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A PESSOA JURÍDICA VÍTIMA DO CRIME DE CALÚNIA

Rogério Ristow

O presente artigo procura demonstrar de maneira fundamentada que o Direito brasileiro, atualmente, admite que a pessoa jurídica figure no pólo passivo do crime de calúnia.

Inicialmente, cumpre salientar que o princípio do Direito Romano, "societas delinquere non potest", já não é mais absoluto em nosso meio jurídico, face a possibilidade de a pessoa jurídica ser responsabilizada criminalmente.

Dita possibilidade encontra-se estampada no artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal, vindo as discussões à tona com o advento da Lei número 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), onde prevê que "as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente...".

Discussões a parte, hoje o ente jurídico pode cometer crimes e sofrer sanções independentemente de seus sócios ou responsáveis legais.

Lembramos ainda, que o objeto jurídico nos crimes de calúnia e de difamação, é a honra objetiva, que conforme Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, ob. cit. pg. 3, é "nossa reputação, traduzida como a face exterior da honra de alguém, o respeito que deve merecer daqueles que o cercam, a boa fama, o estima pessoal, enfim, a maneira pela qual é reconhecido na sociedade".

Não há portanto, dúvidas de que a Pessoa Jurídica possui a honra objetiva, uma vez que a mesma, nas palavras do Professor Frederico Abrahão de Oliveira, ob. cit. pg. 37, ao mencionar uma corrente de pensamento, "tem seu bom nome a proteger, seu crédito, sua respeitabilidade, enfim, garantir a sua confiabilidade que é patrimônio moral, é honra objetiva sem a qual estaria inviabilizada a empresa no seu meio (o mercado) por isso que carece de proteção legal contra ataques desinformados ou mal intencionados dos caluniadores".

Possuindo honra objetiva, e a mesma vindo a ser atacada ilicitamente, presente estará algum dos crimes contra a honra.

Vejamos ainda a exposição do penalista E. Magalhães Noronha, ob. cit. pg. 120, no sentido de que "não se contesta que ela (pessoa jurídica) goze de reputação e conceito (p. ex., uma sociedade comercial que tem renome, crédito, boa fama etc.) que podem ser abalados por campanha difamatória, ainda que o difamador excetue à pessoa de seus componentes e atribua os fatos à entidade ou organização".

Neste sentido há decisão unânime da 2a. Turma do STF, em que foi relator o Sr. Ministro Francisco Rezek, in RTJ-113/90, vol. 113, julho de 1985: "A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de difamação; não porém, de injúria ou calúnia. E assim o é apenas porque, à pessoa jurídica, não se pode negar reputação e boa fama, que não constituem atributos da honra subjetiva - como na injúria - mas sim da honra objetiva. Assim, ninguém poderá pleitear que a pessoa jurídica seja sujeito passivo de injúria ou calúnia. E é assim porque o sentimento de dignidade ou decoro só é concebível numa pessoa física. Mas, na sua reputação, repetimos, a pessoa jurídica pode ser atingida; tanto que essa lesão reflete em seu patrimônio."

Outro julgado do STF, relatado pelo eminente Min. Rafael Mayer, dissipa as dúvidas da seguinte forma: "Ora, não se pode recusar às pessoas jurídicas o direito à reputação, à respeitabilidade e à incolumidade moral, no plano do convívio social, bens da vida que estão sob a proteção do artigo 139 do Código Penal".

Este portanto, é o entendimento de nossos Tribunais, dentre os quais o Supremo Tribunal Federal, que como vimos, reiteradas vezes já decidiu que a pessoa jurídica pode ser vítima do crime de "difamação", não tendo portanto, ainda reconhecido o mesmo quanto ao crime de calúnia, por até então entender que, em a pessoa jurídica não podendo cometer crimes, igualmente impossível ser vítima de calúnia.

Mas, como vimos, os tempos são outros. Em que pese entendimento em contrário, hoje, a pessoa jurídica pode perfeitamente cometer crimes contra o meio ambiente, sendo por isso responsabilizada penalmente, independentemente de seus representantes legais.

Havendo portanto, a possibilidade de a pessoa jurídica cometer algum ilícito penal, e por isso sofrer uma sanção criminal, e sendo ela indiscutivelmente possuidora de honra objetiva (reputação, etc.), não há sombra de dúvidas que a mesma pode perfeitamente vir a ser vítima do crime de calúnia!

Assim por exemplo, aquele que imputar falsamente a qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, fato definido como "crime ambiental", incorrerá nas penas do artigo 138 do Código Penal ou do artigo 20 da Lei de Imprensa, conforme o caso.

Concluindo, a pessoa jurídica que for falsamente imputada de crime contra o meio ambiente, terá legitimidade para requerer explicações em juízo, requerer abertura de inquéritos policiais e ainda, oferecer Queixa-crime contra o causador deste mal, e consequentemente, com a sentença condenatória transitada em julgado em mãos, requerer a devida indenização para a reparação de danos causados contra a sua honra no juízo cível competente.

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Rogério Ristow
Advogado em Brusque/SC e
Pós-Graduando em Direiro Penal e Processual Penal pela FURB

Retirado de http://www.neofito.com.br/artigos/penal121.htm