do uso da força, os particulares foram proibidos de recorrer à vindicta privada, mesmo que emocionalmente o desejem. O contrato social que assim se estabelece entre o Estado e os cidadãos implica, pois, que estes se abstenham de utilizar a força na solução dos seus conflitos, delegando no Estado o ius puniendi; em contrapartida, o Estado compromete-se a usar o seu monopólio da força de um modo legítimo e proporcionado e, bem assim , a garantir a liberdade e a segurança dos cidadãos 1 . Liberdade e segurança que o legislador constitucional português concebe como direitos fundamentais intimamente associados, em homenagem à relação de instrumentalidade recíproca que os vincula 2.

Contudo, a linearidade deste contrato social é perturbada por algumas situações-limite. Desde logo, porque ao nível constitucional não deixa de se reconhecer o direito de resistência, encarado como ultima ratio ou "válvula de escape" de um sistema que assenta no princípio democrático e protege generalizadamente os direitos, liberdades e garantias fundamentais 3. Depois, porque o ordenamento jurídico contempla precisamente algumas situações-limite – o estado de necessidade, a legítima defesa, a acção directa e a detenção em flagrante delito 4- em que se reconhece que, na impossibilidade de recurso em tempo útil à força pública, é possível usar a "força privada".

O reconhecimento destas situações de todo em todo excepcionais não invalida a ideia essencial de que o Estado possui o exclusivo daquilo a que um cientista político norte--americano, Harold Lasswell, chamava a "administração da violência". No entanto, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, esse exclusivo não é o resquício de uma ordem totalitária. É certo que, em termos históricos, o monopólio da força surgiu associado ao nascimento das monarquias absolutas e às concepções do despotismo esclarecido. Mas, nesse contexto histórico, a centralização do poder tinha um objectivo preciso: eliminar os "exércitos privados" que caracterizaram o feudalismo europeu e, desse modo, lançar as bases para a emergência do Estado absoluto. Actualmente, o monopólio do uso da força já não possui esse objectivo político de engrandecimento do poder do princeps legibus solutus. O monopólio estatal da força constitui, nos nossos dias, uma garantia de segurança e de liberdade. É essa, pelo menos, a concepção dominante na Europa.

Mas já não é essa, porém, a visão dominante nos Estados Unidos da América. Aí, associa-se à ideia de liberdade pessoal a liberdade de possuir armas ou outros meios de autodefesa. Ao contrário do que por vezes se afirma, essa visão não surge apenas por influência do poderoso lobby dos comerciantes de armas, a National Rifle Association. Ela é, diferentemente, uma ideia profundamente enraizada na concepção norte-americana de liberdade individual, de liberdade "negativa" que rejeita todo e qualquer constrangimento por parte do Estado. Escrevendo do lado de cá do Atlântico, o sociólogo Anthony Giddens procurou várias explicações para esse fenómeno, chegando mesmo a falar da persistência de uma violenta "tradição de fronteira" na mentalidade norte-americana 5. Giddens frisou que os elevados níveis de criminalidade verificados nos Estados Unidos não derivam directamente do acesso mais ou menos livre a meios de defesa pessoais e deu o exemplo da Suíça, onde quase todos os adultos possuem armas de fogo e munições em casa, mas as taxas de criminalidade são muito baixas.

De todo o modo, essa associação da liberdade pessoal à livre escolha e posse de meios de autodefesa não é dominante nos países da Europa ocidental. Nos países europeus, entende-se que a liberdade pessoal permite, em casos excepcionais, a autodefesa, mas que essa autodefesa não implica a posse e o comércio livre de instrumentos de defesa. É neste contexto que deve ser compreendida a regulação da actividade de segurança privada: por um lado, admite-se a noção de autodefesa, mesmo em termos preventivos; por outro, entende-se que essa autodefesa deve sujeitar-se aos princípios de necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Caso contrário, admitir-se-ia que a autodefesa por parte dos particulares fosse mais vasta e mais ampla do que a heterodefesa realizada pelo Estado, já que esta última sempre se encontra limitada justamente por princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade.

2 – A regulação da actividade de segurança privada – tal como é desenvolvida no Decreto-Lei n.º 321/98, de 22 de Julho – assenta, pois, na ideia de que é legítimo aos particulares zelarem pela sua segurança pessoal mas que isso não lhes confere uma inteira liberdade de escolha dos meios de concretização dessa segurança. Mas o reconhecimento de que a salvaguarda da segurança não é um atributo exclusivo do Estado representa, só por si, um avanço importante. Por outras palavras, o Estado reserva o monopólio do uso da força mas não possui o monopólio de satisfazer a necessidade colectiva de segurança.

É curioso notar, aliás, que o Estado não só não reclama o exclusivo da salvaguarda da segurança como determina, em certos casos, que essa salvaguarda seja assegurada também por entes privados. Nesse sentido, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 321/98 vem mesmo impor a certas entidades – bancos, instituições de crédito ou recintos de diversão, bares e discotecas – a adopção de sistemas de segurança privada. Trata-se de um dado muito interessante no domínio das relações entre o Estado e os cidadãos: por um lado, implica o reconhecimento de que a segurança é um bem escasso e que, no nosso tempo, o aparelho estatal é insuficiente para garantir a defesa dos cidadãos em todas as ocasiões; por outro, traduz um apelo à auto-responsabilidade dos particulares, designadamente daqueles cujas actividades sejam susceptíveis de gerar especiais riscos de segurança, promovendo uma justa distribuição dos custos resultantes de tais actividades.

Em termos teóricos, seria interessante discutir se não nos encontramos aqui perante aquilo a que a análise económica do Direito e a escola da public choice denominam de "privatização do risco". Resta saber – e essa é uma questão curiosa que se poderá colocar a longo prazo – se não existe o risco de se verificar aquilo que a Criminologia designa de "síndroma do trabalho sujo" (dirty-work sindrome) 6. Com essa expressão pretende-se ilustrar aquelas situações em que certos grupos ou indivíduos são mais ou menos "autorizados" a realizar tarefas socialmente reprováveis ou mesmo ilícitas. Um caso paradigmático, assinalado por Jean-Paul Sartre, foi o do comércio de dinheiro pelos judeus, durante a Idade Média. A sociedade mercantil em expansão não podia prescindir de um aparelho financeiro; no entanto, entendia-se que um cristão não podia "sujar as mãos" com dinheiro, nem emprestá-lo a juros. Por isso, admita-se que uma minoria, os judeus, o fizesse, pois era uma função economicamente imprescindível (ainda que teológica e socialmente condenável).

Com as devidas distâncias, há o risco de suceder algo de semelhante nas relações entre o Estado e as empresas de segurança privada. Em certos casos, o Estado "privatiza o risco", obrigando certos sectores a contratarem serviços de autodefesa, não apenas porque não pode mas porventura também porque não quer realizar certos "trabalhos sujos". E é justamente por isso que são necessários limites à actividade da segurança privada. Como se vê, esses limites não se destinam apenas a proteger a sociedade de eventuais excessos praticados pelos trabalhadores das empresas privadas; destinam-se também a proteger as próprias empresas e serviços de segurança do "síndroma do trabalho sujo".

3 – Mas não será contraditório monopolizar o uso da violência e, ao mesmo tempo, permitir que os particulares concorram para a salvaguarda da segurança interna? Como poderão os privados contribuir para a segurança se não dispõem dos mesmos meios que possui o Estado? A resposta a esta questão torna-se mais fácil se tivermos presente que os contributos público e privado para a segurança interna não se situam no mesmo plano. É evidente que a segurança privada, como assinala o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 321/98, desempenha uma função complementar e subsidiária da actividade dos serviços e forças de segurança do Estado. No mesmo sentido, o preâmbuto daquele diploma não deixa de salientar a existência de "laços de complementaridade e colaboração com o sistema de segurança pública".

Daqui resulta, como é óbvio, que o exercício da actividade de segurança privada tem de ser limitado, necessário, adequado e proporcionado. Antes de mais, existe um limite teleológico e funcional: a segurança privada só pode ter por objecto a segurança interna, nunca a segurança externa do Estado português. É certo que nem sempre é fácil definir com clareza e rigor o conceito de "segurança interna". De facto, enquanto a segurança externa tem como referentes a salvaguarda da independência nacional e da integridade do território 7, é mais difícil compreender o sentido fundamental da segurança interna. A Lei n.º 20/87, de 12 de Junho (Lei de Segurança Interna), contém, todavia, uma definição suficientemente esclarecedora, dizendo que a segurança interna é a "actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pela legalidade democrática" 8.

O direito fundamental à segurança interna, que decorre do artigo 27.º da Constituição, assume duas dimensões: uma dimensão negativa, que se traduz num direito subjectivo à segurança, num direito de defesa perante eventuais agressões dos poderes públicos; uma dimensão positiva, que se traduz num direito à protecção através dos poderes públicos contra as agressões ou ameaças de outrem. Esta é uma distinção proposta, entre nós, pelos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira 9.

A actividade de segurança privada obriga-nos a introduzir algumas precisões. Desde logo, porque a dimensão positiva do direito à segurança deixa de ser realizada exclusivamente pela protecção dos poderes públicos: as entidades privadas concorrem, subsidiariamente, através de actos instrumentais e localizados, para a concretização da dimensão positiva do direito à segurança. Mas, ao mesmo tempo, estão também vinculadas, tal como as entidades públicas, ao respeito pela dimensão negativa do direito à segurança, ou seja, esta dimensão negativa também se manifesta em relação às eventuais agressões pelos "poderes privados".

Por outro lado – e este é um dado crucial -, tendo um carácter instrumental e subsidiário, a segurança privada não pode exercer funções que são da competência exclusiva das entidades públicas. Assim, por exemplo, sendo lícito que realizem estudos de segurança, os serviços privados não podem, todavia, desenvolver actividades de recolha e produção de informações de segurança interna que competem em exclusivo ao Serviço de Informações de Segurança 10.

4 - É certo que o reconhecimento de espaços de segurança privada comporta alguns riscos. Desde logo, existe o perigo de o Estado "privatizar" excessivamente o dever de salvaguarda da segurança interna. Por outras palavras, corre-se o risco de se perder de vista a distinção entre público e privado no domínio da segurança interna.

Ora, como bem observou Hannah Arendt, a génese do totalitarismo reside justamente na diluição das fronteiras entre público e privado 11. É fundamental, na verdade, evitar colisões ou sobreposições entre as esferas pública e privada. Mas isso não traduz uma exigência que se dirige apenas ao Estado, ou seja, não existe apenas a obrigação de o Estado respeitar a privacidade – que se manifesta, por exemplo, na inviolabilidade do domicílio, na reserva constitucional da vida privada ou nas regras sobre o segredo das comunicações 12. Ao seu lado, existe também a obrigação de os particulares respeitarem o espaço próprio de intervenção do Estado, que se manifesta a vários níveis: em primeiro lugar, o Estado reserva para si o uso da força; depois, o Estado tem o dominus primordial da segurança interna, situando-se as actividades privadas num plano de subsidiaridade e complementaridade; por fim, o Estado reserva-se o direito de regular, mais ou menos restritivamente, o exercício da actividade de segurança privada.

5 - Para além do risco de diluição das fronteiras entre público e privado, existe o perigo de a regulação da actividade de segurança privada se mostrar insuficiente para evitar o surgimento de formas mais ou menos inorgânicas e espontâneas de autodefesa ou até, numa visão mais pessimista, favorecer tal surgimento. Trata-se do fenómeno das "milícias populares", que é, sem dúvida, um dos mais preocupantes que recentemente emergiram em Portugal.

É evidente que as "milícias populares" traduzem uma ruptura do contrato social, nos termos do qual, como vimos, os cidadãos delegam no Estado o ius puniendi, abstendo--se de combater a criminalidade através da "iniciativa privada". Por outro lado, o combate à criminalidade através da "iniciativa privada" é, no fim de contas, um factor criminógeno que, a médio prazo, pode assumir proporções incontroláveis. As pessoas que se sentem ameaçadas por "milícias populares" não tardarão a reagir, criando as suas próprias "milícias" de contradefesa. Esse fenómeno ocorre, por exemplo, no âmbito dos conflitos entre diversos grupos étnicos, aquilo que certas correntes criminológicas norte-americanas designam de "etnoviolência" 13. Como é evidente, se os jovens negros ou ciganos se sentem ameaçados por "bandos" xenófobos ou racistas não deixarão de constituir os seus próprios grupos de autodefesa. Assim, se o objectivo dos ataques às minorias era combater a criminalidade que supostamente praticavam, não só não se alcançou esse objectivo como se criaram, afinal, novos focos de violência e conflito. Quem recorre à autodefesa privada deveria estar consciente de que ela é sempre um "mau negócio" em termos de segurança.

Aliás, a disciplina jurídica da actividade de segurança privada, ou seja, a previsão de limites à autodefesa vem mostrar, a contrario sensu, a ilegalidade das acções desenvolvidas fora do quadro regulador definido pela lei. Por isso, é extremamente importante proceder a uma regulamentação da actividade de segurança privada, tal como o fez o Decreto-Lei n.º 321/98. Essa regulamentação vale quer pelos efeitos práticos que consegue obter ao nível da alteração de comportamentos, quer pelos seus efeitos simbólicos ao nível da alteração de mentalidades.

Porém, como se disse, não é crível que a regulação da actividade privada permita resolver, só por si, o surgimento de grupos de autodefesa. Existe até o risco de certas formas de segurança privada, apesar de inteiramente legais, serem instrumentalizadas para finalidades mais ou menos obscuras. Num registo ainda mais sombrio, mas felizmente remoto, pode identificar-se o perigo de uma "milícia popular" se autoconstituir em serviço de segurança ou utilizar os serviços de uma empresa já existente para a prossecução das suas finalidades sob uma aparência de legalidade.

6 - Num cenário de catástrofe, perfila-se aquilo a que muitos chamam a emergência de um "novo feudalismo" ou de uma "nova Idade Média". A tese de uma nova Idade Média não é tão nova quanto isso: Nietszche, por exemplo, já lhe fazia referência. A partir daí, o tema da "refeudalização" – para usar a expressão de Habermas – vulgarizou-se na cultura de massas: nos filmes Madmax ou Waterworld, por exemplo, o futuro é retratado como um tempo em que a autoridade do Estado se encontra estilhaçada em face da emergência de grupos armados e de senhores feudais. Umberto Eco dedicou ao tema um ensaio literário interessantíssimo, justamente intitulado "A nova Idade Média" 14.

Tributário desse espírito apocalíptico é o medo – ou mesmo pavor - do chamado "bug do milénio": um erro informático que poderá paralisar o sistema bancário, destruir as comunicações, anular o controlo de tráfego aéreo e impossibilitar o cálculo das pensões de reforma. Não por acaso, o historiador francês Georges Duby, num livro recente, intitulado Ano 1000/Ano 2000 – No rasto dos nossos medos, traçou um paralelo entre os medos que assaltavam os homens do ano 1000 e os medos que actualmente nos perturbam: o medo da morte e da doença, por exemplo, que caracterizou os tempos da Peste Negra não será diverso do medo das doenças contemporâneas, como a SIDA; o "medo do outro", que marcou a intolerância contra os judeus, os muçulmanos ou os hereges, terá paralelo com o medo que nos faz assumir atitudes racistas e xenófobas perante as minorias étnicas e os imigrantes.

Ora, é indiscutível que ao "neofeudalismo" está associado o recurso a mecanismos autocentrados e informais de resolução dos conflitos e parece igualmente claro que, em certos casos, esses mecanismos podem lançar mão da violência ou de meios armados. A agravar este problema, a "nova Idade Média", ao invés da verdadeira e própria Idade Média, surge num tempo de acelerado desenvolvimento tecnológico. Ao contrário do que sucedia com os exércitos privados medievais, os novos exércitos privados dispõem de sofisticados meios de vigilância e controlo, podem apoiar-se em bases de dados que escapam à fiscalização das entidades públicas e servem-se de instrumentos de comunicação poderosíssimos, como a Internet.

Uma visão mais pessimista do futuro far-nos-ia mesmo enfrentar uma paisagem securitária onde ao Big Brother público se acrescentariam dezenas de big brothers privados. Com uma agravante: enquanto o Estado possui uma visibilidade que o torna mais permeável ao escrutínio democrático da opinião pública e das instâncias formais de controlo (como os tribunais), a dimensão e a discrição das empresas privadas permite-lhes sobreviverem numa situação de quase clandestinidade e – por que não dizê-lo? – de relativa impunidade.

7 - Neste contexto, a publicação de um diploma como o Decreto-Lei n.º 321/98 traduz um importante avanço na disciplina da actividade de segurança privada. Nele se contêm, de um modo geral, soluções equilibradas que, ao definirem limites à segurança privada, permitirão satisfazer as necessidades das três partes envolvidas: os cidadãos, que recebem a garantia de que o exercício da actividade de segurança privada não induz efeitos perversos de aumento de insegurança; o Estado, que adquire um instrumento que lhe permitirá proceder a uma gestão mais eficaz da política de segurança a partir da acção complementar de entidades privadas; por último, as próprias empresas prestadoras de serviços de segurança e seus trabalhadores, que são, afinal, os principais interessados na existência de regras claras e transparentes que permitam um exercício saudável de uma actividade económica.

Ainda recentemente, no passado dia 28 de Setembro, o jornal Público realizou uma extensa reportagem sobre esta matéria, de que resultava que as empresas de segurança privada estão fortemente empenhadas numa "moralização" do sector 15. O Decreto-Lei n.º 321/98 representou, na verdade, um importante passo nesse sentido. Como sempre sucede em relação a diplomas legais, as boas soluções gizadas terão, no entanto, que vencer agora a sua verdadeira prova de fogo: a aplicação prática. Dependerá, sem dúvida, da orientação das empresas e da capacidade fiscalizadora do Estado o futuro da actividade de segurança privada 16

8 - Note-se que, em Portugal, o exercício da actividade de segurança privada tem criado, em certos casos, que felizmente são raros, uma espécie de "paradoxo da insegurança". De facto, a pretexto de aumentaram a segurança dos cidadãos, certos indivíduos têm, afinal, provocado o aumento da insegurança. A percepção da segurança é um sentimento volátil: um acontecimento isolado e esporádico – como o homicídio de um cidadão por agentes de uma empresa de segurança – pode criar sentimentos de medo e tensão que crescem em espiral e se prolongam no tempo. Uma morte violenta, sobretudo quando divulgada pelos massa media, permanece enraizada na memória colectiva e pode, só por si, ameaçar a credibilidade de todo um sector da actividade económica.

Além disso, a percepção da insegurança é um fenómeno muitas vezes desligado da realidade. Um livro recentemente publicado sobre o assunto – Crime e insegurança em Portugal, de Eduardo Viegas Ferreira -, concluiu precisamente o seguinte: "Os sentimentos de insegurança que derivam de representações de que a sociedade portuguesa está cada vez mais violenta constituem, no entanto, uma excepção, uma vez que não encontram sustentação nas probabilidades que um cidadão residente em Portugal tem de ser violentamente agredido, sexualmente molestado ou, no limite, assassinado" 17 . Em termos mais singelos, isto significa que a insegurança psicológica é, em regra, mais intensa do que a insegurança real e objectiva. Daí a importância da definição de limites à actividade de segurança privada. Os limites à actividade de segurança privada não são condicionantes extrínsecos, não são obstáculos que se colocam "de fora" a entravar a acção de pessoas ou empresas. Pelo contrário, são limites intrínsecos da segurança privada. São afinal, a própria razão de ser do reconhecimento de um espaço de autodefesa no quadro da Constituição e da lei.

9 - De um modo sumário, podemos identificar, à luz do Decreto-Lei n.º 231/91, os seguintes princípios a que está subordinada a actividade de segurança privada:

  1. Princípio da subsidiaridade – pressupõe, como se viu, o primado da "actividade de segurança interna", isto é, da acção dos serviços e forças de segurança estatais e implica que a actividade de segurança privada só intervenha em áreas periféricas ou não essenciais, em sectores carenciados cuja incolumidade não pode ser exclusivamente garantida pelo Estado e em matérias que representam um elevado grau de risco;
  2. Princípio da tipicidade – resulta da enumeração taxativa, em obediência a um regime de numerus clausus, dos serviços de segurança privada e constitui, em certo sentido, um corolário do princípio da subsidiaridade;
  3. Princípio da competência – deriva, formalmente, da necessidade de autorização específica para o exercício da actividade de segurança privada e visa, no plano material, garantir que tal actividade é desenvolvida por entidades idóneas para o efeito;
  4. Princípio da não usurpação de poderes públicos – concretiza-se na proibição da prática de actos da competência das autoridades judiciárias ou policiais pelos serviços de segurança privada;
  5. Princípio da legalidade – traduz-se na proibição de a actividade de segurança privada assumir um carácter instrumental em relação a quaisquer empresas criminosas ou ilícitas em geral;
  6. Princípio do respeito pelos direitos fundamentais – exprime-se na proibição de a actividade de segurança privada inibir ou restringir o exercício de direitos, liberdades e garantias ou ameaçar ou ofender a vida, a integridade física e moral ou outros direitos fundamentais.
10 - O princípio da subsidiaridade, a que já se fez referência, resulta da diferente natureza que possuem a segurança pública e a segurança privada. Na verdade, a autotutela de direitos tem carácter excepcional – apenas tem lugar quando é impossível recorrer utilmente à autoridade pública – e, por outro lado, está confinada à preservação de interesses individuais 18.

Com efeito, se os serviços e forças de segurança públicos têm a incumbência de defender os direitos liberdades e garantias dos cidadãos mas também interesses do Estado (que não se concretizam necessariamente em direitos subjectivos), já os serviços de segurança privada, à semelhança dos particulares, vêem a sua actividade limitada à defesa de direitos subjectivos como a vida, a integridade física, a liberdade e o património.

Tal como qualquer cidadão que reaja em legítima defesa a uma agressão ilícita e actual, um serviço de segurança privada não tem competência para defender bens do Estado ou interesses supra-individuais em geral. Claro está que esta conclusão não envolve a impossibilidade de um serviço de segurança privada prevenir, por exemplo, o furto de um automóvel pertencente ao Estado (nomeadamente se prestar funções para um determinado organismo público). Na verdade, os bens do Estado são passíveis de defesa privada na medida em que possam constituir objecto de relações jurídicas privadas.

Todavia, se estiver em causa um interesse do Estado enquanto titular do jus imperii, já não há lugar a qualquer forma de defesa privada. Para dar um exemplo esclarecedor, dir-se-á que um serviço de segurança privada não pode, por exemplo, dispersar uma manifestação ilícita para assegurar a ordem pública. Outro tanto sucederá relativamente a interesses supra-individuais. Assim, por exemplo, uma empresa de segurança privada não pode reagir contra outra empresa que desenvolva uma actividade poluente, para garantir a subsistência da fauna e da flora de certa região.

Em tese geral, esta diferenciação resulta da diversa natureza da segurança pública e da segurança privada. A última, como manifestação organizada de autotutela de direitos, é explicável – tal como, por exemplo, a legítima defesa – à luz do princípio da autonomia ética da pessoa humana 19. É esta a única visão que se coaduna, na verdade, com a Ordem Constitucional portuguesa. É de excluir um entendimento que explique a actividade de segurança privada através da ideia de defesa da Ordem Jurídica (aproximando-a, perigosamente, da actividade dos serviços e forças de segurança públicos e favorecendo, a prazo, o surgimento de "exércitos privados").

11 - O princípio da subsidiaridade da segurança privada concretiza-se numa enumeração taxativa de serviços, que visam, em geral, a protecção de pessoas e bens e a prevenção da prática de crimes 20. Assim, entre as actividades admitidas contam-se a vigilância de bens, a protecção de pessoas (serviço de "guarda-costas"), o transporte de valores e a instalação ou exploração de sistemas de segurança 21.

Quaisquer actividades que ultrapassem o âmbito da definição dos serviços de segurança privada admissíveis – e, em concreto, as próprias actividades que excedam a autorização conferida em cada empresa – hão-de ser consideradas ilícitas. E, no limite, a prática reiterada de tais actividades implica o cancelamento do alvará ou da licença, pelo Ministro da Administração Interna, mediante proposta do Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna 22.

12 - Preocupação primordial do Decreto-Lei n.º 231/98 é garantir que a actividade da segurança privada é prosseguida por entidades idóneas para o efeito. Deste modo, o legislador começa por enunciar vários requisitos que deverão preencher os administradores e gerentes das empresas, entre os quais se contam a cidadania portuguesa, de um estado da União Europeia ou de um país de língua oficial portuguesa (em condição de reciprocidade) e a ausência de condenações pela prática de crime doloso 23. Também o pessoal de vigilância e de acompanhamento, defesa e protecção de pessoas deve possuir qualidades físicas e psicológicas a comprovar em exames previstos para o efeito, para além de dever frequentar cursos de formação inicial e contínua 24.

Por outro lado, as entidades de segurança privada só poderão obter alvará ou licença desde que possuam determinado capital social mínimo, prestem uma caução a favor do Estado, tenham seguro de responsabilidade civil e de roubo e possuam instalações e meios materiais e humanos adequados 25. Por seu turno, o alvará e a licença discriminarão sempre os serviços e os meios de segurança autorizados em relação a cada entidade requerente 26.

Este vasto conjunto de exigências destina-se, naturalmente, a impedir o exercício da segurança privada por entidades não preparadas para o efeito e a garantir que, numa actividade que envolve sempre risco de ofensa de bens pessoais e patrimoniais, haja capacidade de ressarcimento dos prejuízos causados.

13 - Limite da maior importância à actividade de segurança privada é o que proíbe a prática de actividades reservadas às autoridades judiciárias ou policiais 27. Todas as acções de investigação atribuídas a órgãos de polícia criminal pelo Código de Processo Penal – tais como os exames, revistas, buscas, apreensões, intercepções de comunicações, identificações, detenções e interrogatórios – são absolutamente vedados às entidades que prestam serviços de segurança privada.

Para além disto, também a actividade de manutenção de ordem pública, genericamente assegurada pela Polícia de Segurança Pública e pela Guarda Nacional Republicana, está fora do âmbito da actividade da segurança privada. Assim, como é evidente, nenhuma empresa de segurança privada se pode dedicar a actividades de policiamento das vias públicas ou à repressão de alterações de ordem pública.

14 - O Decreto-Lei n.º 231/98 prevê entre os serviços de segurança privada o acompanhamento de defesa e protecção de pessoas. Trata-se daquilo que vulgarmente se chama "serviço de guarda-costas". Ora, a criação deste tipo de serviço, a par da existência de outros serviços de vigilância, recomenda as maiores cautelas tendentes a evitar que a actividade de segurança privada seja instrumentalizada por organizações criminosas. Por conseguinte, o legislador proíbe expressamente que o exercício da actividade de segurança privada vise proteger bens, serviços ou pessoas envolvidas em actividades ilícitas 28.

Claro está que esta proibição não obsta, por exemplo, a que uma empresa que não haja regularizado a sua situação fiscal ou tenha efectuado um despedimento ilegal (casos em que praticou actos ilícitos...) recorra a serviços de segurança privada. Apenas se pretende evitar, rigorosamente, que os serviços de segurança privada constituam o suporte da prática de actividades ilícitas.

15 - Finalmente, a exigência de respeito pelos direitos fundamentais é concretizada numa norma do Decreto-Lei n.º 231/98 que proíbe o desenvolvimento de actividades susceptíveis de ameaçar ou ofender a vida, a integridade física ou moral e outros direitos fundamentais 29. Esta proibição permite caracterizar a actividade da segurança privada como estritamente preventiva e dissuasora. Não significa isto, no entanto, que a actividade de segurança privada se não possa prevalecer dos institutos de autotutela de direitos previstos na Ordem Jurídica portuguesa. Tanto a legítima defesa como o direito de necessidade e a detenção em flagrante delito podem ser, na realidade, exercidos por trabalhadores de empresas de segurança privada.

Importa, contudo, fazer dois breves reparos neste domínio. Em primeiro lugar, os trabalhadores de empresas de segurança privada devem obedecer a um especial dever de contenção quando actuam em legítima defesa. Tal como se afirma que existem limites "ético-sociais" da legítima defesa em casos de pequenas agressões e agressões perpetradas por inimputáveis ou por pessoas próximas do agente 30, também no caso de o defendente possuir uma formação especial se exige uma moderação reforçada. Esta moderação vale, sobretudo, para agentes de forças e serviços de segurança mas também para trabalhadores de empresas de segurança privada 31. A segunda observação respeita à acção directa. Esta causa de justificação visa evitar a inutilização prática de direitos 32. Pela sua configuração,não parece coadunar-se com a actividade de segurança privada. Aliás, o seu exercício por trabalhadores de empresas de segurança privada aproximar-se-ia drasticamente das chamadas "cobranças difíceis", que configuram verdadeiros crimes contra a liberdade, muitas vezes praticados por associações criminosas.

Num outro plano, a actividade das empresas de segurança privada também não pode pôr em causa os direitos à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, concebidos como direitos fundamentais pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Ora, a admissibilidade de gravações de imagem e de som por sociedades de segurança privada ou serviços de autoprotecção é susceptível de lesar estes direitos. É de observar, todavia, que tais gravações visam exclusivamente a protecção de pessoas e bens e devem ser destruídas no prazo de 30 dias, só podendo ser utilizadas nos termos da lei penal. Acresce que nos lugares objecto de vigilância é obrigatória a aposição de avisos bem visíveis, prevenindo o público de que estão a ser colhidas imagens e, se for caso disso, sons 33.

Estes últimos avisos descaracterizam, em princípio, as gravações como ilícitos criminais. Na verdade, o crime de gravações e fotografias ilícitas pressupõe ausência de consentimento, no caso de palavras, e o dissentimento propriamente dito, no caso de imagens 34. A existência de aviso e o fácil conhecimento dos respectivos termos pelos interessados visa, justamente, preencher o requisito do consentimento, tornando as condutas atípicas no plano do Direito Penal.
 
 

RUI CARLOS PEREIRA









NOTAS
 
 

* O presente texto reproduz, com pequenas alterações, a comunicação apresentada no primeiro Seminário de Segurança Privada, promovido pelo Ministério da Administração Interna em 13 de Outubro de 1998. Tal intervenção foi preparada com a colaboração do Gabinete de Estudos do SIS.

(1) Questão controvertida é a de saber se o Estado é obrigado a exercer o poder punitivo em casos de grave ofensa a bens jurídicos fundamentais. Em matéria de incriminação de condutas, Claus Roxin dá uma resposta negativa – cfr. Strafrecht Allgemeiner Teil, I, 1992, pp. 16-7 . Diferentemente, há quem sustente que o contrato social implica o dever de o Estado punir determinadas condutas – assim, na doutrina portuguesa, Faria Costa, O perigo em Direito Penal, 1992, p. 202 e ss. e n. 4. Parece que a existência de uma escala de bens jurídicos, resultante de uma leitura material da Constituição, obriga à tutela penal dos bens pessoais mais importantes, como a vida, a integridade pessoal e a liberdade – neste sentido, cfr. Rui Pereira, O crime de aborto e a reforma penal, 1995, p. 75 e ss.

(2) Sugestivamente, os direitos à liberdade e à segurança são contemplados conjugadamente, como um único direito fundamental, no âmbito do art.º 27, n.º 1, da Constituição.

(3) Consagrado no art.º 21.º da Constituição, o direito de resistência é o instituto constitucional que legitima, genericamente, a autotutela de direitos e, em especial, a legítima defesa. O direito de resistência é concebido como "direito de resistir a qualquer ordem que ofenda... direitos liberdades e garantias" ou "repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública". Trata-se, como recentemente sublinhou Jorge Miranda, no decorrer de um colóquio (Direitos humanos e eficácia policial, 5 a 7 de Novembro, Centro Cultural de Belém, Lisboa, org. da Inspecção Geral da Administração Interna do Ministério da Administração Interna), de um direito fundamental oponível a entidades privadas e públicas. A verdade, porém, é que, na prática, a sua oponibilidade a entidades públicas é praticamente inexequível: o direito de resistência emerge de uma situação em que os direitos, liberdades e garantias são denegados.

(4) O estado de necessidade justificante ou direito de necessidade é previsto nos artigos 34.º do Código Penal e 339.º do Código Civil. Exige uma ponderação de interesses conflituantes, admitindo o sacrifício do interesse manifestamente inferior, em nome de um princípio de solidariedade.

A legítima defesa pressupõe uma agressão ilícita e actual de interesses do próprio ou do terceiro e é já compatível com a lesão de interesses de valor superior, nos termos dos artigos 32.º do Código Penal e 337.º do Código Civil.

A acção directa, prevista no artigo 336.º do Código Civil, admite o sacrifício de interesses de valor igual ou inferior ao dos interesses salvaguardados, para assegurar direitos que correm o risco de inutilização prática.

Por fim, a detenção em flagrante delito pode ser efectuada por qualquer pessoa quando nenhuma autoridade judiciária ou entidade policial estiver presente ou puder ser chamada em tempo útil e o crime for punível com pena de prisão, nos termos do art.º 255.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

(5) Cfr. Anthony Giddens, Sociology, 2.ª ed., 1992, p. 137.

(6) Cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, Criminologia – O homem delinquente e a sociedade criminógena, reimp., 1992, p. 264 e ss.

(7) Os objectivos da defesa nacional são claramente enunciados pelo art. 273.º, n.º 2, da Constituição: "a defesa nacional tem por objectivos garantir no respeito de ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça extrenas".

(8) Cfr. o artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 20/87.

(9) Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., 1993, p. 184.

(10) Esta exclusividade é garantida pelo artigo 2.º, n.º 1, da Lei Orgânica do SIS. (Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho): "O SIS é, no SIRP, o único organismo incumbido da produção de informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido".

(11) Segundo Arendt, é a destruição dessas duas esferas que diferencia o governo totalitário de um governo (simplesmente) tirânico: "O governo totalitário, como todas as tiranias, certamente não pode existir sem destruir a esfera da vida pública, isto é, sem destruir, através do isolamento dos homens, as suas capacidades políticas. Mas o domínio totalitário como forma de governo é novo no sentido de que não se contenta com esse isolamento, e destrói também a vida privada" – cf. Hannah Arendt, O sistema totalitário, 1978, pp. 588-589; curiosamente, esta ideia é partilhada por Julien Freund, L’essence du politique, 1965, p. 299.

(12) Observe-se que o artigo 34.º, n.º 4, da Constituição determina que "É proibida toda a ingerência na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na Lei em matéria de processo criminal". Por outro lado, o Código de Processo Penal faz depender qualquer intercepção de comunicações de mandado ou autorização judicial (artigos 187.º a 190.º) e a Lei de Segurança Interna atribui à Polícia Judiciária competência exclusiva para realizar tais intercepções (artigo18.º).

(13) Cf. Fred L. Pincus e Howard J. Ehrlich (eds.), Race and Ethnic Conflict – Contending Views on Prejudice, Discrimination, and Ethnoviolence, 1994, passim.

(14) Cf. Umberto Eco, "A nova Idade Média", Viagem na irrealidade quotidiana, Lisboa, 2.ª ed., 1986, p. 57 e ss.

(15) Cfr. Público de 28 de Setembro de 1998, p. 21.

(16) Nos termos do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 23/98, "A fiscalização da actividade de segurança privada é assegurada pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna com a colaboração da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana, sem prejuízo das competências destas forças de segurança e da Inspecção-Geral da Administração Interna". Por outro lado, relativamente à melindrosa actividade de gravação de imagens e de sons (artigo 12.º, n.ºs 2 e 3), possui competência fiscalizadora a Comissão Nacional de Protecção de Dados (artigos 4.º, n.º 4, e 22.º, n.º 1, da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro).

(17) Cf. Eduardo Viegas Ferreira, Crime e insegurança em Portugal –Padrões e tendências, 1985-1996, 1998, p. 126.

(18) É este o entendimento maioritário da doutrina penal acerca da legítima defesa. Cfr. Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Lehrbuch des Strafrechts, 5.ª ed., 1996, p. 340.

(19) Em última instância a autotutela de direitos deduz do princípio da essencial dignidade de pessoas humanas consagrado no artigo 1.º da Constituição. Fundamenta explicitamente a legítima defesa na autonomia ética da pessoa humana. Günther Stratenwerth, Strafrecht, 3.ª ed., 1981, p. 133 e ss. Na doutrina portuguesa fundamentação idêntica é apresentada por Fernanda Palma, que invoca ainda a ideia de "insuportabilidade da agressão" – a justificação por legítima defesa como problema de delimitação de direitos, 1.º, 1990, p. 557 e ss.

(20) Cfr. art. 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 231/98.

(21) Cfr. artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 231/98

(22) Cfr. artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 231/98.

(23) Cfr. artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 231/98.

(24) Cfr. artigos 7.º, n.º 2, e 8.º do Decreto-Lei n.º 231/98.

(25) Cfr. artigos 22.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 231/98.

(26) Cfr. artigo 26.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 231/98.

(27) Cfr. artigo 6.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 231/98.

(28) Cfr. artigo 6.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 231/98.

(29) Cfr. artigo 6.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 231/98.

(30) Sobre os limites ético-sociais à legítima defesa, vide Claus Roxin, Strafrecht, op. cit., p. 429 e ss.

(31) Expressão deste dever de moderação é o regime restritivo de porte de arma de defesa em serviço pelo pessoal das empresas de segurança privada, que carece de autorização escrita trimestral da entidade patronal para o efeito, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 231/98.

(32) Cfr., supra, n.4.

(33) O artigo 12.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 231/98 estabelece que "Nos lugares objecto de vigilância com recurso aos meios previstos nos números anteriores é obrigatória a afixação, em local bem visível, de um aviso com os seguintes dizeres: ‘Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão’ ou ‘Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagens e som’".

(34) O crime de gravações e fotografias ilícitas está previsto no artigo 199.º do Código Penal, sendo punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias. Neste crime o consentimento na gravação de palavras e o não dissentimento na colheita de imagens funcionam como verdadeiras causas de exclusão da tipicidade, visto que as condutas só alcançam uma ressonância ético-jurídica desvaliosa em função da oposição, real ou presumível, da vítima – cfr., sobre isto, Costa Andrade, Consentimento de acordo em Direito Penal, 1991, passim. O Código Penal prevê ainda o crime de devassa da vida privada, no artigo 192.º, requerendo, como elemento subjectivo especial da ilicitude, a intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual. Também neste caso é cominada a pena de prisão até um ano ou a pena de multa até 240 dias.


Retirado de http://www.sis.pt/docs/Seminario.htm