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A Natureza da Suspensão Condicional do Processo
Autor: *Roberto de Almeida Salles
Data: 10/mar/96
Com a edição da Lei nº 9.099/95, que dispôs sobre
os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, grande evolução
sofreu o Direito Penal Brasileiro.
Primeiramente, viabilizou-se a aplicação da transação
penal nos crimes de menor potencial ofensivo, já prevista desde
1.988 no artigo 98, inciso I da Constituição Federal e que
aguardava sua regulamentação através de lei infraconstitucional.
Além disso, criou-se a possibilidade da transação
civil como meio de extinguir a punibilidade do agente sem apreciação
do mérito da causa, dando maior ênfase à satisfação
dos prejuízos materiais do ofendido. Isso sem contar os novos casos
em que a legislação pátria passou a exigir a representação
da vítima ou de seu representante legal para a propositura da ação
penal.
Todas essas modificações, acompanhadas de um procedimento
novo, mais célere e informal, significam, para aqueles que trabalham
com o Direito Penal Brasileiro, novas ferramentas para tornar a Justiça
Criminal do país mais eficiente, rápida e verdadeiramente
voltada à pessoa do ofendido.
A par de todos esses novos institutos, surgiu também a figura da
suspensão condicional do processo (art. 89).
Figura bem assemelhada à da suspensão condicional da pena
ou sursis, a suspensão condicional do processo talvez seja o instituto
recém-criado que mais dúvidas e polêmicas suscite.
Trata-se de figura jurídica que possibilita a paralisação
do processo penal, por um determinado prazo estabelecido em lei, desde
que o autor do fato, já acusado de uma infração penal,
preencha certos requisitos e cumpra, durante o período de prova,
algumas condições preestabelecidas pelo juiz.
Não há, como alguns podem pensar, em caso de aceitação
da suspensão do processo, aceitação de culpa ou imposição
de pena. As restrições aceitas pelo acusado constituem um
preço que este paga para não discutir sua culpa no processo
onde lhe é imputada a prática de uma infração
penal.
Neste particular, é de se ressaltar que essa infração
penal não é necessariamente a de menor potencial ofensivo,
definida no artigo 61 da supra citada lei. A aplicação da
suspensão do processo ocorre também naquelas infrações
não definidas como tal nesta legislação, bastando
que a pena mínima seja igual ou inferior a um ano (art. 89).
Pois bem. Feitas essas rápidas considerações preliminares,
é de se analisar a natureza jurídica da suspensão
condicional do processo.
Nessa oportunidade, aproveito para divulgar aos leitores interessados uma
outra noção acerca do tema, diferente do que vem sendo exposto
por alguns autores em suas respeitadas obras.
Ao contrário do que sustentam esses autores, no sentido de ter o
instituto natureza mista (processual e material), entendo que a suspensão
condicional do processo tem natureza jurídica puramente processual.
Primeiramente, porque a figura visa atingir, sobrestar, um processo. Como
visto, não há aceitação de culpa ou imposição
de pena. O alvo da suspensão é um processo e não uma
pena como ocorre no sursis.
Portanto, verifica-se que a sua essência é exclusivamente
processual. E natureza, na acepção pura do termo, é
essência (vide "Dicionário Escolar da Língua Portuguesa
do Ministério da Educação", p. 765).
Logo, não me parece correto afirmar que a natureza jurídica
da suspensão condicional do processo é mista pelo fato de
produzir uma conseqüência no direito material, que seria a extinção
da punibilidade quando, ao final do período de prova, verifica o
juiz que o acusado cumpriu todas as condições objeto da proposta
inicial. Ao apreciar a natureza jurídica de um instituto devemos
ficar atentos à sua essência e não à sua conseqüência.
Esta não tem o poder de interferir naquela.
É o caso, apenas para ilustrar, da sentença criminal condenatória
transitada em julgado. Inegável que sua natureza, sua essência
é penal. Porém, essa sentença produz conseqüências
civis, já que é, por lei, título executivo judicial,
possibilitando a reparação do dano, obrigação
do campo civil. Nem por isso, ou seja, por essa conseqüência,
fala-se que a sentença criminal condenatória transitada em
julgado é de natureza mista.
Por fim, entendendo que a natureza jurídica da suspensão
do processo é mista, chegaremos, a meu ver, à conclusão
de que o instituto é inconstitucional.
Raciocinando pela natureza mista da suspensão do processo, verificaremos
que na sua proposição estaria a lei infraconstitucional (lei
9.099/95) permitindo discussão quanto à pena, mais precisamente
sobre uma forma de se extinguir a punibilidade do agente, em casos não
autorizados pela Constituição Federal, afrontando-a, portanto.
É que o artigo 98, I da Constituição Brasileira somente
permite a transação penal nos casos de infração
de menor potencial ofensivo. Como vimos acima, a suspensão condicional
do processo é aplicável, também, às infrações
não definidas como tal. Admitindo-se a natureza mista da figura
ora estudada, estaríamos admitindo discussão sobre pena fora
dos casos previstos e admitidos pela Constituição Federal,
havendo flagrante inconstitucionalidade.
Nossa posição, aponta para a constitucionalidade da suspensão
do processo, justamente por ser esta de natureza puramente processual.
Assim, a discussão existente quando de sua proposta não envolve
pena, nem mesmo culpa. A transação versa somente sobre o
prosseguimento ou não do processo. É a chamada transação
processual, que não se confunde com a transação penal,
referida na Constituição.
Para finalizar, dentro desse raciocínio aqui desenvolvido, chegamos
à conclusão que, por ser de natureza processual o artigo
89 da Lei 9.099/95 não retroage. Primeiro, pelo que dispõe
o artigo 2º do Código de Processo Penal, quanto às normas
de natureza processual. Depois, pelo que disciplinou o artigo 90 da legislação
ora estudada que, certamente se referindo às suas normas de caráter
processual, preceitua que tais disposições não se
aplicam aos processos em que a instrução já tenha
se iniciado, não permitindo sua retroatividade.
É, portanto, segundo esse entendimento, irretroativo o artigo 89
da Lei nº 9.099/95, que disciplina a suspensão condicional
do processo.
Essas são as considerações que deveriam ser feitas
neste trabalho, que tem o intuito de divulgar outro posicionamento acerca
do tema escolhido, diverso daquele que vem sendo colocado na maioria das
obras em circulação atualmente no Brasil, mantendo acesa
sempre a discussão sobre nossas leis.
*Roberto de Almeida Salles é Promotor de Justiça em Dois
Córregos e Professor de Direito Penal na Instituição
Toledo de Ensino